O ADVOGADO NO INQUÉRITO POLICIAL Ponderação dos Princípios da Publicidade e da Ampla Defesa


Portiagomodena- Postado em 27 maio 2019

Autores: 
Mildo Carlos Ferreira da Cunha Filho

SUMÁRIO

 

INTRODUÇÃO .........................................................................................................................6

CAPÍTULO 1 - INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR POLICIAL

            1.1 - Natureza Jurídica e Definição de Inquérito Policial .............................................8

            1.2 - Características do Inquérito Policial ..................................................................10

            1.3 - Polícia ................................................................................................................11

            1.4 - Ministério Público e o Inquérito Policial .............................................................13

            1.5 - A Fase Pré-Processual Frente ao Juiz ..............................................................16

            1.6 - Valoração das Provas no Inquérito Policial .......................................................18

            1.7 - Inquérito Policial e a Motivação das Decisões ..................................................22

            1.8 - O Indiciado na Investigação Preliminar .............................................................23

CAPÍTULO 2 - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO INQUÉRITO POLICIAL

            2.1 - Princípio da Ampla Defesa ................................................................................29

            2.2 - Princípio da Publicidade ....................................................................................32

            2.3 - Inviolabilidade de Domicílio e o Sigilo de Correspondência ..............................34

CAPÍTULO 3 - PROVAS ILÍCITAS E INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA

3.1 - Princípio da Proporcionalidade ......................................................................................38

3.2 - Provas Ilícitas e Interceptação Telefônica .....................................................................39

3.3 - Da Constitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei 9.296/96 .........................45

CAPÍTULO 4 - O ADVOGADO E O INQUÉRITO POLICIAL

            4.1 - O Advogado na Instrução Preliminar à luz do Estatuto da OAB .......................48

            4.2 - O Sigilo e o Contraditório Pré-Processual .........................................................55

            4.3 - O Princípio da Publicidade e a Necessidade do Sigilo nas Investigações ........71

            4.4 - A Defesa do Indiciado frente às Investigações Policiais ...................................78

CONCLUSÃO ........................................................................................................................87

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................91

 

Introdução

Não se pode acusar para depois investigar e ao final julgar. Em primeiro lugar se deve preparar, investigar e reunir elementos que justifiquem o processo ou o não-processo. É irracional um processo penal sem uma investigação preliminar, pois não se deve julgar de imediato. Faremos uma leitura do inquérito a partir de uma visão moderna processual penal em um estado de direito. Buscamos, também, despertar a consciência da importância da fase preliminar como instrumento garantista em relação ao processo.

Em sendo o inquérito policial um procedimento inquisitivo, não há de se falar na aplicação, nesta fase, das garantias do contraditório e da ampla defesa, destinadas a instrução processual, pois só aí existe acusação e defesa, no caso, a partir do recebimento da denúncia, já que, em se tratando de investigação criminal ou inquérito policial, só se fala em suspeito ou indiciado, não abrangendo essas garantias constitucionais o inquérito policial.        

Tal procedimento é coerente com a característica inquisitiva do inquérito policial em que não se exerce defesa propriamente dita, vetando a possibilidade de conhecimento prévio da diligência a ser empreendida oportunamente, como é o exemplo do mandado de busca e apreensão, da prisão temporária, preventiva, que poderia ver-se frustrada em decorrência de uma possível atuação precoce e ágil do advogado do suspeito ou indiciado.

O inquérito policial é um instrumento a serviço do processo penal, não podendo, portanto, afastar-se deste nem ser concebido de forma separada e contrária aos fins de proteção do processo.

No concreto, examinamos o inquérito policial observando seus pontos mais problemáticos, como a valoração probatória, a postura do juiz e do Ministério Público frente a tal procedimento, etc. Para complementar analisamos os princípios da ampla defesa e da publicidade e depois alguns comentários sobre interceptação telefônica. Finalizamos, o trabalho com uma exposição sobre o dilema do advogado no interesse da defesa do indiciado no inquérito policial e a questão do sigilo e o que disciplina o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.

Entre as incertezas, destacamos a confusão sobre a figura do indiciado, principalmente quando não existe prisão cautelar, pois o Código de Processo Penal em nenhum momento define claramente a partir de quais circunstâncias e de que forma deve formalizar-se a situação de um suspeito em indiciado.

Apesar das dúvidas e das contradições do sistema, desejamos harmonizá-lo diante da unidade e equilíbrio constitucionais, conferindo uma interpretação sistemática atendendo a aplicação da Justiça. Objetiva-se proteger os direitos constitucionais, sem, com isto, permitir que seja utilizado como barreira para a aplicação do direito, fortalecendo, portanto, a impunidade.

Como característica do sistema acusatório apresenta o poder de decisão da causa entregue a um órgão estatal, por sua vez distinto daquele de tem o poder exclusivo de iniciativa do processo. Deduzida a acusação, o magistrado se libera da vinculação às iniciativas do autor, impulsionando oficialmente a persecução penal, que se desenvolverá conforme os princípios do contraditório, com paridade de armas e publicidade. Ora, um sistema fundado na oposição entre acusação e defesa, ambas com direitos, deveres, ônus e faculdades, só se desenvolve regularmente em um processo de partes, centrado nas relações recíprocas que se estabelecem.

Capítulo 1 - Investigação Policial Preliminar           

1.1 - Natureza Jurídica e Definição de Inquérito Policial

            O processo penal funciona como condição inafastável para eventual condenação em face de conduta incriminada pelo direito objetivo. O Estado é o titular do jus puniendi, e quando se verifica uma infração, o titular do direito de punir, quer dizer, o Estado, desenvolve, inicialmente, uma atividade por meio de órgãos próprios, que visa apurar e colher informações sobre o fato supostamente infracional. Essa investigação, ou, essa primeira atividade persecutória do Estado é realizada pela Polícia Judiciária. O inquérito policial, exercido pela função executiva do Estado,  tem o escopo de apurar a materialidade e a autoria de uma infração penal para que o Ministério Público possua elementos probatórios mínimos para a propositura da ação penal. Usando as palavras de Julio Fabbrini Mirabete[1]: "Inquérito policial é todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria." No caso de crime que se apura mediante ação penal pública seu destinatário imediato é o Ministério Público e na hipótese de ação penal privada é o ofendido, para que sirva de peça de informação para a propositura da denúncia ou da queixa.

            O inquérito policial tem a finalidade de dar elementos para a formação da opinio delicti do órgão acusador ou do querelante e de dar embasamento suficiente para que a ação penal tenha justa causa, não emitindo nenhum juízo de valor sobre a conduta do autor do fato, que no inquérito é conhecido como indiciado. O inquérito policial não é nem encerra um juízo de formação de culpa ou de pronúncia, no sistema brasileiro, ele somente investiga, colhe elementos probatórios, cabendo ao acusador apreciá-los no momento de dar início à ação penal e, ao juiz, no momento do recebimento da denúncia ou queixa. O inquérito policial exerce também uma função garantidora, a investigação tem o nítido caráter de evitar a instauração de uma persecução penal infundada diante do processo penal.

            Para entender melhor o inquérito policial é preciso localizá-lo de modo perfeito dentro da ordem jurídica vigente. Assim, na visão de Paulo Rangel[2]: "sua natureza jurídica é de um procedimento de índole meramente administrativa, de caráter informativo, preparatório da ação penal." Desta forma, por se tratar de um procedimento e não de um "processo", o inquérito deve ser estudado à luz do direito administrativo, mas dentro do processo penal. Dando ênfase à homogeneidade de pensamentos sobre o instituto, E. Magalhães Noronha[3]ensina que:

"No sistema processual adotado pelo Código, é o inquérito "preliminar ou preparatório da ação penal", conforme se lê no item IV da Exposição de Motivos. É nele que se colhem elementos que seria impossível ou difícil obter na instrução judiciária, v. g., auto de flagrante, exames periciais, declarações do ofendido etc."

            Entretanto, dizer que o inquérito policial consiste em mero procedimento administrativo é simplificar a realidade. É que, no inquérito não há tão somente investigação criminal provisória, mas também colheita de provas definitivas. Há provas insuscetíveis de repetição em juízo, realizando, assim, uma verdadeira instrução penal provisória.  Destaca Nestor Penteado Filho[4]: "Poderíamos, destarte, asseverar que o inquérito policial é um procedimento cautelar, de natureza administrativa, ultimado pela polícia judiciária, com a finalidade de apurar a materialidade da infração penal e respectiva autoria."

O inquérito se instaura através do auto de prisão em flagrante ou por portaria da autoridade policial. Pode ser instaurado também, nos crimes de ação penal pública incondicionada, mediante requisição da autoridade judiciária[5] ou do Ministério Público. Nos crimes de ação penal privada há necessidade de requerimento do ofendido ou representante legal para a instauração do mesmo. Quando um fato criminoso chega ao conhecimento da autoridade policial se dá o nome de notitia criminis. A notitia criminis é classificada em: de cognição imediata, quando o delegado toma conhecimento a respeito de um crime através de seus próprios atos, de cognição mediata, quando o fato criminoso chega ao conhecimento do delegado por meio de requerimento do ofendido, por seu representante legal, pelo Ministério Público ou pelo juiz, ou ainda, de cognição coercitiva, quando o delegado toma conhecimento do fato e o infrator já está sofrendo uma repressão.

            Contudo, o inquérito policial, deve ter justa causa para ser legítimo, e, se não tiver, pode ser trancado mediante hapeas corpus dirigido ao juiz. Para que tenha justa causa no inquérito policial é preciso que o fato investigado seja definido como infração penal e, que haja, em tese, a possibilidade de ser o investigado ou o indiciado o autor da infração. 

1.2 - Características do Inquérito Policial

A abertura do inquérito policial, nos crimes de ação penal pública incondicionada, é obrigatória, pois a autoridade policial deverá instaurá-lo, de ofício, logo que tenha notícia da infração penal. O inquérito é, também, indisponível, uma vez instaurado não pode ser arquivado pela autoridade policial. Além disso, ele deve ser escrito, pois está atendendo sua finalidade de prestar as devidas informações ao titular da ação penal, dispondo o art. 9º do Código de Processo Penal que: "Todas as peças do inquérito policial serão, num só processo, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade."

Outra característica é o sigilo, pois o inquérito visa à elucidação de um fato, à descoberta da infração penal e sua autoria, exigindo, assim, o necessário sigilo durante sua realização, para que não oponham qualquer dificuldades com o intuito de impedir e dificultar a colheita de informações, não se harmonizando, portanto, com o princípio da publicidade. Podemos dizer, ainda, que o inquérito é inquisitivo, pois o acusado não tem o direito de defesa, porque ele não está sendo acusado, e sim, sendo investigado, não sendo observado o princípio do contraditório. O inquérito é discricionário, dando à autoridade policial o poder de iniciar as investigações como melhor entender, tendo a faculdade de operar ou deixar de operar, ou seja, a autoridade policial não está amarrado a nenhuma forma previamente determinada, respeitando, é claro, os limites fixados no ordenamento jurídico.

            Podemos destacar que o inquérito é também unidirecional, que é explicado por Paulo Rangel[6]da seguinte forma:

"Assim, a direção do inquérito policial é única e exclusivamente à apuração das infrações penais. Não deve a autoridade policial emitir qualquer juízo de valor quando da elaboração de seu relatório conclusivo. Há relatórios em inquéritos policiais que são verdadeiras denúncias e sentenças."

1.3 - Polícia

            O vocábulo polícia, do grego politéia, de pólis (cidade), significou, a princípio, o ordenamento jurídico do Estado, governo da cidade e, até mesmo, a arte de governar. Posteriormente passou a indicar o próprio órgão estatal incumbido de zelar sobre a segurança dos cidadãos. O sentido que tem hoje a Polícia, de órgão do Estado incumbido de manter a ordem e a tranqüilidade públicas, surgiu na velha Roma. Ao tempo do Império, havia, em Roma, funcionários incumbidos de levar as primeiras informações sobre a infração penal aos Magistrados, que é o papel semelhante da nossa Polícia Judiciária. A Polícia é uma garantia da realização prática da norma jurídica abstratamente estabelecida pelo legislador. O poder de polícia é o exercício de um dos poderes do Estado, sobre as pessoas e as coisas, para atender ao interesse público. O poder de polícia é um poder discricionário e não um poder arbitrário, prepotente e sem controle.

            A estrutura básica do sistema policial está delineado na Constituição Federal no seu art. 144, onde está disposto que a segurança pública é dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Quanto à exteriorização, a Polícia pode ser ostensiva ou secreta, quanto à organização, pode ser leiga ou de carreira, quanto ao lugar onde desenvolve sua atividade, pode ser terrestre, marítima ou aérea e quanto ao seu objeto, se distinguem entre Administrativa, de Segurança e Judiciária. A polícia judiciária desenvolve a primeira etapa da atividade repressiva do Estado. Em âmbito federal, essa função é exercida pela polícia federal, conforme o art. 144, §1º, IV, da Constituição da República: "A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira destina-se a: exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União." Já em esfera estadual, a Constituição Federal, no seu art. 144, § 4º, dispõe que: "Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares". Fernando da Costa Tourinho Filho[7] ressalta que: "A Polícia Civil tem, assim, por finalidade investigar as infrações penais e apurar a respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos para ingressar em juízo."

            Uma das principais funções da polícia  judiciária é a elaboração do inquérito, o que está claro no Código de Processo Penal em seu art. 4º: "A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria."

1.4 - Ministério Público e o Inquérito Policial

            A persecução penal é dividida em duas fases distintas: uma que é exercida na fase investigatória pela autoridade policial e a outra pelo Ministério Público durante o curso do processo penal. Apesar disso, o Ministério Público age ativamente nas duas fases, na primeira como fiscal da lei e exercendo o controle externo da atividade policial e, na segunda, como titular da ação penal pública. A Constituição Federal outorgou vários poderes ao Ministério Público. Dentre esses poderes podemos concluir, a partir da leitura do art. 129 da referida Carta: a titularidade exclusiva da ação penal pública (art. 129, I); o poder de expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência (art. 129, VI); requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial (art. 129, VIII), entre outros. A autoridade policial não poderá deixar de atender a uma requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, pois a palavra requisição traduz a idéia de dever legal. A presença do Ministério Público na investigação preliminar é secundária e acessória, pois o órgão titular da investigação no inquérito é a polícia judiciária. Ao Ministério Público cabe o monopólio da ação penal pública, mas sua atribuição não passa do poder de requisitar a instauração do inquérito e diligências investigatórias.

Neste plano, nenhuma autoridade poderá opor, sob qualquer pretexto, a exceção do sigilo, ao Ministério Público, que será responsabilizado pelo uso indevido das informações e documentos que requisitar. Para que haja uma melhor colheita do suporte probatório mínimo que irá embasar uma eventual ação penal, a Constituição Federal estabeleceu, como função institucional do Ministério Público, exercer o controle externo da atividade policial. Não poderia existir um ato da administração pública sem um prévio controle da legalidade e a intervenção do Ministério Público. É importante frisar que, a Constituição Federal não distinguiu sobre qual polícia incidiria o controle externo, então, entendemos que, pode ser exercido sobre a polícia judiciária (civil ou federal) e a polícia preventiva (polícia militar), pois é inegável afirmar que esta segunda não exerça funções de polícia judiciária, investigando e realizando operações policiais.

O Ministério Público não tem função de ser a Corregedoria de Polícia, mas de um órgão fiscalizador das atividades de polícia, não havendo assim, hierarquia nem subordinação entre a Polícia e o Ministério Público. A atividade policial não é uma atividade subordinada e sim, uma atividade antecipada. O controle externo está expresso na Lei Complementar nº 75/93, que institui o Ministério Público da União, e na Lei nº 8.625/93, aplicando-se subsidiariamente aos Estados.

            A regra constitucional do controle externo da atividade policial deixa nítido o afastamento do juiz da persecução penal preparatória, manifestando-se somente quando for necessário à obtenção de alguma medida cautelar real ou pessoal, e reforça o sistema acusatório, endereçando o inquérito policial ao promotor de justiça ou ao procurador da república, para o oferecimento ou não da denúncia.

            O Ministério Público poderá tomar três decisões depois que receber os autos do inquérito policial: oferecer denúncia em face do indiciado, requisitar à autoridade policial novas diligências investigatórias imprescindíveis ao oferecimento da denúncia ou requerer ao juiz o arquivamento do inquérito.

Por outro lado, como tem sido adotado em países europeus, existe uma tendência de conferir ao Ministério Público a direção da investigação preliminar, argumentando que o art. 129, VI da Constituição, quando afirma o poder do Ministério Público de instruir procedimentos administrativos de sua competência, está dando a outorga constitucional para que o Ministério Público, considerando o inquérito como um procedimento administrativo pré-processual, realize a instrução preliminar, criando a figura do "promotor investigador". Verificamos, sob esta ótica, que o Ministério Público pode e deve investigar sempre que se fizer necessário à apuração do fato criminoso, não só para possibilitar a propositura da ação penal, mas também para evitar injustiças e processos precipitados, e, ainda argumentando, destaca-se que, melhor acusa quem por si mesmo investiga, ou que, melhor é conduzida a investigação por quem vai acusar.

Entendendo assim, é válido lembrar que, dentro dos direitos do Ministério Público de investigar, contidos no art. 129, VIII, da Constituição Federal, não é correto afirmar que este tem legitimidade para tomar decisões que interfiram na restrição de direitos fundamentais, que, por sua vez, devem ser autorizados pelo Judiciário. Neste sentido destaca Aury Lopes Jr.[8]:

"Qualquer ato que implique a restrição de direitos e a liberdade individual, tais como medidas cautelares, busca e apreensão, quebra de sigilo bancário, interceptação telefônica etc., dependerá de ordem judicial fundamentada, cabendo ao promotor solicitá-la ao juiz competente para reconhecer a ação penal".   

1.5 - A Fase Pré-Processual Frente ao Juiz

            O juiz, na fase pré-processual, exerce o controle judicial das medidas que colocam em risco os direitos fundamentais do suspeito ou indiciado, afastado da investigação preliminar. Limita-se a autorizar medidas cautelares como a prisão preventiva ou temporária, busca e apreensão, e outras. O juiz que proferir tais medidas assecuratórias no inquérito policial, será prevento e caberá a ele receber a futura ação penal e presidir o processo, conforme o artigo 83 do Código de Processo Penal. Argumenta-se que, a prevenção, como causa definitiva de competência, fere o princípio da imparcialidade do juiz, pois a prevenção se daria por um pré-julgamento realizado no curso da investigação preliminar.

A investigação preliminar está destinada a conhecer a infração penal em grau de probabilidade suficiente para afirmar sua existência e autoria e, não atingindo este nível deverá ser pedido seu arquivamento pelo Ministério Público. Uma vez que o juiz não concorde com o pedido de arquivamento do inquérito, feito pelo Ministério Público, deve remetê-lo ao Procurador Geral de Justiça. O sistema acusatório impede qualquer intromissão do órgão julgador na fase persecutória, não devendo assim, o juiz, uma vez que não concorde com o pedido de arquivamento, devolver o inquérito para a delegacia e requisitar novas diligências investigatórias.

O juiz deve fazer uma análise superficial da denúncia ao recebê-la, inteirando-se dos fatos apurados no inquérito policial, para que não se ponha uma pessoa diante de um processo penal sem justa causa. Em última análise, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal, o recebimento da denúncia pelo juiz, deveria ser fundamentada, sob pena de nulidade, mas na prática isto não ocorre. Defende-se, ainda, que, o juiz pode rejeitar parte da denúncia se entender que não existe suporte probatório mínimo para justificar tal imputação penal. Pois, se é lícito ao juiz rejeitar toda a denúncia, deduz-se que ele pode rejeitar parte dela. Este fato tem grande repercussão se pensarmos que num homicídio qualificado, que é considerado crime hediondo, o réu está impedido de se beneficiar de algumas causas excludentes de punibilidade, de alguns direitos processuais, além de contar com a suposição de ter que cumprir a pena em regime integralmente fechado. Então, poderá o juiz, rejeitar a denúncia em parte e recebê-la somente no tipo simples, e com isso, evitando um maior constrangimento ao acusado, cabendo o ônus da prova ao Ministério Público, que se não tiver provas acerca do fato alegado, não poderá ferir as garantias individuais do acusado fazendo uma acusação infundada.

Em relação à denúncia do Ministério Público observamos que se verifica o princípio do in dubio pro societate (em dúvida, pela sociedade), ou seja, na dúvida, da ocorrência do fato investigado e diante do material probatório que lhe é apresentado ao final do inquérito policial, é autorizado, ao membro do Ministério Público, decidir sempre a favor da sociedade, denunciando o indiciado, e com isso, formalizar a acusação. Diferentemente ocorre em juízo, onde segue-se o in dubio pro reu (em dúvida, pelo réu), isto é, na dúvida quanto à situação de fato, a conclusão deve ser absolutória, porque não é possível condenar sem provas suficientes, sob pena de atuação arbitrária da justiça penal.

Ocorre que, Paulo Rangel[9] defende outra posição:

"O chamado princípio do in dubio pro societate não é compatível com o Estado Democrático de Direito, onde a dúvida não pode autorizar uma acusação, colocando uma pessoa no banco dos réus.  Penitenciamo-nos do nosso entendimento anterior. O Ministério Público, como defensor da ordem jurídica e dos direitos individuais e sociais indisponíveis, não pode com base na dúvida, manchar a dignidade da pessoa humana e ameaçar a liberdade de locomoção com uma acusação penal. O só fato de se acusar alguém já impede o exercício de determinados direitos civis e políticos."

No processo penal a única presunção permitida é a de inocência.

1.6 - Valoração das Provas no Inquérito Policial

            O inquérito policial produz atos com naturezas jurídicas distintas e, que numa valoração jurídica são divididas em: atos de prova e atos de investigação. Com isso, podemos chamar de atos de investigação as provas renováveis ou repetíveis, pois no inquérito policial, enquanto inquisitoriais, esses atos têm caráter meramente informativo, não servindo de base para uma condenação judicial. Para entrarem no mundo dos elementos valoráveis na sentença devem ser produzidas na fase processual apreciados o contraditório e a ampla defesa, com observância dos critérios que regem a produção de prova no processo penal. Todos os elementos de convicção produzidos e obtidos no inquérito policial e que pretendam valorar na sentença devem ser repetidos na fase processual.

Para os atos de prova, ou seja, aqueles que por sua natureza sejam irrepetíveis, ou que o tempo possa tornar imprestáveis, existe a produção antecipada de provas. Como define Aury Lopes Jr.[10]: “O incidente de produção antecipada de prova é uma forma jurisdicionalizar a atividade probatória no curso do inquérito, através da prática de um ato ante uma autoridade jurisdicional e com plena observância do contraditório e do direito de defesa.”

As provas não repetíveis ou não renováveis têm que ser realizadas no momento

do seu descobrimento por impossibilidade de análise posterior, trata-se, na maioria dos casos, de provas técnicas e incriminatórias (exame de corpo de delito), e visto que são provas definitivas devem ser colhidas sob a égide da ampla defesa com a presença da defesa técnica. O incidente de produção antecipada de prova só pode ser admitido onde haja relevância e imprescindibilidade do seu conteúdo para a sentença e em casos extremos onde esteja presente fundada probabilidade de que será inviável posterior repetição na fase processual e, ainda, significa dizer, que aquele elemento que seria produzido normalmente como mero ato de investigação, e posteriormente repetido em juízo, terá valor de prova e poderá ser realizado uma só vez.

A respeito dos atos de prova podemos dizer que: estão a serviço do processo e integram o processo penal; servem à sentença; exigem observância da publicidade, contradição e imediação. E quanto aos atos de investigação é correto afirmar que: servem para a formação da opinio delicti do acusador; servem para formar um juízo de probabilidade e não de certeza; estão a serviço da instrução preliminar.

É, portanto, importante concluir que seria inviável transferir para inquérito policial a estrutura dialética do processo e suas garantias, por outro lado não se pode admitir uma condenação baseada em um procedimento administrativo sem que sejam dadas as garantias do devido processo legal. O inquérito policial é um suporte probatório sobre o qual se baseia a imputação penal feita pelo Ministério Público, mas que deve ser comprovada em juízo.

Na mesma linha temos o pensamento de Paulo Rangel[11]:

"Entendemos inadmissível a condenação do réu com base apenas nas provas (rectius = informações) colhidas durante a fase do inquérito policial, sem que as mesmas sejam corroboradas no curso do processo judicial, sob o crivo do contraditório, pois a "instrução" policial ocorreu sem a cooperação do indiciado e, portanto, inquisitorialmente."

            Os elementos informativos da investigação não devem constituir fundamento da sentença, estes deverão ser colhidos para a necessária formação do convencimento do Ministério Público ou do querelante, ressalvadas as provas produzidas antecipadamente.

            Devido a estas diferenças, há uma discussão que se situa no conflito entre a estrita observância das garantias constitucionais e a eficácia da repressão à criminalidade. Argumenta-se que os atos de investigação deveriam servir para justificar uma condenação, sob pena de esterilizar o ordenamento processual penal, ocasionando assim, uma certa impunidade, ignorando os direitos da sociedade. Noutro vértice, defendesse que os fins não justificam os meios, pois o objetivo não é buscar o êxito a qualquer custo sobre o inimigo, haja vista que, as regras são garantias da verdade e da liberdade e têm valor em todos os momentos.

            É importante destacar, ainda, que apesar de informativo, os atos do inquérito, servem de base para restringir a liberdade pessoal, através das prisões cautelares, e a disponibilidade de seus bens, com o arresto e o seqüestro, além de uma contaminação inconsciente do julgador. Podemos dizer, então, que os atos de investigação gerados no inquérito policial servem para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no seu curso (pedido de prisão temporária ou preventiva) e para fundamentar a opinio delicti do Ministério Público que justificará o processo ou não. O inquérito policial servirá de base para a ação penal e deverá acompanhá-la para permitir o juízo de pré-admissibilidade da acusação, parecendo, então, falsa a presunção de que os atos de investigação do inquérito valem até que se prove em contrário, pois é na fase processual que será formada a prova sobre a qual será proferida a sentença.

            Há uma grande discussão no que diz respeito às nulidades cometidas no inquérito policial. Quando existem nulidades no inquérito defende-se que estas são irrelevantes, e afirmam que o inquérito não é parte constitutiva do processo, e sim, mera peça informativa, por outro lado, quando se quer justificar o valor probatório do inquérito, defende-se que, com base no art. 12 do Código de Processo Penal, que o inquérito policial acompanha a denúncia e a queixa e, com isso, passa a formar parte do processo e dos elementos sobre os quais o juiz poderá fundamentar sua condenação, e o que não pode se admitir é dois pesos e duas medidas. Isso ocorre por não se adotar o critério da exclusão e de insistir em manter o inquérito policial dentro do processo.

Verificada a irregularidade de alguma diligência, o ato deverá ser repetido e excluída a respectiva peça que o materializa, sob pena de contaminação dos atos que dele derivem, do contrário ensejará a nulidade do processo. Temos o exemplo das provas obtidas por meio ilícitos, que por violarem preceito constitucional, necessariamente devem ser excluídas do processo, assim como as que tiverem sido contaminadas por derivação. É um ônus do acusador demonstrar validamente a probabilidade de que aquela pessoa é o autor do fato criminoso que lhe é imputado, caso contrário, deverá ser rejeitada a denúncia ou a queixa por falta de justa causa. O juiz deverá se manifestar de ofício sobre todas as nulidades que violem direitos constitucionalmente garantidos e, ato contínuo, deverá, ainda, verificar se estes atos não contaminaram outros, e, se ainda restarem atos válidos e não contaminados que permitam concluir sobre a probabilidade do delito, receberá, então, o juiz, a denúncia ou a queixa. No ponto de vista de Paulo Rangel[12]:

"Pode haver ilegalidade nos atos praticados no curso do inquérito policial, a ponto de acarretar seu desfazimento pelo judiciário, pois os atos nele praticados estão sujeitos à disciplina dos atos administrativos em geral. Entretanto, não há que se falar em contaminação da ação penal em face de defeitos ocorridos na prática dos atos do inquérito, pois este é peça meramente de informação e, como tal, serve de base à denúncia."

1.7 - Inquérito Policial e a Motivação das Decisões

As decisões tomadas no inquérito policial devem ser motivadas, com base na aplicação analógica do art. 93, IX e X, da Constituição Federal, que exige motivação para os atos do Poder Judiciário, pois se o Poder que diz o Direito está adstrito a tal princípio, não se compreenderia que a Administração não o estivesse. Podemos entender melhor nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[13]:

            “Dito princípio implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo”.

No que diz respeito ao direito do indiciado requerer diligências, o Delegado de Polícia, no caso de indeferimento, deverá justificar quando o pedido não tenha valor probatório, já seja existente nos autos ou tenha intuito meramente postergatório. A motivação se dará para provar que tal decisão não é mera vontade da autoridade, volume grande de trabalho ou mudanças de humor. Entende-se, ainda, que a autoridade policial deverá motivar a decisão de não indiciamento de quem foi, inicialmente, tido

como suspeito na ocorrência do ilícito penal, para que fiquem transparentes as razões de tal opinião e o suspeito tenha uma garantia juntamente com o órgão acusatório na formação de sua opinio delicti.

Conclui-se, então, que o inquérito policial, como um procedimento administrativo está obrigado a respeitar o princípio da motivação, sob pena de tornar-se nulo e influenciar decisivamente o processo, necessitando que sejam explicitados o fundamento normativo e o fundamento fático da decisão, para que fiquem marcadas as razões do decidido, ensejando sua revisão judicial, se inconvincentes ou injurídicas, e servindo, portanto, como um obstáculo ao arbítrio.

1.8 - O Indiciado na Investigação Preliminar

            A lei não se refere expressamente ao ato do "indiciamento" do autor da infração, mas conclui-se que o indiciamento é um ato posterior ao estado de suspeito, e deve resultar de um conjunto de indícios que apontam uma certa pessoa supostamente autora da infração penal. O indiciamento é um juízo de probabilidade e não mera possibilidade, por isso, pressupõe um grau mais elevado de certeza da autoria do que a situação de suspeito. Para ocorrer o indiciamento devem haver indícios razoáveis de probabilidade da autoria, e assim, a autoridade, com base em elementos probatórios colhidos na investigação, irá, através de despacho fundamentado, expor os motivos de sua convicção quanto a autoria delitiva e a classificação infracional do fato. O despacho não deve ser realizado como um ato automático e irresponsável da autoridade policial. O flagrante delito, válido, impõe o indiciamento, pois dele nasce a relativa certeza visual ou presumida da autoria. O mesmo acontece com a prisão preventiva e a prisão temporária, pois exigem indícios suficientes de autoria e fundadas razões de autoria, respectivamente. Com isso, é possível concluir que o indiciamento precipitado, não justificado, constitui evidente constrangimento ilegal, cabendo assim, a cassação do despacho de indiciamento via hapeas corpus. O fato do despacho de indiciamento ser cassado, não tranca o inquérito policial, pois se há indícios da prática de crimes, incabível é o trancamento do inquérito, não havendo, assim, prejuízo para o prosseguimento da investigação. Contudo, é necessário que o indiciamento emane de um despacho fundamentado da autoridade policial e que haja concreta suspeita da participação ou autoria dos eventuais delitos.

Apesar disso, destacamos, o entendimento de Vicente Greco Filho[14]:

“Desde que o inquérito tenha justa causa, conforme adiante comentaremos, o indiciamento, em si mesmo, não representa constrangimento ilegal, com ressalva do art. 5º, LVIII, da Constituição, que preceitua: "o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei".”

O indiciamento pode ser entendido, também, como uma garantia, pois evita uma acusação de surpresa e marca o nascimento de alguns direitos para o indiciado. Entre eles está, o que prevê o art. 14 do Código de Processo Penal, que dá ao indiciado a possibilidade de requerer diligências à autoridade policial, que poderão ser realizadas ou não. A legislação ordinária, também determina que, será dado ao preso nota de culpa, no prazo de 24 horas, e nela constará o motivo da prisão, o nome do condutor e das testemunhas. Todavia, ainda são direitos do indiciado, preso, o que determina o art. 5º, XLIX, da Constituição Federal, que assegura aos presos o respeito à integridade física e moral. Na mesma linha, destacamos também, o que dispõe os incisos LXII, LXIII e LXIV, do mesmo art. 5º, da Carta Maior, que garante ao preso, que sua prisão e o local onde se encontre, sejam comunicados ao juiz competente e à sua família ou à pessoa por ele indicada, além de ser informado sobre seu direito de ficar calado,  assegurando-lhe a assistência da família e do advogado e a identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial.

É válido ressaltar que o art. 7.4 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos determina que toda pessoa detida tem o direito a ser informada sobre as razões da detenção, da acusação ou acusações que existem contra ela. Devido ao grande desrespeito ao direitos do indiciado, seria necessário que fossem garantidos expressamente o direito à defesa técnica e a autodefesa negativa. Entende-se revogado o art. 186 do Código de Processo Penal, que preceitua que o silêncio será interpretado em prejuízo da defesa, pois o direito ao silêncio está consagrado constitucionalmente, e não é plausível que o exercício de um direito venha trazer algum prejuízo a seu detentor.

Entendendo então, o inquérito policial, como uma garantia, e, lembrando que este não é obrigatório, existe a possibilidade de uma denúncia direta, o que ensejaria uma acusação de surpresa e uma pessoa seria submetida ao processo penal sem ser sido ouvida previamente. A surpresa limita a defesa, gerando desequilíbrio entre a partes e contribuindo para que o processo penal seja utilizado como instrumento de pressão e constrangimento.

A incomunicabilidade do indiciado tratava-se de verdadeira restrição imposta nos primeiros momentos que seguiam à infração, privando o indiciado da liberdade de se comunicar com o exterior da prisão, e isso facilitaria a autoridade policial de achar vestígios e provas que seriam de interesse do responsável destruir, mas a incomunicabilidade só poderia ocorrer quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação estivesse a exigi-la. Acontece que, a Constituição proclama, no art. 136, § 3º, IV: "É vedada a incomunicabilidade do preso". Então, temos a posição de Fernando da Costa Tourinho Filho[15], que leciona:

"Ora, se durante o estado de defesa, quando o Governo deve tomar medidas enérgicas para preservar a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza, podendo determinar medidas coercitivas, destacando-se restrições aos direitos de reunião, ainda que no seio de associações, o sigilo de correspondência e o sigilo de comunicação telegráfica e telefônica, havendo até prisão sem determinação judicial, tal como disciplinado no art. 136 da CF, não se pode decretar a incomunicabilidade do preso (CF, art. 136, § 3º, IV), com muito mais razão não há que se falar em incomunicabilidade na fase do inquérito policial."

O sistema jurídico que se implantou a partir da Constituição de 1988, especialmente, nas garantias contidas no art. 5º, não permite a realização de um grande número de diligências. Uma dessas medidas é a incomunicabilidade do preso, basta ver, que o preso em flagrante tem direito de se comunicar com o seu advogado e seus familiares, não havendo qualquer ressalva a esse direitos.

Noutro vértice temos o entendimento de Vicente Greco Filho[16]:

"Durante o inquérito, pode ser decretada a incomunicabilidade do indiciado, quando interesse da sociedade ou a conveniência da investigação exigir, mas somente poderá ser decretada por despacho fundamentado do juiz, não excedendo de 3 dias e não se aplicando ao advogado, que tem direito de entrevistar-se com seu cliente mesmo incomunicável (CPP, art. 21 e seu parágrafo único). Entendendo que o art. 136, § 3º, IV, não revogou a possibilidade da situação; ao contrário, confirmou-a, no estado de normalidade."

            O indiciado no inquérito pode ser conduzido coercitivamente para ser interrogado, usando, o delegado, a força ou os meios coercitivos moderados compatíveis com a situação. O interrogatório deve ser feito pelo próprio delegado que preside o inquérito, podendo ser assistido pelo advogado do indiciado, que não poderá intervir nas perguntas e nas respostas. No interrogatório, na polícia ou no juízo, o indiciado ou o acusado, tem a liberdade de negar-se a prestar declarações e, ainda, pode dizer verdades ou mentiras, em benefício de sua defesa. É imprescindível que o suspeito seja informado, antes da realização do interrogatório, de que o faz na condição de suspeito e não como mera testemunha.

Acerca da confissão, destacamos que esta é apenas mais um dos meios de prova, devendo, portanto, ser colhida de forma harmoniosa e espontânea com as demais provas. A confissão pode ser judicial ou extrajudicial. A judicial é produzida diante do juiz competente para julgar o caso e a extrajudicial é colhida diante da autoridade policial na investigação da infração penal.

            O indiciado não pode mais ser considerado um mero objeto de investigação, a unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que é sujeito de direitos e garantias constitucionais, sob pena, dos agentes do Estados, serem responsabilizados penalmente por abuso de poder e gerar provas ilícitas obtidas no inquérito. Toda pessoa, em princípio, se presume sem culpa até e enquanto não se prove o contrário em processo que seja assegurado o pleno direito de defesa. As autoridades policiais e os demais servidores devem zelar pela preservação da imagem, do nome, da privacidade e do direito à intimidade das pessoas submetidas à investigação policial, a fim de que a elas e a seus familiares não sejam causados prejuízos irreparáveis, decorrentes de exposição de imagem e divulgação liminar de objeto de apuração.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 2 - Princípios Constitucionais no Inquérito Policial

2.1 - Princípio da Ampla Defesa

O direito de defesa está previsto na Constituição Federal, em seu art. 5º, LV, e pode ser concretamente exercido e consubstanciado na autodefesa, na defesa técnica e no direito à prova legitimamente obtida ou produzida. Não devemos confundir os princípios da ampla defesa e do contraditório, pois o contraditório é espécie da ampla defesa e, ambos abrigados pelo "devido processo legal". O contraditório está inserido na ampla defesa de tal maneira que, uma defesa não pode ser senão contraditória. Na mesma linha dispõem Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes[17], quando estabelecem:

"Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa - como poder correlato ao de ação - que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida."

            A norma constitucional no seu art. 5º, LXIII, determina que o preso será informado de seus direitos e lhe assegura a assistência de um advogado. Nota-se, então, que este direito existe já na fase do inquérito, propiciando que ali já caminhem juntas a autodefesa e a defesa técnica. Tal direito coloca, desde já, no mesmo plano os futuros litigantes, mantendo-se, então, a condição de igualdade entre eles.

            Compete à autoridade policial, da mesma forma que faz em relação ao Ministério Público, acatar os pedidos da defesa no que diz respeito à obtenção de provas, excluindo, assim, as diferenciações apontadas entre os artigos 13 e 14 do Código de Processo Penal. Portanto, a partir da consagração constitucional do princípio da ampla defesa, isto é, a presença fiscalizante da defesa técnica, é assegurado ao indiciado o direito de requerer, e ter deferido, em seu favor, provas, laudos e diligências, cuja resposta seja pertinente para o esclarecimento do fato ou da autoria. Muito mais se observarmos a hipótese de uma prova não ter a possibilidade de ser repetida, em iguais condições, num futuro processo, como é o exemplo de uma perícia, ou um exame de corpo de delito, posto que são provas definitivas e, em regra, incriminatórias.

            Em outra posição, ao que parece, é importante destacar o entendimento de Marcellus Polastri Lima[18], que expõe:

"Assevera-se que o art. 14 do CPP permite o requerimento de diligência pelo indiciado. Porém, isto não se traduz em permissão de contraditório, mas tão-somente na oportunidade de esclarecimento de fatos por parte do agente sujeito da investigação, cujo deferimento fica a critério da autoridade."

Por este lado, entende-se, que no inquérito policial não se aplica o contraditório, pois neste há apenas colheita de provas para possibilitar a instauração do processo. Isto significa dizer, que não teria sentido admitir o contraditório em atos de mera atividade investigatória, onde o cidadão é apenas um objeto de investigação e não um sujeito de direito de um processo jurisdicional. E, ainda, que o indiciado pode ser conduzido coercitivamente para ser interrogado.

Ora, se o indiciado não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem feitas, sem que dessa opção possa extrair qualquer presunção que o desfavoreça, nos parece uma incoerência exigir a presença deste no seu interrogatório se ele não é obrigado a falar.

Constata-se que é possível a presença do contraditório no inquérito policial, mas que seu campo de atuação seja delimitado, impossibilitando de qualquer forma o contraditório pleno, pois se reconhece ao investigado a qualidade de sujeito, sendo-lhe garantidos direitos. É possível questionar, também, o acompanhamento do Ministério Público em diligências preliminares, ora, a função de acusador deste se dá após a apresentação de viáveis autoria e materialidade, no inquérito o Ministério Público tem a função de fiscal da lei, e sua intervenção como acusador no inquérito policial contribuiria em uma futura afronta a igualdade processual. 

Podemos destacar também, com referência à moderna doutrina criminal, que o art. 5º, LXIII, da Carta Maior garantiu ao preso o direito de "permanecer calado". A inspiração do constituinte decorreu do direito norte-americano, que em outras palavras, é certo dizer que, ninguém será constrangido a depor contra si mesmo. Na mesma linha conclui-se que o indiciado não tem obrigação de fornecer elementos de prova que o prejudiquem. Indo além, é claro que o indiciado não é obrigado a se submeter às diligências contra ele.

Paulo Roberto da Silva Passos[19], por exemplo, sustenta em relação ao inquérito que: "Ou se adapta ele a àquilo que deve encarnar: investigação isenta, visando exclusivamente chegar ao possível ou possíveis autores com base nos princípios que permitem tal isenção, ou estará fadado, inexoravelmente, a ser substituído por outro que atenda a tais reclamos."

Já, Paulo Rangel[20] nos leva a um outro pensamento sobre ao contraditório quando leciona:

“Destarte, parece-nos que o disposto no art. 501 da Lei Processual Penal é

violador do princípio do contraditório, pois dispõe que:

Os prazos a que se referem os artigos 499 e 500 correrão em cartório, independentemente de intimação das partes, salvo em relação ao Ministério Público.

Ou seja, o Ministério Público deve ser intimado pessoalmente e, para a defesa, o prazo corre em cartório. Nada mais injusto, pois as partes devem ser tratadas de forma igual no processo e nada justifica somente a intimação pessoal do Ministério Público e a exigência de que o advogado fique alerta em todos os feitos em que atua, seja na comarca ou fora dela. O privilégio concedido à acusação faz surgir um desequilíbrio na relação jurídico-processual, pois as partes (Ministério Público e réu) devem estar situadas em um mesmo plano de direitos, deveres, ônus, faculdades e encargos. Desta forma, entendemos que o art. 501 do CPP deve receber uma releitura diante do princípio do contraditório, que traz como conseqüência lógica a igualdade das partes na relação jurídica processual, qual seja: tanto o Ministério Público quanto a defesa técnica devem ser intimados, pessoalmente, para fins dos arts. 499 e 500, ambos do CPP. Do contrário, advogamos a revogação do referido dispositivo legal.”

2.2 - Princípio da Publicidade

A publicidade dos atos processuais é uma garantia para o indivíduo e para a sociedade, integrando o devido processo legal e também representando uma das mais sólidas garantias do direito de defesa, o princípio da publicidade está constitucionalmente previsto no art. 5º, LX, da Carta Magna. O segredo é compatível exclusivamente com regimes autoritários e processos penais inquisitoriais, já a publicidade decorre do processo acusatório. A matéria relativa ao princípio da publicidade está proclamada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 8.5. Este princípio relaciona-se com a garantia política, não com o sensacionalismo ou a violação da vida íntima do cidadão, razão porque a legislação adota exceções a fim de que não seja exposta de forma tortuosa a respeitabilidade e a dignidade da pessoa humana.

No direito pátrio vigora, como regra, o princípio da publicidade absoluta, consagrado constitucionalmente e previsto no art. 792 do Código de Processo Penal. A publicidade somente poderá ser restringida pela lei quando a defesa da intimidade ou o interesse social exigirem, considerando isto, divide-se a publicidade em plena, quando os atos processuais estão ao alcance de qualquer pessoa, e especial, quando somente um número reduzido de pessoas terão acesso aos atos do processo.

Vale ressaltar, ainda, que a publicidade decorre da necessidade de participação do público na gestão da coisa pública, consistindo num democrático controle da atividade jurisdicional, dando a este, na qualidade de espectador, consciência a respeito de que modo o Estado, através de seus agentes, exerce a sua função, inclusive, permitindo a todos o acesso às decisões judiciais.

Em um primeiro momento conclui-se que no inquérito policial não se aplica o princípio da publicidade, pois não se conseguiria apurar um crime se as diligências forem acompanhadas de ampla divulgação. E, ainda, se no inquérito não há acusação, não há que se falar em defesa e muitos menos em restrições a esta. Do mesmo modo que o criminoso não revela a pratica de atos ilícitos à autoridade competente, esta não está obrigada, a revelar o teor das informações ao investigado.

Analisando sob outra ótica, e considerando que uma das características do inquérito policial é o sigilo, e que toda vez que este se fizer necessário o advogado poderá ser afastado do inquérito, verificaremos que nunca o defensor terá acesso a ele. Se não pudessem examinar o feito os advogados não teriam como verificar se um indiciamento foi realizado de forma abusiva, ou se o decreto de prisão de um investigado é ilegal. Podemos destacar que a norma constitucional autoriza já na primeira fase da "persecutio criminis" a presença do advogado, art. 5º, LXIII, bem como a lei federal nº 8.906 em seu art. 7º, XIV, como falaremos em outro capítulo.

Há que se considerar que a própria Constituição Federal admite que a lei restrinja a publicidade de alguns atos processuais, desde que a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. Um exemplo, é o que acontece na lei 9.296/96, que regula casos de interceptação telefônica. Concluimos aqui, que a própria natureza de medida cautelar da interceptação revela claramente que o segredo de justiça é necessário à própria eficácia da medida, pois esta perderia o objeto se o acusado fosse comunicado previamente que o seu telefone sofreria uma interceptação por ordem judicial. Com isso

explica Paulo Rangel[21]: "Assim, há que se interpretar o princípio de acordo com a natureza jurídica da medida adotada: trata-se de medida cautelar incidental que requer, para a sua plena eficácia, a adoção do princípio da publicidade interna restrita."

2.3 - Inviolabilidade de Domicílio e o Sigilo de Correspondência

A Constituição Federal no art. 5º, XI, consagrou a casa como asilo inviolável, permitindo penetrar-se nela, sem o consentimento do morador, somente em alguns casos específicos, tais como: "em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". Se assim não for, haverá ilicitude na diligência, não podendo ela fazer parte do conjunto probatório dos autos. Se a medida for necessária para as investigações, a autoridade policial que pretender realizar tal diligência deverá solicitar ao juiz a expedição do mandado, fundamentando tal pedido com indicação das razões e a sua necessidade.

A busca e apreensão é um procedimento de natureza acautelatória e coercitiva, realizado no curso das investigações, destinado a impedir o perecimento da prova. Divide-se a busca em domiciliar ou pessoal. Depois de promulgada a Constituição o Delegado não pode realizar a busca domiciliar nem a busca pessoal sem o devido mandado judicial, considerando que a casa é o asilo inviolável do indivíduo, e que ninguém será preso, senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, conforme disposto no inciso LXI, do art. 5º, da Carta Maior.

A busca e apreensão, como medida cautelar, exige o fumus boni iuris e o periculum in mora. Pode se considerar como casa todo local, delimitado e separado, que alguém ocupa com direito exclusivo, em relação ao público, e próprio, a qualquer título. É inviolável também o estabelecimento de trabalho, desde que não esteja aberto a qualquer um do povo. A Constituição reconhece que o homem tem o direito a um lugar que só ele poderá penetrar, com exceções previstas na mesma Constituição, onde gozará de privacidade e intimidade.

Discute-se a hipótese de ocorrer uma prisão em flagrante no interior de uma casa, sem ordem judicial, quando houver fundados indícios que um crime esteja ocorrendo. Entende-se deve ser considerada ilícita, uma prova, quando o policial tem conhecimento da ocorrência de um delito e entra no local onde está acontecendo o crime, efetuando a prisão em flagrante. Já, por outro lado, seria uma premiação aos criminosos, pois estes estariam usando uma garantia constitucional para esconder o delito, salientando que esperar uma ordem judicial estaria prejudicando a prisão.

O Código de Processo Penal regula as hipóteses de busca e apreensão, só que alguns de seus preceitos não foram recepcionados pela nova ordem constitucional. As buscas domiciliares devem ser executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e antes de entrar deverá ser mostrado e lido o mandado, terminada a diligência, a autoridade deve lavrar auto circunstanciado.

A apreensão, por outro lado, consiste na detenção física dos objetos que tiverem relação com o fato delituoso e que sirvam de prova.

Sobre o sigilo de correspondência, constatamos que a regra do art. 56 do Código Brasileiro de Telecomunicações e 151 do Código Penal foi elevada a categoria de garantia fundamental pela Constituição de 1988 no art. 5º, XII:

"é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

Ao explicar tal dispositivo Paulo Roberto da Silva Passos[22] leciona:

"A interpretação literal - possível ante a clareza da norma - evidencia que o constituinte proibiu expressamente a interferência de qualquer tipo, nas "correspondências", "comunicações telegráficas" e "de dados", abrindo exceção quanto às interceptações telefônicas, por ordem judicial, "nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução penal"."

A partir de uma interpretação gramatical, entendemos que não se admite quebra do sigilo de correspondência seja ela por carta ou por e-mail.

Acontece que, por outro lado, não se pode considerar nenhuma regra absoluta, uma vez que é sempre possível o sacrifício de um direito em prol de outro de igual ou maior valor, principalmente quando se fala de interesse público relevante. A garantia constitucional à correspondência se dá até o momento em que ela cumpre seu papel de instrumento de comunicação, depois que chega à seu destinatário deixa de ser considerada como tal e passa a ser um documento qualquer, passível de ser apreendida por ordem judicial.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 3 - Provas Ilícitas e Interceptação Telefônica

3.1 - Princípio da Proporcionalidade

            O princípio da proporcionalidade consiste na articulação das normas constitucionais num sistema, cuja harmonia relaciona no interesse de preponderar a defesa de um princípio constitucional e a necessidade de perseguir e punir o criminoso, devendo estabelecer qual deve ser preservado.

            Baseado neste princípio, que visa à busca de um equilíbrio, admiti-se, em casos gravíssimos, a possibilidade de validar a prova obtida ilicitamente, onde haveria, nesse caso, uma prevalência do interesse público de obtenção de prova sobre o valor cuja proteção é dirigida pela vedação legal.

            O princípio da proporcionalidade é também denominado pela doutrina de "lei da ponderação", que significa dizer que, na interpretação de determinada norma jurídica, constitucional ou não, devem ser balanceados os interesses e direitos em questão, de modo a dar-se a solução concreta mais justa. Apesar de parecer ser a maneira mais correta de aplicar o direito ao caso concreto, por possibilitar uma persecução penal mais ampla, este princípio deve ser observado cautelosamente, pois pode propiciar abusos, arbitrariedade e, por conseqüência, insegurança. A proporcionalidade defende que não há direitos absolutos e intocáveis, por mais importante que seja, pois todo direito encontra limites em outros de igual ou maior valor.

            O princípio da proporcionalidade pode ser percebido com maior clareza quando a prova obtida ilicitamente é pro reo, porque, nestes casos, quando a prova supostamente ilícita for produzida na defesa, entende-se que há uma excludente de ilicitude da prova, como no caso da legítima defesa e do estado de necessidade, não significando dizer, que o réu não responderá pela prática de algum crime na colheita da prova. Portanto, se a única forma do acusado demonstrar sua inocência for através de uma prova obtida ilicitamente, certamente ela poderá ser produzida no processo, devido a preponderância do direito à liberdade sobre a inadmissibilidade das provas ilícitas no âmbito do processo penal, até porque não seria lógico condenar alguém por um crime, quando sua inocência está demonstrada por uma prova ilícita. Ambos os dispositivos constitucionais estão inseridos no art. 5º da Constituição, o que proíbe a prova ilícita e o que garante a ampla defesa, portanto têm a mesma hierarquia, não sendo nenhum deles especial ao outro.

3.2 - Provas Ilícitas e Interceptação Telefônica

            Prova é o meio pelo qual se busca estabelecer a existência da verdade, isto é, são os elementos produzidos pelas partes ou pelo juiz, visando estabelecer, dentro do processo, a ocorrência de certos fatos. A prova tem como objetivo formar a convicção do juiz, dando-lhe elementos necessários para fundamentar sua decisão. Fernando da Costa Tourinho Filho[23] ensina que: "Pois bem: a finalidade da prova é tornar aquele fato conhecido do Juiz, convencendo-o da sua existência."

            A respeito do ônus de prova, é sabido que este incumbe a quem alega, conforme o art. 156 do Código de Processo Penal e em virtude da presunção de inocência. Cabe, então, à parte acusadora provar a existência do fato e sua autoria, demonstrando, também, o elemento subjetivo, que se mostra na culpa ou no dolo. Mas acontece que, se a defesa argüi em seu benefício uma causa excludente da antijuridicidade ou da culpabilidade, o ônus da prova se inverte. Podemos salientar que deve-se observar tal regra com cautela, pois sustenta-se que não há possibilidade de inversão do encargo de provar, pois se cabe ao órgão acusador, Ministério Público, o ônus de provar a existência crime, este deve provar que ocorreu fato típico, antijurídico e culpável, haja vista que sem esses elementos não ocorre crime. Por isso, entende-se que, mesmo o réu alegando uma excludente de antijuridicidade ou de culpabilidade, o Ministério Público é que deve provar a inexistência destas para que se posso imputar o crime ao acusado. A carga da prova da existência de todos os elementos positivos e a ausência dos elementos negativos do crime incumbe a quem acusa.

A nossa Constituição Federal, em seu art. 5º, LVI, acolheu a teoria da inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos. Este princípio se justifica no sentido de que, não se pode admitir por parte dos agentes do Estado o uso de meios condenáveis equiparando-se aos marginais combatidos e, com isso, se, ao colher a prova, os agentes ofendem os direitos e garantias individuais, a prova estará fulminada pela inconstitucionalidade, não podendo ser admitida em nenhum processo. Como bem

diz Fernando da Costa Tourinho Filho[24]: "Se a Lei Maior assim o diz, evidente não mais poderem ser admitidas aquelas provas obtidas em afronta à dignidade humana e àqueles direitos fundamentais de que trata a Lei das Leis."

Argumenta-se, como já vimos, que a regra do inciso LVI do art. 5º da Constituição, que fala "são inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito", não tem caráter absoluto, entendendo pela relatividade das garantias constitucionais, na medida que se aplicaria o princípio da proporcionalidade no caso concreto, e, com isso, admitindo prova ilícita em desfavor do acusado em nome do interesse público.

            Para entendermos melhor esta questão é preciso fazer a distinção entre prova ilícita e ilegítima. A prova será ilícita quando houver proibição de natureza material, ou melhor, quando houver conduta descrita na norma penal incriminadora e quando a sua produção violar princípios elencados na Constituição Federal. E será ilegítima, a prova, quando a proibição versar sobre matéria processual, havendo, portanto, inobservância de regras processuais pertinentes à produção probatória, evidente que estas inserem-se no rol das provas ilícitas e, por conseqüência, vedadas pela nossa Carta Maior.

A prova ilícita por derivação ocorre nas hipóteses em que a prova foi obtida licitamente, portanto, processual e materialmente válidas, mas a partir de uma informação retirada de uma prova ilícita. É inadmissível negar a contaminação da prova derivada, até porque de nada valeriam as restrições às provas obtidas ilicitamente se, por via derivada, informações colhidas com violação ao ordenamento jurídico pudessem fundamentar o convencimento do juiz. Ricardo Melchior de Barros Rangel[25] tratando o tema leciona que:

"A polêmica a respeito da (in)admissibilidade dessa espécie de provas tem suscitado intensos debates na área doutrinária, mas nos parece que a teoria norte-americana do fruit of the poisonous tree, ou fruto da árvore venenosa, indica que a contaminação da prova ilícita estende-se àquela que foi obtida licitamente, através daquela."

Ocorre que, novamente baseado no princípio da proporcionalidade, defende-se a admissibilidade destas provas, alegando que, em alguns casos, o interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a intimidade que se quer preservar, podendo o juiz admitir uma prova ilícita derivada para evitar um mal maior.

Nesse assunto conclui César Dario Mariano da Silva[26]:

"Se as provas angariadas, mesmo oriundas de uma ilícita, obedecerem a todos os

princípios constitucionais e processuais, não há como desprezá-las e deixar criminosos impunes, uma vez que o Processo Penal visa a busca da verdade real e a punição de pessoas que atentem contra a ordem pública."

Acerca da interceptação telefônica, destacamos que trata-se de um provimento cautelar com o fim de assegurar, no processo, meio probatório capaz para permitir o real convencimento do órgão julgador. Melhor explica Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça[27]:

"Afirma-se, portanto, que a decisão interlocutória que autoriza a interceptação telefônica teria natureza eminentemente cautelar, com vistas a resguardar as provas da deteriorização normal do processo no tempo. Nisso consiste a medida assecuratória de provimento cautelar, permitindo que o conteúdo de uma interceptação telefônica permaneça intocável durante a tramitação morosa do processo."

A Carta Magna proclamou em seu art. 5º, XII, que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. A interceptação é sempre caracterizada pela intervenção de um terceiro na conversa entre duas pessoas. Quando a interceptação é feita em conversação telefônica, e nenhum dos interlocutores tem conhecimento, caracteriza-se a interceptação  stricto sensu, mas quando um dos interlocutores tiver conhecimento evidencia-se a escuta telefônica. A gravação clandestina consiste no ato de registrar a conversa própria por um dos interlocutores, feita através de aparelho eletrônico ou telefônico ou no ambiente da conversação.

Essa diferenciação tem grande importância, pois o que a Constituição repulsa é a

interceptação telefônica, não fazendo referência à gravação clandestina ou escuta telefônica, caminha-se considerando, portanto, admissível como prova a gravação da conversa mantida com terceiro, quando não haja interceptação, cabendo ao juiz apreciar o valor do prova através de perícia, se necessário. A garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas diz respeito à interceptação, e não a escuta ou gravação, podendo ser admitida como prova em processo judicial.

A gravação em si, realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, não configura nenhum ilícito, mas a divulgação da conversa pode ser considerada violação ao direito de intimidade da pessoa que a conversa foi gravada, consistindo numa divulgação de segredo. Entretanto, não será imputado ao interlocutor que gravou a conversa o crime previsto no art. 153 do Código Penal, desde que tenha justa causa, isto é, esta prova só poderá ser produzida quando o interlocutor tiver interesse no processo criminal.

Existem limites para a admissibilidade das interceptações telefônicas que são delineados pelo ordenamento pátrio, devendo-se observar as normas constitucionais e ordinárias acerca do tema para que se possa equilibrar a repressão à criminalidade e os direitos da intimidade. A lei serve como garantia indispensável à tutela da intimidade, protegendo o indivíduo contra interceptações indevidas e para que esta só possa ser admitida em certas condições e com determinados limites, constituindo esta, portanto, o único meio de se colher uma prova relativa a um crime de alta gravidade.

O legislador, no art. 2º da lei 9.296/96, ao dizer em que situações caberia a interceptação elencou os casos em que ela não pode acontecer, o que atrapalha o intérprete e dá a entender que a interceptação é a regra, o que seria um absurdo.

A Constituição Federal vedou a prova por meio de interceptação telefônica para ações de natureza civil ou trabalhista, permitindo somente quando for necessária para fazer prova em investigação criminal ou em instrução processual penal. O que se discute é em relação a prova emprestada, isto é, aquela que não obstante produzida em determinado processo visa a refletir seus efeitos em outros processos, obedecendo, é claro, o livre convencimento judicial. Entende-se que seja admissível a prova emprestada, pois o valor protegido(intimidade) já foi infringido, e por causa disto não haveria nenhuma proteção a mais para ser violada. Por outro lado, alega-se que a prova colhida por interceptação telefônica não pode ser utilizada em qualquer outro processo que não seja criminal, pois a Constituição autorizou esta somente para fins criminais. Outro requisito constitucional para a produção de tal prova é a autorização judicial, sob pena de ser reputada ilícita.

Pensando em proteger ao máximo o direito à intimidade do indiciado ou do acusado, o legislador optou, ainda, em exigir o segredo de justiça, ou seja, só o juiz, as partes e alguns funcionários poderão ter acesso aos autos de tal diligência, portanto é claro que existe o princípio do contraditório e não poderia ser afastado por norma infraconstitucional, porém é retardado para que a medida decretada, de interceptação, possa ter eficácia e atingir seus objetivos.

Diante disto, Paulo Rangel[28] faz importante comentário:

"Assim, mais uma vez, o legislador coloca o juiz, durante a fase do inquérito policial, colhendo provas, em verdadeira afronta ao sistema acusatório. Pensamos que se deva dar uma interpretação coerente e harmoniosa ao sistema vigente entre nós, adotando o princípio da interpretação conforme a Constituição. Ou seja, o juiz somente poderia, nos termos do art. 3º em comento, determinar, ex officio, a interceptação telefônica durante a fase judicial e não durante o inquérito policial, pois deste ele está devidamente afastado para manter intacta sua imparcialidade. Assim, há que se interpretar a regra do art. 3º da Lei nº 9.296/96 de acordo com o sistema acusatório vigente, sob pena de o afrontarmos."

            Nota-se, portanto, a Lei 9.296/96 em seu art. 1º, adotou o princípio do contraditório diferido ou postergado, isto é, retardado, demorado, pois não há como decretar uma medida desta natureza sem privar, naquele momento, o réu do conhecimento de tal medida. Assevera-se que é incorreto dizer que não há contraditório, pois o contraditório é dogma constitucional e não pode deixar de ser adotado no curso de um processo devidamente instaurado.

3.3 - Da Constitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei 9.296/96  

A lei 9.296/96 regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal, ou seja, prevê a possibilidade da interceptação de comunicações telefônicas, desde que destinada à finalidade criminal, mediante autorização judicial e sob segredo de justiça.

Analisando gramaticalmente o inciso XII do art. 5º da Carta Maior, podemos chegar à conclusão que esta apenas excepcionou a violação das comunicações telefônicas, isso porque usou o texto "salvo, no último caso".

É possível defender a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da referida lei, na medida em que a Constituição Federal somente permitiu a interceptação telefônica, pois se a intenção do constituinte fosse de permitir a interceptação de sistema

de informática e telemática, teria redigido o inciso de maneira diferente. É como esclarece César Dario Mariano da Silva[29]: "Além do que, como a garantia do sigilo é a regra e a interceptação a exceção, a interpretação deve ser restrita".

Devemos tecer breves comentários acerca da definição de informática e telemática. A primeira tem por objeto o tratamento da informação através do uso de equipamentos e procedimentos no que diz respeito ao processamento de dados, sendo, portanto, inviolável, pois a Constituição não permite a quebra do sigilo dos bancos de dados. A segunda trabalha na área da manipulação e utilização da informação através do uso combinado do meios de telecomunicação e o computador, de modo que se tenha uma comunicação de dados via telefone.

Verificando que as regras limitadoras de direito devem ser interpretadas restritivamente, observa-se que a expressão constitucional "comunicação telefônica" fica adstrita à transmissão de voz e não abrange as comunicações via telefone.

Podemos destacar o entendimento de Ricardo Melchior de Barros Rangel[30]:

"No estudo do presente dispositivo, quando se sustenta a sua inconstitucionalidade, não nos afigura a imposição de uma condição meramente restritiva à eficácia de um comando constitucional, mas sim, interpretá-lo conforme a sua natureza em consonância a este próprio comando, pois se a lei ordinária, ora em estudo, tem por escopo regular a restrição de um direito assegurado constitucionalmente, em caso de dúvida, a interpretação deve direcionar-se no sentido de prestigiar a regra constitucional, sob pena de distorcer aquilo que estipulado pelo constituinte."

Entretanto, existe outro entendimento sobre este tema que sustenta a constitucionalidade do dispositivo fundamentado na razão de que os fluxos de informática e telemática são variações das comunicações telefônicas. Entende-se que a lei destina-se ao combate da criminalidade sofisticada, constituindo, portanto, instrumento destinado a enfrentar, com eficácia, os avanços da criminalidade moderna. Sendo assim, verifica-se que é perfeitamente possível, haja vista que, nenhuma liberdade é absoluta, a interceptação em outros casos, sempre que essas liberdades públicas forem usadas como instrumento de combate de práticas ilícitas. Argumentam, também, que determinados crimes graves só podem ser esclarecidos mediante interceptação de comunicação de telemática e de dados, como é o exemplo da pornografia infantil na internet, art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Os casos concretos deverão ser analisados isoladamente, a fim de que não se extermine uma garantia constitucional, podendo a intimidade ser violada em benefício do interesse público, pois se não fosse assim estaria se declarando a impunidade digital, tendo consciência que não se pode valer da liberdade como instrumento para acobertar práticas ilícitas.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 4 - O Advogado e o Inquérito Policial

4.1 - O Papel do Advogado na Instrução Preliminar à luz do Estatuto da OAB

            Mais do que uma norma reguladora da atuação da classe dos advogados, o Estatuto da Advocacia é um diploma que cuida de dispor normas asseguradoras do acesso à justiça e que visam preservar direitos da parte que esteja sendo representada em juízo, na medida em que instrumentaliza o patrono da causa.

Advogado é aquele devidamente inscrito nos termos do artigo 8º, incisos e parágrafos da lei Nº 8.906/94. Mas, o que melhor define o advogado é o seu núcleo de atividades privativas. Assim, nos termos do que dispõem os incisos I e II do artigo 1º do novo Estatuto, são atividades privativas da advocacia: "... a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;" e "... as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídica."

Salienta-se os termos do parágrafo 1º do artigo 2º do novo Estatuto da advocacia: "No ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social". Eis a síntese da atividade dos advogados: ministério privado de interesse público com função social.

No inquérito policial é evidente e necessária a entrevista do preso com seu advogado, é no contato com o cliente que o advogado poderá inteirar-se das circunstâncias ensejadoras da medida restritiva da liberdade, e deliberar sobre sua legalidade ou ilegalidade, tudo para fins de impetração da medida pertinente para assegurar os direitos do preso e indiretamente a regularidade da atuação policial. Advirta-se que o direito de comunicar-se o advogado com o preso, o detido, ou recolhido, não está condicionado à apresentação do instrumento de procuração, e nem poderia ser de outra forma, dada a natureza da atuação cautelar do causídico na defesa dos presos.

O advogado tem direito a avistar-se com o preso, ainda quando considerado incomunicável, mesmo porque tal pressuposto não subsiste no direito brasileiro atual.

Para exercer sua atividade com plena eficácia, devem ser asseguradas ao advogado uma série de garantias ou prerrogativas que lhe permitam uma completa independência e autonomia em relação ao juiz, ao promotor e à autoridade policial.

Com isso, a Constituição dispõe em seu texto no art. 133 que: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei."

Depois disto, observamos o art. 20 do Código de Processo Penal que estabelece: "A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade". Por outro lado, o art. 7º, XIV da Lei Federal nº 8.906/94, que regula o dispositivo constitucional acima citado, diz que são direitos do advogado: "Examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos".

Há, no entanto, um aparente conflito, pois especula-se que o referido dispositivo do Estatuto da OAB revogou o art. 20 do Código de Processo Penal, e, por outro lado, afirma-se que ambos coexistem perfeitamente.

            O Estatuto da OAB diz, ainda, no seu art. 7º, VI, "c", que são direitos do advogado ingressar livremente:

"em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado."

Marcellus Polastri Lima[31] analisando a situação expôs a seguinte posição:

"O dispositivo em nenhum momento autoriza ou obriga a presença do advogado em atos de colheita probatória do Estado, mas tão-somente a livre entrada em estabelecimento público e a colheita de subsídios e elementos.

Ora, a colheita de provas na fase investigatória é dever do Estado e o estabelecido no dispositivo, ao referir-se a "dever do advogado praticar atos ou colher prova", tem por destinação a produção ou obtenção da provas de responsabilidade do causídico, e não aquelas cuja produção seja privativa da autoridade. Estas, após sua produção, poderão ser acessadas com colheita de cópia.

Destarte, continua podendo o advogado ter acesso às provas produzidas, podendo examiná-las e copiá-las, e somente isto, não autorizando o novo Estatuto da OAB o contraditório ou revogando o caráter sigiloso da investigação."

            Em sua sustentação alega, também, que, mesmo se tratando de vista de processos, bem como sua retirada, a Lei 8.906/94, impõe restrição ao sigilo, no art. 7º, §1º,"1", mostrando que, mesmo no caso de processo, onde há contraditório, poderá haver restrição nos casos de sigilo.

            Concluiu, então, o autor[32]:

"Portanto, inexiste para o advogado o sigilo dos atos formais e de provas já produzidas, presentes no inquérito ou outro procedimento investigatório, tendo o mesmo livre acesso a tais elementos para possibilitar a realização da defesa técnica; porém, continua em pleno vigor o sigilo da condução investigatória nos casos necessários, não sendo assegurada ao advogado a presença no ato de colheita probatória ou do contraditório em fase de investigação. Por fim, assevere-se que, sendo o Ministério Público parte formal, como já salientado, intervindo no inquérito como custos legis, apesar de ter interesse na produção das provas, em relação ao parquet, como é óbvio, não ocorre vedação de acompanhamento da colheita probatória do procedimento policial sigiloso, sendo que o inquérito é realizado para o Ministério Público propor a ação penal e sua atividade fiscalizatória é prevista constitucionalmente. O sigilo é imposto ao investigado e ao público em geral."

            Por sua vez, se posicionou Mirabete[33], explicando:

"O inquérito policial é ainda sigiloso, qualidade necessária a que se possa a autoridade policial providenciar as diligências necessárias para a completa elucidação do fato sem que lhe oponham, no caminho, empecilhos para impedir ou dificultar a colheita de informações com ocultação ou destruição de provas, influência sobre testemunhas etc. Por isso dispõe a lei que "a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade" (art. 20 do CPP). Como já se afirmou, o sigilo no inquérito policial, necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade, tem ação benéfica, profilática e preventiva, tudo em benefício do Estado e do cidadão. O sigilo não se estende ao Ministério Público, que pode acompanhar os atos investigatórios (art. 15, III, da LOMP, Lei Orgânica do MP, Lei Complementar 40/81), nem ao Judiciário. O advogado só pode ter acesso ao inquérito policial quando possua legitimatio ad procedimentum e, decretado o sigilo em segredo de Justiça, não está autorizada a sua presença a atos procedimentais diante do princípio da inquisitoriedade que norteia nosso Código de Processo Penal quanto à investigação. Pode, porém, manusear e consultar os autos, findos ou em andamento (art. 7º, XIII e XIV, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil). Diante do art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, que assegura ao preso a assistência de advogado, não há dúvida que poderá o advogado, ao menos nessa hipótese, não só consultar os autos do inquérito policial mas também tomar as medidas pertinentes em benefício do indiciado, acompanhando a produção da prova e requerendo as providências e diligências necessárias à sua defesa, sob o crivo da autoridade policial, que poderá, fundamentadamente, deferi-las ou não."

            Admitir que não pode mais existir o sigilo na investigação criminal nos termos da legislação processual penal após o preceituado no Estatuto da OAB, é entender equivocadamente que se aplica ao inquérito policial as garantias do contraditório e da ampla defesa ou de que o art. 20 do CPP teria sido revogado pelo Estatuto da OAB, o que vai de encontro à característica inquisitiva do inquérito policial, que não admite a bilateralidade da audiência, e à lógica da investigação criminal.

Destarte, apesar do disposto no art. 20 do Código de Processo Penal, constatamos que com o advento do Estatuto da OAB, lei federal de âmbito nacional, a aplicação do sigilo nos inquéritos policiais ficou restringida, reduzindo a discricionariedade do Delegado de Polícia na condução do procedimento, mas não a anulando, de forma que, nas investigações em que o sigilo seja imprescindível para a apuração da infração e sua autoria, ou exigível no interesse da sociedade, deve a autoridade policial representar fundamentadamente à autoridade judiciária competente para que o princípio da publicidade seja restringido, com vistas ao Ministério Público por ser o destinatário final da informatio delicti.

Temos, assim, a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo[34]:

“Era caso mesmo de concessão da segurança, revelando-se ilegal o ato da autoridade policial, em indeferir, invocando o art. 20 do Código de Processo Penal, pedido de vista dos autos de inquérito feito pelo advogado retrocitado.

Ao advogado é permitido, nos termos do art. 7º, inciso XIV, da Lei Federal nº 8.906, de 04 de abril de 1994, examinar autos de inquérito policial em repartição policial, não se lhe estendendo o sigilo estatuído no citado artigo 20 do Código de Processo Penal”.

Comentando sobre o tema, em sua obra, Paulo Rangel[35], colocou:

"O sigilo imposto no curso de uma investigação policial alcança, inclusive, o advogado, pois entendemos que a Lei nº 8.906/94, em seu art. 7º, III e XIV, não permite sua intromissão durante a fase investigatória que está sendo feita sob sigilo, já que, do contrário, a inquisitoriedade do inquérito ficaria prejudicada, bem como a própria investigação. O advogado tem o direito previsto no Estatuto da Ordem, porém somente quando a investigação está sendo conduzida sem o aludido sigilo."

Por fim, arremata Rangel[36]:

"O caráter da inquisitoriedade veda qualquer intromissão do advogado no curso do inquérito. A consulta aos autos (cf. art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94) é para melhor se preparar para eventual acusação feita na ação penal ou, se for o caso, para adoção de qualquer providência judicial visando a resguardar direito de liberdade. Jamais para se intrometer no curso das investigações que estão sendo realizadas em face de um fato que é indigitado a seu cliente e não imputado. Vimos que, durante o inquérito, o indiciado não passa de mero objeto de investigação, mas possuidor de direitos e garantias fundamentais, não se admitindo o contraditório, pois não há acusação e, como conseqüência, não pode haver defesa."  

Defende, ainda, o autor[37], que a Constituição Federal ao estabelecer que: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa", deixa claro que não se aplica ao inquérito, pois neste não há acusação.

Assim, o texto constitucional ao assegurar ao preso a assistência de um advogado, não exige a sua presença aos atos procedimentais, nem que a autoridade policial deva obrigatoriamente constituir um para acompanhar o seu interrogatório, mais sim que, constitucionalmente lhe é assegurado ser assistido por um advogado de sua livre nomeação, o que é coerente, haja vista, que em inquérito policial não existe contraditório e ampla defesa, a serem exercidos somente em processo judicial ou administrativo.

Contudo, a presença do advogado, embora prescindível no inquérito policial, é recomendável diante da possibilidade de falta de justa causa para a sua instauração contra o investigado, da possibilidade de pleitear diligências, do pedido de liberdade provisória, de relaxamento de prisão em flagrante, assim como de inibir qualquer desvio de conduta que possa ocorrer por parte do agente policial do Estado através de habeas corpus ou representação à Corregedoria de Polícia. Não se poderá mais negar ao advogado vista de inquéritos ou autos de flagrante a pretexto de estarem conclusos à autoridade, recurso este utilizado por vezes pelos policiais para dificultar o acesso do advogado aos autos. Assim, se o inquérito estiver à disposição da autoridade, deverá esta dar imediato acesso ao advogado, sob pena de incidir no abuso de autoridade.

            Assim, pode-se falar em defesa no inquérito policial em sentido amplo, mas não em ampla defesa, atuando o advogado para assegurar a observância dos direitos e garantias individuais previstos na Constituição da República.

Verificamos que a melhor exegese dos dispositivos do art. 7º, XIV, da Lei 8906/94 e do art. 20 do CPP, não deve ser tão ampliativa ou restritiva como querem alguns, sendo viável nas hipóteses disciplinadas na legislação processual penal que o sigilo, como inicialmente defendido, seja decretado judicialmente na investigação, atendendo representação da autoridade policial competente, o que impossibilitaria o acompanhamento por parte do advogado dos atos procedimentais essenciais à investigação criminal, aplicando-se por analogia o disposto no art. 7º, XIII a XV, § 1º, da Lei 8.906/94.

Neste passo, acrescente-se que, dentro do espírito de colaboração que deve presidir as relações entre os policiais e advogados, devem aqueles, na medida do possível, viabilizar as cópias de que necessita o causídico, através dos meios do órgão policial, inclusive porque, como já visto, o advogado, embora exerça ministério privado, presta serviço público de função social.

4.2 - O Sigilo e o Contraditório Pré-Processual

            Muito embora confundidos como sinônimos, sigilo e segredo são diferentes. Segredo é o que não pode ser revelado, enquanto sigilo é a informação a que se tenha atribuído a qualidade de secreta e que se revelado pode causar dano a seu titular, ou seja, o sigilo pode ser considerado o instrumento pelo qual é protegido o segredo.

O sigilo é uma das variações do direito à intimidade consagrado constitucionalmente no art. 5º, X. Encontramos proteção ao sigilo em vários outros dispositivos da Constituição, como é o exemplo do art. 5º, XII, XIV e LVI. Também existe proteção ao sigilo em leis infraconstitucionais, como vemos no Código Penal, que pune a divulgação de segredo (art. 153), no Código Tributário Nacional, no seu art. 198, que resguarda o sigilo fiscal, e o sigilo bancário na lei complementar nº 105 de 2001.

Podemos entender que se faz necessário uma proteção legal intensa ao sigilo, pois uma pessoa precisa ter resguardada a sua privacidade, a existência de alguns fatos que deseja que somente certas pessoas tomem conhecimento. Quando o sigilo está relacionado com o Estado, é porque este entendeu que a violação deste segredo poderia prejudicar a sociedade.

Verifica-se, hoje, que o direito à prova não é absoluto, na medida em que o exercício de um direito não pode colocar em risco outras garantias tão importantes. Por isso, há limites à produção probatória baseados em direitos constitucionais à intimidade.

Notamos que o Código de Processo Penal, em seu art. 207, determina que:

"São proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se,  desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho."

De tal forma que, a violação do sigilo profissional implica na ilicitude da prova, tendo em vista que houve lesão a direito material e constitucional, portanto inadmissível no processo. O Código Penal em seu art. 154, tipifica a violação de segredo profissional, pois, apesar de obtido licitamente, em decorrência do exercício da profissão, confira violação à intimidade, à honra ou à imagem das pessoas.

O sigilo profissional constitui elemento essencial à existência de determinadas categorias, devendo ser respeitado como princípio de ordem pública, sendo preciso proteger a confiança nelas depositada, o que do contrário, seria inviável o desempenho de suas funções.

Apesar de tudo, é importante destacar que o direito ao segredo também não é absoluto, como os demais direitos, aplicando a este o princípio da proporcionalidade sempre que houver violação de outras garantias constitucionais. O sigilo profissional é essencial, mas não havendo outra possibilidade de se apurar um crime extremamente grave que confronta outro direito igual ou maior de interesse público relevante, é considerada possível a quebra do sigilo. Há interesses que superam o dever de sigilo, em tais casos, a violação deste esta fundamentada em justa causa e, então, excluída a ilicitude penal. Assim, conforme o teor do art. 154 do Código Penal, presente a justa causa, não se pode falar em crime, muito menos de punição, observando que se exige a falta de justa causa para a tipificação de tal crime.

A Constituição Federal também resguardou em seu texto o sigilo da fonte (art. 5º, XIV), como também fez a Lei de Imprensa, que, por sua vez, diferencia-se do sigilo profissional, pois este não protege o segredo revelado em virtude da relação de trabalho, mas visa  beneficiar a todos que atuam nos meios de comunicação, assegurando-lhes o livre exercício da profissão. Essa garantia não tem como objetivo conceder privilégios a seus titulares, pois muitas notícias não poderiam ser transmitidas se houvesse a necessidade de dizer quem as forneceu. É preciso ter cuidado para que esse direito não seja usado de má-fé para se criar notícias falsas, devido ao fato de não ser possível averiguar sua veracidade. Cabe ao comunicador, por um valor ético, revelar sua fonte de informação.

Portanto, como já foi dito acima, é valido lembrar que este direito não é absoluto, pode se verificar que qualquer direito ou garantia fundamental pode ceder quando colidir com outra norma constitucional de igual importância. Como exemplifica César Dario Mariano da Silva[38]: "Dessa forma, se, por exemplo, um jornalista entrevistar alguém que tenha conhecimento de um terrorista que pretende explodir um local público, não seria lógico preservar a fonte e colocar em risco a segurança nacional e o direito à vida."

O sigilo bancário é outro direito individual consagrado constitucionalmente e, também, legalmente protegido, que preserva o sigilo dos dados e o direito à intimidade.

A lei determina que as instituições financeiras conservem sigilo em suas operações e serviços prestados, sendo considerado crime sua indevida violação. Não constitui crime a troca de informações entre instituições financeiras para fins cadastrais, inclusive o fornecimento de informações a entidades de proteção ao crédito de clientes que constam como emitentes de cheques sem fundos e de devedores inadimplentes. Não importa em violação do sigilo, as informações enviadas para a Receita Federal referente a contribuição provisória sobre movimentação financeira (CPMF) recolhidos do contribuinte e sua identificação. Havendo fundada razão, o juiz, poderá decretar a quebra do sigilo bancário, quando for necessária para a apuração de ilícito penal, em qualquer fase do inquérito policial ou do processo.

Também encontra-se na mesma situação o sigilo fiscal, sendo vedada a divulgação, por parte da receita pública, sem ordem judicial, de qualquer informação sobre a situação financeira e econômica dos contribuintes.

Não podemos de deixar de comentar, ainda que brevemente, sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). As CPI's poderão ser criadas pelo Senado Federal ou pela Câmara de Deputados visando apurar fato determinado por certo prazo, podendo ser prorrogadas. São conferidos à CPI, conforme o art. 58, §3º, da Constituição Federal, os mesmos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais. A CPI situa-se dentro do poder de fiscalização do Poder Legislativo, podendo, também, ser criada pelos Estados e Municípios. Fatos vagos e imprecisos não podem provocar a abertura de uma CPI, pois implicaria usurpação da função judicial de investigação. Elas poderão investigar não só supostos atos ilícitos praticados pelo Poder Legislativo, como também pelo Executivo e Judiciário, que sejam de interesse público.

Há algumas medidas que por atingirem direitos e garantias fundamentais muito importantes, como a interceptação telefônica, busca e apreensão e decretação de prisão, somente o Judiciário poderá determinar. O Supremo Tribunal Federal entendeu que a CPI pode, desde que devidamente fundamentado, determinar a quebra dos sigilos fiscais e bancário dos investigados, não fugindo, entretanto, de uma possível apreciação judicial.

O Ministro Celso de Mello[39], assim se manifestou, em seu voto:

"O sigilo bancário, o sigilo fiscal e o sigilo telefônico (sigilo este que incide sobre os dados / registros telefônicos e que não se identifica com a inviolabilidade das comunicações telefônicas) - ainda que representem projeções específicas do direito à intimidade, fundado no art. 5º, X, da Carta Política - não se revelam oponíveis, em nosso sistema jurídico, às Comissões Parlamentares de Inquérito, eis que o ato que lhes decreta a quebra traduz natural derivação dos poderes de investigação que foram conferidos, pela própria Constituição da República, aos órgãos de investigação parlamentar. As Comissões Parlamentares de Inquérito, no entanto, para decretarem, legitimamente, por autoridade própria, a quebra do sigilo bancário, do sigilo fiscal e/ou do sigilo telefônico, relativamente a pessoas por elas investigadas, devem demonstrar, a partir de meros indícios, a existência concreta de causa provável que legitime a medida excepcional (ruptura da esfera de intimidade de quem se acha sob investigação), justificando a necessidade de sua efetivação no procedimento de ampla investigação dos fatos determinados que deram causa à instauração do inquérito parlamentar, sem prejuízo de ulterior controle jurisdicional dos atos em referência (CF, art. 5º, XXXV). - As deliberações de qualquer Comissão Parlamentar de Inquérito, à semelhança do que também ocorre com as decisões judiciais (RTJ 140/514), quando destituídas de motivação, mostram-se írritas e despojadas de eficácia jurídica, pois nenhuma medida restritiva de direitos pode ser adotada pelo Poder Público, sem que o ato que a decreta seja adequadamente fundamentado pela autoridade estatal."

            Em se tratando de inquérito policial, o sigilo adotado é aquele suficiente para a realização da investigação. A divulgação de uma diligência que será realizada no curso de uma investigação criminal, frustra seu objetivo, que é a comprovação da materialidade e a descoberta da autoria.

            O Superior Tribunal de Justiça[40], assim decidiu:

                        “A natureza inquisitorial do inquérito policial não se ajusta à ampla defesa e ao contraditório, próprios do processo, até porque visa preparar e instruir a ação penal. O sigilo do inquérito policial, diversamente da incomunicabilidade do indivíduo, foi recepcionado pela vigente Constituição da República. A eventual e temporária infringência das prerrogativas do advogado de consulta aos autos reclama imediata ação corretiva, sem que se possa invocá-la para atribuir a nulidade ao feito inquisitorial.”

Na mesma linha do sigilo no inquérito policial, temos o posicionamento de Marcellus Polastri Lima[41]: “Não importa que se trate de inquérito policial ou outra investigação criminal, já que o procedimento investigatório sempre poderá se revestir de caráter sigiloso, inexistindo, na espécie, contraditório.”

E continua seu entendimento[42]: “Inexiste aqui restrição à defesa, vez que trata somente de investigação, sendo que, mesmo na vigência da anterior Constituição, o contraditório era garantido a acusados e não a indiciados”.

Entende ainda, o autor[43], que sempre existiram o caráter inquisitivo e sigiloso das investigações, ressalvado o direito do advogado à prova já colhida. Admite-se que o advogado possa acompanhar a colheita de prova somente quando o sigilo não for necessário, porém ser interferir na sua produção.

            Para Marcellus Polastri Lima[44], mesmo com o advento da Constituição de 1988, que dispõe em seu art. 5º, LXIII, que: "O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado", não quer dizer ingerência na colheita probatória ou direito ao contraditório na fase investigatória, sustentando que o contraditório assegurado constitucionalmente refere-se à fase processual, conforme se vê no art. 5º, LV, da Constituição.

Esse entendimento é adotado, dentre outros autores, por Vicente Greco Filho[45], que expõe:

"A atividade que se desenvolve no inquérito é administrativa, não se aplicando a ela os princípios da atividade jurisdicional, como o contraditório, a publicidade, nulidades etc. Os atos do inquérito podem desenvolver-se em sigilo, quando necessário

ao sucesso da investigação."

É válido ressaltar que o contraditório é inerente ao sistema acusatório, mas aflora-se somente na fase processual, onde as partes possuem igualdade de condições.

 

Com isso destaca Paulo Rangel[46]:

"No sistema inquisitivo, portanto, não há o contraditório, pois o chamado "acusado" não passa de mero objeto de investigação, não sendo, tecnicamente, acusado e sim investigado, motivo pelo qual não há que se falar em contraditório na fase pré-processual ou no procedimento administrativo.(rectius: inquérito policial)."

E em relação ao inciso LV, do art. 5º, da Constituição explica[47]:

"O dispositivo constitucional acima citado (art. 5º, LV) não pode levar o intérprete a pensar que a expressão "processo administrativo" compreende a fase inquisitorial ou uma colocação mais precisa no procedimento administrativo instaurado na delegacia de polícia. O conceito de processo administrativo é diferente do de procedimento administrativo."

No mesmo sentido, não poderíamos deixar de citar Fernando da Costa Tourinho Filho[48]:

"Com o sigilo haverá restrição à defesa? Evidentemente, não. Se no inquérito não há acusação, claro que não pode haver defesa. E, se não pode haver defesa, não há cogitar-se de restrição de uma coisa que não existe. Por isso mesmo os Advogados dos indiciados, quando se fizer necessário o sigilo, não podem acompanhar os atos do inquérito policial."

E depois finaliza[49]: "Proposta a ação, sim, é que deve haver o regular contraditório, erigido, aliás, entre nós, à categoria de dogma constitucional, como se infere do inc. LV do art. 5º da CF."

 

Assim, se manifestou o Tribunal de Justiça de São Paulo[50], em relação ao tema:

"A persecução penal possui duas fases distintas: a fase policial e a fase judicial. A primeira fase é investigatória. Nela não é obedecido o princípio do contraditório e nem há necessidade da pessoa que está sendo investigada ser avisada.

As investigações devem ser efetuadas sob sigilo, para que sejam bem-sucedidas. O sigilo é exigido, ainda, para que não se exponha a pessoa investigada a excração pública.

O sigilo nas investigações criminais é a regra geral. O artigo 20 do C. P. Penal confirma essa assertiva, ao preceituar: "A autoridade assegurará no inquérito policial o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade." Logo, não há como afirmar que exista cerceamento de defesa quando a tramitação do inquérito policial é realizada sob "segredo de justiça"."

O sigilo é empregado no sentido do dever legal de não revelar ou manter dados e informações que devam permanecer em segredo, em que se tem conhecimento e acesso em razão do exercício da função pública que realiza ou realizava e cuja divulgação a terceiros poderá ocasionar prejuízo aos objetivos do inquérito ou ofender interesses da sociedade, sob pena de cometer crime previsto no art. 325 do Código Penal, daí porque a autoridade policial deverá optar pelo sigilo, sempre que houver interesse da sociedade e for necessário à elucidação do fato. O sigilo deve ser necessário para a completa resolução do fato criminoso, estando adequado e proporcional à apuração do ilícito para

que assegure a proteção da segurança e tranqüilidade da sociedade contra atos que exponham a perigo ou dano os bens decorrentes da publicidade da investigação que se realiza.

Em que pese esta posição, verifica-se que, com o advento da Carta Maior de 1988, o inquérito policial caracterizou-se pela publicidade de suas diligências, e o sigilo só é aceito em caráter excepcionalíssimo, isto significa dizer que a autoridade policial só não estará violando direito do cidadão a obter informações se o sigilo visar atender os interesses da sociedade e for decretado judicialmente.

Noutro vértice, em posição mais radical, esse raciocínio, não se aplicaria ao advogado, argumentando que o direito de vistas pressupõe o patrocínio da causa e é imprescindível para o seu desempenho, não podendo ser obstruído, nem mesmo em regime de sigilo, até porque se assim fosse, haveria um obstáculo para o exercício do direito de defesa garantido constitucionalmente. Sustentando que a sigilação no inquérito policial não atinge o advogado no exercício das funções, mas recaindo sobre todo cidadão, desde que seja necessário à elucidação do fato criminoso.

Nesse sentido, curiosamente, o Código de Processo Penal Militar, provavelmente por mais recente, ao cuidar do sigilo do inquérito, cuidou de permitir o acesso do advogado aos autos nos termos de seu artigo 16 que dispõe: "O inquérito é sigiloso, mas seu encarregado pode permitir que dele tome conhecimento o advogado do indiciado."

É certo que, em tese, a idéia da aplicação da ampla defesa na fase policial, fortaleceria o inquérito policial como meio de prova, a prestação jurisdicional seria mais célere sem a necessidade de sua repetição na fase judicial, e até mesmo a autoridade policial ficaria mais prestigiada perante o mundo jurídico, se incluída no contexto, mas para tal, necessário se faz alterar profundamente a legislação processual penal e concomitantemente repensar o modelo de polícia judiciária e de justiça criminal.

O fato é que, com a nova ordem constitucional, o direito infraconstitucional, bem como a sua aplicação, deverão ser reescritos e repensados, afim de que seja resguardada a imprescindível compatibilidade deste para com a Magna Carta, objetivo este que deverá ser seguido e perseguido, pois não bastam as garantias, precisamos urgentemente garanti-las.

Em interessante artigo Renato de Oliveira Furtado[51] expõe:

"Como dito por TORNAGHI, "quem detém a força não precisa violar o Direito para assegurar a ordem; ao contrário: o abuso do poder é sintoma de franqueza e sinal de covardia.

          Tais práticas, por vergonhosas e desprezíveis, não se compadecem com o refinamento de costumes que os brasileiros tem o direito de exigir daqueles aos quais eles se confiam e não é, evidentemente, para sofrer essas afrontas que a Nação estipendia e homenageia os fiadores da lei e da ordem."

          Exige se para tanto que não mais se continue a ler a Constituição com os olhos cansados do autoritarismo, que "não obstante a resistência que lhe opõe a nossa prática judicial, sempre nostálgica de um inquisitorialismo mentalmente insepulto" se apercebam, todos, que o inquérito policial só teria a se fortalecer com a presença da defesa ou, como dito com mais propriedade pelo Des. SÉRGIO PITOMBO, "o inquérito policial civil ganharia em eficiência, com a regular cooperação do exercício do direito de defesa."

          Lançar a luz do Contraditório diferido sobre os ambientes policiais não deveria incomodar a ninguém, a não ser aqueles que, como HAMLET, desejam: "estrelas, ocultem o vosso fogo, que nenhuma luz entreveja os meus desejos obscuros e profundos." A frágil argumentação de que as investigações restariam prejudicadas pela

participação da defesa perante o inquérito só podem vir daqueles que imaginam no Contraditório "o absurdo que seria advogados de defesa coladas a detetives particulares ou a investigadores, a serviço da Polícia, do Ministério Público ou do Juiz, a espiarem as pesquisas sobre as infrações, seus autores e os elementos de convicção."

          Não é esta a idéia que se propõe. Contrariando (com pesar) o extraordinário Des. AMILTON BUENO DE CARVALHO, na sua citação de ROBERTO GOMES, acreditamos, aristotélicamente, que a virtude realmente está no meio, no equilíbrio. E, portanto, se não pactuamos de um Contraditório exercido plenamente na fase policial, de forma, que aí sim, desequilibrar se ia o fiel da balança entre os interesses persecutórios do Estado e as garantias do cidadão, também não pactuamos da idéia de "negação, ex parte principis, da transparência na esfera pública e do princípio da publicidade, seja através da estrutura burocrática na forma de cebola, seja no emprego da mentira e da manipulação ideológica, que impedem a circulação de informações exatas e honestas", posto que tais manifestações, conforme HANNAH ARENDT, são "uma das notas características do totalitarismo"."

          Com efeito, é sabido que algumas investigações criminais devem ser realizadas sigilosamente para se alcançar o sucesso na apuração do fato delituoso, conduta essa que garante o respeito ao direito à intimidade e ao princípio da presunção de inocência do investigado, motivo pelo qual, excepcionalmente, o sigilo poderá ser decretado judicialmente quando necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

Outrossim, inadmissível alegar-se que o sigilo no inquérito policial seria inconstitucional, face ao direito de informação previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da Carta Política, eis que tal norma limita o próprio direito que estatui aos interesses de segurança da sociedade e do Estado.

Voltamos a insistir que o que se procura é o equilíbrio, é a luz, sobre provas da investigação. O inquérito policial diante dos princípios e garantias constitucionais hoje vigentes, não pode sobreviver às fórmulas arcaicas ainda empregadas e defendidas pela mais respeitável doutrina.

Estamos desprezando importantíssimas garantias conquistadas em lutas travadas ao longo da história das relações sociais do Brasil. Nós que de alguma forma trabalhamos com o Direito devemos ter sempre em mente que o fim de toda atividade estatal é o homem, e que o homem e a sociedade não são escravos a um direito, o direito é que deve ajustar-se e orientar-se no sentido do fato social.

Diante disto, não necessitamos tornar a nossa coexistência ainda mais tormentosa que já é, fingir pouca importância ao inquérito, onde até mesmo algumas provas não mais se repetem, para logo ali na frente, na sentença, usá-lo, é virar as costas para o direito e a liberdade.

            Como bem finaliza Renato de Oliveira Furtado[52]:

"Como, alhures, já tivemos a oportunidade de escrever, agora reiteramos: "Dizer, a doutrina dominante, que o cidadão indiciado é apenas objeto de investigação e não um sujeito de Direito de um procedimento jurisdicionalmente garantido, é o mesmo

que dizer que o inquérito policial é seara onde a Constituição não pisa, é fôro onde o Direito bate em portas lacradas. 

É realmente doloroso ver conculcadas entre nós garantias que custaram a humanidade tantos séculos de lutas e verificar que o sangue dos que morreram para inscreve-las nas declarações de Direitos não regou suficientemente o chão da Pátria. Assim, mercê da dor dos desaparecidos nas ditaduras, mercê ainda da grita incessante

da mídia sob a batuta do movimento de Lei e Ordem, urge que atendamos o convite feito pelo Conselho Diretivo do IBCCRIM na RBCC vol. 25, pag. 4, de forma que, em cada rincão, em cada trincheira, em cada gabinete, venhamos a operar o direito sob o impacto do Garantismo, do Direito Penal Mínimo, do Humanismo, meu Deus, por incrível que possa parecer, operarmos o direito no sentido de volvermos a Beccaria e ao homem como epicentro de gravidade do Direito Criminal, até que tenhamos "não um melhor Direito Penal, mas algo melhor do que o Direito Penal"."

Por último, vale lembrar o que leciona Paulo Roberto da Silva Passos[53] ao citar o Promotor de Justiça Marcelo Mendroni:

"Obviamente que as investigações pré-processuais devem necessariamente ser secretas, sob pena de serem frustradas desde o início. Pela mesma razão que um criminoso qualquer pratica atos ilícitos e não os revela às autoridades competentes, estas não só podem como devem investigá-lo - por obrigatoriedade de suas funções - e obedecendo ao princípio da verdade real, sem desvelar o seu teor, até que reúnam dados suficientes para formar o seu convencimento e então levar a cabo a medida cabível. A contrario sensu, fosse a autoridade investigadora obrigada a revelar o teor de sua investigação, franqueando ao suspeito ou mesmo ao seu advogado vistas e/ou cópias dos autos, deveria o investigado também ser obrigado a indicar as provas de sua conduta criminosa e, isso é elementar, não o fará; e se o fizer mentirá. Esta é a razão pela qual as informações relativas ao procedimento investigatório e/ou inquérito policial podem ser mantidas sob sigilo, a critério da autoridade incumbida da investigação, e podem não ser fornecidas ao investigado ou mesmo ao seu advogado."

E assim solidifica sua idéia[54]:

"Assim há que se fazer a simples colocação: São direitos do advogado: "Examinar em qualquer repartição policial mesmo sem procuração autos de flagrante e de inquéritos findos, ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos; DESDE QUE - a critério da autoridade responsável pelo inquérito ou procedimento investigatório, o sigilo NÃO SEJA necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade"."

Esta posição considera que, se autoridade responsável pelo inquérito entender que ao dar vistas dos autos para o advogado estará trazendo prejuízos irreparáveis à atuação da polícia e do Ministério Público, em evidente desrespeito ao princípio da verdade real, pode negar vistas aos autos em despacho fundamentado a qualquer parte que estiver implicada na apuração, como já dito, a Constituição quando trata de garantias processuais refere-se ao acusado e não ao indiciado, visto que no inquérito não há acusação formal.

Constata-se, também, que tal interpretação é em defesa da sociedade, a grande vítima da crescente criminalidade, que, nessa condição, vê-se cada vez mais necessitada a reprimir os crimes que a assolam, e cada vez com mais eficácia, não podendo, portanto, abrir mão das armas, entendendo "armas" como instrumentos legais que dispõe para o combate dos marginais em todos os níveis.

Para refutar tal entendimento, Paulo Roberto da Silva Passos[55], cita outro posicionamento, dizendo:

"Paula Bajer Fernandes Martins da Costa, assim, imediatamente, refutou o artigo, em termos ásperos, enunciando que: "O texto desconsidera a Constituição para propagar com citação de doutrina estrangeira (são lembrados alemães, italianos,

espanhóis, argentinos) idéias adotadas na queima de hereges e aperfeiçoadas nos regimes autoritários", e acrescentando como síntese: "A instrução criminal comporta exercício de direito de defesa em todas as suas fases. O advogado pode consultar e examinar todos os procedimentos, inclusive aqueles que versarem sobre prisão temporária e interceptação telefônica. Não se irá transcrever doutrina alguma para fundamentar esta assertiva porque a fundamentação está na Constituição e no Estatuto do Advogado, promulgado mais de cinqüenta anos após o Código de Processo Penal, não há exceções. A única conciliação possível entre o art. 20 do Código de Processo Penal (que permite sigilo no inquérito) e o Estatuto do Advogado é a seguinte: o decreto de segredo no inquérito policial ou em qualquer outro procedimento não alcançará, jamais, o advogado".

E no mesmo sentido segue[56]:

"No mesmo volume, também quase de imediato, Alberto Zacharias Toron e Maurides de Melo Ribeiro a repeliram e oprimiam, e com base no art. 7º da Lei n. 8.906/94 (Estatuto do Advogado) insistiram: "Ante a clareza da lei é evidente que a restrição que se quer impor aos advogados que representam indiciados ou mero investigados, isto é, de examinar e extrair cópias de parte dos autos, mais que odiosa, é patentemente ilegal. De fato se a lei assegura aos advogados o direito de poder ver os autos e copiar o que for importante, tal se encarta dentro de uma garantia maior que é a da ampla defesa. Sim, porque não se pode exercer esta sem que se conheçam os autos. Afinal, se dentro de um inquérito for determinado de forma abusiva um indiciamento ou, por outra, decretar-se a prisão de um cidadão, como irão os advogados hospitalizar eventual coação, se não podem ter acesso ao feito? Isto para não falar em toda sorte de

abusos que se podem cometer em matéria de colheita de provas ou indícios."

 

Por fim, dá sua posição[57]:

"Não se podem, destarte, a título de conferir vantagem ainda maior ao Estado-acusação, em franca afronta aos princípios que a regem, e que brotaram, como já dissemos, do princípio liberal do legislador, desconsiderar as regras insculpidas na Constituição Federal." E continua: "Dessa forma, concluímos que, embora característica que identifica o inquérito, o sigilo não é absoluto, eis que temperado pela "publicidade especial"."

O que acontece, na verdade, é que cada um defende maiores poderes para a sua função, ou seja, os promotores e delegados, defendem, em sua maioria, o sigilo no inquérito, já os advogados, sustentam, para melhor realizarem seus trabalhos, a publicidade como essencial. Por causa desse jogo, e pela ausência de uma norma expressa para regular a questão, fica o investigado numa posição confusa. O trabalho do intérprete das leis consiste exatamente em procurar conciliar os textos legais, apontando as falhas e sugerindo soluções, mas sempre evitando interpretações absurdas.

4.3 - O Princípio da Publicidade e a Necessidade do Sigilo nas Investigações

Há um grande conflito envolvendo a publicidade e o sigilo das investigações, pois o tema está intimamente relacionado com o contraditório e a intervenção da defesa na fase pré-processual. Um sistema que não tenha publicidade nega, por conseqüência, o contraditório e a defesa. Como já vimos, a restrição à publicidade deve ser decretada pelo juiz, limitando-se em nome do garantismo, para preservar o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à intimidade do suspeito ou indiciado, visto que, ao contrário, estaria colocando prematuramente um possível inocente no banco dos acusados, tendo em vista que nem sempre as investigações dão lugar a um processo penal, ao ponto que a imprensa induziria a opinião pública a condenar sem o juízo penal.

O Supremo Tribunal Federal[58] entendeu assim:

"O Inquérito Policial não é processo judicial, mas sim um procedimento de instrução provisória, preparatória, informativa, destinado a colher elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Sobre a inaplicabilidade dos referidos princípios na fase inquisitorial, Celso Ribeiro Bastos,afirma que: "Problema de maior gravidade e dificuldade jurídica é o agora exposto pelo inquérito policial. Já sob a Constituição anterior não faltavam aqueles que consideravam extensíveis a esta modalidade de apuração policial os institutos do contraditório e da ampla defesa. Os melhores autores sempre estiveram contudo com a tese oposta. Sendo o inquérito policial um meio de apuração, é muito cedo para que se possa falar em acusados. ... A nova redação constitucional vai sem dúvida reforçar a discussão, na medida em que se refere aos acusados em geral. Ainda assim continuamos a crer que os envolvidos em inquérito policial não podem ser tidos como acusados nos termos da Constituição. A acusação é sempre uma irrogação a alguém da prática de um ato condenável, no caso de um ilícito penal. Enquanto não advenha este ato estatal que impute a uma determinada pessoa a prática do delito, esta não pode ser tida como acusada. A fase investigadora é portanto preparatória da acusação, uma vez que só pelo

desvendamento do ocorrido e pela identificação da autoria é possível praticar-se o ato formal da acusação. Ante o exposto, consideramos inaplicável ao inquérito policial o contraditório e a ampla defesa"."

A informação, hoje em dia, é uma mercadoria que se utiliza de certos instrumentos para estimular e despertar o interesse, sem contar que a informação

também atende a interesses econômicos e políticos, trazendo enormes prejuízos para as investigações. É certo que o cidadão tem direito à informação e a liberdade de informar, só que não podemos aceitar que façam juízos paralelos sobre temas que estão em investigação, neste conflito, é claro o predomínio dos direitos fundamentais à intimidade e à honra.

Fernando da Costa Tourinho Filho[59], por sua vez, explica:

"O princípio da publicidade , que domina o processo, não se harmoniza, não se afina, com o inquérito policial. Sem o necessário sigilo, diz Tornaghi, o inquérito seria uma burla, um atentado. Se até mesmo "na fase judicial a lei permite ou impõe o sigilo", quanto mais em se tratando de simples investigação, de simples colheita de provas."

Não podemos deixar de lembrar que o poder público tem sua parcela de responsabilidade pela publicidade abusiva, pois uns poucos juízes, promotores e policiais, levados pela vaidade, fazem clamorosas e precipitadas declarações em público e aos meios de comunicação, aumentando a infamação do investigado e prejudicando seriamente a administração da justiça.

Assim impede-se que a coletividade tenha acesso ao conhecimento do material recolhido na investigação preliminar. Entende-se que essa restrição não serve para limitar a divulgação do fato criminoso pelos meios de comunicação, o fato é público, secretas são as atuações da polícia. A publicidade é limitada ao público quando somente os sujeitos interessados possuem acesso aos atos da investigação, de modo que se não houvesse o sigilo não teria máxima eficácia a repressão estatal dos delitos, servindo, então, para garantir a utilidade da persecução e a tranqüilidade do órgão encarregado da investigação.

            O sigilo serve como instrumento para efetivar a garantia aos direitos fundamentais, de modo que o Estado não pode deixar de combater o prejuízo moral e social que gera as investigações sobre uma pessoa.

É claro que, a restrição da publicidade possui contra-argumentos, ao ponto que a publicidade ajuda o povo a participar da administração da justiça, contribuindo e auxiliando os órgãos públicos esclarecerem os fatos delitivos. A justiça é melhor quando é demonstrada ao povo toda sua legalidade.

A publicidade pode ser limitada ao público, mas também ao investigado e seu advogado. Existem certas diligências que exigem o sigilo para terem eficácia ou restam--se frustradas, juntamente com a própria elucidação do fato. Podemos notar tal importância em uma interceptação telefônica ou numa busca e apreensão, pois se o investigado ou seu advogado pudessem ter acesso ao inquérito onde consta a juntada nos autos a obtenção da autorização judicial para a prática de tal diligência, antes de sua realização, seria totalmente sem sentido tal investigação. O sigilo serve para compensar uma suposta vantagem que tem o autor do delito.

Por outro lado, é um erro imaginar que a investigação terá maior efetividade se o investigado não intervir, pois se o que busca é a verdade, não há dúvidas que ela nasce do contraditório. O sigilo é sempre perigoso por criar uma grande possibilidade para brotar a incerteza e a injustiça. E ainda se alega que se o sigilo pré-processual não atinge o órgão acusador, o que configura uma grande desigualdade em um futuro processo. Deve-se conceder o direito do investigado de participar das investigações, pois nem mesmo a polícia pode ser considerada imparcial, pois as pressões externas e a corrupção fazem com que o órgão exija maior fiscalização que, somente poderão ser exercidas através da publicidade.  

Assim posiciona-se Luciano Anderson de Souza[60]:

"Assim é que, e.g., a despeito do aproveitamento social no sentido de prevenção criminal e aumento de confiança nas instituições públicas que se daria pela publicidade da apreensão de inúmeras mercadorias roubadas e na prisão de alguns de seus roubadores, a mesma seria prejudicial para a captura dos demais membros da quadrilha. Com mais razão veja-se ainda, por exemplo, o sigilo inquisitorial no delito de extorsão mediante seqüestro, no qual a publicidade poderia acarretar o insucesso das investigações ou mesmo a eliminação da vida da vítima (ou o abalo de sua privacidade). Entre o interesse público consistente na fiscalização do trabalho policial e o risco de vida para a vítima ou possibilidade de fuga de perigosos facínoras, qual valor deve prevalecer?

            Outras hipóteses: a simples notícia de apuração de crime contra as relações de consumo imputado a dirigentes de conhecida empresa pode levar ao abalo permanente da credibilidade desta perante os consumidores; o constrangimento ocasionado pela publicidade nos crimes contra os costumes pode levar ao suicídio de vítimas ou suspeitos, ou ainda gerar repulsa social, etc. Por vezes o legislador elege o valor que deve prevalecer, determinando ao delegado de polícia que deverá necessariamente observar o sigilo no inquérito policial. É o que veremos infra, com o apontamento do casuísmo legislativo.

            Importante frisar, outrossim, que em decorrência da sistemática inquisitorial, dois são os sigilos possíveis, embora interligados: o dos atos investigatórios concretamente realizados e o dos autos de inquérito policial.

            Há consectários práticos da distinção. Enquanto nos autos de inquérito a liberdade de acesso do defensor é ampla, relativamente aos atos investigatórios, limita-

se aos que necessitem da presença do indiciado.

            Neste momento, cumpre fixar, então, a quem não se aplica o sigilo do inquérito policial. Pacificamente, entende-se que o mesmo não se estende à autoridade policial (por óbvio, já que esta é a guardiã imediata do sigilo), ao juiz natural e ao integrante do parquet.

            Relativamente ao magistrado, cuida-se do destinatário de toda persecução penal, razão pela qual não apenas tem acesso aos autos, como supervisiona a correta aplicação da lei.

            O integrante do ministério público possui a faculdade de acompanhar as investigações, conforme previsão do artigo 26, inciso IV, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.

            Certa divergência é verificada no âmbito laborativo do advogado. Doutrina e jurisprudência prevalecentes, baseando-se no artigo 7º, incisos XIII e XIV, da Lei n.º 8.906/94, consideram tal direito do causídico irrestrito, podendo-se ter acesso aos autos de inquérito, copiar peças ou tomar apontamentos, mesmo sem procuração. Julio Fabbrini Mirabete, por sua vez, leciona que somente o advogado com legitimatio ad procedimentum tem acesso aos autos de inquérito e, caso se tenha decretado o sigilo, mesmo assim não poderá acompanhar a realização dos atos procedimentais, face ao princípio da inquisitoriedade.

            O primeiro posicionamento, em que pese majoritário, revela imperfeições. Embora a intenção que pareça inspirar o Estatuto da OAB seja aquela mesma do acesso irrestrito do advogado, fere o princípio maior da razoabilidade que qualquer advogado possa apresentar-se em qualquer cartório policial e consultar os autos que bem entenda, sem maiores compromissos. Isto ensejaria a possibilidade de captação de clientela e a violação por via transversa do sigilo eventualmente decretado, por qualquer um, que se utilizaria de um profissional desta classe para ter acesso aos autos sigilosos. Veja-se que nesta hipótese não se está preservando aquele que sofre a persecutio criminis e sim o prejudicando.

            Dessa forma, o magistério de Mirabete parece atender mais ao interesse público. Apenas o advogado com procuração poderia ter acesso aos autos quando decretado o sigilo. E mesmo nestas hipóteses, não poderia acompanhar a realização de atos investigatórios quando não se demande a presença de seu constituinte. Este último direito não se vislumbra sequer pela atual redação do Estatuto dos Advogados."

A comunicação ao imputado de qualquer notícia-crime que lhe atribua um fato criminoso ou de alguma investigação que lhe aponte como principal suspeito é fundamental para garantir um mínimo de contraditório na investigação preliminar, isto é, nota-se como um direito básico em qualquer sistema minimamente democrático e garantista, que, significa dizer, que a existência e o conteúdo de uma imputação devam ser imediatamente comunicados ao suspeito, para que ele possa exercer a autodefesa no interrogatório policial e a defesa técnica através do acompanhamento e solicitação de diligências exculpatórias.

É importante salientar que, quando falamos em contraditório na investigação policial, estamos nos referindo à informação, haja vista, que no inquérito policial não pode haver, em sentido estrito, o contraditório por não existir uma relação jurídico-processual e portanto, não está presente a dialética que caracteriza o processo. Não há, no inquérito, uma pretensão acusatória e, por isso, não pode existir a resistência. Lembramos que o direito à informação é uma faceta do contraditório, adquirindo relevância na medida em que através dele será exercida a defesa.

Neste sentido, em que pese à primeira vista parecer natural certo sigilo na persecução penal administrativa prévia, cumpre, contudo, notar que o inquérito policial não é procedimento necessariamente sigiloso, e, sim, eventualmente sigiloso.            

            Há, portanto, uma presunção de publicidade, na medida em que a ausência de previsão legal expressa do sigilo significa que o sistema optou pela publicidade, é pois, na atualidade, regra geral de caráter constitucional. O processo penal não leva somente para a condenação, o investigado ou o acusado pode não ser denunciado ou ser absolvido em sentença judicial, por isso deve se preservar sua imagem respeitando a sua presunção de inocência.

4.4 - A Defesa do Indiciado frente às Investigações Policiais

O advogado Renato de Oliveira Furtado[61] numa profunda inspiração buscou mostrar a situação do indivíduo frente às investigações policias:

"A azáfama, o ambiente no mais das vezes bizarro e hostil, o constrangimento do flagrante ou do inevitável comparecimento e, situação ainda mais grave, quando frente a uma autoridade policial despreparada ou desonesta, acrescente se a todo o quadro acima o arbítrio, os risos a socapa, as brincadeiras intimidante dos "tiras", o alarido da imprensa já previamente contactada, a tortura, o alquebrar de um dos fundamentos da República, a dignidade.

          Nesse contexto, surge o advogado...

          Em sua constitucional missão (art. 5º, LXIII, C. F./88) afigura se o advogado, para o indiciado ou preso, qual tábua de náufrago em bravio mar.

          Para a autoridade policial, especificamente quando esta mostra se arredia aos cânones constitucionais e moralmente refratária, o que esta vê são apenas os pregos desta tábua. Confronto...

          A gênese desse "teatro do absurdo" reside não esquecendo se da moralidade fátua, da cupidez e outros desvios na vesga visão de parte dos Delegados de se verem como "um pré promotor : tudo que não estiver na linha da acusação não interessa ao inquérito. Não conhece o Bel. a prova pura, aquela prova que não se destina nem à acusação nem à defesa. Parece que há sempre a preocupação de sempre piorar o crime. E enfeiar o indiciado". Esquecem se estes que cabe a Justiça, e não à Polícia decidir a respeito da culpa de alguém."

            O direito de defesa nasce da imputação, que representa, na maioria das vezes, uma agressão para o imputado, ao ponto que ele é objeto de diligências e vigilância policial, possibilitando, então, ao sujeito passivo da investigação, que atue no procedimento na busca de provas que o favoreçam. Nesse sentido, ao contrário do que vemos, pode-se imaginar uma aplicação o art. 5º, LV, da Constituição, ao inquérito policial, de modo que seria possível afirmar que o imputado se encaixa na expressão "acusados em geral". O direito de defesa é imprescindível à Justiça, uma vez que sua ausência violaria os mais sagrados direitos do moderno processo penal, mas há que ter um grande cuidado para não gerar uma defesa sem limite, pois isto colocaria em risco a própria finalidade da investigação e o combate eficaz da criminalidade.

            Dentro da defesa, temos a defesa técnica que é realizada por uma pessoa que tem conhecimentos teóricos do direito, ou seja, um profissional, tendo e vista que a maioria das pessoas não possuem conhecimentos necessários para resistir à pretensão do Estado, em igualdade de condições, estando consagrado no Código de Processo Penal no art. 261. No caso do inquérito, havendo uma prisão cautelar, o preso ficaria impossibilitado fisicamente de atuar de forma efetiva.

            O direito à defesa técnica é indisponível, pois é condição de paridade de armas e garantia que sejam cumpridas as regras do jogo processual, indispensável ao contraditório e a própria imparcialidade do juiz.

            O Estado deve organizar, com o mesmo nível do Ministério Público, um serviço público de defesa, porque a proteção da inocência não é um interesse apenas do indiciado ou acusado, mas da sociedade. A Constituição Federal garante no art. 5º, LXXIV, que: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" e para isso existe uma excelente instituição que conhecemos: a Defensoria Pública, prevista na Constituição em seu art. 134, como instituição essencial à função jurisdicional do Estado.

            Na esfera internacional, o art. 8.2, da Convenção Americana de Direitos Humanos prevê:

"d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei."

            Contudo, no inquérito policial, a defesa técnica está limitada, pois este não deixa muito espaço, na prática, para a atuação de tal defesa. Na fase pré-processual, o direito de defesa destaca-se com o habeas corpus e o mandado de segurança. Sem se esquecer do limitado direito de solicitar diligências previsto no art. 14 do Código de Processo Penal que, caso a diligência ou juntada de documentos possa servir, presumivelmente, à apuração do fato ou de suas circunstâncias, ainda que favorecido o indiciado, deve deferir o pedido, tendo em vista o art. 5º, XXXV, da Constituição, que prevê que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário uma lesão ou ameaça a um direito, a injusta negativa da autoridade policial poderá ser objeto de impugnação pelos já citados, habeas corpus ou mandado de segurança.

Os exemplos práticos são muitos, cabendo aqui elencar alguns: reconstituição fotográfica do delito em caso de legítima defesa; oitiva de testemunha presencial não constante do boletim de ocorrência; exame de corpo de delito no indiciado e suas testemunhas em caso de lesões corporais ou homicídio; juntada de documentos relativos a contribuições à entidades assistenciais, nos termos do artigo 6º, IX, do Código de Processo Penal e, tantas outras hipóteses que surgem.

          Em síntese, a inquisitoriedade não é incompatível com o exercício do direito de defesa pelo indiciado durante o inquérito policial. Seu interesse, ali, consiste, ao menos, em demonstrar que não deve ser denunciado. Traduzindo para a prática, não teria sentido algum exigir da autoridade policial que a mesma venha a dizer para todos os rumos das investigações que irá proceder na vida de um suspeito e eventual indiciado, afim de adverti-los e prepará-los. Noutro vértice, perquirida a vida daquele suspeito, via prova documental, testemunhal ou pericial, da mesma deverá ser oportunizada a defesa, a possível contraprova destes elementos de reconstituição.        

Outra garantia, já observada na fase pré-processual, é a impossibilidade de que um mesmo defensor possa defender dois ou mais imputados no mesmo inquérito, pois pode haver conflitos de interesse e teses defensivas colidentes.

            O processo penal é um instrumento de proteção aos direitos fundamentais do imputado ou indiciado, devendo, a presença do defensor, servir como um controle da atuação do Estado, garantindo o respeito à lei e à justiça. Não é possível prosseguir um processo penal sem um defensor técnico, ficando, obrigado o juiz, na falta deste, nomear um defensor.

            Além da defesa técnica, a autodefesa é também importante, na medida em que o indivíduo atua pessoalmente à pretensão estatal. É, então, no interrogatório que essa defesa se concretiza, é o momento que o sujeito passivo tem a oportunidade de atuar de forma efetiva. A autodefesa divide-se em positiva e negativa. A positiva ocorre quando o imputado atua expressando os motivos ou as justificativas do fato lhe está sendo imputado. Já na negativa ocorre uma completa omissão, onde o imputado nega-se a declarar qualquer coisa sobre o fato em questão. A autodefesa é renunciável para o acusado, no processo, mas indispensável para o juiz, devendo sempre conceder a oportunidade para ela ser exercida.

            No inquérito policial, é direito do indivíduo saber em que qualidade responde o interrogatório policial e de estar acompanhado de advogado e, ainda, de reservar-se ao direito de ficar calado, sem qualquer prejuízo. O dispositivo constitucional que assegura ao preso a assistência do advogado combinado com o inciso LV, do art. 5º, permite entender que o direito de estar acompanhado com advogado não é só do preso, mas também do imputado em liberdade, como também o direito ao silêncio. Nota-se que o art. 187 do Código de Processo Penal não permite que o defensor formule ou interfira nas perguntas e respostas do interrogando.

            Nota-se que o interrogatório policial é o principal meio de dar vida ao contraditório, permitindo ao investigado desmentir as acusações ou justificar sua conduta, verificando, portanto, se existem motivos suficientes para a abertura de um processo penal.

            O interrogatório serve, não como meio de prova, mas constitui fonte de prova, fornecendo outros elementos para se conseguir descobrir a verdade. É necessário estabelecer um limite para a buscar a verdade, pois ultimamente, a verdade material cedeu lugar para a verdade juridicamente válida, significa dizer que, no interrogatório, devem ser respeitadas as garantias do art. 5º, III, da Constituição, que assegura que ninguém será submetido a tortura nem mesmo a tratamento desumano.

O interrogatório, como verdadeiro ato de defesa, deve ser considerado um direito e não um dever, daí o direito ao silêncio e de não produzir prova contra si mesmo. O direito ao silêncio deve ser informado ao interrogado pela autoridade policial ou judicial, podendo, caso contrário, gerar nulidade e desconsideração das informações. O direito ao silêncio, parece-nos que apesar da Constituição referir-se ao preso, estende-se ao que está em liberdade, conforme art. 8.2, g, da Convenção Americana dos Direitos Humanos, tornando-se, este direito, como uma máxima do garantismo processual acusatório. O investigado não pode ser compelido a participar de qualquer atividade que possa incriminá-lo ou prejudicar sua defesa, tais como: acareações, reconstituições, fornecimento de material para exames periciais (sangue, escrita). Essa garantia não é somente aplicada ao inquérito policial, mas a todo procedimento investigatório, como a CPI, tratando-se de direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa.

Independentemente do ato ilícito praticado e do silêncio do interrogado, o poder público não pode presumir verdadeiros os fatos e tratar o suspeito, indiciado ou réu como culpado, isto devido ao princípio da inocência. Do mesmo modo entendemos que a confissão tem valor relativo e não goza de mais prestígios que as outras provas.

            Com relação as provas genéticas, que hoje desempenham um papel decisivo nas investigações, não há problema quando são encontradas no próprio lugar dos fatos ou na vítima, que poderão ser colhidas normalmente e utilizadas nas investigações, ou, quando são encontradas na roupa do suspeito ou na sua casa poderão ser obtidas através da utilização da busca e apreensão. Da mesma forma, havendo consentimento do suspeito, poderá ser realizada uma intervenção corporal, pois a autodefesa é disponível e, assim, renunciável. Já, quando se é necessário fazer uma intervenção corporal e o suspeito nega-se a colaborar, há um problema, pois não pode ser presumido com verdade os fatos não contestados, diferentemente do que ocorre no processo civil, devido, mais uma vez, ao estado de inocência, ficando a carga probatória nas mãos do acusador. Submeter alguém a uma intervenção corporal forçada é o mesmo que autorizar a tortura para obter a confissão no interrogatório. Junto ao direito de defesa há direitos fundamentais que tutelam a integridade física, que não podem ser restringidos por meio de lei ordinária, isto porque se trata de garantia constitucional e não existe qualquer disposição da Constituição que preveja uma exceção para esses direitos, uma vez que, colhida tal prova pode ser considerada a uma confissão, que não tem valor decisivo nem maior prestígio entre as outras provas. Ainda podemos salientar que não se pode processar um suspeito pelo crime de desobediência ao negar-se a colaborar com a atividade estatal, pois esta conduta é atípica por se tratar de um exercício regular de direito.

Para os adeptos do princípio da proporcionalidade, que entendem que os direitos fundamentais não são absolutos, e que a cada dia ganham mais força, ponderando os bens jurídicos, quando se tratar de delitos graves e não houver possibilidade de realizar prova por outro meio, podem ser permitidas, desde que não causem nenhum risco e nem dano para o indivíduo, as intervenções corporais, como é o exemplo da obtenção da saliva, que possui material genético e a sua obtenção é totalmente indolor. Entendem que a proporcionalidade entre o meio utilizado e o benefício do resultado é melhor para a justiça.

Destaca-se que é necessário uma norma processual que disponha os casos e a forma como deve ser feita uma intervenção. O que não se pode admitir, em hipótese nenhuma é o comprometimento da integridade física do investigado como a extração de sangue ou de sêmen, sem seu consentimento. Caberá ao órgão jurisdicional ponderar para que não haja uma colisão de direitos fundamentais, evitando que um restrinja o outro, porque deve haver completude e harmonia do sistema jurídico. 

Há, no inquérito policial, uma grande confusão em respeito da situação jurídica do indiciado ou investigado, principalmente no que diz respeito ao momento do nascimento da situação de indiciado, e também no que se refere ao seu estado de liberdade e sua dignidade. Isso traz graves prejuízos para a defesa técnica e pessoal. Devemos caminhar para uma maior incidência do contraditório e defesa no inquérito, não devendo fazer uma interpretação restritiva do art. 5º, LV, da Constituição Federal, mas sim respeitar os direitos assegurados constitucionalmente, adequando o Código de Processo Penal à Constituição, e não o contrário. Não é exigido um contraditório pleno, pois seria incoerente com as investigações, mas ao menos um contraditório mínimo, propiciando uma participação mais efetiva do investigado. É válido citar algumas dessas participações: comunicação imediata da existência de uma imputação, sendo-lhe advertido do direito de comparecer acompanhado de um advogado; direito de silêncio ou de solicitar diligências, sem que o silêncio acarrete prejuízo; produção antecipada de provas e provas técnicas irrepetíveis, oferecendo quesitos e conhecendo os resultados; valor probatório limitado dos atos de investigação, assegurando que somente as diligências que respeitaram as garantias possam integrar os autos do processo.

A situação de ser indiciado gera interesse de agir, que autoriza que se constitua, entre ele e o Juízo, a relação processual, desde que espontaneamente intente requerer no processo ainda que em fase de inquérito policial. A instauração de inquérito policial, com indiciados nele configurados, faz incidir nestes a garantia constitucional da ampla defesa , com os recursos a ela inerentes.

A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias legais e constitucionais, cuja inobservância pelos agentes do Estado além de eventualmente induzir lhes a responsabilidade penal por abuso de poder; pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conclusão

A nosso ver, o novo processo penal resguarda explicitamente valores de garantia ao suspeito e altera definitivamente papéis até então cristalizados. Clama, por certo, uma nova postura ética do órgão acusatório nessa etapa prévia, na medida em que, se a participação do investigado aparece limitada pela própria natureza da atividade que se desenvolve, deve o titular da investigação preservar também meios de prova que sirvam àquele.

O processo penal deve procurar tornar viável a aplicação da lei penal e, também, servir de instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais. A investigação preliminar tem como fundamento de existência a necessidade de buscar e esclarecer o fato oculto e funcionar como um filtro, evitando acusações infundadas.

Examinamos o inquérito policial, ainda que brevemente, verificando seus pontos mais problemáticos, como a valoração probatória, a postura do juiz e do Ministério Público frente a tal procedimento. Para complementar tecemos alguns comentários sobre os princípios da ampla defesa, da publicidade e sobre interceptação telefônica. Terminamos o trabalho com uma exposição acerca do advogado no interesse da defesa do indiciado no inquérito policial e a questão do sigilo, concluindo que há uma presunção de publicidade assegurada constitucionalmente, pois não há previsão legal expressa em relação ao sigilo.

O novo Estatuto da OAB, Lei nº 8.906/94, impõe-se como um marco de redefinição do relacionamento entre a polícia e a advocacia. Assim, deve a polícia cada vez mais zelar para que os direitos e garantias fundamentais sejam respeitados, e o advogado, visto como um colaborador, de sua parte, deve emprestar às autoridades policiais a dignidade e respeito que são próprios desta nobre atividade estatal.

Em relação ao que determina o art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB, devemos verificar que a liberdade de acesso do defensor ao inquérito é ampla e que não se pode negar vistas do autos ao advogado, mas é necessário fazer a diferenciação entre autos do inquérito e atos de investigação, onde, neste último, pode haver restrição judicial no sentido de decretar o sigilo para que possa realizar as diligências com êxito.

Ora, os dispositivos relativos ao livre acesso do advogado aos estabelecimentos policiais não têm outra finalidade senão facilitar o exercício da advocacia. Assim, possíveis atritos entre advogados e policiais podem ser evitados na medida em que se estabeleça um relacionamento harmonioso de colaboração recíproca.       

Verificamos que o referido sigilo não se revela uma medida assecuratória contra ilegalidades de maus policiais, como pensam superficialmente alguns. É antes uma garantia individual conquistada pelo cidadão, que tem por objetivo afastar as conseqüências sociais danosas fruto da persecução penal em si mesma considerada, bem como consubstanciar-se em um instrumento eficaz para a aplicação da lei penal.

Constatamos que a Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da publicidade como regra geral em nosso ordenamento jurídico, existindo, portanto, uma presunção relativa de publicidade nas investigações e nos atos judiciais, permitindo que o juiz decrete o sigilo diante de um caso concreto. Vimos que o sigilo consiste numa medida excepcional adotada pontualmente com o objetivo de resguardar o investigado e a investigação.

O sigilo se dá em relação ao investigado ou em relação a sociedade. No que se refere ao investigado, o sigilo visa proteger o objeto da investigação, pois certas diligências realizadas na fase do inquérito policial, como a interceptação telefônica e a busca e apreensão, não podem ser notificadas previamente ao investigado, sob pena de se tornarem ineficazes. A investigação poderá ser sigilosa, também, em relação a sociedade, com o objetivo de proteger a imagem do investigado e de sua família, pois a divulgação prematura de uma investigação pode, além de atrapalhar a própria investigação, trazer prejuízos irreparáveis para a vida de uma pessoa. Apesar do princípio da publicidade ser a regra nas atividades estatais, a Constituição Federal adotou o sigilo, no que se refere à vida particular das pessoas, como um importante mecanismo para preservar o direito à intimidade e a privacidade, como é o exemplo: sigilo fiscal, sigilo bancário, sigilo telefônico, etc.

De todo o exposto, vimos que as discussões sobre o inquérito policial se reabriram após a Constituição de 1988, analisando o procedimento em harmonia com os pensamentos que governam a nova ordem estatal. Nos limitamos a trazer à luz, mantendo a estrutura do instituto, princípios constitucionais que sobre ele se aplicam.

Observamos que, durante o inquérito policial, o investigado é possuidor de direitos e garantias fundamentais, e quando a Constituição Federal assegura o direito do preso à assistência de advogado, não está permitindo fazer do inquérito policial um procedimento dialético e contraditório.

Acerca da ampla defesa e do contraditório, finalizamos dizendo que não há, no inquérito, a obrigatoriedade da presença do advogado para exercer a defesa técnica, mas como vimos é recomendável a presença do defensor em tal procedimento, para que se possa prevenir eventuais ilegalidades e assegurar a observância das garantias constitucionais do indiciado, que possam ser desrespeitadas durante o inquérito. Não é exigido um contraditório pleno, pois seria incoerente com as investigações, mas ao menos um contraditório mínimo, propiciando uma participação mais efetiva do investigado. Em síntese, a inquisitoriedade não é incompatível com o exercício do direito de defesa pelo indiciado durante o inquérito policial.

Buscamos demonstrar que o contraditório, inserido na ampla defesa, também, restritivamente, se aplica ao inquérito, principalmente quando se trate de prova que não pode ser refeita em juízo. Vimos, ainda, o direito de o indiciado não se auto-acusar, não se admitindo, portanto, o enquadramento penal para aquele que se recusar a produzir prova contra si mesmo.

Salienta-se que o processo hermenêutico adquire relevante valor, comportando somente interpretações conforme a Constituição, como condição de validade das normas ordinárias, assim, o processo penal rege-se por padrões normativos de origem constitucional.

 

             

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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