Limitações do poder de polícia da agencia nacional de telecomuniçóes - ANATEL


PorThais Silveira- Postado em 29 maio 2012

Autores: 
Juliana de Assis Aires Gonçalves

 

Para a efetivação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, fez-se necessário, que o Estado pudesse limitar o exercício dos direitos individuais, gozando de prerrogativas ou poderes administrativos garantindo-se a ordem pública e nascendo aí o Poder de Polícia, o qual não se opôs aos direitos individuais. Como leciona Zanobini (1968, V. 4:191), “a ideia de limite surge do próprio conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado.”

Segundo o saudoso Hely Lopes Meireless[1] “O poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade e do próprio Estado”.

O art. 78 do Código Tributário Nacional também nos traz a definição do Poder de Polícia: “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.

            Assim, as já mencionadas prerrogativas conferidas ao Poder Público por meio do Poder de Polícia devem estar amparadas dentro dos parâmetros da legalidade. Também deve ser observado a necessidade da medida de polícia e a proporcionalidade entre o direito individual limitado e o benefício auferido pela coletividade.

            Por outro lado, são características do poder de polícia: discricionariedade, auto-executoriedade e coercibilidade.

            Tem-se que a discricionariedade é a liberdade atribuída ao agente público para decidir, dentro dos limites da lei, o meio mais adequado para a sua atuação. Entende-se por auto-executoriedade a possibilidade que a Administração tem de executar as suas decisões independentemente da intervenção do Poder Judiciário. Já a coercibilidade, é definido por Hely Lopes Meirelles (1996:122) como “a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração”.

            Nem todos os atos administrativos são dotados de auto-executoriedade. Para deter a prerrogativa de executar as suas próprias decisões, a doutrina pátria tem se posicionado no sentido de que haja previsão legal ou que se trate de medida de urgência.

            O objeto do presente estudo será a abrangência do poder de polícia da novel Agência Nacional de Telecomunicações. A Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9472, de 16/07/97), que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da EC nº 08/95, conferiu à Agência o poder de adentrar em domicílio particular para realizar busca e apreensão no âmbito de sua competência. Senão vejamos o art. 19, XV da referida Lei:

“Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: (...)

XV - realizar busca e apreensão de bens no âmbito de sua competência;”

            A fim de questionar a constitucionalidade de alguns dispositivos da LGT, foi proposta a ADIN 1668-5 DF.

            Em julgamento favorável à supracitada ADIN, o Supremo Tribunal Federal suspendeu os efeitos do inciso XV do art. 19 da LGT, por entender que a medida de busca e apreensão fere o princípio constitucional do devido processo legal (inc. LIV do art. 5º da Constituição Federal).

            O voto vencedor proferido pelo ministro relator Marco Aurélio de Melo sustentou que os efeitos do inciso XV do art. 19 da Lei nº 9472/97 atinge o patrimônio do particular, portanto, tal medida deveria ser apreciada por órgão independente assegurando-se o devido processo legal. Vejamos:

"Quanto ao inciso XV, exsurge a relevância do pedido formulado. A rigor, o que se tem, na espécie, é o exercício, pela Administração Pública, de maneira direta, a alcançar patrimônio privado, de direito inerente à atividade que exerce. Se de um lado à Agência cabe à fiscalização da prestação de serviços, de outro não se pode compreender, nela, a realização de busca e apreensão de bens de terceiros. A legitimidade diz respeito à provocação mediante o processo próprio, buscando-se alcançar, no âmbito do Judiciário, a ordem para que ocorra o ato de constrição, que é o de apreensão de bens. O dispositivo acaba por criar, no campo da administração, figura que, em face das repercussões pertinentes, a de ser sopesada por órgão independente e, portanto, pelo Estado-Juiz. Diante de tais premissas, defiro parcialmente a liminar para suspender, no artigo 19 da Lei 9.472, de 16 de julho de 1997, a eficácia do inciso XV, no que atribuída à ANATEL, isto é, à Agência Nacional de Telecomunicações, a possibilidade de empreender a busca e apreensão de bens. Entendo que a norma contraria o inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal, que encerra a garantia de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal."

            Por outro lado, com o advento da Lei nº 11.292/2006, que alterou a redação da Lei nº 10.871/2004, restabeleceu-se o poder de apreensão da Anatel. In verbis:

Art. 3o São atribuições comuns dos cargos referidos nos incisos I a XVI, XIX e XX do art. 1o desta Lei: (...)

Parágrafo único. No exercício das atribuições de natureza fiscal ou decorrentes do poder de polícia, são asseguradas aos ocupantes dos cargos referidos nos incisos I a XVI, XIX e XX do art. 1o desta Lei as prerrogativas de promover a interdição de estabelecimentos, instalações ou equipamentos, assim como a apreensão de bens ou produtos, e de requisitar, quando necessário, o auxílio de força policial federal ou estadual, em caso de desacato ou embaraço ao exercício de suas funções.

É importante ressaltar que o último dispositivo não trouxe a previsão de busca, tão somente a apreensão de bens. Desse modo, os ficais devem ter prévio conhecimento de onde encontram-se os bens, para, então, poderem apreendê-los, tendo em vista que, por força da decisão cautelar do STF, encontram-se impedidos de efetivarem a busca de aparelhagem nos locais da apreensão.

            De outro turno, faz-se necessário a obtenção de uma ordem judicial para adentrar as supracitadas entidades com o intuito de que os agentes fiscalizadores cumpram o seu dever legal.

            Desse modo, o entendimento do parágrafo único do art. 3º da Lei nº 10.871/2004 de que é possível a apreensão não contraria o disposto no art. 5º, inciso XI da Constituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;”

            A própria Carta Magna, porém, estabelece as exceções à inviolabilidade domiciliar. Assim, a casa é asilo inviolável do individuo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

            Nesse diapasão, o STF já decidiu que, mesmo sendo a casa asilo inviolável do individuo, não pode ser transformado em garantia de impunidade de crimes que em seu interior se praticam (RTJ 74/88 E 84/302).

            Assim, violação de domicílio legal, sem consentimento do morador, é permitida, porém somente nas hipóteses constitucionais: de dia – flagrante delito (RT 670/273; TJSP – RT 688/293), ou desastre, ou para prestar socorro, ou ainda por determinação judicial. Somente durante o dia a proteção constitucional deixará de existir por determinação judicial; de noite – flagrante delito, ou desastre, ou para prestar socorro.

            Daí a advertência – que cumpre ter presente – feita por Celso Ribeiro Bastos no sentido de que "é forçoso reconhecer que deixou de existir a possibilidade de invasão por decisão de autoridade administrativa, de natureza policial ou não. Perdeu portanto a Administração a possibilidade da auto-executoriedade administrativa". (Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 1989, v. 2, p. 68) – grifei.

            Nesse sentido, Acórdão do STF, em RE 251.445-4/GO:

Sendo assim, nem a Polícia Judiciária, nem o Ministério Público, nem a administração tributária, nem quaisquer outros agentes públicos podem, a não ser afrontando direitos assegurados na Constituição da República, ingressar em domicílio alheio, sem ordem judicial ou sem o consentimento de seu titular com o objetivo de, no interior desse recinto, procederem a qualquer tipo de perícia ou de apreenderem, sempre durante o período diurno, quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público" (STF, RE 251.445-4/GO – rel. Min. Celso de Mello, despacho).

            Porém na hipótese de estar ocorrendo um crime, havendo a certeza da sua execução, os agentes da Anatel terão amparo constitucional para entrar no local, por exemplo, na hipótese do recinto abrigar rádios piratas, vez que este fato configura crime tipificado no art., 183 da Lei nº 9472/97: “Desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicações: pena – detenção de dois a quatro anos, aumentada até a metade se houver dano a terceiro e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais)”.

            Vale destacar que os efeitos da ADIN 1668-5DF não afetam o parágrafo único do art. 3º da Lei nº 10.871/2004, o que já foi objeto de acordão da lavra da ministra Cármem Lúcia do STF:

"EMENTA: RECLAMAÇÃO. ALEGADO DESCUMPRIMENTO DO QUE DECIDIDO NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1.668/DF. AGÊNCIA REGULADORA. DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINA A BUSCA E A APREENSÃO DE EQUIPAMENTOS RADIOFÔNICOS DE EMISSORA DE RÁDIO COMUNITÁRIA CLANDESTINA. 1. No julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.668/DF, entre vários dispositivos questionados e julgados, decidiu-se pela suspensão do inc. XV do art. 19 da Lei n. 9.472/97, que dispunha sobre a competência do órgão regulador para "realizar busca e apreensão de bens". 2. Decisão reclamada que determinou o lacre e a apreensão dos equipamentos da rádio clandestina fundamentada no exercício do regular poder de polícia. 3. Ao tempo da decisão judicial reclamada, já estava em vigor a Lei n. 10.871/2004, na redação da Lei n. 11.292/2006, que prevê aos ocupantes dos cargos de fiscal dos órgãos reguladores as prerrogativas de apreensão de bens e produtos. 4. Ausência de descumprimento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.668-MC/DF. 5. Reclamação: via inadequada para o controle de constitucionalidade. 6. Reclamação julgada improcedente".

(Rcl 5310, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/2008, DJe-088 DIVULG 15-05-2008 PUBLIC 16-05-2008 EMENT VOL-02319-03 PP-00454 RTJ VOL-00205-01 PP-00155).

            Destarte, extrai-se da supratranscrita decisão que o parágrafo único do art. 3º da Lei nº 10.871/2004 é considerado constitucional por força do princípio da presunção de constitucionalidade das leis.

            De outro ângulo, temos não ser proibido ao legislador criar lei com conteúdo semelhante ao suspenso pelo STF, pois o efeito vinculante de uma ADIN não atinge o Poder Legislativo. É o que se refere do parágrafo único do art. 28 da Lei nº 9.869/99:

Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.”

Outro ponto a ser destacado é que a apreensão de que trata a parágrafo único do art. 3º da Lei nº 10.871/2004 não se confunde com a previsão de busca e apreensão prevista no art. 19, inciso XV da Lei nº 9.472/97.

            O conteúdo das duas normas se diferem na medida em que a Lei nº 10.871/2004 prevê a apreensão desprovida do poder de busca, enquanto a Lei nº 9472/97, prevê a busca e apreensão, ou seja, o equipamento pode ser apreendido onde quer que se encontre.

            Em 03/04/2008, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em julgamento da Reclamação nº 5310 analisou o tema em questão:

“STF rejeita reclamação de rádio comunitária que teve equipamento apreendido

Por unanimidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente, nesta quinta-feira (3), a Reclamação (RCL) 5310, proposta por Cleber Guarnieri contra decisão do juiz da 3ª Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso, que indeferiu mandado de segurança por ele impetrado contra a apreensão de equipamentos de transmissão de uma rádio comunitária.

A defesa alegava que, ao indeferir o pedido de liminar no mandado de segurança, o juiz federal de Mato Grosso afrontou decisão proferida pelo STF no julgamento da ADI 1668. No final do ano passado, a relatora da Reclamação, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, indeferiu pedido de liminar.

O autor da RCL noticia que, em abril de 2007, agentes administrativos da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprenderam, sem mandado judicial, um transmissor linear, modelo RO 25/50 W, série AH 069, de sua propriedade. Contra essa apreensão é que ele impetrou o mandado de segurança, que lhe foi negado.

A defesa alega que, na mencionada ADI, o Supremo suspendeu a aplicabilidade do artigo 19, inciso XV, da Lei 9.472/97, sustentando que a busca e aapreensão de bens estariam sujeitas a prévio controle judicial.

Ao votar pela improcedência da reclamação, a ministra Cármen Lúcia se reportou a parecer da Procuradoria Geral da República, que também se pronunciou pelo indeferimento da reclamação, observando que, no julgamento da ADI 1668, o STF apreciou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.472/97, vindo a suspender, liminarmente, o inciso XV do artigo 19 dessa lei.

“Entretanto, eventual ofensa ao julgado do STF consistiria na aplicação, pelo juízo de Mato Grosso, dos dispositivos questionados na ADI, o que não ocorreu neste caso”, observou ainda a PGR. “Segundo se extrai dos autos, o juízo reclamado amparou seu entendimento nas informações apresentadas pelo gerente da unidade operacional da Anatel, o qual alega que a medida de constrição está autorizada pela Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004”.

“Ora, além de tal legislação haver sido editada posteriormente à decisão proferida na ADI 1668, não há notícia, nos autos, de que essa lei haja sofrido qualquer impugnação, encontrando-se, portanto, em plena eficácia”, concluiu a ministra relatora, citando o parecer da PGR, e acompanhada pelos demais ministros presentes à sessão desta quinta-feira.”

            Ante o exposto, conclui-se que à Agência Nacional de Telecomunicações foi restabelecido o poder de apreensão por meio do art. 3º parágrafo único da Lei nº 10.871/2004, restringindo-se a auto-executoriedade ao poder de apreensão, haja vista que o poder de busca foi suspenso pelo STF.

            Por fim, este poder de apreensão não fere o princípio constitucional da inviolabilidade do domicílio, sendo necessária a obtenção de uma ordem judicial para adentrá-lo, durante o dia.


[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizado por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestro Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. Malheiros Editores. São Paulo. P. 113.