A legalidade da cumulação das funções de limpeza e copeiragem em contratos administrativos de prestação de serviços


PorJeison- Postado em 26 novembro 2012

Autores: 
VIEIRA, Roberta Lima.

I – INTRODUÇÃO

1.                     Trata-se de análise acerca da legalidade da não aplicação da regra de contratação por itens, a partir da cumulação de funções, por um mesmo empregado, de serviços de limpeza e copeiragem em contratos de prestação de serviços terceirizados firmados com a Administração Pública.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.                     O artigo 23, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.666/1993, prescreve o parcelamento do objeto das contratações como regra a ser observada, a fim de se obter um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e de se ampliar a competitividade, sem perda de economia de escala.

3.                     Esse entendimento foi sedimentado pelo Tribunal de Contas da União por meio da Súmula nº 247, cujos termos são:

É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade. (grifou-se)

4.                     Nota-se, portanto, que a regra de que as licitações se processem por itens admite exceção nas hipóteses em que esse princípio não consegue, no caso concreto, alcançar o resultado que utiliza como fundamento. É dizer, vislumbrando-se que a contratação por item ocasionará perda de economia de escala, abre-se espaço para que se proceda à adjudicação por preço global.

5.                     O art. 3º, da IN SLTI/MPOG nº 02/2008 veio exatamente confirmar a regra legal, ao disciplinar que “serviços distintos devem ser licitados e contratados separadamente, ainda que o prestador seja vencedor de mais de um item ou certame”.

6.                     Por óbvio que a utilização da exceção, isto é, do não parcelamento dos objetos nas licitações, impõe a manifestação de justificativa expressa que sustente a inviabilidade técnica e econômica da contratação por itens.

7.                     É o que se extrai dos arestos abaixo colacionados do Tribunal de Contas da União, senão veja-se:

INFO 05/TCU – necessidade de estudo técnico que justifique a inviabilidade de parcelamento

Aquisição de solução computacional para gestão técnica de infraestrutura de suporte e serviços de tecnologia da informação: 1 - Necessidade de comprovação da inviabilidade do parcelamento do objeto. Cabe ao órgão deflagrador da licitação a responsabilidade de oferecer estudo técnico que comprove a inviabilidade técnica e econômica da divisão do objeto em parcelas. Com base nesse entendimento, o Tribunal considerou procedente representação que apontava possível irregularidade no âmbito do Pregão Eletrônico n.º 12/2009, deflagrado pela Coordenação-Geral de Recursos Logísticos do Ministério das Cidades, ao não observar os comandos insculpidos no art. 23, §§ 1º e 2º, da Lei n.º 8.666/1993. Para a representante, o objeto do certame “agrupou diversos itens de natureza distinta em lote único, sob o fundamento de que o sistema pretendido necessita de integração para ser operado”. O objeto da licitação consistia na aquisição de solução computacional para gestão técnica de infraestrutura de suporte e serviços de tecnologia da informação, operando de forma integrada com o gerenciamento de processos organizacionais, incluindo implantação, configuração, capacitação técnica, garantia de manutenção de tecnologia e fornecimento de licenças de uso definitivo de software, com direito à atualização de versão por 24 meses. Referido objeto subdividir-se-ia, segundo o relator, nos seguintes produtos da solução de TI pretendida: “a) fornecimento de licenças de uso definitivo para a Gestão do Suporte, Garantia da Entrega dos Serviços de TI; b) fornecimento de licenças de uso definitivo para Gerenciamento de Processos Organizacionais; c) serviços de execução, implementação, treinamento, transferência de tecnologia e suporte técnico das soluções licenciadas”.Tem-se como regra geral, insculpida no art. 23, § 1º, da Lei n.º 8.666/1993, enfatizou o relator, “que a fragmentação do objeto deve ocorrer sempre que tal medida se mostre técnica e economicamente viável”. A propósito, “a matéria encontra-se sumulada no âmbito desta Corte de Contas, a teor da Súmula n.º 247/2004”. Considerando que o termo de referência e o edital do certame não traziam motivação capaz de justificar a alternativa escolhida de licitar a integralidade do objeto, deliberou o Tribunal, acolhendo proposta do relator, no sentido de determinar à Secretaria Executiva do Ministério das Cidades que, caso opte por dar continuidade ao certame para contratação do serviço objeto do Pregão Eletrônico n.º 12/2009 – suspenso administrativamente –, analise e faça constar, do processo licitatório, documento ou arrazoado que demonstre a inviabilidade técnica do parcelamento dos itens do certame, identificando as diferentes soluções e alternativas de mercado, conforme preconiza o art. 10, inciso IV, da IN n.º 04/2008-SLTI. Acórdão n.º 280/2010, TC-016.975/2009-5, rel. Min-Subst. Marcos Bemquerer Costa, 24.02.2010. (grifou-se)

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INFO 29/TCU – Passagem aérea, fluvial e rodoviária em um único item – averiguar a situação do mercado.

Licitação para passagens aéreas: 2 – Aglutinação, em único item, de serviços de fornecimento de passagens aéreas, fluviais e rodoviárias

Outra possível irregularidade envolvendo o Pregão Eletrônico nº 001/2008, realizado pela Superintendência Regional do Incra no Amapá (SR(21)AP), cujo o objeto era a prestação de serviços de reserva, emissão, marcação/remarcação e fornecimento de bilhetes de passagens aéreas nacionais, rodoviárias nacionais e fluviais nacionais, foi a “aglutinação de fornecimento de passagens aéreas, fluviais e rodoviárias em um único item, em afronta à legislação (art. 23, §1º, da Lei nº 8.666/1993)”. Com relação ao assunto, a unidade técnica considerou que "a aglutinação de passagens aéreas, fluviais e rodoviárias em um único item, a despeito de ser prática ainda adotada por vários órgãos na Administração Pública Federal, pode, potencialmente, provocar restrição de competidores, sobretudo daqueles que não trabalham os três modais conjuntamente". Todavia, no caso concreto, os gestores, em resposta à audiência promovida, informaram já terem ocorrido, anteriormente, dois processos licitatórios que forem desertos quanto ao fornecimento de passagens fluvio-marinhas e rodoviárias nacionais, pois as empresas potencialmente interessadas não compareceram aos certames, em razão do parcelamento do objeto. Desse modo, reconheceu a unidade técnica que “no Estado do Amapá,a separação do objeto licitado em três itens distintos não gerou o efeito desejado”. De sua parte, o relator, quanto ao não parcelamento do objeto, entendeu não ter ocorrido desrespeito à Lei de Licitações, pois a divisão do objeto, embora fosse possível, não se poderia dizer que fosse indispensável. Destacou o relator: “No caso ora analisado, a realidade do mercado mostrou que a divisão da contratação em três lotes distintos não satisfez integralmente a necessidade da Administração”, uma vez que nas situações em que houve o parcelamento, “não acudiram interessados para o fornecimento de bilhetes de passagens rodoviárias nem passagens fluvio-marinhas, apenas para passagens aéreas, o que corrobora a avaliação de que não foi desarrazoada a decisão de se fazer a licitação para fornecimento de passagens em todos os modais”. Ao final, por considerar não haver evidência de má-fé, dano ao erário ou direcionamento do certame, acolheu a proposta da unidade técnica de não se aplicar multa ao responsável, concluindo, e propondo ao colegiado, a procedência parcial da representação, com expedição de correspondente alerta à unidade jurisdicionada, de modo a evitar ocorrências em licitações futuras que possam potencialmente restringir a competitividade dos certames. Acórdão n.º 5.013/2010-1ª Câmara, TC-007.069/2010-3, Min-Subst. Weder de Oliveira, 10.08.2010. (grifou-se)

8.                     De tal modo, a contratação de serviços de limpeza e copeiragem, conjuntamente, isto é, a acumulação de funções pertinentes a esses serviços, desempenhadas por um mesmo empregado, não implica necessária afronta ao teor do art. 23, § 1º, da Lei nº 8.666/1993. Para que se perfaça essa hipótese, todavia,  mister que se demonstre ser a fragmentação do objeto incompatível à obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração.

9.                     No caso de a Convenção Coletiva de Trabalho aplicável à categoria não prever o pagamento ao empregado de gratificação adicional pelo desempenho de mais de uma função, dentre aquelas desenvolvidas pela categoria laboral que representa, não haverá ilegalidade na definição do objeto de modo a que um mesmo empregado exerça tanto o serviço de limpeza quanto o de copeiragem.

10.                   Do mesmo modo, a lei não estabelece, para os trabalhadores que exercem atividades de limpeza e copeiragem, o direito a qualquer acréscimo salarial decorrente do exercício conjunto de mais de uma atividade ao longo da jornada de trabalho, como se passa para o trabalho dos artistas e técnicos em espetáculos de diversões[1].

11.                   A propósito da possibilidade de acumulação de funções, o e. Tribunal Superior do Trabalho firmou a seguinte compreensão:

1.3 - ACÚMULO DE FUNÇÕES

(...)

O jus variandi atribui ao empregador o amplo poder de dirigir a prestação do serviço, consoante art. 2º da CLT, podendo o mesmo atribuir ao empregado os serviços que sejam compatíveis com sua condição pessoal.

Tal regra é expressamente consagrada no artigo 456, da Consolidação das Leis do Trabalho, que estabelece em seu parágrafo único:

Parágrafo único. À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.

O fato de durante a prestação do serviços o empregador alterar a forma de sua prestação, acrescentando ou modificando as tarefas não caracteriza alteração do contrato de trabalho, pois como já dito, esta possibilidade está inserida dentro do seu poder de comando. Esse é o entendimento do insigne Valentin Carrion, que comentando o artigo 468 da Consolidação das Leis do Trabalho, destaca:

"A alteração horizontal é permitida, desde que justificada, e sem introduzir prejuízos profissionais graves ou salariais; assim, é inaceitável a modificação por mero capricho ou perseguição e a que importe em desclassificação profissional (ex.: altamente especializado para especialização superficial). Há razões que, inexistindo prejuízo profissional grave, justificam a alteração: a modificação no sistema geral de trabalho da empresa, a mudança de ramo ou produto elaborado, extinção de estabelecimento ou seção etc. Este seria o pequeno risco de que todo colaborador de um empreendimento sempre participa (Cesarino Jr., LTr 41/165)."

Nesse sentido também é a jurisprudência:

ACÚMULO DE FUNÇÕES. Não enseja o pagamento de plus salarial, a prestação de funções típicas, que guardam relação com a ampla gama de tarefas próprias da função desempenhada pela reclamante. Improcedência do pedido por ausência de fundamento legal à pretensão relativa a salário adicional.

"PLUS" SALARIAL. Improcede o pedido de "plus" salarial quando as tarefas pretensamente acumuladas são inerentes à função do trabalhador e, ademais, executadas dentro da mesma jornada de trabalho.

No direito brasileiro a única regra que prevê o pagamento de acréscimo salário pela acumulação de função é a lei 6.533, de 24 de maio de 1978, que regula o trabalho do artista e técnico em espetáculos de diversões, estabelecendo:

Art. 22. Na hipótese de exercício concomitante de funções dentro de uma mesma atividade, será assegurado ao profissional um adicional mínimo de 40% (quarenta por cento) pela função acumulada, tomando-se por base a função melhor remunerada.

Parágrafo único. É vedada a acumulação de mais de duas funções em decorrência do mesmo contrato de trabalho.

Aos demais trabalhadores aplica-se a regra do artigo 456, § único, da Consolidação das Leis do Trabalho antes mencionado, já que as atividades desenvolvidas podem no máximo proporcionar desvio de função quando a atividade atribuída for de maior relevância e ensejar salário maior.

No caso dos autos, as tarefas realizadas pelo reclamante consistente em serviços de telefonia fazia parte da rotina normal de trabalho, pois era realizada durante a própria jornada, gastando uns poucos minutos, sendo perfeitamente compatível com a sua condição pessoal e a função exercida.

(PROCESSO Nº TST-RR-65700-41.2007.5.17.0013) (grifou-se)

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ACÚMULO DE FUNÇÕES.

-A reclamante renova as suas alegações de que faz jus a percepção de um adicional de 50% sobre a remuneração, em razão do acúmulo de funções.

(...)

A tese da defesa foi no sentido de que a autora sempre laborou nas atividades para as quais foi contratada, sendo que o critério de pagamento da reclamante era a jornada e não as atividades exercidas.

(...)

Inexiste amparo legal ou convencional para o acréscimo de 50% pelo fato de a autora exercer as atividades anteriormente realizadas pelos ex-empregados ora citados, mormente porque ficou demonstrado que ela as desempenhava durante a jornada normal de trabalho e a maioria das tarefas que alega ter acumulado já vinham sendo realizadas desde o início da contratualidade. Esta circunstância configura uma condição contratual tacitamente ajustada e as atividades foram contraprestadas pelo salário mensal percebido, não ocorrendo, a meu ver, alteração das condições de trabalho lesiva aos interesses da empregada.

(PROCESSO Nº TST-RR-401800-59.2008.5.12.0001) (grifou-se)

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DIFERENÇAS SALARIAIS POR ACÚMULO DE FUNÇÕES

Conhecimento

O Tribunal Regional negou o pedido de diferenças salariais por acúmulo de função, pelos seguintes fundamentos:

-O MM. Juízo a quo rejeitou o pedido de diferenças salariais decorrentes do acúmulo de função ao fundamento de que não se trata de acúmulo de funções, mas sim de execução de tarefa relacionada à função contratada.

Alega a reclamante ser devido o pagamento de diferenças salariais, uma vez que foi contratada para exercer a função de cozinheira, também desempenhando as atividades de limpeza do local onde laborava, atividade esta que não estaria integrada na função de cozinheira.

Sem razão.

Diferenças salariais por "acúmulo" ou "desvio" funcionais somente tornam-se exigíveis se a função acumulada ou à qual for desviado o empregado for remunerada em valor maior que o recebido. Na hipótese contrária, desenvolvidas a função contratual e a dita "acumulada", durante a mesma jornada, aplicável o disposto no artigo 456, da CLT.

(...)

Portanto, não prospera o argumento da reclamante, primeiro porque a limpeza dos utensílios e do ambiente de trabalho fazia parte das atividades dos cozinheiros. Segundo, porque, como dito, a acumulação de funções dentro da mesma jornada não gera o direito ao pagamento de duplo salário, pois o empregado está obrigado a prestar os serviços exigidos pelo empregador e compatíveis com suas condições pessoais, o que se verifica no presente caso, não implicando no reconhecimento do acúmulo de funções.

Nesse sentido, inclusive, a jurisprudência:

"ACÚMULO DE FUNÇÕES - PLUS SALARIAL - Não existindo previsão legal de salário diferenciado e nem prova de ajuste neste sentido, o exercício de duas ou mais tarefas na mesma jornada de trabalho não configura acúmulo de função e não enseja direito a plus salarial." (TRT 4ª R. - RO 01376.301/96-2 - 4ª T. - Relª Juíza Maria Inês Cunha Dornelles - J. 31.01.2001).

(PROCESSO Nº TST-RR-241500-61.2009.5.09.0005) (grifou-se)

12.                   Depreende-se dos julgados acima, bem como do inteiro teor do Acórdão originado do julgamento do Processo nº TST-RR-45200-90.2006.5.02.0017, que a jurisprudência trabalhista entende a acumulação de funções como própria do poder de comando do empregador, que detém autonomia para definir o plexo de atribuições a serem desempenhadas pelo empregado.

13.                   Com efeito, não poderá o empregador, a pretexto de estar no exercício de seu poder de comando, fixar funções distintas e remunerar o empregado pelo piso salarial próprio daquela que exige menor salário.

14.                   De outro lado, obedecidas suas condições pessoais e a jornada de trabalho ajustada, não é exigível do empregador quaisquer diferenças decorrentes do fato de imputar ao empregado o desempenho de diversas atividades.

15.                   Essa é a materialização do comando normativo presente no art. 456, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis:

Art. 456. A prova do contrato individual do trabalho será feita pelas anotações constantes da carteira profissional ou por instrumento escrito e suprida por todos os meios permitidos em direito. (Vide Decreto-Lei nº 926, de 1969)

Parágrafo único. A falta de prova ou inexistindo cláusula expressa e tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal. (grifou-se)

16.                   Nesse sentido, todas as tarefas desempenhadas dentro da jornada de trabalho, que são compatíveis entre si e com a condição pessoal do empregado, já se dão por remuneradas pelo salário ajustado entre ele e o empregador.

17.                   Ainda invocando a jurisprudência da Suprema Corte Trabalhista, “o salário serve para remunerar o serviço para o qual o empregado foi contratado, e não o exercício de cada função ou atividade que este venha a exercer”[2].

18.                   No caso de cumulação de atividades relativas à limpeza e à copeiragem, não se vislumbra desvio de função, tendo em vista a proximidade, em regra, do piso salarial convencional para ambas.

III - CONCLUSÃO

19.                   Em face do exposto, a partir dos fundamentos acima elencados, admite-se a não fragmentação do objeto de contrato administrativo de prestação de serviços, cujo objeto preveja a cumulação de funções de limpeza e de copeiragem para um mesmo empregado, desde que se demonstre tecnicamente ser esta a condição mais vantajosa para a Administração Pública, na forma do art. 23, § 1º, da Lei nº 8.666/1993.


[1] Conforme Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978.

[2] Extrato do Acórdão firmado no julgamento do TST-RR-17800-22.2009.5.08.0117, DJET 15.10.2010).

 

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