Lições da evolução como tendência natural


PorQuirino Hawerroth- Postado em 16 maio 2011

Lições da evolução como tendência natural

A percepção consiste numa ação guiada perceptualmente e que as estruturas cognitivas emergem de padrões sensoriomotores recorrentes que permite que a ação seja perceptualmente guiada (a cognição não é representação, mas ação corporalizada e que o mundo que conhecemos não é preestabelecido, mas sim atuado através da nossa história de acoplamento estrutural).

Levantada a objeção de que os processos perceptuais e cognitivos volvem várias adaptações ótimas ao mundo. Diante disso quais lições pode-se tirar dessa digressão?

Como tais histórias únicas de acoplamento podem ser entendidas do ponto de vista da evolução? Para tanto é fornecida uma critica da visão adaptacionista da evolução como um processo de adequação progressiva e articulada a partir daí um visão alternativa da evolução como tendência natural (no qual organismo e ambiente não podem ser separados, mas são de fato codeterminados na evolução como tendência natural, onde as regularidades do ambiente devem ser especificadas em conjunto com a atividade perceptualmente guiada do animal).

A insistência na codeterminação ou especificação mútua do organismo e do ambiente não deveria ser confundida com a visão mais comum de que diferentes organismos perceptores têm simplesmente diferentes perspectivas de mundo, pois considera o mundo como preestabelecido, limitando-se a permitir que o mundo preestabelecido possa ser visto a partir de uma grande variedade de pontos de vista. Situação que contraria a teoria do autor que defende que o organismo e o ambiente estão mutuamente envolvidos de diversas formas (assim aquilo que constitui o mundo de um dado organismo é atuado pela história de acoplamento estrutural do organismo). Assim estas histórias de acoplamentos desenvolvem-se através da evolução com tendência natural e não como uma adaptação ótima.

O tratamento do mundo como preestabelecido e do organismo como representado ou a ele se adaptando é um dualismo, que tem no extremo oposto o monismo.

A teoria proposta pelo autor não é monista, mas sim visão intermediária. Um sistema virtualmente monístico é aquele da abordagem ecológica, apresentado por J. J. Gibson, em relação ao qual a exploração das diferenças com a visão proposta pelo autor poderá ser interessante ao estudo.

A teoria proposta por Gibson possui dois aspectos diferentes. O primeiro é compatível com a abordagem da ação perceptualmente guiada. Em relação ao estudo da percepção, Gibson defende, o mundo deve ser descrito de modo a mostrar como constitui ambientes para animais perceptores. Para ele certas prioridades que se encontram no ambiente não são possíveis de se encontrar no mundo físico per se. As prioridades mais significativas consistem naquilo que o ambiente concede ao animal, denominadas por ele de concessões (oportunidades de interação que as coisas no ambiente têm relativamente às capacidades sensoriomotoras do animal).

E em segundo lugar, Gibson apresenta uma teoria única da percepção para explicar como o ambiente é apercebido. Defende que existe informação suficiente na luz ambiente para especificar diretamente o ambiente,ou seja, não é necessário qualquer outro tipo de representação (símbolos). Mais precisamente sua hipótese se funda na existência de invariâncias na topologia da luz ambiente que especificam diretamente propriedades do ambiente, incluindo as concessões, que não é compatível com a abordagem da ação perceptualmente guiada.

Ambas as abordagens negam a visão representacionista da percepção a favor da idéia de que a percepção é ação perceptualmente guiada, no entanto, segundo a tese de Gibson a ação perceptualmente guiada consiste em detectar ou atender a invariâncias na luz ambiente que especificam diretamente a sua origem no ambiente. Para Gibson, estas invariâncias ópticas, bem como as propriedades do ambiente que especificam, não dependem de modo algum da atividade perceptualmente guiada do animal (a invariância na disposição óptica do ambiente ao longo do tempo não é construída ou deduzida, está aí para ser descoberta).

Resumidamente, para Gibson o ambiente é independente, enquanto Varela afirma que ele é atuado (por história de acoplamento). Enquanto Gibson defende que a percepção é uma detecção direta, Varela defende que a percepção é uma atuação sensoriomotora.

A cognição deixa de ser vista como resolucionadora de problemas com base em representações, passando a ser, em sentido amplo, a atuação ou produção de um mundo através de uma história viável de acoplamento estrutural.

Observa-se que as histórias de acoplamentos não são ótimas, sendo apenas viáveis. Se esta ligação fosse ótima, as interações do sistema teriam que ser prescritas, no entanto, para que o acoplamento seja viável, a ação perceptualmente guiada deve simplesmente facilitar a integridade continuada do sistema e ou a sua linhagem.

Outra maneira de exprimir esta idéia seria dizer que a cognição como ação corporalizada é sempre sobre ou orientada para qualquer coisa que falta, havendo sempre um passo seguinte para o sistema na sua ação perceptualmente guiada. As ações do sistema são sempre orientadas para situações que ainda terão que vir a tornar-se reais. A cognição como ação corporalizada apresenta problemas e ao mesmo tempo especifica os caminhos que deverão ser seguidos para a solução.

Fica desta forma estabelecido a intencionalidade da cognição como ação corporalizada. De maneira geral a intencionalidade tem duas vertentes: em primeiro lugar inclui o modo como o sistema interpreta e forma o mundo e em segundo lugar, inclui o modo como o mundo satisfaz ou não consegue satisfazer esta interpretação. Pode-se então afirmar que a intencionalidade da cognição como ação corporalizada consiste primeiramente no caráter direto da ação.

Para a ciência cognitiva esta concepção da intencionalidade da cognição implica na verificação do sistema cognitivo sob dois aspectos: por um lado descrevendo-o como sendo composto por vários subsistemas, e por outro, descrevendo-o como uma unidade capaz de várias formas de acoplamento.