Necessidade de realização de novo interrogatório do acusado e superveniência da lei 11719/08


PorJeison- Postado em 18 março 2013

Autores: 
AMARAL, Pablo Luiz.

 

1 INTRODUÇÃO

 

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil passa a adotar o sistema processual acusatório, primando pela garantia dos direitos individuais e coletivos de seus cidadãos.

 

O legislador, então, disposto a corrigir as distorções praticadas quando da elaboração do Código de Processo Penal Brasileiro, cujas diretrizes foram sedimentadas sob a influência de um período político marcado pelo autoritarismo, passa a elaborar as normas dentro de um quadro de respeito aos princípios fundamentais que irradiam da Constituição.

 

Neste contexto de reforma é que surge a Lei 11719/08, cuja marca principal foi a alteração dos procedimentos ordinário e sumário. Primou, pois, pela obediência irrestrita aos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da isonomia e da dignidade da pessoa humana.

 

Uma de suas alterações mais significativas foi aquela contida no art. 400 do Código de Processo Penal, onde restou consignado que o acusado somente seria interrogado após a colheita de todas as provas testemunhais.

 

2 DESENVOLVIMENTO

 

Neste sentido, o novo art. 400[1] do Código de Processo penal passou a deliberar que:

 

“Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado”.

 

Restou, assim, sedimentada a condição de sujeito de direito do acusado.

 

O processo penal, a partir desta nova fase instaurada pela Lei 11719/08, resguarda em essência os direitos fundamentais de todos os cidadãos, não admitindo que o acusado realize sua autodefesa sem ter acesso a todos os elementos de prova produzidos ao longo da instrução processual.

 

 Ainda que tardio, mas em tempo de sanar uma agressão histórica cometida pelo nosso ordenamento jurídico, o novo art. 400 do Código de Processo Penal permite ao acusado se inteirar plenamente de todas as provas produzidas contra ela ao longo da instrução processual.

 

Dentro desta ótica, o interrogatório do acusado passa a ser um verdadeiro meio de defesa, visto que sua oitiva só será realizada após a colheita das declarações das testemunhas de acusação e de defesa.                  

 

Questão interessante, nesta seara, ocorre na hipótese do acusado já ter sido interrogado, em obediência a norma que antecedeu a vigência da Lei 11719/08, antes, portanto, da oitiva das testemunhas de defesa e acusação, sendo que o desenrolar da instrução probatória se dará dentro das regras preconizadas pela nova legislação processual.

 

Seria o caso, então, de se oportunizar ao acusado novo direito de ser interrogado, agora sob os efeitos da lei 11719/08?

 

Tal pergunta foi respondida com maestria pelo professor Paulo Rangel[2]:

 

“realizado o interrogatório com base no rito antigo(antes da lei 11719/08) se a instrução estiver marcada para após 22 de agosto de 2008, quando a lei entrou em vigor, o que fazer? A oitiva das testemunhas deverá ser realizada nos limites do art. 400 do CPP o que, consequentemente, autoriza que o réu seja reinterrogado, dando lhe a oportunidade que a lei nova impôs de se defender. Se o interrogatório é meio de defesa não pode ser subtraído do réu esta oportunidade. (…) Se por alguma razão o réu for interrogado antes da oitiva das testemunhas, ou seja, antes da audiência de instrução e julgamento, haverá cerceamento de defesa”.

 

Frisa-se, ainda, que a lei 11719/08 possui cunho de norma processual material, o que afasta a regra prevista no art. 2º do Código de processo penal (art. 2º. A lei processual aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior) e, por consequência, do princípio do tempus regitactum. Dado o seu caráter misto – material e processual -, à citada norma legal aplica-se os princípios da retroatividade e ultratividade.

 

Refletindo sobre o tema, eis a doutrina de Aury Lopes Júnior[3]:

 

Por fim, existem as leis mistas, ou seja, aquelas que possuem caracteres processuais e penais. Nesse caso, aplica-se as regras do Direito Penal, ou seja, a lei mais benigna é retroativa e a mais gravosa não. Alguns autores chamam de normas mistas com prevalentes caracteres penais, eis que disciplinam um ato realizado no processo, mas que diz respeito ao poder punitivo e à extinção da punibilidade.

 

Notadamente, por permitir o exercício completo dos direitos constitucionais do contraditório, ampla defesa e isonomia, a lei 11719/08, em especial no que atine a alteração quanto ao momento oportuno para realização do contraditório, deve retroagir para alcançar todos os fatos anteriores a sua vigência que não foram acobertados pelo trânsito em julgado.

 

Com igual entendimento o professor Diogo Alexandre Restani[4]:

 

“Para emprestar delineamento prático à conclusão acerca da imprescindibilidade de a lei 11719/08 possuir cunho retroativo, tome-se como exemplo o interrogatório, deslocado do início para o fim da instrução probatória. O fato de a nova lei prever a realização do interrogatório – meio de prova e eminentemente de defesa – depois da produção de toda a prova acusatória gera, indubitavelmente, mais um recurso a garantir a concretização do princípio constitucional da ampla defesa – direito fundamental de todo o cidadão -, na medida em que assegura ao réu a dilatação dos mecanismos indispensáveis a oportunizar a demonstração de sua inocência; (…) Por tudo isso, verificado no contexto das circunstâncias atuais da situação concreta, a possibilidade de favorecimento, de qualquer forma, por lei posterior, penal ou processual material, o beneficiamento dali oriundo deve ser estendido a casos pretéritos, ainda mais quando o novel diploma for incorporado ao ordenamento jurídico enquanto tramita a ação penal”.                                                    

 

A retroatividade da lei 11719/08 resguardará, como já dito acima, os princípio da ampla defesa e da isonomia.

 

 A ampla defesa será garantida se for permitido ao acusado exercer sua autodefesa após o conhecimento de todos os fatos suscitados pelas testemunhas de acusação e de defesa, o que lhe permitiria rebater eventuais alegações das quais discorde.

 

De outra banda, a isonomia seria efetivada em razão do tratamento igualitário que se dispensaria aos acusados que cometessem o mesmo crime em tempos diferentes, ou seja, antes e depois da mencionada norma reformante.

 

Desta feita, incumbe ao magistrado oportunizar ao acusado a possibilidade de ser novamente interrogado, sob pena de se macular de nulidade (absoluta) todos os atos processuais praticados após a fase descrita no art. 400 do CPP.

 

3 CONCLUSÃO

 

                   Com a introdução da lei 11719/08, o interrogatório do acusado tornou-se, verdadeiramente, um instrumento de autodefesa.

 

                   Isso porque, o acusado somente se manifestará sobre os fatos que lhe foram imputados após tomar conhecimento de todas as provas colhidas ao longo da instrução processual.

 

Desta feita, sendo a Lei 11719/08 mandamento benéfico ao acusado, deve ser prontamente aplicada a todos os processos que estavam em curso quando da sua publicação.

 

Se assim não for feito, inegavelmente,haverá notório prejuízo para o acusado, que não terá tido a oportunidade de se inteirar previamente sobre os fatos aventados, especialmente, pelas testemunhas de acusação.

 

4 REFERÊNCIAS

 

JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 10º ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal . 16º ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

 

RESTANI, Diogo Alexandre. Retroatividade da Lei nº 11.719/08: Imprescindibilidade. Disponível em http:// www.lfg.com.br - 14 janeiro de 2010. 

 

SITE PLANALTO. DISPONÍVEL EM: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del3689compilado.htm. 

Notas:


[2]RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal . 16º ed, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 513.

[3] JÚNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 10º ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 248.

[4] RESTANI, Diogo Alexandre. Retroatividade da Lei nº 11.719/08: Imprescindibilidade. Disponível em http:// www.lfg.com.br - 14 janeiro de 2010.

 

Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.42435&seo=1>