ISS. STJ uniformiza jurisprudência sobre o regime de tributação dos notários e registradores


Porwilliammoura- Postado em 25 fevereiro 2013

Autores: 
HARADA, Kiyoshi

Foram uniformizadas as decisões das duas Turmas do STJ, afastando o regime de tributação fixa do ISS sobre os serviços prestados por notários e registradores.

A Primeira Seção do STJ, por maioria de votos, uniformizou as decisões das duas Turmas afastando o regime de tributação fixa do ISS sobre os serviços prestados por notários e registradores em recente decisão ainda pendente de publicação do respectivo acórdão.

Portanto, este artigo é baseado no texto publicado pelo site Tributário em sua edição do dia 15 de fevereiro de 2013.

Ao que se depreende desse texto, divulgado em primeira mão pelo Tributário, são seguintes os dados essenciais para o desenvolvimento deste nosso trabalho:

(a) A decisão foi tomada por maioria de votos no bojo do Resp nº 1328384, Relator Min. Mauro Campbell, procedente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aonde a recorrente sustentou que a tributação com base no preço do serviço prestado caracteriza bitributação jurídica por envolver a mesma base de cálculo do imposto de renda, além de ofender ao princípio da isonomia.

(b) Nas palavras do Ministro Relator: “É evidente que a prestação do serviço efetiva-se através da combinação dos fatores de produção (sobretudo contratação de mão de obra e tecnologia), associada à finalidade lucrativa. Nesse contexto, embora não seja atividade empresarial, a prestação de serviços de registros públicos ocorre através de estrutura economicamente organizada.” Outrossim, o art. 236 da Constituição Federal de 1988 e a legislação que regulamenta esses serviços permitem a formação de uma estrutura economicamente organizada para a prestação do serviço de registro público, “assemelhando-se ao próprio conceito de empresa”. Finalmente, para enquadramento no § 1º do art. 9º, do Decreto-lei nº 406/68 se “impõe como condição a prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte.”

Façamos em exame crítico do julgado.

Os argumentos do recorrente, além de completamente impertinentes não se prestam para fundamentar o recurso especial por extrapolar do âmbito de competência do Superior Tribunal de Justiça para inserir-se na competência do Supremo Tribunal Federal.

Não podemos, entretanto, de estranhar tal argumentação que confunde o fato gerador do ISS com o fato gerador do imposto sobre a renda que, como está a indicar o próprio nome, incide sobre a renda e não sobre o faturamento ou receita bruta. O princípio da isonomia, também, à luz do estabelecido no art. 150, II da CF não é de ser invocado para confrontar os dois regimes de tributação do ISS. É mais uma questão de interpretar o disposto no § 1º, do art. 9º, do Decreto-lei nº 406/68 de aplicação no âmbito nacional. O julgador não pode substituir-se no critério de justiça adotado pelo legislador para alterar o regime jurídico. Pode tão somente dar a interpretação que julgar mais correta. Foi o que fez o Min. Relator ainda que chegando à conclusão oposta à que sustentamos.

Com argumentos da espécie, evidentemente, não poderia o recorrente contribuir para a alteração da jurisprudência das Turmas do STJ. O recurso só serviu, data vênia, para consolidar a jurisprudência contrária aos contribuintes.

 Vejamos, agora, as considerações feitas pelo eminente Ministro Mauro Campbell, Relator do REsp.

Os três argumentos retromencionados podem ser examinados em bloco, porque estão necessariamente interligados. É o que faremos.

Cumpre salientar, desde logo, que se procedentes fossem esses três argumentos nenhuma sociedade de advogados de grande porte com centenas de advogados, entre sócios e contratados, além de um número enorme de empregados para desempenho de atividades-meios (recepcionistas, telefonistas, motoristas, digitadores, copeiras, contínuos, bibliotecários, técnicos em informática etc.) poderia ter enquadramento no regime especial de tributação do ISS. Daí porque “estrutura economicamente organizada” não exclui, por si só, o regime de tributação fixa.

Por outro lado, é inegável que o regime de tributação diz respeito à base de cálculo do imposto. E a base de cálculo é elemento integrante do fato gerador da obrigação tributária correspondendo ao seu aspecto quantitativo. Logo, fica afastado o emprego da analogia. Realmente, prescreve o § 1º, do art. 107 do CTN: “O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.” Por isso, escrevemos:

“Embora a analogia figure em primeiro lugar, não quer dizer que ela tenha maior relevância ou aplicação no campo tributário. Por força do princípio da legalidade tributária, ela só tem aplicação na área do direito processual; não poderá ter aplicação no âmbito do direito material, ou seja, em relação aos elementos constitutivos da obrigação tributária como, aliás, está dito no parágrafo primeiro supratranscrito.” [1]

Não tendo o legislador tributário estabelecido o conceito de empresa, cabe ao intérprete buscar esse conceito no direito comum, sem lançar mão de analogia. No caso sob exame inafastável o exame da legislação comum, cujas normas se interligam e interagem com as de direito tributário, como acontece na aplicação da legislação do ITBI em que o intérprete deve buscar subsídio no direito comum para precisar o conceito de transmissão de bens imóveis e de direitos reais, sob pena de cindir a unidade nacional do Direito Civil e, em conseqüência, ter mais de cinco mil ITBIs com fatos geradores distintos.

 No caso sob exame, o conceito de empresário deve ser buscado no art. 966 do Código Civil que assim prescreve:

“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Parágrafo único – não se considera empresário que exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o consenso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”

Percebe-se, com lapidar clareza, que o caput conceituou o que seja empresário para prescrever a exceção em seu parágrafo único, excluindo do conceito formulado o exercente de profissão intelectual, de natureza científica.

Ora, ninguém nega que os notários e registradores, necessariamente bacharéis em Direito, exercem atividade intelectual de natureza cientifica com auxílio e colaboração de escreventes e demais funcionários. E, também, são de conhecimento público que notários e registradores não mantêm no local de trabalho (na verdade, repartição pública) qualquer atividade caracterizadora de empresa como acontece com o farmacêutico que mantém atividade de compra e venda de remédios, ou de médicos que mantém em seus consultórios clinicas e SPA para seus clientes.

O eminente Ministro Relator do Resp sob comento, ao que tudo indica, decidiu com base no conceito de empresário formulado pelo caput do art. 966 do CC olvidando por completo da exceção do seu parágrafo único que exclui daquele conceito o notário e o registrário.

Não sendo empresário, nem podendo a ser a ele equiparado, tampouco podendo ser equiparado, por analogia, ao profissional liberal, não sendo, também um servidor público apesar de nomeado por concurso público, o notário ou o registrário só pode ser profissional autônomo que presta serviços sob forma de trabalho pessoal a que alude o § 1º, do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68. Como se esclareceu anteriormente, a presença de colaboradores (escreventes e auxiliares) não transforma o notário ou o registrador em empresário. São os notários e registradores, profissionais concursados, que prestam os serviços em caráter pessoal com auxílio de colaboradores assumindo a responsabilidade pessoal pelos atos praticados no exercício das funções delegadas pelo poder público, nos termos da lei de regência da matéria.

Aliás, a tributação fixa é o único regime a possibilitar a cobrança do ISS. A tese da tributação com base no preço do serviço prestado, além de implicar eleição de uma base de cálculo juridicamente inexistente, conflita abertamente com a proibição do § 2º, do art. 145 da CF. Esses aspectos, entretanto, não são considerados nem lembrados pelos defensores da tributação pelo regime tributário comum.

Examinemos, pois o tema sobre esses aspectos. Mas, antes convém deixar consignado que o STF decidiu apenas pela constitucionalidade da cobrança do ISS sobre os serviços prestados por notários e registrários, sem adentrar adentrar no exame do regime jurídico tributário dessa cobrança, mesmo porque essa matéria situa-se no plano infraconstitucional.

Como se sabe, o STF por maioria de votos decidiu que os notários e registradores estão sujeitos ao pagamento do ISS, porque esses serviços delegados são explorados em regime de direito privado (art. 236 da CF) não havendo razão para tributar os serviços concedidos e deixar de tributar os serviços delegados (ADI nº 3089, Rel. Min. Carlos Britto, Relator para Acórdão o Min. Joaquim Barbosa Dje e DOU de 21-8-2008).

Não é possível juridicamente aplicar-se ao caso sob exame o regime de tributação comum, exatamente, pela inexistência do preço do serviço em sentido jurídico.

Com efeito, o STF deixou bem claro que notários e registradores recebem emolumentos pelos serviços que prestam e que esses emolumentos têm natureza de taxa (ADI nº 3694, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJe de 6-11-2006, p. 30). Por isso, esses emolumentos são fixados por lei, ao passo que os preços de serviços são estabelecidos livremente entre as partes contratantes. Sabemos todos nós que notários e registradores não podem cobrar acima do que está fixado em lei, sob pena de cometer uma grave infração legal.

Ora, se aquilo que a doutrina chama de preço (base de cálculo do ISS) é, na verdade, taxa segundo a jurisprudência do STF, então, essa taxa não poderia estar sendo exigida por conflitar com o § 2º, do art. 145 que veda a sua identidade com a base de cálculo do ISS (preço do serviço).

Impossível, pois, a coexistência do ISS e dos emolumentos (taxa) incidindo sobre a mesma ordem de grandeza. Se o ISS incide sobre o preço do serviço a taxa deveria adotar uma ordem de grandeza diferente, sob pena de sua inconstitucionalidade.

 Por isso, a jurisprudência contrária à tese da tributação pelo preço dos serviços prestados sustenta que a tributação fixa é a única forma de possibilitar a tributação dos serviços prestados por notários e registradores.

Nesse sentido, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, atendendo a uma consulta formulada pela ANOREG, no processo n° 2008-221348, assim se manifestou:

“1. Os notários e oficiais de registro não estão obrigados a exibirem os livros próprios exclusivos da fiscalização judiciária aos Senhores Fiscais da Municipalidade, posto que a fiscalização dos serviços prestados por tais delegatários é privativa do Poder Judiciário (art. 236, § 1° da CF), através da Corregedoria Geral da Justiça (arts. 17, § 3°, 40 e 42 do CODJERJ);

2. É inviável a cobrança concomitante, dos serviços notariais e de registro, das Taxas incidentes sobre os Fundos e do ISSQN, se não aplicada a inteligência do artigo 9°, § 1°, do Decreto-lei n° 406/68. Assim, para o caso específico dos notários e registradores, o ISSQN deverá ser calculado por meio de valor fixo sobre a pessoa física do delegatário.”

A jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, também, mesmo após a revogação do art. 15 [2] da Lei n° 13.701/03, é pela tributação fixa dos serviços notariais e de registro público, conforme se verifica da ementa abaixo:

“Imposto – ISS – Incidência sobre serviços notariais e de registro – Admissibilidade – Forma de trabalho pessoal – Base de cálculo do imposto que deve ser aquela estabelecida na forma do art. 9°, § 1°, do Decreto-lei n° 406/68 – Segurança concedida – Apelo da impetrante provido para esse fim, por maioria.” (Ap. n° 0044209-26.2010.8.26.0577, Rel. Rodolfo Cesar Milano, Rel. designado Des. José Gonçalves Rostey, julgado em 6-10-2011).

Os julgados do STJ que adotam o preço do serviço como base de cálculo do ISS em nenhum momento enfrentaram essas duas questões realmente pertinentes ao exame do tema.

E é bastante curioso notar que a tese da tributação pelo valor do serviço prestado é firmado sempre e invariavelmente no bojo de processos judiciais que discutem teses estranhas e impertinentes como as adiante mencionadas: (a) a da equiparação do notário ao profissional liberal por analogia, como se pudesse invocar analogia no campo do direito material; (b) a da observância do regime de pessoa física pela legislação do imposto de renda em relação aos notários e registradores, como se a legislação municipal devesse subordinar-se à legislação federal do imposto de renda; (c) que o STF já decidiu essa questão, como se a Corte Suprema pudesse entrar no exame de matéria infraconstitucional; (d) por último, a tese segundo a qual a tributação pelo preço do serviço prestado ofenderia o princípios constitucionais da isonomia e da proibição de bitributação jurídica.

Com teses desse jaez, a maioria procedentes do Estado do Rio Grande do Sul, outras do Estado do Paraná, não havia como o STJ examinar a questão pelos aspectos pertinentes. Houve um verdadeiro desvio de argumentação, involuntariamente provocado, resultando em acaloradas discussões periféricas sem adentrar nas questões realmente pertinentes. Isso resultou na consolidação de uma jurisprudência equivocada de dificílima reversão.


Notas

[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 21ª edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 503.

[2] Tributação dos notários por alíquota fixa.