O CASO VARIG VERSUS UNIÃO


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Fernanda Aparecida Mendes e Silva

O CASO VARIG VERSUS UNIÃO

Fernanda Aparecida Mendes e Silva

 

Mestranda em Direito Empresarial pela Faculdade

de Direito Milton Campos bolsista da CAPES

e professora de Direito Econômico

 

A empresa aérea Varig pleiteia em juízo uma indenização de aproximadamente R$2,2 bilhões da União. O mesmo já faz a Transbrasil, que em 1997 recebeu R$700 milhões da União, conforme comprovado no Recurso Extraordinário nº RE183180. Posteriormente, também peticionaram neste sentido as empresas aéreas Vasp, RioSul e Tam. Fundamentam-se na ruptura do equilíbrio financeiro no contrato de concessão, devido ao congelamento das tarifas aéreas no período de 1986 a 1993. Em defesa, a União alega que medidas de política econômica implementadas pelo Estado, causando recessão geral não pode ser motivo de pedido de indenização por algumas empresas, já que afetou todo o mercado. E, no caso particular, ainda alega que o que há no setor aéreo é um mau gerenciamento e o costume destas empresas de sempre requererem auxílio governamental para fechamento de suas contas. Por fim, alega também que não houve comprovação do nexo causal entre a medida de política econômica e o prejuízo alegado pela Varig e, principalmente, que, caso a União seja condenada ao pagamento destas verbas, será em prejuízo de todos os contribuintes.

Este fato merece maiores cuidados. Envolve interesses do setor econômico privado e do Estado, atingindo consequentemente os contribuintes e os consumidores.

Primeiramente, deve-se esclarecer a real condição de atuação destas empresas aéreas. Elas executam um serviço público (Art.21, XII, “c” da Constituição Federal), sob a forma de permissão ou concessão. Sendo assim, está implícita a finalidade lucro por parte destas, que são empresas de constituição de capital privado. No entanto, conforme artigo 175 da Constituição Federal, estão submetidas à intervenção do Estado no domínio econômico por direção[1]. Devem, portanto, aderir a um contrato, redigido unilateralmente pelo Estado, após um processo licitatório, o qual deverá prever: “a) o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação; b) as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; c) os direitos dos usuários; d) a política tarifária; f) a obrigação de manter serviço adequado”[2]. Em contrapartida, “à capacidade de exercício do serviço atribuída ao concessionário adere um direito à remuneração por tal exercício, em condições de equilíbrio econômico-financeiro[3]”[4]. Neste sentido, o artigo 65 da lei 8.666, de 21 de junho de 1993, especialmente o caput e os parágrafos 5º, 6º e 8º.

Consequentemente, a quebra deste equilíbrio deve ser recomposto, sob pena de surgir, para o Estado, o dever de indenizar a concessionária, conforme relata o artigo 82 da lei 8.666/93. MOTTA transcreve Decisão 013/2001 do TCU, a qual diz que “ a indenização a terceiros pela Administração Pública, de danos causados por agentes públicos, pode se dar judicialmente, em cumprimento de sentença transitada em julgado, administrativamente, por meio de processo administrativo devidamente constituído para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação dos danos efetivamente comprovados, desde que haja dotação orçamentária apropriada (DOU de 2/2/01, p. 110).[5]”

O caso em análise retrata a perda do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, causada pela aplicação de medida de política econômica – congelamento das tarifas aéreas – em tempo de inflação (1986 – 1993).

Historicamente, as diretivas quanto a Política Nacional de Transporte enfocava a imprescindibilidade dos subsídios estatais para o desenvolvimento dos transportes no Brasil. A 7ª Diretiva dizia respeito aos transportes aéreos, determinando a continuação da “construção de aeroporto, a melhoria do aparelhamento da proteção de vôo e o pagamento de subvenções às linhas pioneiras e internacionais de interesse nacional[6]”. E a 9ª Diretiva dizia respeito aos recursos para a execução desta política nacional: “ Os recursos necessários à execução dos serviços especificamente a cargo do Poder Público serão obtidas através da dotação orçamentária e pela constituição de um fundo único, o Fundo Nacional de Transportes. As empresas de economia mista ou privada, empenhadas na exploração comercial de meios de transporte, serão subvencionadas pelo Governo Federal para a realização de serviços de interesse nacional e obterão os recursos extraordinários de que carecem por meio de operação de crédito realizadas preferencialmente com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico[7]”. Porém, à partir de 1964, modificou-se este sistema de fomento, passando à empresa concessionária/permissionária a exploração do setor de transporte.

No entanto, até mesmo nos dias de hoje, constata-se uma grande preocupação do Estado com o desenvolvimento do setor de transporte, viabilizando fomento, como o do BNDES à Varig, em estudo. Denota-se, então, que embora a legislação diga que o setor não “necessitaria” de maiores cuidados, há medidas de política econômica que contradizem este argumento, propiciando condições de recuperação de várias empresas aéreas.

Por outro lado, indenizações de mais de R$2 bilhões devem ser vistas com cautela[8]. Estas indenizações, na verdade, são pagas pelo contribuinte, que acaba prejudicado quanto ao fornecimento de outros serviços essenciais, como saúde e educação. Surge, então, um conflito quanto aos valores constitucionalmente sediados: “valores sociais do trabalho e livre iniciativa” (Art. 1º, IV; art. 170 “caput”), “propriedade privada”, função social da propriedade”, “livre concorrência” (art. 170, II, III, IV) versus “assegurar a todos existência digna, conforme ditames da justiça social”, “defesa do consumidor” (art. 170, “caput” e VI), “direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (art. 6º). Conclui-se, por fim, com a pergunta: Deve o Estado pagar indenização devido a medidas de política econômica implementadas, que causaram prejuízos a terceiros, ou deve restar inimputável, tendo em vista a necessidade de cumprir com compromissos outros, em relação ao povo brasileiro?

Contrapõe-se, aqui, o interesse público e o particular. O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular era ponto pacífico. Porém, atualmente, o interesse particular tornou-se parte integrante do público, relativizando-se esta supremacia[9]. As empresas são sujeitos de direito, exercendo importante função para um estado proporcionador de uma melhor qualidade de vida à população.

È função do Direito Econômico analisar o presente caso, tendo em vista ser sua finalidade “traduzir normativamente os instrumentos da política econômica do Estado[10]”, “referentes às relações e interesses individuais e coletivos, harmonizando-as – pelo princípio da ‘economicidade’ – com a ideologia adotada na ordem jurídica[11]”.

Pelas regras e princípios de Direito Econômico, depreende-se que toda medida de política econômica a ser implementada deve ser pautada quanto a sua irreversibilidade e previsibilidade de seus efeitos predatórios ao mercado. E, através do princípio hermenêutico da ‘economicidade’, deve-se pesar os valores sociais, primando por decisões em que a qualidade digna de vida do cidadão seja garantida.

Portanto, a empresa também é sujeito de Direito, devendo ser preservada, tendo em vista a nobreza de sua função social. Dessa forma, apesar de a indenização devida pelo Estado em virtude de política econômica impensada, não é certa a posição conivente e fomentadora da impunidade. Além disso, pode-se dizer da culpa ‘in eligendo’ da população, ao eleger os governantes que exercitam erroneamente seu mandato. Sendo assim, desde que comprovado o nexo causal e a dimensão entre o ato administrativo de congelamento das tarifas aéreas entre 1986/1993 e o prejuízo sofrido pelas empresas, a indenização é medida de justiça cumprida e um chamamento ao povo brasileiro quanto à qualidade e capacidade de seus governantes.

Resta-nos, agora, esperar a decisão dos ministros Denise Arruda e José Delgado, tendo em vista o placar atual de 2 x 1, no caso Varig.

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

FONSECA, Antonio. Tarifa de transportes aéreos: uma abordagem jurídica do equilíbrio econômico dos contratos de permissão. Revista Jurídica Virtual, nº 3 – julho/99 site: www.planalto.gov.br. Acesso no dia 13/12/2004.

FONSECA, Edgarg Fróes da. Uma Política Nacional de Transportes. Ministério da Viação e obras públicas. Serviço de documentação. Coleção Mauá, 1955.

GRAUS, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica, 2ª ed. São Paulo: RT, 1991.

MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações & contratos, 9ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO nº RE183180. Transbrasil versus União / 1997. Site: www.stf.gov.br.

TESSLER, Marga Barth. Suspensão de Segurança. Texto-base para a palestra no 1º Ciclo de Palestras de Processo Civil 2004. A Justiça Federal e o Processo Civil. Curitiba, 18 de junho de 2004. Artigo publicado em 25.10.2004 no site www.revistadoutrina.trf4.gov.br. Acesso dia 13/12/2004.

Pedido de vista suspende julgamento de indenização à Varig. Revista Consultor Jurídico, 24 de agosto de 2004. Site: www.consciencia.net

Os caminhos da justiça no caso “Varig versus União”. Porque o terceiro juiz votou contra a empresa. Site: www.aeroconsult.com.br. Acesso dia 13/12/2003.

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[1] Eros Roberto GRAU explica ser esta intervenção a “pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para sujeitos do setor privado”. Exemplifica com o controle de preços, tabelamento e congelamento. Ver: GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica, 2ª ed. So Paulo: RT, 1991, p. 163.

[2] GRAU, Eros Roberto. Op.cit., p. 159-160.

[3] Conforme Celso Antonio Bandeira de Mello, “Equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponda”. E FERREIRA, Sérgio Andréa também explicou, dizendo que “ O equilíbrio do contrato de direito privado é estático e do tipo a=b. Se uma das partes, em um contrato de direito privado descumpre suas obrigações, cometeu uma falta, e o sistema contratual está imediatamente rompido. O equilíbrio do contrato administrativo é dinâmico e do tipo [a/b = a’/b’]. Se a Administração substitui por a’ a obrigação originária, a remuneração do seu contratante, que era originalmente b, tornar-se-á b’, e o sistema contratual assim reequilibrado, será mantido”. (apud MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações & contratos, 9ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 475-476).

[4] GRAU, Eros Roberto. Op.cit., p. 158.

[5] MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Op.cit., nota 924, p. 518.

[6] FONSECA, Edgard Fróes da. Uma Política Nacional de Transportes. Ministério da Viação e obras públicas. Serviço de documentação: Coleção Mauá, 1955, p. 251.

[7] FONSECA, Edgard Fróes de. Op.cit., p. 251 – 252.

[8] Há previsão de uma indenização à Varig de mais ou menos R$2,2 bilhões; já foi paga uma à Transbrasil de R$700 milhões, e soma-se um montante de aproximadamente R$4,5 bilhões das devidas à TAM, Vasp e RioSul.

[9] ÁVILA, Humberto. Repensando o ‘princípio da supremacia do interesse público sobre o particular’. RTDP, 24 p. 159 e segs. (apud TESSLER, Marga Barth. Suspensão de Segurança. Palestra proferida no 1º Ciclo de Processo Civil 2004. A Justiça Federal e o Processo Civil. Curitiba, 18 de junho de 2004. Artigo publicado em 25.10.2004)

[10] Fábio Konder Comparato, apud GRAU, Eros Roberto, op.cit., p. 168.

[11] Washington Peluso Albino de Souza, apud GRAU, Eros Roberto, op.cit., p. 168.