O compartilhamento de pessoal e infraestrutura em empresas do setor elétrico


Porjeanmattos- Postado em 19 novembro 2012

Autores: 
CHAVES, Marcos Henrique Vieira
ROLDÃO, André Afonso Paes Gomes

 

O compartilhamento de pessoal e infraestrutura não encontra óbices legais e deve ser acompanhado do controle contábil que garante a individualidade das concessões e a adequada prestação dos serviços públicos, em nome da eficiência e modicidade tarifária.

Introdução

As recentes inovações no setor elétrico causadas pelas Medidas Provisórias 577/2012 e 579/2012 tendem a gerar mudanças na estrutura societária de diversas empresas do setor de energia, na medida em que a diminuição da lucratividade desses empreendimentos gerará a busca de ganhos em sinergias operacionais. 

Nesse contexto, foi submetida recentemente à Audiência Pública a ResoluçãoNormativa 334/2008 da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL –, que rege a celebração de atos e negócios jurídicos entre controladores, sociedades controladas ou coligadas e as controladas ou coligadas de controlador comum às concessionárias, permissionárias e autorizadas, denominadas partes relacionadas.


Contextualização

Com a instituição do novo modelo do setor elétrico, dentre outros, estabeleceu-se que o negócio de distribuição de energia não poderia ser exercido em concomitância com os negócios de geração e transmissão de energia. Dessa forma, com a promulgação da lei 10.848/2004 as empresas constituíram empresa específica para explorar a distribuição de energia elétrica. Dessa forma, essas empresas nascentes celebraram, em sua grande maioria, convênio de compartilhamento de infraestrutura e pessoal com suas coligadas, com fim de otimizar os resultados operacionais.

A redação original da Resolução Normativa 334/2008, no art. 27, proibia a realização de novos contratos de compartilhamento envolvendo gastos administrativos, outrora anuídos em razão do novo modelo do setor elétrico. Entretanto, em atendimento às demandas dos agentes do setor e energia, ao artigo 27 dessa resolução foi acrescido o parágrafo único, que permitiu a prorrogação por até dois anos dos contratos de compartilhamento vigentes, mediante anuência prévia da ANEEL

 

É possível notar, assim, a tendência da ANEEL em mitigar a proibição de compartilhamento de infraestrutura e pessoal, tendência novamente evidenciada na minuta da resolução que substituirá a 334/2008.

De acordo com essa minuta, será permitida a celebração de convênios de compartilhamento infraestrutura e pessoal, sendo que o compartilhamento de recursos humanos somente poderá ter como objeto gestores corporativos e gestores operacionais. Por gestor corporativo tem-se o profissional na holding responsável pela elaboração de diretrizes concernentes ao grupo econômico e porgestores operacionais “os empregados, em nível de gestão, alocados em um Agente do Setor Elétrico, que formulam metodologias de característica operacional a serem seguidas pelos demais delegatários de distribuição de energia elétrica pertencentes ao mesmo grupo econômico” (destacamos).

Fica,desse modo, defeso o compartilhamento de recursos humanos abaixo do nível gerencial.

Entretanto, muito embora esteja clara a intenção da Agência de restringir o compartilhamento de recursos humanos, tal restrição colide com preceitos constitucionais e infraconstitucionais, conforme será demonstrado.


Desenvolvimento

Inicialmente, temos que o texto constitucional é claro quando dispõe que a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes deve observância ao princípio da eficiência (art. 37, caput).

Por eficiência tem-se que a atividade administrativa deve ser desenvolvida “do modo mais congruente, mais oportuno, mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis com os mais idôneos para tanto” (MELLO, p. 122).

Nesse mesmo sentido, a Constituição prevê que incumbe ao Poder Público, diretamente ou mediante concessão, prestar serviço público, na forma da lei, que reiterará a obrigatoriedade de que os serviços públicos sejam mantidos de forma adequada (art. 175).

O art. 6º, § 1º da lei 8.987/95, por sua vez, explicita que o serviço público é adequado quando “satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (destacamos).

Assim, seja por determinação implícita na Constituição Federal ou pelo definido no artigo 6º, § 1º da lei 8.987/95, se o compartilhamento de infraestrutura e pessoal tiver como consequência ganhos operacionais – passiveis de serem transferidos à modicidade tarifária – , os agentes do setor elétrico têm a obrigatoriedade de celebrar, entre si, convênio de compartilhamento de infraestrutura e pessoal.

Não escapa a essa análise o princípio da individualidade das concessões. Entretanto, tal princípio deve ser interpretado em conjunto aos demais, de forma que, verificada a possiblidade de realização de um controle contábil que garanta a individualidade das concessões, impera o mandamento constitucional e legal de prestação eficiente do serviço público. Se o compartilhamento de infraestrutura e recursos humanos puder prover o barateamento dos custos operacionais dos agentes de energia elétrica, tal compartilhamento não será só permitido, mas obrigatório.

Nesse sentido, pode-se supor que, se não fossem partes relacionadas, a tendência seria a celebração de contrato de prestação de serviços entre agentes do setor elétrico na mesma área de concessãopara a execução de atividades operacionais comuns (ex: leituras nas mesmas rotas de D e GT), o que possibilitaria ganhos operacionais às duas empresas. O compartilhamento de recursos humanos tem aptidão teórica a proporcionar ganhos ainda maiores que os auferidos por meio contratos de prestação de serviços, já que têm tributação diferenciada, e não apresenta riscos diferentes daqueles assumidos pela celebração de contratos de prestação de serviços.

Por outro lado, empresas de grupos econômicos diferentes que atuam em áreas de concessão semelhantes podem ter ganhos operacionais derivado da contratação em escala ao contratarem serviços comuns. Assim, a proibição da ANEEL de celebração de contratos de compartilhamento e infraestrutura entre partes relacionadas fere o mandamento constitucional de que a administração deverá tratar de maneira isonômica seus administrados(art. 37, caput), já que os impede, somente em razão de estarem no mesmo grupo econômico, que aufiram esse ganho operacional.

Não obstante, faz-se necessário trazermos à discussão o princípio constitucional da legalidade dos atos da Administração Pública (art. 37) e a garantia fundamental da liberdade (art. 5º, II): aos particulares somente é defeso fazer o previsto em lei, sendo que, em sentido oposto, à Administração Pública é proibida a prática de qualquer ato sem lastro legislativo constitucionalmente válido. Nesse sentido, leciona José Afonso da Silva que:

“A idéia de liberdade, em qualquer de suas formas, só pode sofrer restrições por normas jurídicas preceptivas (que impõem uma conduta positiva) ou proibitivas (que impõem uma abstenção), provenientes do Poder Legislativo e elaboradas segundo procedimento estabelecido na Constituição. Quer dizer: a liberdade só pode ser condicionada por um sistema de legalidade legítima. (2006, p. 237)”

Assim, muito embora esteja-se atento ao poder que dispõe a Administração Públicapara alterar unilateralmente as clausulas regulamentares (MELLO, p. 724), tal prerrogativa deve ser entendida à luz dos próprios limites impostos à Administração Pública: “a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja” (MELLO, p. 102)

Dessa forma, a Administração Pública somente poderia proibir a contratação entre partes relacionadas se estivesse pautada em determinação expressa em lei. Essa lei, por sua vez, também teria sua validade verificada ante a Constituição.

Não existe lei que proíba a realização de contratos de compartilhamento de infraestrutura entre partes relacionadas e, mesmo que existisse,essa lei deveria ter sua inconstitucionalidade arguida, pois negligenciaria os já citados princípios constitucionais da eficiência e da modicidade tarifária.

Assim, na ausência de proibição legal, vigora a liberdade de celebração de contratos de compartilhamento de infraestrutura e pessoal entre partes relacionadas.

Adicionalmente, temos que a atuação da Administração Pública deve ser guiada pelo interesse público, e não pelo interesse da Administração Pública. O interesse público pode ser definido, de acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, como a “dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, de cada indivíduo enquanto partícipe da sociedade” (2009, p. 60).

Isto posto, tem-se claro que o interesse público é a prestação do serviço público de maneira confiável e módica, o que seria adimplido com a permissão de compartilhamento de recursos entre os prestadores de serviços públicos que não comprometesse a qualidade do serviço. O simples receio de que possa haver transferência de custos entre as concessões não justifica a perda de sinergia intranegócios, em desconsideração às já citadas diretrizes constitucionais.

Por fim, a individualização da concessão e a garantia da prestação do serviço estariam mantidas, já que esses contratos de compartilhamento podem conter cláusula que estipule a vigência do contrato de compartilhamento mesmo em decorrência de evento futuro que transferisse o controle de uma dessas empresas a grupo econômico diverso.


Conclusão

Ante o exposto, tem-se que o compartilhamento de pessoal e infraestrutura não encontra óbices legais e, à luz dos preceitos constitucionais da eficiência e modicidade tarifária, é obrigatório se feito em conjunto a um controle contábil que garante a individualidade das concessões e a adequada prestação dos serviços públicos. Assim, qualquer resolução normativa que, em sentido contrário, tente limitar o compartilhamento de pessoal e infraestrutura colide com mandamentos constitucionais e pode ter sua validade suprimida.


Bibliografia

ANEEL, 334. Resolução Normativa n.334, de 21 de outubro de 2008.Regulamenta o art. 3o, inciso XIII, da Lei no 9.427, de 26 de dezembro de 1996, o qual trata dos controles prévio e a posteriori sobre atos e negócios jurídicos entre as concessionárias, permissionárias e autorizadas e suas partes relacionadas. Disponível em: <http://www.aneel.gov.br/cedoc/ren2008334.pdf>, acessado em 15 de jun de 2012.

BRASIL, Constituição (89). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>, acessado em 15 de jun de 2012.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Malheiros, São Paulo, 26 ed. 2009.

BRASIL, Lei n. 8.987 de 1995.Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8987cons.htm> acessado em 15 de jun de 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Malheiros, São Paulo, 26 ed. 2006.





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