A monogamia e seus reflexos no Direito de Família


PorJeison- Postado em 01 outubro 2012

Autores: 
PINHEIRO, Raphael Fernando.

 

Tanto o dever de fidelidade presente no matrimônio, exigido de forma expressa no art. 1.566 do Código Civil, inciso I, quanto o dever de lealdade da união estável, disciplinado no art. 1.724 do mesmo diploma legal, possuem ligação direta com o princípio da monogamia.

Diferente de alguns povos que admitem a poliandria, nossa sociedade pauta-se pela singularidade das relações, pois entende que a entrega mútua só é possível no relacionamento monogâmico, que não permite a existência simultânea de dois ou mais vínculos afetivos concomitantes.[1]

Da ótica social, a monogamia está edificada na idéia da importância da família, da sua manutenção como entidade íntegra e harmoniosa.[2] Monteiro, citando Clóvis, salienta que nos países em que domina a civilização cristã, a monogamia é o modo de união conjugal mais puro, em consonância com os fins culturais da sociedade, sendo a forma mais apropriada para a conservação individual, tanto para os cônjuges como para a prole.[3]  Destarte, a monogamia é considerada a forma natural de aproximação sexual da raça humana.[4]

Já para Engels, a monogamia foi primeira forma de constituição familiar que não se baseou em condições naturais, mas sim em econômicas, no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade privativa, originada espontaneamente.[5]

De cunho religioso, a monogamia constituída pelo matrimônio foi considerada a forma legítima e sagrada de formar uma família aos olhos de Deus, inserida em uma comunidade cristã. A Bíblia, em inúmeras passagens, valoriza a monogamia como forma pura de relação familiar, como no Livro de Gênesis, em que Deus cria apenas uma mulher – Eva - para o homem Adão;  No Deuteronômio, em que a Lei de Moisés ordena ao homem que não multiplique mulheres para si;[6]  no livro de Paulo aos Coríntios, quando enfatiza que cada um tenha a sua própria esposa, e cada uma, o seu próprio marido.[7]

A legislação brasileira, influenciada por valores religiosos, instituiu o casamento monogâmico, por um longo tempo, como a única forma de entidade familiar, estabelecendo a fidelidade como dever conjugal.

A fidelidade mútua constitui um dos alicerces da vida conjugal e da família matrimonial, que consiste no dever de cada consorte em não praticar relações sexuais com terceiros, não exigindo para a sua transgressão a continuidade de relações carnais, bastando apenas que ocorra uma vez.[8]

Segundo Rizardo, o sentido de fidelidade recíproca é mais amplo, envolve, uma exclusiva e sincera entrega de um cônjuge em relação ao outro, no sentido material e espiritual, ou seja, sendo o leal compartilhamento de vida,[9] posição mais acertada ao dever estabelecido no matrimônio.

E continua o autor:

“O casamento comporta mútua entrega, de modo que haja uma comum vivência de lutas, esforços, interesses, colaboração e idealização da vida. Deve haver, com justa razão, uma evolução de sentido para conceber-se a fidelidade não só na dimensão meramente física, mas em uma outra noção que abranja a pessoa do outro cônjuge”.[10]

O dever de fidelidade assume caráter pedagógico, moral, e determinante, pois, sendo a família ocidental monogâmica por tradição e por princípio, a lei enuncia o dever com a finalidade de estabelecê-lo como princípio ético.[11] Não falta a natureza de norma cogente, porque a infração ao dever poderia, antes da Emenda Constitucional no 66, ensejar pedido de separação, imputando a culpa a aquele que traía.[12]  Em relação ao caráter moral e educativo, a fidelidade dita o procedimento do casal, não permitindo atos que induzam a suspeita de violação do dever jurídico.[13]  Por último, o princípio é revestido de natureza jurídica, dotado de obrigatoriedade e sob pena de sanção.[14]

O descumprimento do dever de fidelidade poderia dar causa a separação judicial litigiosa, como preceitua, o art. 1.567, do Código Civil, nos incisos I e IV, referentes ao adultério e conduta desonrosa respectivamente. Podendo caracterizar conduta desonrosa o namoro do cônjuge com estranhos e o adultério como voluntariedade de ação e consumação da cópula carnal.[15]

Ademais, cumpre ressaltar que o adultério, por muitos anos, foi inserido em nosso sistema punitivo como delito, estando presente no Código Penal de 1830, regulado nos arts. 250, 251, 252, 253, no Capítulo III "Dos crimes contra a segurança do estado civil e doméstico", nos arts. 279, 280 e 281, do Decreto n. 847 de 1890, no TituloVIIIDos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje publico ao pudor”, e no art. 240 do Código Penal de 1940, no Titulo VII “Dos crimes contra a família”, Capitulo I “Dos crimes contra o casamento”. Só sendo expurgado do Código Penal no ano de 2005, com a Lei  nº 11.106.

De outra banda, o legislador, na redação do Código Civil, não estipulou de forma expressa o dever de fidelidade da união estável, apenas exigindo a lealdade como obrigação.[16]

Segundo o Dicionário Houaiss lealdade remete aos princípios e regras que norteiam a honra e a probidade; é a fidelidade aos compromissos assumidos daquele que é correto, franco e honesto.[17]

A doutrina tem entendido fidelidade e lealdade como sinônimos, pois diante da orientação jurídico-social de se reconhecer apenas nas entidades monogâmicas o status de família, e diante dos companheiros possuírem a posse de estado de casados, possibilitando a sua conversão em casamento, não se aceitaria o reconhecimento de relações que fogem a tal princípio.

Rodrigo Cunha Pereira aponta que a fidelidade é um dos requisitos da união estável, salientando que há doutrina que exige esse aspecto de forma certa e ostensiva.[18]

Como bem disse boa doutrina, o fato de a mulher receber outros homens e vice-versa, indica que entre os amantes não existe união vinculatória, nem companheirismo, que pressupõe ligação estável e honesta.[19] Não havendo fidelidade entre os companheiros, será o caso de mera “amizade colorida”.[20]

Destarte, nosso sistema jurídico se pauta pelo princípio da monogamia para formação da família, absorvido pela legislação civil que regula o instituto do matrimônio e da união estável.

Referências bibliográficas

CUNHA PEREIRA, Rodrigo. Concubinato e união estável. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2010.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2005.

ENGELS, Friedrich. A origem da família da propriedade privada e do estado. São Paulo: Editora escala, 2002,

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2001.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil: direito de família. Atualizada e revista por Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2004.


[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família, p. 47. 

[2] DELERUE, Rafael Camargo. Os frágeis alicerces da monogamia. Disponível em: <http://dantas.editme.com/files/textos/monogamia.2.htm>. Acesso em: 05 jul. 2011. 

[3] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 54.

[4] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil

[5] ENGELS, Friedrich. A origem da família da propriedade privada e do estado. São Paulo: Editora escala, 2002, p. 75.

[6] Bíblia Sagrada, Livro Dt 17:17.

[7] Bíblia Sagrada, Livro Co 7:2.

[8] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família, p. 130.

[9] RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p.170.

[10] RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família, p. 170.

[11] SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil: direito de família. Atualizada e revista por Tânia da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 170.

[12] SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil: direito de família, p. 170.

[13] SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil: direito de família, p. 170-171.

[14] SILVA PEREIRA, Caio Mário da. Instituições de direito civil: direito de família, p. 170-171.

[15] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família, p. 290/292.

[16]  Art. 1.724 do Código Civil Brasileiro, Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.

[17] GRUPO HOUAISS. Dicionário Houaiss da Lingua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005, p. 1734.

[18] CUNHA PEREIRA, Rodrigo. Concubinato e união estável, p.31.

[19] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família, p. 367.

[20] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família, p. 367.

 

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