O acordo de acionistas como prevenção de conflitos


Porwilliammoura- Postado em 07 dezembro 2011

Autores: 
GONÇALVES, Anízio Marcelo

1 O ACORDO DE ACIONISTA E A PREVENÇÃO DE CONFLITOS

O acordo de acionista amplia o rol de possibilidade da sociedade anônima, estabelecendo condições e situações, pré-definindo rumos e antecipando medidas e decisões. Revestido na forma de contrato e ao mesmo tempo, com embasamento legal no artigo 118, da Lei das Sociedades Anônimas, busca compor os interesses de acionistas de forma individual, garantindo-lhes a livre negociação das ações ou o exercício do direito a voto, ou ainda o poder de controle acionário.

Nesta esfera temos o instrumento que visa à prevenção das lides internas, harmonizando as participações societárias e de uma forma ou outra, tranqüilizando os ânimos dos acionistas, a medida em explicita contratualmente alguns fatos futuros e principalmente, as linhas conjuntas de soluções e atos, que deverão ser adotados, garantindo aos mesmos, uma maior transparência nos negócios da companhia e uma segurança jurídica necessária a ordem societária.  

1.1 A Vinculação dos Acionistas ao Acordo

Sendo o acordo de acionistas um instrumento válido, onde está consolidada a vontade dos sócios em relação aos rumos que a companhia tomará, é preciso estudar a forma [1] como será cumprido.

Para assegurar que os sócios honrarão seu compromisso perante a companhia, que não pode ficar a mercê da decisão singular de cada um isoladamente, o Acordo de Acionistas poderá conter uma cláusula penal, que poderá ser empregada caso não haja o adimplemento do compromisso por algum dos sócios.

Essa cláusula torna o acordo de acionistas um título executivo extrajudicial, ensejando a propositura de uma execução para que não sejam prejudicados os interesses da companhia.

É essencial, no entanto, que haja os pressupostos exigidos pelo Código de Processo Civil Brasileiro, ou seja, o título deve ter obrigação líquida, certa e exigível para alcançar a natureza de título executivo extrajudicial, conforme preconiza o referido diploma legal, em seus artigos 585, II e 586:

Art. 585.  São títulos executivos extrajudiciais:

  1. [...]
  2. II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas; o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelos advogados dos transatores;

Art. 586.  A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.

É o que também assevera Humberto Theodoro Júnior:

  1. [...] só assim terá o órgão judicial elementos prévios que lhe assegurem a abertura da atividade executiva, em situação de completa definição da existência e dos limites objetivos e subjetivos do direito a realizar.
  2. [...] Não cabendo ao juiz pesquisar em torno da existência e extensão do direito do credor, no curso da execução, toda fonte de convicção ou certeza deve se concentrar no título executivo. (THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 32)

No acordo de acionistas, as obrigações estão indicadas e individualizadas por acordo entre os acordantes, o que torna o documento certo e líquido.

Ademais, a própria cláusula penal em um documento firmado por credor e devedor, dá ao título a exigibilidade necessária para ser executado. Portanto, demonstrada está sua condição de título executivo extrajudicial, amparado nas palavras de Modesto Carvalhosa:

  1. Nos acordos de voto não existe a idéia, própria dos negócios bilaterais, de que a prestação devida por um convenente tem como causa a contraprestação que lhe foi prometida. Insista-se que somente como meioexistem obrigações receptivas de um para outro convenente, pois têm por fim o exercício do controle ou de voto. O não-cumprimento dessas obrigações de consecução do fim comum enseja, portanto, dissolução e não rescisão, esta típica dos contratos bilaterais e por isso incompatível com os acordos de voto e de controle. Nesses acordos não há preço, requisito indispensável aos de natureza bilateral. Também não há a coisa que se estima pelo preço convencionado [...]. Todos confluem para a mesma prestação, qual seja, o exercício harmonioso e de boa-fé do voto e os efeitos que daí decorrem para o exercício do controle ou de defesa e para a consecução do interesse social (§ 2º). (CARVALHOSA, 2003, p. 555).

Segundo o autor, havendo inadimplemento por algum dos acionistas, este será punido com a perda dos direitos e vantagens advindas do instrumento, não havendo o que se falar em obrigações, já que não foram cumpridas tempestivamente.

Essa hipótese não encerra a questão, uma vez que o sócio inadimplente pode ainda discutir tal assunto na esfera judicial, buscando ressarcimento dos gastos realizados, conforme a própria Lei 6.404/76 dispõe no seu artigo 118:

Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede.

[...]

  1. § 3º Nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas.
  2.  

2.2 A Execução Específica: Possibilidade do artigo 118, § 3º, da Lei n. 6.404/76

O legislador dispôs sobre a possibilidade de uma execução específica do acordo de acionistas, caso o mesmo não seja admitido como título executivo extrajudicial, em virtude de alguma situação especial.

Art. 118. Os acordos de acionistas, sobre a compra e venda de suas ações, preferência para adquiri-las, exercício do direito a voto, ou do poder de controle deverão ser observados pela companhia quando arquivados na sua sede.

[...]

  •  § 3º Nas condições previstas no acordo, os acionistas podem promover a execução específica das obrigações assumidas.

Sendo o acordo de acionistas, sendo um título executivo, enseja a propositura de uma execução e, dessa forma, alcançar um resultado equivalente ao que existiria caso o pacto tivesse sido plenamente cumprido.

Entretanto, observados os procedimentos que envolvem o processo de execução, chega-se à conclusão de que os acordos de acionistas, quando não cumpridos, não serão passíveis da propositura dessa modalidade de provimento jurisdicional.

Segundo Marcelo M. Bertoldi, no processo de execução, há necessidade de uma "[...] interferência direta no patrimônio do executado, para dele retirar bens na medida suficiente para a satisfação do direito do credor". (BERTOLDI, 2006, p. 154).

Ora, o objetivo da execução específica, nos termos do art. 118, § 3º, da Lei das Sociedades Anônimas, não é a prática de invasão do patrimônio do inadimplente.

Além disso, tratando-se de um pacto de acionistas no qual conste uma obrigação de emitir declaração de vontade ou de contratar, será irrelevante analisar se ele pode ser considerado, ou não, título executivo, pois não se trata de um adimplemento mas sim de uma declaração.

Conforme se depreende do Código de Processo Civil e do que já foi exposto, quando houver o inadimplemento por parte de algum dos signatários do acordo de acionistas, ao credor restarão duas possibilidades: a primeira é a busca do ressarcimento; a segunda é a tutela específica.

Neste último tipo de tutela, segundo entendimento do próprio legislador e Marcelo M. Bertoldi, há a possibilidade da utilização do processo de conhecimento e não mais a via executiva:

  1. [...] quando se estiver diante de acordo de acionistas que contenha obrigação de contratar ou emitir declaração de vontade, fica descartada a via executiva para a realização de referidas obrigações, cabendo ao credor a persecução de sentença proferida em processo de conhecimento que venha a produzir os efeitos que se esperavam do ato a que contratualmente o devedor obrigou-se. (BERTOLDI, 2006, p. 161).

Essa prerrogativa de buscar o processo executivo tendo no acordo de acionistas um título executivo extrajudicial fundamenta-se na legislação processual.

  1. Art. 466-A. Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.
  2. Art. 466-B. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.

Os artigos acima, introduzidos pela Lei n. 11.232/2005, estabelece a respeito de duas situações; a primeira em que o acordo disser respeito a uma obrigação de contratar, também chamada de (acordo de bloqueio. A segunda refere-se à ocasião em que o pacto de acionistas tiver como objeto uma obrigação de emitir declaração de vontade, ou seja, acordo de voto.

A expressão "execução" possui um amplo sentido, pois pode ser utilizada  uma execução espontânea de alguma obrigação legal ou que tenha sido contratada ou ainda uma execução forçada, na qual há uma sentença condenatória que possibilita a execução.

Ademais, como é a hipótese dos acordos de acionistas quando são descumpridos, o termo "execução" designa a obtenção da obrigação ora pactuada por meios executivos diversos estabelecidos na legislação processual.

Por isso, o termo "execução específica" utilizado de modo inequívoco pelo legislador, definido no artigo 118, § 3º, Lei n. 6.404/76 é a geração de conseqüências no mundo jurídico. E estas devem ser idênticas às que ocorreriam caso as obrigações elencadas no acordo de acionistas fossem cumpridas de modo pleno e espontâneo.

2.3 Descumprimento e Execução do Acordo de Acionistas

Também é importante ressaltar que as obrigações assumidas no acordo são  infungíveis, visto que devem ser cumpridas pessoalmente por quem ficou a cargo de realizá-la, em razão de um documento firmado entre as partes.

Ressalte-se que a infungibilidade está intrinsecamente ligada à questão subjetiva da relação existente no acordo, sem adentrar no que concerne ao objeto da obrigação, conforme se faz necessário rever os artigos do Código de Processo Civil:

  1. Art. 466-A. Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.
  2. Art. 466-B. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possível e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mesmo efeito do contrato a ser firmado.

Assim, conforme se depreende da lei, a sentença obtida nessa hipótese produz o mesmo efeito da declaração que não foi prestada e do contrato que deveria ser firmado. Assim, a obrigação que seria realizada por acionista signatário do acordo em questão é suprida por uma manifestação judicial que a ela equivale. Mesmo havendo a supressão da manifestação do acionista por uma sentença que produza os mesmos efeitos, as obrigações ainda são infungíveis, mas com uma importante observação, como salienta Marcelo M. Bertoldi:

  1. Ocorre, no entanto, que tal infungibilidade é material e não jurídica, de sorte que se verifica cabível ao Estado, por intermédio do Poder Judiciário, fazer com que se produzam todos os efeitos que da declaração não emitida se esperava.
  2. [...] Nesses casos, o que se considera é que o devedor, em contrato ou pré-contrato anteriormente firmado, obrigou-se a emitir declaração de vontade ou de contratar, sem que houvesse a possibilidade de arrependimento. Nessa circunstância, a sentença a ser proferida estará nada mais fazendo senão produzindo os efeitos queridos pelo próprio inadimplente quando da assinatura do compromisso. (BERTOLDI, 2006, p. 165, grifos do autor).

Segundo esse posicionamento, ao aplicar qualquer dos artigos, qual seja, art. 466-A ou 466-B, há, numa única relação processual, a condenação e a execução.

Seguindo a argumentação, a maioria dos doutrinadores entende que a sentença é proferida em processo de conhecimento e não de execução. Dessa forma, por meio dela se obtém o reconhecimento do direito pleiteado pela parte prejudicada pelo inadimplemento do acordado entre os acionistas e, também, realiza-se a alteração necessária para que o acordo seja, de fato, cumprido, no sentido de ter seus objetivos alcançados, ainda que por outra via que não ao do adimplemento espontâneo. É o caso de Modesto Carvalhosa, que avalia a sentença como de natureza constitutiva.

  1. "Eis o grande valor prático da sentença constitutiva que é a sua eficácia própria, capaz de outorgar ao beneficiário a alteração jurídico-substancial desejada, automaticamente, sem depender de uma prestação de quem quer que seja". (CARVALHOSA, 2003, p. 533)

O Superior Tribunal de Justiça proferiu acórdão no mesmo sentido:

  1. Processo civil. Execução de sentença. Alegação de violação da coisa julgada inocorrente. Execução efetuada nos autos da ação principal. Inconsistência da alegação de tratar-se de execução específica de acordo de acionistas. Recurso não conhecido.
  2. I – O pedido contido na inicial da ação, que redundou na execução em curso, restringiu-se às ações preferenciais. O acórdão exeqüendo cingiu-se também a esse tema. Assim, o aresto recorrido não violou a coisa julgada ao cassar a parte da decisão do juiz da execução que incluía outras classes de ações no processo executório, tratando, ao contrário, de evitar que tal afronta ocorresse.
  3. II – Estando a recorrente a promover, nos mesmos autos da ação principal, a execução do julgado, não há como invocar as regras pertinentes à execução específica do acordo de acionistas (art. 118, § 3º da Lei das Sociedades Anônimas). Quanto ao cumprimento das parcelas do acordo de acionistas não abrangidas pelo julgado exeqüendo, a Petroplastic necessitaria formar o título executivo mediante prévio processo de conhecimento, haja vista tratar-se da assunção de obrigações genéricas e não líquidas. (STJ, REsp. n. 413722/RS. Rel. Min. Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 13/5/2003)

Verifica-se, portanto, por meio dessa ementa obtida em recurso especial tramitado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que a execução de uma sentença já proferida em nada se compara à execução específica mencionada no art. 118 da Lei S.A. . Ademais, o Ministro Relator Sálvio de Figueiredo Teixeira faz comentários sobre a referida decisão:

  1. O art. 118, § 3º, da Lei das Sociedades Anônimas não atribui a acordo de acionistas força de título executivo extrajudicial. Para promover a ‘execução específica das obrigações assumidas', é preciso que o interessado ajuíze um processo de conhecimento destinado à obtenção de um título executivo judicial.
  2. ...
  3. Não logra aceitação, por seu lado, a tese aventada pela requerente no sentido de estar promovendo a execução específica do acordo de acionistas. Trata-se de execução fundada em título judicial, nos mesmos autos da ação principal.
  4. ...
  5. Ademais, quanto ao cumprimento das parcelas do acordo de acionistas não abrangidas pelo julgado exeqüendo, a requerente necessitaria formar o título executivo mediante prévio processo de conhecimento, haja vista tratar-se da assunção de obrigações genéricas e não líquidas.

Diante do referido julgado e em seguida comentado, podemos inferir que, no caso em comento, houve reconhecimento do direito existente num pacto de acionistas. E, julgado procedente por meio de uma sentença em processo ordinário, passou-se à fase de execução da sentença, visto que se trata agora de um título executivo judicial.

É importante ressaltar também que, o fato de as sentenças terem natureza constitutiva e, em razão disso possuírem, como regra geral, uma eficácia ex nunc, não têm efeitos retroativos.

Entretanto, como esclarece Modesto Carvalhosa:

  1. [...] a sentença constitutiva que substitui o voto proferido em sentido contrário ao acordo de acionistas foge à regra geral e produz os efeitos ex tunc, ou seja, retroage à data da ação ou da omissão do acordante remitente, já que, segundo essa premissa maior, não haveria nenhuma prejudicialidade em relação às outras relações jurídicas e principalmente perante terceiros, tendo em vista a vinculação decorrente do acordo de acionistas. (CARVALHOSA, 2003, p. 533)

Neste contexto, quando se analisa o acordo de acionistas, tratando-se tanto de acordo de voto quanto de bloqueio, os efeitos da sentença serão ex tunc,

[1] Furta-se a lei de forma predefina para o Acordo de Acionista, limitando-se a descrever tão somente o protocolo em que deverá submeter tais acordos, como, seu registro em livro próprio e nos certificados das ações que a companhia for emitir (se for o caso).

REFERÊNCIAS

BERTOLDI, Marcelo M. Acordo de Acionistas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

BRASIL. Congresso Nacional.Lei nº. 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Diário Oficial da União. Poder Executivo, Brasília, DF, 17 de Dezembro de 1976. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6404consol.htmAcesso .em: 11 de ago. 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, REsp. n.º 413722/RS. Rel. Min. Rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 13/5/2003 Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=406787&sReg=200101308168&sData=20030623&formato=HTML. Acesso em 26 de nov. 2011.

CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionistas. São Paulo: Saraiva, 1984.

CARVALHOSA, Modesto. Comentário à Lei de Sociedades Anônimas. São Paulo: Saraiva, 2003.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 497p.

LUCENA, José Waldecy. Das Sociedades Limitadas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. 1232p.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 3.

TOMAZETTE, Marlon. Direito Societário. 2ª ed. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2003. 490p.

WALD, Arnoldo. Doutrinas Essenciais Direito Empresarial. 1ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011. 1310p.