Inseminação artificial, clonagem do ser humano e sexualidade. Os efeitos produzidos na família, do presente e do futuro


Pormarina.cordeiro- Postado em 09 abril 2012

Autores: 
NICOLAU JÚNIOR, Mauro

A repersonalização das relações jurídicas de família é um processo que avança, revalorizando a dignidade humana, antes obscurecida pela primazia dos interesses patrimoniais.

SUMÁRIO:1. O ser humano de hoje e de amanhã. Limites e possibilidades ante o avanço da ciência. Ponderação de valores.2. A disciplina jurídica da filiação e da família na perspectiva civil-constitucional., 2.1. Modelo legislativo de cláusulas abertas. Desconstruir para evoluir.2.2. Família e paternidade à luz do novo código civil. Dimensão ético-existencial.3. Conclusão.


1. O SER HUMANO DE HOJE E DE AMANHÃ. LIMITES E POSSIBILIDADES ANTE O AVANÇO DA CIÊNCIA. PONDERAÇÃO DE VALORES.

De que ser humano estaremos falando até o final do século? Atualmente, vê-se cada vez mais perto e real o problema da clonagem do ser humano, e, sob esse aspecto, o mundo se debate entre as possibilidades científicas potencialmente existentes, a ética na prática de tal conduta e os eventuais resultados, havendo possibilidade também da criação de figuras monstruosas e condutas absolutamente desumanas.

Como exemplo, basta lembrar que, em 2002, um ginecologista italiano, Severino Antinori, ganhou celebridade, ao recorrer a todas essas técnicas para que mulheres na menopausa pudessem tornar-se mães. Ele foi o primeiro, ao lado de Claude Vorilhon, guru da seita Raël, a preconizar experimentos de clonagem reprodutiva: "Confirmo", declarava em 2002:

que três mulheres encontram-se atualmente grávidas, duas na Rússia e a terceira em outro país, depois da implantação in útero de embriões humanos a partir da técnica da transferência nuclear, e que os nascimentos deverão ocorrer em dezembro de 2002 ou em janeiro de 2003. [01]

Esse fato, a despeito de não confirmado, real e cientificamente, atraiu as atenções e preocupações do mundo todo.

Durante muito tempo, assinalava François Jacob (prêmio Nobel de medicina em 1965 por pesquisas e descobertas relativas às atividades regulatórias das células dividido com André Lwoff e Jacques Monod), tentou-se ter prazer, sem filho. Com a fecundação in vitro, tiveram-se filhos, sem prazer e agora, consegue-se fazer filhos sem prazer, nem espermatozóides! Será que teremos paz no mundo? [02]Esse comentário ácido ilustra perfeitamente como foi recebida pela opinião pública a grande questão familiarista do fim do século XX.

No início do século XXI, vivencia-se o dilema da incerteza, de complexidade, talvez, similar àquela experimentada no período romano sucedido pelo cristão, quando se entendia que a vontade do homem era o condutor e único propiciador da existência de filhos para, posteriormente, passar-se tal atribuição unicamente a Deus. Convive-se, agora, com a possibilidade de ver a criação de pessoas e filhos, dependendo da vontade já não mais de Deus ou dos pais, mas de terceiros, servindo-se de conhecimentos científicos que, por óbvio, não são acessíveis à esmagadora maioria da população, carreando sérios e fundados temores quanto ao futuro e à própria existência da raça humana como conhecemos hoje.

A mesma preocupação é explicitada por Jürgen Habermas [03] quando indaga

Devemos considerar a possibilidade, categoricamente nova, de intervir no genoma humano como um aumento de liberdade, que precisa ser normativamente regulamentado, ou como a autopermissão para transformações que dependem de preferências e que não precisam de nenhuma autolimitação? Somente quando essa questão fundamental for resolvida em favor da primeira alternativa é que se poderão discutir os limites de uma eugenia negativa e inequivocamente voltada à eliminação de males.

Na atualidade, discute-se também a respeito da formação de famílias independentes do casamento, o que já é realidade entre nós há muito tempo e, recentemente, oficializada pela legislação que reconheceu os vínculos do concubinato e da união estável, bem como, a despeito de ainda não ser objeto de regulamentação legislativa, aqueles grupos familiares (e não se poderia deixar de reconhecê-los como tal), formados por pessoas do mesmo sexo, como bem preconiza Rodrigo da Cunha Pereira [04]:

As relações amorosas entre pessoas do mesmo sexo interessam à ciência jurídica, não só porque daí podem decorrer conseqüências patrimoniais e previdenciárias, mas também porque está ligado a isso o pilar que sustenta o Direito: Justiça. Associada à idéia de Justiça está a palavra de ordem da contemporaneidade: cidadania. Esse ideal democrático significa não à exclusão do laço social e aprender a conviver com as diferenças. Diferenças de raça, de classes, de religião, de pensamentos e de preferências sexuais diferentes das tradicionais ditas "normais". A estigmatização das pessoas que estabelecem relação afetiva com outras do mesmo sexo já ocasionou muita injustiça ao longo da história. Não podemos permitir que o direito continue sustentando essas injustiças e, conseqüentemente, o sofrimento e a marginalização.

Maria Berenice Dias [05], quando comenta o fato de que o novo Código Civil não trata da questão da união de pessoas do mesmo sexo, nem no âmbito do Direito de Família, nem no das obrigações, esclarece que Miguel Reale [06], relator do projeto, rebate as críticas que recebeu pela omissão, chamando-as de apressadas e absolutamente sem sentido. Justifica-se dizendo que essa matéria não é de Direito Civil, mas sim de Direito Constitucional, porque a Constituição criou a união estável entre um homem e uma mulher. Sustenta que, para cunhar-se a união estável dos homossexuais, em primeiro lugar é preciso mudar a Constituição. Conclui dizendo que não era essa tarefa da comissão de redação final do Código Civil e muito menos do Senado.

Em 18 de agosto de 2001, a Câmara dos Deputados aprovou o parecer do relator, deputado Ricardo Fiúza, que, no relatório final, no item "Algumas questões não tratadas", fala sobre "A questão da união civil" e justifica a ausência alegando impossibilidade técnica. Refere que é notório que as relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo provocam conflitos religiosos, diante de usos e costumes longamente sedimentados, muitas vezes apenas para efeitos públicos, certamente ainda com grande influência da escolástica [07], é vedado que as pessoas sejam felizes se o preço dessa felicidade significar o mínimo arranhão aos seus cânones. Resta acrescentar: é preciso, todavia, que se afastem as posturas ortodoxas e discriminatórias e que se atente que, em todo o capítulo do Direito de Família, o novo Código dá especial ênfase às relações afetivas. Nesse caso, dever-se-ia reconhecer que a busca da felicidade entre duas pessoas extrapolou a rigidez e o engessamento do direito positivo, até porque a Constituição da República veda terminantemente qualquer espécie de preconceito em razão de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV).

Depois de declarar que o Projeto de Lei 1.151, de 1995, de autoria da então deputada Marta Suplicy, no mínimo vem ao encontro de uma realidade fenomenológica que não é despercebida pelos operadores do Direito, afirma Miguel Reale [08] que, pelo menos a questão patrimonial entre parceiros civis, deveria ter sido disciplinada no Direito das Sucessões.

Conclui Maria Berenice Dias que [09]

se duas pessoas passam a ter vida em comum, cumprindo os deveres de assistência mútua, em verdadeiro convívio estável caracterizado pelo amor e respeito recíprocos, com o objeto de construir uma família, tal vínculo, independentemente do sexo de seus participantes, constitui uma entidade familiar, nada impedindo que seja reconhecido o direito à adoção pelo par. Ante tais colocações, em apertada síntese, pode-se dizer: o Direito deve acompanhar o momento social. Assim como a sociedade não é estática, estando em constante transformação, o Direito não pode ficar estático à espera da lei. Se o fato social se antepõe ao jurídico, e a jurisprudência antecede a lei, devem os juízes ter coragem de quebrar preconceitos e não ter medo de fazer justiça. Nada justifica a verdadeira aversão em se fazer analogia com o casamento ou com a união estável, e não aplicar a mesma legislação aos relacionamentos homoafetivos. Conforme bem assevera Rodrigo da Cunha Pereira: Interessa-nos, enquanto profissionais do Direito, pensar e repensar melhor a liberdade dos sujeitos acima de conceitos estigmatizantes e moralizantes que servem de instrumento de expropriação da cidadania.

Não se pode, ainda, desconsiderar que, durante muito tempo, o comportamento homossexual foi considerado doença, perversão, devassidão e desvio de conduta, que conduzia à obscuridade e à clandestinidade, fatores que culminaram com a dizimação de toda uma geração nascida entre 1945 e 1960, pelo advento abrupto e violento da AIDS, no exato momento em que essa geração acabava de conquistar sua liberdade. [10]

Foi então que surgiu, de forma bem mais massificada, sobretudo para os homens, o desejo de gerar e de transmitir uma história. Sob esse aspecto, os homossexuais adaptaram-se à conservadora ideologia familiar de sua época: uma estrutura desconstruída, medicalizada, esfacelada, periciada, entregue ao poder materno. Além disso, essa estrutura já escapara à antiga autoridade patriarcal que se buscava, no entanto, em vão, não revalorizar, mas restabelecer, fazendo com que ela passasse pela quintessência de uma ordem simbólica imutável.

A respeito desse relacionamento homossexual ou homoerótico e o projeto de lei existente no Congresso Nacional, de autoria da então Deputada Marta Suplicy, assevera o ínclito magistrado fluminense Antonio Carlos Esteves Torres [11] que

...a matéria é excessivamente complexa para permitir conclusões definitivas e lineares. Por enquanto, não será ousado se trouxermos, a título de subtotal, os seguintes dados: a) enquanto estiver nas entrelinhas da Constituição o conceito ortodoxo de casamento, união entre seres de sexo diferente, o projeto não terá vida. É absolutamente inconstitucional; b) a hipótese, além de ter de suplantar o impeditivo constitucional, em termos bio-sociológicos, está longe de ser conceituada com clareza indiscutível; c) os temores expostos nas justificativas da proposta bem poderiam ser debelados via de procedimentos já existentes para a preservação dos interesses comuns dos parceiros, testamento, participação nas aquisições, doações, para efeitos patrimoniais, sendo certo que, apenas com a atuação no setor moral, psicológico, social, podem-se obter resultados no setor da aceitação e do respeito, ainda longe, a nosso ver, a possibilidade de, via legislativa somente, produzirem-se efeitos preservadores desses objetivos.

Costuma-se objetar que a relação homoerótica não se constitui em espécie de união estável, pois a regra constitucional e as Leis n. 8.971/94 e 9.278/96 exigem a diversidade de sexos.

Neste sentido, argumenta-se que a relação sexual entre duas pessoas capazes do mesmo sexo é um irrelevante jurídico, pois a relação homossexual voluntária, em si, não interessa ao Direito, em linha de princípio, já que a opção e a prática são aspectos do exercício do direito à intimidade, garantia constitucional de todo o indivíduo (art. 5º, X), escolha que não deve gerar qualquer discriminação, em vista do preceito da isonomia.

Sucede que o amor e o afeto independem de sexo, cor ou raça, sendo preciso que se enfrente o problema, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade que bate à porta da hodiernidade e, mesmo que a situação não se enquadre nos moldes da relação estável padronizada, não se abdica de atribuir à união homossexual os efeitos e natureza dela, até porque a Constituição Federal veda, como dito antes, de forma categórica e definitiva, qualquer forma de preconceito [12], tendo a lei 8.081 de 21.9.90, estabelecido que quaisquer atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional, praticados pelos meios de comunicação ou por publicação de qualquer natureza, são considerados crime. Como se aceitar, assim, o gritante preconceito ainda estabelecido, exercido e defendido de forma majoritária tendo em vista unicamente a preferência sexual que, em muitas vezes, sequer opção existe? Talvez estejamos a falar de uma norma constitucional inconstitucional, pois quando se limita o casamento e a união estável a pessoas de sexos diferentes, está a Constituição Federal se voltando contra o princípio norteador insculpido no artigo 3º IV. Cabe destacar desde logo que a permanência de uma Constituição depende em primeira linha da medida em que ela for adequada à missão integradora que lhe cabe face à comunidade que ela mesma ‘constitui. Os princípios informam todo o sistema jurídico. Eles são normas e as normas compreendem as regras e os princípios. Enquanto os princípios, além de atuarem normativamente, podem ser relevantes, em caso de conflito, para um determinado problema legal, mas não estipulam uma solução particular. Na feliz síntese do professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto [13], os princípios são abstrações de segundo grau, normas de normas, em que se buscam exprimir proposições comuns a um determinado sistema de leis. Eles dispõem de maior grau de abstração e menor densidade normativa. Como enunciados genéricos que são, estão a meio passo entre os valores e as normas na escala da concretização do Direito e com eles não se confundem, assim observa Ricardo Lobo Torres [14].

Não nos resta alternativa, senão recorremos à técnica da ponderação de valores, na busca de compor esses pontos de tensão principiológica. Luis Roberto Barroso [15] entende tratar-se de uma linha de raciocínio que procura identificar o bem jurídico tutelado por cada uma delas (normas), associá-lo a determinado valor, isto é, ao princípio constitucional ao qual se reconduz, para, então, traçar o âmbito de incidência de cada norma, sempre tendo como referências máximas as decisões fundamentais do constituinte.

Essa técnica torna-se mister quando, de fato, estiver caracterizada a colisão entre, pelo menos, dois princípios constitucionais incidentes sobre um caso concreto havendo de prevalecer aquele de maior peso para a solução do caso concreto, tema que será melhor desenvolvido nos próximos capítulos.

Nas culturas ocidentais contemporâneas, a homossexualidade tem sido, até então, a marca de um estigma, pois se relegam à marginalidade aqueles que não têm sua orientação sexual de acordo com padrões de moralidade dominantes. O que acontece não apenas com a homo e heterossexualidade, mas para qualquer comportamento sexual definido como anormal, como se isto pudesse ser controlado e colocado dentro de um padrão normal [16], ou se se pudesse afirmar que existem padrões de normalidade legítimos. Ao se manter tais posicionamentos, escancaradamente preconceituosos, estar-se-á relegando a Constituição Federal a norma meramente programática, sem eficácia, nem aplicabilidade e, em última instância, sem valor, pois desvinculada e desconectada da realidade e de valores sociais latentes e presentes. Como assinala Hermann Heller [17], se se prescinde da normalidade social positivamente valorada, a Constituição, como mera formação normativa de sentido, diz sempre muito pouco. É que o sistema jurídico pode ser um sistema de exclusão, já que a atribuição de determinada posição jurídica depende do ingresso da pessoa no universo de titularidades que o sistema define, operando-se a exclusão quando se negam às pessoas ou situações as portas de entrada da moldura das titularidades de direitos e deveres.

Tal negativa, emergente de força preconceituosa dos valores culturais dominantes em cada época, alicerça-se em juízo de valor depreciativo, historicamente atrasado e equivocado, mas este medievo jurídico deve sucumbir à visão mais abrangente da realidade, examinando e debatendo os diversos aspectos que emanam das parcerias de convívio e afeto. [18]

E, foi exatamente fundado nesse afeto, alçado e reconhecido como elemento importante, já agora, juridicamente, no relacionamento entre pessoas, que a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul através Provimento 6/4 de 17 de fevereiro de 2004 acrescentou um parágrafo ao artigo 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral para prever que

As pessoas plenamente capazes, independente da identidade ou posição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito a tal relação. As pessoas que pretendam constituir uma união afetiva na forma anteriormente referida também poderão registrar os documentos que a isso digam respeito. (sem destaque no original).

Ao comentar esta inovação Maria Berenice Dias [19] afirma, em manifesto denominado de "Afeto Registrado" que as Serventias vinham se recusando a proceder ao registro de documentos declaratórios destas relações sob a alegação de ausência de lei que as previsse e, considerando tal procedimento como discriminatório afirma que a negativa, às claras, encobria postura preconceituosa e discriminatória, já que não há ilicitude ou ilegalidade nas uniões que agora são nominadas de homoafetivas e conclui informando que

A omissão do Estado havia levado as organizações de defesa da livre orientação sexual a proceder ao registro das uniões estáveis homossexuais em livro próprio da entidade. O fato de tais registros carecerem de reconhecimento jurídico não impediu que uma infinidade de casais buscasse consolidar suas uniões.

Resgata assim o Estado do Rio Grande do Sul sua função registral e certificatória dos atos e contratos firmados pelos cidadãos, garantindo o direito fundamental à obtenção de certidões, o qual tem assento constitucional (CF, art. 5º, inc. XXXIV, b).

Não bastasse isso, o fato de um provimento do Poder Judiciário chamar de união estável a relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo é um importante marco na luta pela visibilidade do afeto que – como qualquer outro – não deve ter vergonha de dizer seu nome.

Vê-se, porém, ser este um ato isolado, justificado até mesmo pelo pioneirismo já tradicional que vem dos pampas sulinos e se alastra, com algum custo, para as demais regiões do país impulsionado pela força e perseverança do "minuano". Neste ponto já não se está afirmando apenas a exclusão de pessoas em razão de terem procedimentos, comportamentos e opções sexuais que apenas a elas dizem respeito, mas negando vigência à própria Constituição Federal, transformando-a em "papelucho" despido de significado, sentido e força motriz de construção e progresso social, o que não passou despercebido pela argúcia do Desembargador Rui Portanova [20], do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para quem o sistema jurídico como um todo permite a adoção por homossexuais, o que afirmou, ao participar do 9º Encontro Nacional de Associações e Grupos de Apoio à Adoção (Enapa), em Belo Horizonte, de 12 a 15 de maio de 2004.

O desembargador explicou que como não há norma que proíba homossexuais de adotarem uma criança, esse fato é juridicamente possível. Para pessoas solteiras não há problema algum, a lei faz referência apenas à idade: "Só a pessoa maior de dezoito anos pode adotar, de acordo com o artigo 1.618 do Novo Código Civil". Também em relação a casais de homossexuais não existe norma alguma a respeito, quer de cunho permissivo, quer proibitivo, não havendo, portanto, fundamento para a vedação que não seja a forma do preconceito.

Segundo Rui Portanova, quando há uma lacuna na lei, o juiz deve decidir usando analogia. Alguns magistrados consideram que o mais próximo de uma união de homossexuais seria a sociedade de fato. Mas, para ele, como é uma relação que envolve amor, o que seria mais semelhante na lei, é a união estável.

Segundo o desembargador, é o conceito de união estável que viabiliza juridicamente esse tipo de adoção. O artigo 1.622 do Novo Código Civil dispõe que ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher ou se viverem em união estável. E continua lembrando também que o direito não é composto somente pelas leis, o direito é fato, valor e norma, é a conjugação dessas três dimensões. Para ele, no caso da adoção, o que deve sempre prevalecer é o princípio do melhor interesse da criança.

O assunto está a merecer análise e estudo mais aprofundados, principalmente sob o enfoque da sociologia, da psicologia e do direito, mas, de qualquer forma, há de se louvar a coragem da afirmação, ainda que em sede acadêmica, de se buscar a aproximação da justiça com a realidade dos fatos da sociedade e do respeito ao princípio fundamental da não discriminação.

Busca-se, o que parece válido e legítimo, a sociologização da norma constitucional que, ensina José Afonso da Silva [21], Lassale é seu exímio representante, quando questiona sobre a verdadeira essência do conceito de constituição, conclui que o conceito jurídico, normativo, apenas diz como se formam as constituições, o que fazem, mas não diz o que uma constituição é; não dá critérios para reconhecê-la exterior e juridicamente; não nos diz sequer onde está o conceito de toda constituição, a essência constitucional. Para ele, a constituição de um país é, em essência, a soma dos fatores reais do poder que regem nesse país e esses fatores reais do poder constituem a força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da sociedade em questão, fazendo com que não possam ser, em substância, mais que tal e como são. Os valores da realidade do poder que emana do povo [22] convertem-se em fatores jurídicos quando são transportados para uma folha de papel e, a partir deste momento, deixam a situação de simples fatores ou valores reais de poder, assumindo feição de direito, de instituições jurídicas. E, concluindo com Lassale [23] relacionam-se as duas constituições de um país: a real e a efetiva, formada pela soma dos fatores reais e efetivos que regem na sociedade, e a escrita, a que, para distinguir daquela, ele denomina folha de papel. Esta – a constituição escrita – só é boa e durável quando corresponde à constituição real, àquela que tem suas raízes nos fatores de poder que regem no país. Onde a constituição escrita não corresponde à real, instala-se inevitavelmente um conflito que não há maneira de se manter simulado e, cedo ou tarde, a constituição escrita, a folha de papel, tem necessariamente que sucumbir ante o empuxo da constituição real, das verdadeiras forças vigentes no país. Esse conflito irredutível importará sempre o desrespeito e o descumprimento da constituição escrita e somente se resolverá se esta for modificada para ajustar-se à constituição real, ou então, mediante a transformação dos fatores reais do poder.

No contexto dessa discussão sobre a evolução da instituição familiar, altamente impregnada e impregnante das e pelas normas constitucionais, não se pode olvidar a reprodução humana assistida, tema que tem suscitado discussões jurídicas em razão de seu aspecto polêmico, principalmente por se tratar da interferência na procriação do ser humano.

Sob esse ponto de vista, a humanidade presencia, nas últimas décadas, o desenrolar de uma verdadeira "revolução" provocada pela biotecnologia e pela biomedicina que afeta, diretamente e a um só tempo, diferentes ramos do conhecimento humano, trazendo questionamentos jamais pensados, visto que o homem passou a interferir em processos até então monopolizados pela natureza. Está claro que não há como cercear o progresso científico, mas de todo indispensável que ele se faça acompanhar pela observância de valores maiores, notadamente a dignidade humana. [24]

Andréa Aldrovandi e Danielle França Galvão [25] conceituam a reprodução humana assistida como "a intervenção do homem no processo de procriação natural, com o objetivo de possibilitar que pessoas com problema de infertilidade e esterilidade satisfaçam o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade".

A inseminação artificial, sendo homóloga ou heteróloga, a fecundação in vitro e as mães de substituição são as principais técnicas de reprodução humana assistida. Silvio Rodrigues [26], ao falar sobre os tipos de inseminação artificial, informa que:

[...] homóloga é a inseminação promovida com o material genético (sêmen e óvulo) dos próprios cônjuges; heteróloga é a fecundação realizada com material genético de pelo menos um terceiro, aproveitando ou não os gametas (sêmen ou óvulos) de um ou de outro cônjuge; e, por fim, embriões excedentários são aqueles resultantes da inseminação promovida artificialmente, mas não introduzidos no útero materno.

O Novo Código Civil inova com a menção sobre esse tipo de filiação, conforme o seu art. 1.597, que a seguir se transcreve:

Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II - nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Apesar dessa inclusão no Código, as crianças provenientes desse tipo de reprodução, em certos casos, nascem órfãs, em razão de não haver instrumento normativo que regule tal matéria, ficando elas desamparadas, à mercê da boa sorte, se fazendo sentir a voz, entre outras, de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka [27] quando alerta para os perigos do desenvolvimento científico sem regras ou contra-freios quando ao delinear os campos de atuação da bioética e do biodireito afirma que

À Bioética, neste contexto, cabe o papel de levantar as questões, registrar as inquietações, alinhar as possibilidades de acerto e de erro, de benefício e de malefício, decorrentes do desempenho indiscriminado, não autorizado, não limitado e não-regulamentado de práticas biotecnológicas e biomédicas que possam afetar, de qualquer forma, o cerne da importância da vida humana sobre a terra, vale dizer, a dignidade da pessoa humana. Mas, o papel da bioética certamente esgota-se neste perfil, sem decidir qual a humanidade que a atual geração quer para si e para as futuras gerações.

Este papel é o papel do Biodireito, como se tem convencionado chamar.

O papel do Direito, não é o de cercear o desenvolvimento científico, mas justamente o de traçar aquelas exigências mínimas que assegurem a compatibilização entre os avanços biomédicos da Humanidade enquanto tal, e como tal, portadora de um quadro de valores que devem ser assegurados e respeitados.

Mister salientar que não existe lei específica sobre a matéria, sendo o único instrumento existente a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1358/92. [28] Tramitam no Congresso Nacional duas legislações sobre o tema, as quais ainda dependem de aprovação.

No caso da inseminação homóloga, não há grandes conflitos quanto à filiação, em razão de o material genético aplicado ser proveniente do casal que ficará com a criança e que aderiu à reprodução assistida.

No outro caso, do tipo heterólogo, começam a surgir os problemas quanto à filiação. Isso ocorre porque nessa técnica é utilizado material genético de um terceiro, que não o dos cônjuges. Para esse tipo de inseminação, é necessário o consentimento informado do marido, no qual este permite a realização do processo de inseminação de sua esposa.

Questão importante e de conflito ocorre no caso de a mulher submeter-se a processo de fertilização heteróloga, sem o consentimento do marido. Nesse caso, ao marido não deve ser atribuída a filiação, em razão da ausência de sua anuência, ou se aplicaria a presunção pater is? E quanto à inseminação levada a efeito pela mulher após a morte do marido (o artigo 1597-III diz "mesmo que falecido o marido", não estabelecendo qualquer restrição)? Imagine-se que a inseminação poderá ser feita muito tempo após o falecimento, quando os eventuais herdeiros já tivessem, inclusive, arrecadado o espólio – nascimento de um filho do pai falecido poderia inverter totalmente a ordem de vocação hereditária. Estes, apenas alguns dos problemas que ainda terão que ser enfrentados pelo biodireito.

De qualquer forma, característica marcante e indissociável desse processo é o caráter socioafetivo da filiação, consubstanciado pelo aspecto da "desbiologização" da paternidade, no qual se verifica o elemento afetivo dado à paternidade, elemento que há de ser cada vez mais valorado.

A inseminação de mulheres viúvas, divorciadas ou solteiras ainda não está regulamentada, sendo certo que logo poderão utilizar-se desses procedimentos em razão da inexistência de qualquer óbice à sua realização, sendo até contemplada pela Resolução do Conselho Federal de Medicina. Embora exista a possibilidade, doutrinadores e médicos divergem quanto à sua realização, demonstrando a complexidade e a imaturidade da discussão do tema.

Questão interessante surge quando o filho deseja conhecer o seu pai biológico, mesmo tendo o reconhecimento do pai socioafetivo. Nesse momento, nasce o conflito entre o direito ao conhecimento da identidade genética e o direito ao anonimato do doador, fazendo-se claro o conflito entre a paternidade biológica e a afetiva. Em tal circunstância, muitos sustentam que o direito ao reconhecimento da origem biológica é personalíssimo, enquanto outros defendem o anonimato do doador. Mais uma questão a ser enfrentada pela bioética e pelo biodireito.

A fecundação in vitro nas palavras de Aldrovandi e França [29]:

[...] Consiste na fecundação do óvulo in vitro, ou seja, os gametas masculino e feminino são previamente recolhidos e colocados em contato in vitro para que sejam fecundados. O embrião resultante é transferido para o útero ou para as trompas. Pode-se utilizar óvulos e espermatozóides doados, neste caso a fecundação será heteróloga, ou do próprio casal interessado, sendo a fecundação homóloga.

Conforme o caso da inseminação, a fecundação in vitro homóloga não traz problemas quanto à filiação, em razão do material genético utilizado ser proveniente do casal.

Já quanto à fecundação in vitro heteróloga, os problemas começam a aparecer, com destaque para a doação de óvulos e de embriões. Na doação de óvulos, o filho nasce da fecundação in vitro originada pelo sêmen do marido e de um óvulo doado, sendo este implantado no útero da mulher.

Na doação de embriões, o filho nasce da fecundação in vitro, originada por óvulos e sêmen doados ao casal, sendo o resultado disso (embrião) colocado no útero da mulher.

No caso da doação de óvulos, não haverá problema quanto à paternidade, mas sim quanto à maternidade, em razão do óvulo utilizado. O conflito nasce por ter o conceito de maternidade sofrido evolução, pois a legislação existente sustenta a idéia de que a maternidade é caracterizada pela gestação e parto, sendo que a mulher que dá a luz é a que forneceu o óvulo. Hoje, isso não pode ser totalmente aceito, pois é possível a gestação com o óvulo de outra pessoa, sendo que a afetividade é que vai consagrar a maternidade. Nesse caso, quem gera a criança é a mãe. Em virtude do segredo exigido pelas clínicas e laboratórios existentes, a doadora de óvulos não pode pleitear a maternidade.

No segundo caso, o embrião é dos doadores. Nesse caso, a gestação e o parto, somados ao caráter do afeto, caracterizam a maternidade.

A paternidade será incumbida ao pai que deu o consentimento para a fecundação artificial, que terá a definição de pai socioafetivo. Verifica-se com isso que a afetividade toma o lugar dos aspectos biológicos da paternidade.

Não se imagine que a solução é simples, bastando que se atente para notícia divulgada no site de O Globo [30] dando conta de que Nova técnica pode gerar bebês com três pais biológicos"e, fazendo menção à matéria do Jornal "The Guardian" de Londres informa que

Cientistas pediram permissão para realizarem experimentos capazes de resultar no nascimento de uma criança com três pais biológicos diferentes, informou neste domingo o jornal britânico "The Guardian". Segundo autoridades médicas britânicas, o pedido deve ser aprovado dentro de algumas semanas e tem por objetivo evitar que as mãos passem para seus bebês doenças genéticas degenerativas.

Antes mesmo de obter sinal verde da Autoridade de Embriologia e Fertilização Humana (HFEA, na sigla em inglês), órgão britânico que regula esse tipo de experimento, os cientistas já vêm sendo criticados. Especialistas acreditam que a técnica fere princípios éticos e trazem mais riscos do que benefícios. "Ao criar uma criança com três pais genéticos, esses cientistas estão dando os primeiros passos para a realização de engenharia genética de seres humanos. Não é uma direção que deveríamos tomar", criticou o médico David King, diretor da organização Human Genetic Alert.

Outra questão que gera problemas é o caso dos embriões excedentes, os quais devem ser preservados após a fertilização, não podendo ser descartados pois há afirmações de que já se constituem em "vidas humanas".

Quanto às ações judiciais relativas à fecundação heteróloga, os tribunais poderiam aplicar as normas relativas à adoção, para que se possam garantir direitos aos filhos provenientes dessa técnica. Com certeza, o consentimento é irretratável, não podendo, posteriormente, o marido negar a paternidade que lhe é atribuída.

Por derradeiro, informa-se sobre as mães de substituição, que emprestam o útero para a gestação, em razão de a mãe não poder, em seu útero, prover um desenvolvimento normal para o feto ou, ainda, quando possa trazer risco para sua própria vida. Essa técnica só é permitida em casos sob indicação médica, sendo que a doadora do útero pode ou não ser parente da mãe genética. Na chamada "barriga de aluguel", implanta-se o embrião do casal (óvulo da mãe fecundado pelo sêmen do pai) no útero de uma outra mulher para que ela seja a gestora do bebê, não sendo difícil imaginar que a mulher na qual foi implantado o embrião possa desenvolver carinho, afeto, amor e apelo maternais, criando-se, assim, um dilema muito mais ético e sociológico do que jurídico. [31]

Não há neutralidade na ética nem na biotecnologia, governada, de um lado, pela lógica do conhecimento e do poder, que está seguramente associada à lógica do lucro, de outra parte, pela lógica do desejo e da livre busca da felicidade.

Mediante uma formulação ímpar, a professora M.T. Meulders-Klein [32] ao lembrar que do suposto paraíso nosso primeiro ancestral foi expulso por provar o fruto proibido da árvore da ciência e do saber, indica as quatro lógicas fundamentais que, afastando aquela suposta neutralidade, podem estar governando essa mudança fenomenal da vida e de suas condições de reprodução: de um lado, a lógica do conhecimento do poder, à qual está seguramente associada a lógica do lucro; de outra parte, a lógica do desejo e da livre busca da felicidade, e, ligando essas duas ordens, está, em sua visibilidade exterior, a lógica da utilidade.

É nesse estado de saberes transitórios que o debate coloca em seu núcleo a bioética e o biodireito. Nele, há a necessidade de contextualização histórica e socioeconômica da biotecnologia. Há um lugar, um contexto e uma história que têm relevância. Nesse sentido, a palavra de José de Souza Martins [33], mostra-se legitimada a revelar os paradoxos da sociedade brasileira, que teve seu processo histórico sob freio, tendo aquele professor e sociólogo afirmado, a propósito, que vivemos a "persistência do passado", vale dizer, "o passado que se esconde, e às vezes se esconde mal, por trás das aparências do moderno".

E, para isso, na tentativa de encontrar um caminho para o problema dos "saberes transitórios" é possível apontar, como o fez Boaventura de Souza Santos [34], a superficialização do modo de pensar e das condições de existência, fruto da sociedade de consumo e da cultura de massas; além disso, a intensificação da globalização da economia das interações transnacionais não deixa de enquadrar a biotecnologia, seus royalties e seus recursos industriais, como aqueles derivados dos efeitos da inventividade científica do DNA, na dimensão amesquinhada do ser, vale dizer, no homo economicus.

Rechaçando essa lógica vertida no modismo apressado e aprofundando o debate não circunstancial e passageiro, reúnem-se militantes da realidade, todos aqueles tomados por uma densa inquietude, os mesmos que, todos os dias, entre a angústia e a esperança, celebram um certo fim e, ao mesmo tempo, uma espécie de eterno recomeço. Palavras que não conseguem encontrar com nitidez o ponto onde as trevas se separam da luz e repetem a lição secular para ficar apenas na tentativa de aclarar, quanto muito, pequenas obscuridades. [35]

Os limites podem ser morais, éticos, jurídicos e, evidentemente, alguns religiosos. Moral, ética e religião, não estando dissociadas, dizem respeito a um conjunto de concepções atribuídas a um grupo social ou a um de seus segmentos. No tocante à inseminação artificial, por exemplo, nem todas as religiões têm a mesma opinião sobre o assunto. A Igreja Protestante, na França, v.g., embora não tenha opinado favoravelmente à reprodução assistida, não objetou que ela se realizasse, e o Estado mantém laboratórios que são destinados a esse tipo de procriação.

No Brasil, de um modo geral, os aspectos religiosos são evidentemente fortes no sentido de se contrapor a essa ordem de idéias. O cânone 1.013 do recente Código Canônico não admite a dissociação que há na procriação artificial entre a geração e a vida. Do ponto de vista da moral e da ética, as dificuldades não são menores porque a moral e a ética passam por certas diluições sociais semelhantes. O Direito assume uma feição singular nessa perspectiva, porque o que ingressará para o ordenamento jurídico poderá ser exatamente o que resulta de eventualmente comum, ou seja, o aceitável, o legítimo, no conjunto desses valores. [36]

Questionamento latente e já discutido no Brasil há algum tempo, até com sérias divergências jurisprudenciais, é a problemática do sexo dos indivíduos que, durante longo tempo, parecia não apresentar problemas, sendo tratado sob os aspectos anatômicos. Atualmente, a medicina considera outros aspectos, devendo-se ao sexo anatômico acrescer o sexo genético ou cromossômico, o sexo hormonal e o sexo psicológico ou psicossocial, que é a consciência do sujeito de pertencer a um sexo que é seu e determinar seu comportamento social. [37]

O transexualismo se caracteriza por uma contradição entre o sexo físico aparente, determinado geneticamente, e o sexo psicológico, não se confundindo, portanto, com o intersexualismo, constituído por anomalias físicas, hormonais ou genéticas que conduzem a um sexo falso, ou com o homossexualismo. Nesse sentido, esclarece Antonio Chaves [38] que

a definição do sexo de um indivíduo obedece a critérios estabelecidos, que inclui o sexo genético que irá informar a constituição cromossômica, mas que além disso há influências psicológicas, socioculturais e ambientais que da mesma forma são responsáveis não só pelo estabelecimento do seu sexo de criação, como pelo seu comportamento e identificação sexuais, concluindo que a formação e a determinação do sexo de um indivíduo normal é fruto de inúmeros fatores e determinantes que constituem um universo inexplorado.

E, nesse campo, seguem-se as discussões sobre a possibilidade de alteração do sexo anatômico, tendo o Novo Código Civil Brasileiro expressamente afirmado que: "Artigo 13 – Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes".Está-se nitidamente diante de norma aberta, devendo o juiz interpretá-la e aplicá-la segundo seu tempo, sua época e os hábitos locais, de forma a não agredir o senso comum, não havendo, assim, qualquer avanço sobre tema que vem sendo posto a debate. A cirurgia que literalmente implicaria a diminuição permanente da integridade física, segundo seus antagonistas, vem sendo objeto de controvérsias ferrenhas.

Visto, porém, que seu escopo final é a adequação da pessoa a uma situação existencial mais adequada para o desenvolvimento da personalidade [39] estaria nessa perspectiva compreendida pelo direito à integridade psicofísica. A referência ao conceito indeterminado de "bons costumes" pode despontar ainda uma conotação moral que não beneficia uma interpretação de acordo com a própria realidade dos fatos, a qual revela que a cirurgia é efetivamente realizada e mesmo avalizada (em casos experimentais) pelo Conselho Federal de Medicina, como acima mencionado e abre vasto campo de questionamento, até sobre a constitucionalidade dessa norma legal que viola frontalmente o direito à dignidade [40], consistente esta, sob esse aspecto, à prerrogativa de exteriorizar a anatomia sexual segundo as convicções, sentimentos e formações congênitas. Seria constitucional e estaria de acordo com toda a principiologia da proteção aos direitos da personalidade obrigar uma pessoa que se percebe e age, v.g., como mulher a portar anatomia masculina, completamente desconforme a todo o restante de seu corpo e de sua alma?

Ou, por todos informando, diz Pietro Perlingieri [41] que:

A intervenção sobre a pessoa para mudança de sexo é legítima desde que correspondente ao interesse da pessoa que assim é não por capricho seu, mas porque constitui o resultado da avaliação objetiva das suas condições. Seria, portanto, antijurídico o comportamento do médico que interviesse para provocar uma modificação numa pessoa de sexo unívoco completamente sã.

Tem-se, por vezes a tendência de associar a ética e o sexual. A ética aplicar-se-ia essencialmente ao comportamento sexual, deixando à justiça o cuidado de gerir os outros tantos aspectos do comportamento humano. Simplificando, se a ética só se aplica à sexualidade, e se ela é a única ética existente, haveria então uma ética sexual sui generis. Freudianos e não freudianos sugerem que a personalidade sexual é o centro da personalidade moral e que nossa maneira de perceber nosso parceiro sexual e de nos comportarmos para com ele reflete e influencia nossa percepção e nosso comportamento geral face ao outro.

Tomemos como exemplo o coito heterossexual acompanhado de meios contraceptivos, tais como o diafragma ou o preservativo. Pode-se alegar, com argumentos Kantianos (o que fez Karol Wojtyla, João Paulo II, 1960) em Amor e responsabilidade [42], que o ato sexual com contracepção é um mal moral, pois já que ele busca unicamente o prazer e assim o fazendo reduz o parceiro a um meio, ele é degradante e leva à exploração.

Portanto, o ato sexual com contracepção que, por essas razões é um mal, não o é em virtude de seu caráter sexual. Com efeito, mesmo se Tomas de Aquino tem razão ao afirmar que o fim natural da emissão de esperma é a procriação, resulta de tal afirmação que o ato sexual com contracepção é imoral porque ele contraria o propósito da natureza (Suma teológica, 2-2ae, 153,3).

O mal provém do fato de tratar-se de uma atividade sexual oposta ao fim natural da sexualidade, e não da atividade sexual propriamente dita. Da mesma forma, o estupro é geralmente condenado por comportar aspectos condenáveis, tais como ameaças e constrangimentos. Numerosos exemplos similares permitem chegar à seguinte conclusão: Não é nunca o fato de um ato ser sexual que o torna um mal ou que acentua seu caráter imoral, se o ato é imoral por outros aspectos. (Goldman, Plain Sex, in Soble A. – The Philosophy of sex, totowra, Rowman & Litlefield, 1991, p. 85) [43].

Mas, ainda que de forma, por assim dizer, recatada, o próprio Papa João Paulo II exorta em sua encíclica Esplendor da Verdade algumas tendências da teologia moral hodierna, sob a influência das correntes subjetivistas e individualistas agora lembradas, interpretam de um modo novo a relação da liberdade com a lei moral, com a natureza humana e com a consciência, e propõe critérios inovadores de avaliação moral dos atos: são tendências que, em sua verdade, coincidem no fato de atenuar ou mesmo negar a dependência da liberdade da verdade. [44]

Assim, o que se sente é que a situação ainda está longe de ser suficientemente esclarecida. Faz-se necessário o estudo mais aprofundado, o debate menos apaixonado e mais aberto a horizontes ainda não percorridos, o descortinar de teses, teorias, reflexões ainda muito incipientes sem descurar da ética que há de prevalecer, mas, por outro lado, ficar atentos para que o argumento ético não passe a ser o instrumento de moralização anticientífico.

Ao tempo em que não é admissível a chamada utilização de cobaias humanas, ainda que "fabricadas" com este objeto, o verdadeiro balcão de ofertas que poderá ser criado, de órgãos e partes do corpo humano, há que se pensar também que tais experiências poderão vir a ser capazes de salvar vidas, encontrar a cura para males e doenças tidos como fatais.

Costuma-se imaginar que o embrião em disputa seja um feto, como os que se vêem nas imagens de ultra-sonografia, com sistema nervoso, coração, tronco e membros em formação. Na verdade, o material que interessa à Ciência é o chamado blastocisto, um aglomerado sem forma definida de cerca de 200 células, disponível cinco dias depois da fecundação. Mede meio milímetro, o tamanho do pingo de uma letra "i" impressa nesta revista.

Estima-se que haja 20 mil blastocistos estocados nas clínicas de fertilização há pelo menos três anos e, por isso, estejam prestes a ser jogados no lixo. Com o consentimento dos casais, eles poderiam ser destinados à pesquisa. Nesse estágio de desenvolvimento (cinco dias), o embrião ainda estaria longe de ser uma vida, mesmo se estivesse dentro de um corpo feminino. Nessa fase, somente 20% desses aglomerados chegam a se fixar na parede do útero e se desenvolver a ponto de se transformar num feto. A maioria é eliminada na menstruação, sem que ninguém perceba. [45]

Em muitas situações, e mesmo nesta pesquisa, são tecidas críticas severas ao legislador. No entanto, no que pertine à clonagem, parece haver acertado em não tentar, até o momento, legalizar a atividade, até porque, como dito, ainda se está longe de chegar a um consenso que possa ser considerado como vontade popular a respeito do assunto, gerando espaços de debates, discussões, questionamentos e estudos mas, esse assunto tem que, necessariamente, estar na pauta do dia tanto do Congresso Nacional como da sociedade em geral para discussão aberta e democrática de forma a que se possa chegar a estabelecer parâmetros e limites que viabilizem o prosseguimento das pesquisas científicas sem que, com isso, venha a se afrontar e mesmo desconsiderar a pessoa humana que, como fartamente demonstrado neste trabalho, não pode ser instrumentalizada.

Com esse movimento de baixo para cima, cresce no Brasil, em muitos ambientes institucionais da saúde e mesmo acadêmicos a consciência de que a apreciação ética preventiva é um recurso a ser utilizado caso a caso, projeto a projeto, para que os limites entre a ciência e a política possam ser delineados, usando-se o bom senso e a prudência na análise de situações particularmente complexas. Desse movimento poderão até mesmo resultar algumas leis que, quando aplicadas, estarão bem amadurecidas no âmbito da sociedade, o suficiente para evitar os riscos do autoritarismo e das interpretações dúbias. [46]

No modelo de Norberto Bobbio [47], para a análise da evolução dos direitos do homem, depois dos direitos políticos e civis, que seriam os direitos de primeira geração, dos direitos sociais ou de segunda geração e dos direitos ecológicos, chamados de terceira geração, aparece um novo conjunto de direitos, resultante dos conhecimentos e tecnologias ligadas à pesquisa biológica contemporânea, que está envolvida num debate ético que os antecede. Segundo abalizada lição de Vicente de Paula Barreto [48]

Antes de legislar, a sociedade contemporânea está sendo convocada a responder algumas perguntas que têm a ver com a irrupção de novas realidades produzidas pela ciência e pela tecnologia. Algumas indagações necessitam serem enfrentadas: o avanço da tecnologia na segunda metade do século XX permitiu que o homem compreendesse, cada vez mais, as leis da natureza e que criasse um mundo, nascido da sua própria inteligência. Resta saber se o homem, pelo fato de que pode criar e fazer pode e deve fazer pela simples razão de que tem conhecimentos e meios para tal; convém que ele construa aquilo que a ciência lhe permite? Convém que assim seja? E, mais importante ainda – quem irá decidir?

O debate, então, desloca-se para o campo da possibilidade do acordo ético na sociedade multicultural e as dificuldades remontam a dois tipos de causas e que, conclui Vicente Barreto na obra citada acima:

em primeiro lugar, porque tratam de realidades ainda não totalmente conhecidas e dominadas pelo homem; em segundo porque as novas descobertas realizam-se numa sociedade cujos valores e cuja ordem jurídica, deles decorrentes, são contestados em seus fundamentos por um homem e uma sociedade nas dores do parto. Isto não significa, certamente, que os princípios, como o da autonomia da vontade serão ignorados, mas simplesmente terão uma leitura mais crítica e prospectiva. Somente inserindo-se no processo de elaboração legislativa a dimensão ética, expressão da autonomia do homem, é que a ordem jurídica poderá atender às novas realidades sociais, produto da ciência e da tecnologia.

Ou talvez, fosse mesmo o caso de se questionar sobre a necessidade e viabilidade de regulamentação legal, não só das situações e perspectivas originadas da evolução tecnológica, mas de todas as que dizem respeito à família, como professa Jacques Commaille [49]

A mudança de modelo da política do direito no domínio da família, não seria assim mais do que uma das expressões daquilo que podemos chamar o fim do "legicentrismo" e que se manifesta principalmente no que seria a impossibilidade atual de qualquer trabalho de codificação, quer dizer, no estabelecimento de um conjunto de regras gerais criadoras de ordem, de sentido e de projeto. Esse questionamento de um modo de regulamentação jurídica participaria ele próprio daquele do modelo de dominação legítima aplicado às sociedades industriais por Max Weber: o modelo legal-racional.

O recurso aos estudos, às sondagens de opinião para preparar a lei, aos trabalhos de avaliação para depois aplicar, representariam para o poder político o meio último de "convencer os cidadãos" (como os clientes) da justiça de seus procedimentos, da legitimidade de suas decisões ou da qualidade de seus produtos [50], ou seja, é absolutamente necessária a análise da intervenção estatal nos núcleos familiares e na própria autodeterminação individual que, antes de ser violenta e impositiva, irá se pautar na legitimidade brotada na consensualidade.

2 - A DISCIPLINA JURÍDICA DA FILIAÇÃO E DA FAMÍLIA NA PERSPECTIVA CIVIL-CONSTITUCIONAL

Todos estamos matriculados na escola da vida onde o mestre é o tempo, e o que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim, terás o que colher. (Cora Coralina)

2.1. Modelo legislativo de cláusulas abertas - Desconstruir para evoluir.

Concordando que reste estabelecido que só num ambiente dialético, reflexivo, despido de preconceitos e estigmas, principalmente originados da vaidade é que se tornará possível a aproximação da realização dos ideais e objetivos democráticos marcadamente estabelecidos e almejados na Constituição Federal, caminhemos.

Ainda que não tenhamos um sistema democrático em pleno funcionamento, com absoluta igualdade de acesso aos bens e valores, através de uma distribuição de riquezas eqüitativa e justa, com atendimento às necessidades básicas de toda a população e, de fato, ainda que se sintam as conseqüências de políticas menos preocupadas com o bem estar da população aplicadas durante décadas no país, com forte tendência à corrupção, à deslealdade, ao arbítrio, à preponderância dos direitos e interesses particulares sobre os públicos, à ilegitimidade do exercício do Poder, mas, de qualquer forma, o ambiente que se vive, as perspectivas que se abrem diante de um sistema constitucional democrático de direito são infinitamente melhores do que se verificava há uma ou duas décadas atrás.

Vale a transcrição de parte do que se pode considerar como um "desabafo" do eminente mestre J.J. Calmon de Passos [51] quando diz:

A redemocratização do Brasil ocorreu num momento "passional" de nossa vida política, após duas décadas que pensamos pudessem ser sepultadas, como se fosse possível eliminar o passado, que se projeta sempre no presente, influenciando-o, queiramo-lo ou não. Processou-se, também, sob a força de um passado ideológico que, embora operante nas mentes, já deixara de sê-lo no concreto-histórico, problematizados que estavam tanto o socialismo real quanto a social democracia, que o liberalismo tivesse sido restaurado no trono de que fora banido. Ouso dizer mesmo, ainda que incorrendo no risco de ser acusado de excesso, que a Constituição de 1988 comporta sejam aplicados a ela os versos melancólicos e realistas de Mário Quintana: "Pobres cartazes", por aí afora/ anunciando alegrias risos/ depois de o circo já ter ido embora. "Ela nos remete a um sonho que não se realizou, porque em total descompasso com o que foi institucionalizado para fazê-lo realidade e a um projeto de Estado que não se concretizou. O que é pior incidiu em grave contradição, porque na "vocação", quis ser futuro, mas na "organização", foi passado, e um passado arcaico. Perdeu-se na indefinição, conseqüência de um impasse não superado. Nem direita, nem esquerda, nem centro; nem presidencialismo nem parlamentarismo; nem economia dirigida nem economia de mercado; nem democracia representativa nem democracia participativa; nem uma carta definidora das regras do jogo, deixada a definição de meta ao confronto político, nem uma constituição dirigente com institucionalização de instrumentos aptos à implementação dos fins constitucionalizados. Permanecemos sempre na indecisão e na indefinição do compromisso híbrido, confiantes num "compromisso futuro" que não veio". (sem destaque no original).

A despeito, porém, da realidade das afirmações, ao menos no que se refere ao Direito Privado, a influência constitucional veio propiciar verdadeira revolução (sem armas) na busca da consagração dos direitos fundamentais, deixando para trás a prevalência patrimonialista. E, é sob este fundamento e estimulado pelo empuxo recebido pelo Direito Privado e, notadamente pelo Direito Civil, em razão da atuação cogente das normas e princípios constitucionais que uma série de autores vêm alardeando que o Direito Civil tende a acabar pela verdadeira invasão sofrida pelo Direito Constitucional, enquanto outros dizem exatamente o contrário. De fato, as normas que não foram recepcionadas pela Constituição ou por algum de seus princípios, automática e instantaneamente, foram expurgadas do sistema jurídico. No entanto, as demais, aquelas que se coadunam com a Constituição, experimentaram sensível reforço ético-jurídico, de forma que a violação passou a configurar, não apenas a afronta a uma norma legal, mas sim à própria Constituição Federal, com todas as conseqüências e perspectivas inerentes a esse fato.

A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí porque a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. [52]

Há, porém, posicionamentos respeitáveis que sustentam de forma diversa no sentido de que o dogma da nulidade não constitui postulado lógico-jurídico de índole obrigatória, comportando soluções intermediárias, nos termos consagrados pelo ordenamento jurídico. [53]

As normas de direito privado e a própria atividade interpretativa foram significativamente alteradas pela Constituição Federal, arejando e obrigando a um posicionamento diferente sobre a isonomia entre todos os filhos, independentemente de sua origem, a tutela dos filhos ligada à espécie de relação preexistente entre seus pais, denotando toda a lógica capitalista e patrimonialista que imperava, e relegava a segundo plano o melhor interesse da criança e dos filhos, o casamento como única forma de constituição de uma família legítima que trazia a reboque sua indissolubilidade, o poder marital, a subordinação da mulher casada ao cônjuge varão, a chefia centralizadora da sociedade conjugal, os excessivos poderes inerentes ao pátrio poder, a presunção de paternidade do marido, tudo em prol de uma propalada paz doméstica, ainda que imposta de forma coercitiva e diante da mais absoluta infelicidade dos membros da família.

Aliás, no que toca à delimitação dos espaços e campos de conhecimento em público e privado, esta interpenetração e influência mútuas, se por um lado vem consistindo num novo manancial de estudos e reflexões no campo do Direito, por outro vem sofrendo sensível perda de consistência e delimitação de espaços estanques e bem definidos, tendendo a uma interpenetração.

Como prega Michel Freitag [54]

A divisão entre o Estado, sociedade civil e esfera privada dissolveu-se na tendência pós-moderna de indiferenciação generalizada do espaço social (...) que comporta basicamente mecanismos estruturais de exclusão. O conceito de espaço público, essencial à teoria democrática, converteu-se em mero campo publicitário e midiático.

Buscando de alguma maneira reverter este quadro, a Constituição altera radicalmente o sistema anterior, consagrando a isonomia entre os filhos e entre os cônjuges, revogando assim imediatamente tudo quanto fosse contrário a estes dois mandamentos basilares da nova família, passou a prever a família monoparental formada por um dos descendentes com os filhos (art. 226 § 4º) e extramatrimonial, não fundadas no matrimônio (art. 226 § 3º).

Tais preceitos, combinados com os princípios fundamentais dos artigos 1º e 4º, em particular no que concerne ao artigo 1º, inciso III, segundo o qual constitui fundamento da República a dignidade da pessoa humana, informam toda a disciplina familiar, definindo a nova imagem de valores que privilegiam, em matéria de filiação: a) a funcionalização das entidades familiares à realização da personalidade de seus membros, em particular dos filho [55]; b) a despatrimonialização das relações entre pais e filhos (por alguns chamada de repersonalização) e c) a desvinculação entre a proteção conferida aos filhos e a espécie de relação dos genitores.

Assim entendida, a família só deve ser preservada quando represente instrumento de desenvolvimento da personalidade dos cônjuges e dos filhos; ou seja, enquanto ainda representar o lócus ideal e privilegiado para o convívio familiar (art. 226, §§ 1º, 2º e 3º) e veja-se que esta família pode ser ou não formada através do casamento. Esse entendimento representa sensível avanço em relação a posicionamento anterior não muito distante de que só se considerava legítima a família advinda do matrimônio; todas as demais sofriam o constrangimento da pecha de ilegitimidade e a repulsa de uma sociedade burguesa e moralista.

Sob este novo olhar, conclui-se que as ações de Estado são, além de imprescritíveis, inalienáveis, visto que representam a via processual instrumentalizada de busca do direito da personalidade, de forma que a pessoa humana poderá, a qualquer tempo, ajuizar ação de investigação ou de negação de paternidade, tendente a desfazer situação anterior originada de presunção legal ou de decisão judicial com força de coisa julgada material. Exatamente neste ponto se inserem as maiores dificuldades, notadamente diante da reação de setores mais conservadores do Poder Judiciário, que constituem sua maioria, quando se pretende discutir a flexibilização da coisa julgada e sua eventual desconstituição, exatamente por afrontar direito de personalidade, de fundamento e amparo constitucional, tema que será objeto de capítulo próprio.

Apenas a título de exemplo, lembre-se que o casamento era valorado como bem em si mesmo, necessário à consolidação das relações sociais, independentemente da realização pessoal de seus membros. O rompimento da sociedade conjugal, portanto, afigurava-se como o esfacelamento da própria família, reprovado socialmente, a despeito das causas subjetivas que o motivaram. A nova ordem constitucional não expressa mais a comunidade familiar como entidade de ordem pública, e valor superior às pessoas, sendo tutelada somente na exata medida em que for capaz de preservar a dignidade da mulher, do homem e dos filhos, perdendo a validade todas as normas que privilegiavam o vínculo matrimonial em detrimento dos integrantes da estrutura familiar, posto que não recepcionadas pela Constituição Federal ou, em outras palavras, não passaram pela filtragem constitucional.

Alentado e minucioso estudo sobre as conseqüências experimentadas pelos institutos da família e da filiação foi realizado por Gustavo Tepedino [56].

Nessa linha de raciocínio, com acentuada percepção, Heloisa Helena Barboza [57] questionou e em seguida concluiu acerca de qual é o novo papel da família no mundo contemporâneo:

Qual a função atual da família? Se é certo que ela é a base da sociedade, qual o papel que a ela cumpre desempenhar, já que não tem mais funções precipuamente religiosa, econômica ou política como outrora? Qual a base que se deve dar à comunidade familiar para que alcance a tão almejada estabilidade, tornando-a duradoura? Devemos reunir todas essas funções ou simplesmente considerar o seu verdadeiro e talvez único fundamento: a comunhão de afetos?

Ou seja, a família só continuará existindo se fundamentada no princípio da afetividade e do amor, posto que os valores que anteriormente a engessavam, aprisionavam e algemavam, só produziram o nefasto efeito de causar desagregação, lides, violência e desassossego, não sendo difícil perceber que seu fim estaria muito próximo, não houvesse uma ruptura definitiva com elos ultrapassados e de nenhuma significação às pessoas. Nesse sentido, as estatísticas são esmagadoras a demonstrar o decréscimo do número de casamentos, em contrapartida ao enorme avolumar de separações e divórcios. É inerente à natureza humana a busca da liberdade, notadamente quando algo a está sufocando e aprisionando e, às vezes, o custo desta liberdade pode ser a própria vida, basta que se tenha em mente os muitos suicídios e homicídios ditos "passionais" que se assiste no decorrer da história policial e judiciária.

As relações familiares, portanto, passaram a ser fundamentadas em razão da dignidade de cada partícipe. A efetividade das normas constitucionais implica a defesa das instituições sociais que cumprem o seu papel maior. A dignidade da pessoa humana, colocada no ápice do ordenamento jurídico, encontra na família o solo apropriado para o enraizamento e desenvolvimento, daí a ordem constitucional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva proteção à família, independentemente de sua espécie. Propõe-se, por intermédio da repersonalização das entidades familiares, preservar e desenvolver o que é mais relevante entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe, com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.

A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana: ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem. [58]

Para aqueles que temem mais uma vez sua destruição ou dissolução, objeta-se, em contrapartida, que a família contemporânea, horizontal e em redes, vem se comportando bem e garantindo corretamente a reprodução das gerações. Assim, a legalização do aborto na França não conduziu ao apocalipse tão anunciado por aqueles que viam seus partidários como assassinos do gênero humano. Vejamos e esperemos as reações no Brasil, se e quando houver a legalização desse ato, com todas as conseqüências, discussões e divergências que são inerentes e salutares a tema tão contraditório e de vasto campo para discussão e diálogo, como formas de crescimento e maturação.

Despojado dos ornamentos de sua antiga sacralidade, o casamento, em constante declínio, tornou-se um modo de conjugalidade afetiva pelo qual os cônjuges – que, às vezes, escolhem não ser pais – se protegem dos eventuais atos perniciosos de suas respectivas famílias ou das desordens do mundo exterior. É tardio, reflexivo, festivo ou útil e freqüentemente precedido de um período de união livre, de concubinato ou de experiências múltiplas de vida comum ou solitária.

Cada vez mais freqüentemente concebidos fora dos laços matrimoniais, os filhos assistem, uma vez em cada três, às núpcias de seus pais, doravante unidos não para a duração de uma vida, mas, em mais de um terço dos casos, para um período aleatório que se consumará com um divórcio – consentido, passional ou litigioso – e, para as mulheres, com uma situação dita "monoparental" pois são elas que sofrem inicialmente as conseqüências das rupturas por elas provocadas hoje, com mais freqüência que os homens. Tem sua vertente maléfica o poder que obtiveram e conquistaram de estarem ou não unidas a um homem.

Aos utopistas que acreditam que a procriação será um dia a tal ponto diferenciada do ato carnal que os filhos serão fecundados fora do corpo da mãe biológica, em um útero de empréstimo e com a ajuda de um sêmen que não será mais aquele do pai, argumenta-se que, para além de todas as distinções que podem ser feitas entre o gênero e o sexo, o materno e o feminino, a sexualidade psíquica e o corpo biológico, o desejo de se ter um filho sempre terá algo a ver com a diferença dos sexos. Demonstram isso as declarações dos homossexuais que sentem a necessidade de dar aos filhos por eles criados uma representação real da diferença sexual, e não apenas duas mães das quais uma desempenharia o papel de pai ou dois pais, dos quais um se disfarçaria de mãe.

Finalmente, para os pessimistas que pensam que a civilização corre risco de ser engolida por clones, bárbaros, bissexuais ou delinqüentes da periferia, concebidos por pais desvairados e mães errantes, observa-se que essas desordens não são novas – mesmo que se manifestem de forma inédita – e, sobretudo, que não impedem que a família seja atualmente reivindicada como o único valor seguro ao qual ninguém quer renunciar. Ela é amada, sonhada e desejada por homens, mulheres e crianças de todas as idades, de todas as orientações sexuais e de todas as condições.

É claro, porém, que o próprio princípio da autoridade e do ser "separador", sobre o qual ela sempre se baseou, encontra-se atualmente em crise no seio da sociedade ocidental. Por um lado, esse princípio se opõe, pela afirmação majestosa de sua soberania decaída, à realidade de um mundo unificado que elimina as fronteiras e condena o ser humano à horizontalidade de uma economia de mercado cada vez mais devastadora, mas, por outro, incita incessantemente a se restaurar na sociedade a figura perdida de Deus pai, sob a forma de uma tirania. Confrontada com esse duplo movimento, a família aparece como a única instância capaz, para o sujeito, de assumir esse conflito e favorecer o surgimento de uma nova ordem simbólica.

Eis por que ela suscita tal desejo atualmente, diante do grande cemitério de referências patriárquicas desafetadas que são o exército, a Igreja, a nação, a pátria, o partido. Do fundo de seu desespero, ela parece em condições de se tornar um lugar de resistência à tribalização orgânica da sociedade globalizada. E, provavelmente, alcançará isso – sob a condição, todavia, de que saiba manter, como princípio fundador, o equilíbrio entre o um e o múltiplo de que todo sujeito precisa para construir sua identidade. A família do futuro deve ser mais uma vez reinventada. [59] (sem destaque no original).

Na contramão do tempo, da história e das previsões dos menos afeitos à constante alteração do comportamento social, o que se vê é que as pessoas buscam a aproximação da normalização de suas relações sociais, familiares e sexuais, aconchegando-se nos ninhos familiares, não necessariamente sob o mesmo teto [60]e nem por isso deixando de se constituir em verdadeiro núcleo familiar. Esse núcleo não tem mais, como paradigma ou motivo fundamental, a hierarquia paterna, o poder estatal, o jugo à Igreja ou qualquer outro referencial constatado através dos tempos. Apenas, unicamente e tão somente, tem o amor, a afetividade e a vontade de as pessoas permanecerem juntas, criarem seus filhos, sejam eles oriundos de vínculos anteriores (matrimoniais ou não), adoção ou simplesmente chamamento de pessoas estranhas ao corpo familiar sangüíneo, para a convivência pacífica e voltada à realização plena de cada membro daquele grupo, firmando-se como pessoas únicas, dotadas dos direitos subjetivos da personalidade, individualizadas e cada qual com suas características próprias. Nada mais há – e, talvez, não haverá – que possa manter pessoas unidas, coesas, juntas, que não seja o amor e o afeto.

Essa afirmação ecoa das palavras proferidas em 1991, pelo então Desembargador e hoje ministro do Superior Tribunal de Justiça Carlos Alberto Menezes Direito [61] que afirmava: Tenho para mim que o que se deve buscar é o abrigo da proteção jurídica da vida em comum. Não se pretende robustecer a união ilegítima, mas sim criar condições jurídicas para proteger a constituição da família, independente de sua origem no ato civil do casamento.

Não há como se negar que o direito privado – e, notadamente, o Direito Civil e, mais particularmente, o Direito de Família – é "um sistema em construção", recheado de cláusulas gerais, que deverão se interpretar, aplicar e complementar de conformidade com as alterações e evoluções sociais e humanas como assevera Judith Hofmeister Martins-Costa [62], mas o construir só se oportunizará se houver, antes, abertura para a "desconstrução", entendida no sentido que lhe atribuiu Jacques Derrida [63], de desfazer sem nunca destruir um sistema de pensamento hegemônico ou dominante, resistir à tirania do Um, resultante da força natural de mudança do ser humano não havendo de ignorar a notável dificuldade de se perseguir tal objetivo, como já afirmava Glória Steinem [64]: O primeiro problema para todos, homens e mulheres, não é aprender, mas desaprender.

Dotadas que são de grande abertura semântica, não pretendem as cláusulas gerais dar, previamente, resposta a todos os problemas da realidade, uma vez que essas respostas são progressivamente construídas pela jurisprudência. [...] Conquanto tenha a cláusula geral a vantagem de criar aberturas do direito legislado à dinamicidade da vida social, tem, em contrapartida, a desvantagem de provocar – até que consolidada a jurisprudência – certa incerteza acerca da efetiva dimensão dos seus contornos. [65]

Não se ignora, também, que, para estruturar o direito com cláusulas abertas e gerais, faz-se necessário um Poder Judiciário atento às vicissitudes da população e conectado às alterações da malha social e, principalmente às alterações comportamentais que acarretam a modificação da própria noção de certo e errado das pessoas.

A cláusula geral, portanto, exige do juiz uma atuação especial, e através dela é que se atribui uma mobilidade ao sistema, mobilidade que será externa, na medida em que se utiliza de conceitos além do sistema, e interna, quando desloca regramentos criados especificamente para um caso e os traslada para outras situações. [66]

Parece que não restam dúvidas que, em termos de direitos fundamentais, ao menos enfocados sob a ótica de sua respeitabilidade efetiva e concreta, ainda estamos engatinhando, a despeito de, como afirmou Paulo Mota Pinto [67] juiz do Tribunal Constitucional de Portugal e docente da Faculdade de Direito de Coimbra, que

o reconhecimento a todo o ser humano do valor de pessoa é hoje um verdadeiro postulado axiológico do jurídico, que não deve sofrer contestação relevante, pelos menos ao nível das proclamações. A personalidade do Homem é para o direito um prius, que o Direito encontra, (não cria), e que deve ser reconhecido e tutelado pela ordem jurídica - pode mesmo dizer-se que o imperativo de respeito em todos os homens da sua dignidade de pessoa, através da atribuição de personalidade jurídica, resulta da consideração de um conteúdo mínimo de direito natural (no sentido de Hart), ou integra uma idéia de direito constitutivos do universo jurídico. A pessoa humana deve ser o centro das preocupações dos juristas, e o apelo que a estes é dirigido para a sua tutela jurídica emana do mais fundo substracto axiológico que constitui o direito como tal. Importa, pois, tratar dessa tutela.

Tais direitos são, assim, essenciais, uma vez que a própria personalidade humana quedaria descaracterizada se a proteção que eles concedem não fosse reconhecida pela ordem jurídica. É exatamente sob esse aspecto que se procurou, neste trabalho, confrontar o direito à vida, do qual é subproduto o conhecimento da existência e origem da existência, a colocação social, afetiva e biológica da pessoa no mundo, no momento do nascimento e posteriormente e o auto-reconhecimento da pessoa como ser humano do sexo masculino ou feminino, criando-se o impasse jurídico-sociológico quando a verdade internalizada afronta e digladia-se com aquela exteriorizada pela anatomia.

Conclui-se, assim que as relações civis, que têm como pressuposto lógico e axiológico a própria existência das pessoas, são muito mais profundas do que como o direito privado a estudava até muito pouco tempo atrás, distinguindo-as, de forma marcada, dos assim chamados direitos públicos. Tanto assim que se vivencia no país o forte movimento de constitucionalização do direito privado e, notadamente, do Direito Civil. Para tanto, é necessário reconhecer que os valores da sociedade atual não são mais aqueles pregados pelo Direito Civil do Estado Liberal. Em vez da autonomia da vontade e da igualdade formal, sobrepõem-se os interesses de proteção de uma população que aguarda providências e prestações estatais. Esses valores que outrora estavam no Direito Civil estão agora nas constituições. A Constituição, que no paradigma burguês era desinteressada quanto às relações sociais, passa a preocupar-se com elas, incorporando os valores que, ao mesmo tempo, vão sendo expressos no ordenamento. A lei fundamental, então, é que positiva os direitos concernentes à Justiça, segurança, liberdade, igualdade, propriedade, herança etc. Antes, eles estavam no Código Civil ou, como diz Pietro Perlingieri [68],

o direito civil constitucional parece estar em busca de um fundamento ético, que não exclua o homem e seus interesses não-patrimoniais, da regulação patrimonial que sempre pretendeu ser – não se projetam a expulsão e a redução quantitativa do conteúdo patrimonial no sistema jurídico e naquele civilístico em especial. O momento econômico, como aspecto da realidade social organizada, não é eliminável. A divergência, não certamente de natureza técnica, concerne à avaliação quantitativa do momento econômico e à disposição de encontrar, na existência da tutela do homem, um aspecto idôneo, não a humilhar a aspiração econômica, mas, pelo menos, a atribuir-lhe uma justificativa institucional de suporte ao livre desenvolvimento da pessoa.

Não há, por assim dizer, qualquer possibilidade de simplesmente se ignorar, diante da notável evolução do direito como instrumento de tutela da pessoa humana, o seu valor matricial e fundamental na ordem existencial do mundo, as origens biológicas e afetivas da pessoa, seu reconhecimento interno e externo perante a sociedade, o mundo e as demais pessoas e a necessária convivência com outras pessoas, num microssistema constituído pela família, berço, amparo, reduto seguro, ponto de partida e chegada, porto seguro de todos nós, mas, de qualquer forma, reconhecendo a insuficiência de conceitos, princípios e conhecimentos para a exata valoração do ser humano ou, como afirmou Luiz Edson Fachin [69],

cogita-se agora, pois, de aprofundar uma revisão crítica principiada e não terminada, dado que não basta mais revelar a franca decadência que sofreram as bases sobre as quais se edificaram os institutos jurídicos. Não se trata de uma crise de formulação, eis que o desafio de um novo ou renovado Direito Civil está além de apenas reconhecer o envelhecimento da dogmática. Um recomeço, cujo fim principia e acaba num ponto de partida. [Destaque inexistente no original].

Encerra-se assim exposição deste tópico demonstrando toda a vivacidade e grandioso respaldo filosófico do Novo Código Civil Brasileiro, objeto da análise no próximo tópico, no que pertine à filiação, ao deixar margem para que o aplicador do Direito, de acordo com a realidade social, atribua a correta interpretação às cláusulas gerais, recorda Luiz Fernando Veríssimo [70]:

George Steiner diz que existem dois tipos de filósofos ocidentais: os que, como Platão, Descartes, Spinoza, Pascal e Wittgenstein, entre outros, usam a matemática como referência para entender o mundo e dão mais valor a códigos e padrões do que ao discurso e à especulação, e os que, como Tomás de Aquino, Hegel, Nietzsche, Heidegger e Sartre, vão fundo nas motivações humanas e preferem a História e suas surpresas às equações e suas certezas. No fim, o que os diferencia é o modo de encarar o tempo: há o tempo mensurável do matemático sem o qual a ciência e a tecnologia seriam impossíveis, e há o tempo como durée ou duração, experimentada pelo ser em constante devir, o passado e o futuro articulados pela memória e pela imaginação, de maneiras que a ciência não explica. O cronômetro contra a literatura.

2.2. Família e paternidade à luz do novo código civil. Dimensão ético-existencial.

...esse viés ético foi o que levou à consagração da paternidade socioafetiva. Constituído o vínculo da parentalidade, mesmo se divorciado da verdade biológica, prestigia-se a situação que preserva o elo da afetividade.

(Maria Berenice Dias).

Nesta parte da pesquisa, serão tratadas algumas alterações do Novo Código Civil, Lei nº 10.406/2002, concernentes ao direito de filiação para, no tópico seguinte abordar a irrevogabilidade da adoção, encarnação definitiva do primado da afetividade.

O Código Civil de 2002, apesar da apregoada mudança de paradigma, do individualismo para a solidariedade social, manteve forte presença dos interesses patrimoniais sobre os pessoais, em variados institutos do Livro IV, dedicado ao direito de família, desprezando-se o móvel da affectio, inclusive no Título I destinado ao "direito pessoal". Assim, as causas suspensivas do casamento, referidas no art. 1.523, são quase todas voltadas aos interesses patrimoniais (principalmente, em relação à partilha de bens). Da forma como permanece no Código, a autorização do pai, tutor ou curador para que se casem os que lhe estão sujeitos não se volta à tutela da pessoa, mas ao patrimônio dos que desejam casar; a razão da viúva estar impedida de casar antes de dez meses depois da gravidez não é a proteção da pessoa humana do nascituro, ou a da certeza da paternidade, mas a proteção de seus eventuais direitos sucessórios; o tutor, o curador, o juiz, o escrivão estão impedidos de casar com as pessoas sujeitas a sua autoridade, porque aqueles, segundo a presunção da lei seriam movidos por interesses econômicos. No Capítulo destinado à dissolução da sociedade conjugal e do casamento ressaltam os interesses patrimoniais, sublimados nos processos judiciais, agravados com o fortalecimento do papel da culpa na separação judicial, na contramão da evolução do direito de família. Contrariando a orientação jurisprudencial dominante, o art. 1.575 enuncia que a sentença importa partilha dos bens. A confusa redação dos preceitos relativos à filiação (principalmente a imprescritibilidade prevista no art. 1.601) estimula que a impugnação ou o reconhecimento judicial da paternidade tenham como móvel interesse econômico (principalmente herança), ainda que ao custo da negação da história de vida construída na convivência familiar. Quando cuida dos regimes de bens entre os cônjuges, o Código (art. 1.641) impõe, com natureza de sanção, o regime de separação de bens aos que contraírem casamento com inobservância das causas suspensivas e ao maior de sessenta anos, regra esta de discutível constitucionalidade, pois agressiva da dignidade da pessoa humana, cuja afetividade é desconsiderada em favor de interesses de futuros herdeiros [71]. As normas destinadas à tutela e à curatela estão muito mais voltadas ao patrimônio do que às pessoas dos tutelados e curatelados. Na curatela do pródigo, a proteção patrimonial chega ao paroxismo, pois a prodigalidade é negada e a avareza premiada. No que se refere às vedações impostas aos maiores de 60 anos, a contradição ao Estatuto do Idoso (lei 10.741 de 1º de outubro de 2003) é flagrante, notadamente quando se lê do artigo 2ºque o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Em termos quantitativos, como vimos, o Código Civil de 1916 destinava a maioria dos artigos relativos ao direito de família aos interesses patrimoniais ou econômicos. Comparativamente, o Código Civil de 2002, de um total de 273 artigos, reserva 112 aos interesses patrimoniais. Assim, ao menos em relação à proporção de artigos voltados predominantemente às pessoas humanas integrantes das relações familiares, o Código de 2002 contemplaria mais a diretriz da repersonalização. Para efeito de análise, destaque-se a exclusão dos 20 artigos que disciplinavam de modo desigual os direitos e deveres do marido e da mulher e a transferência para a Parte Geral dos 18 artigos que tratam da ausência, todos de fundo patrimonializante. Em contrapartida, o bem de família que, no Código de 1916, era disciplinado na Parte Geral em quatro artigos, passou a ser parte do Direito Patrimonial do Livro IV do Código de 2002, com doze artigos.

O censo demográfico relativo à última década do século XX, organizado pelo IBGE, demonstra que a pirâmide da perversa distribuição de renda no Brasil exclui a grande maioria da população da incidência das normas da legislação civil voltadas à tutela do patrimônio. [72] A realidade palpável é a de o Código Civil permanecer impermeável - inclusive no que concerne às relações de família - aos interesses da maioria da população brasileira que não tem acesso às riquezas materiais.

Evidentemente, as relações de família também têm natureza patrimonial. Sempre terão. Todavia, quando os interesses patrimoniais passam a ser determinantes, desnaturam a função da família, como espaço de realização da dignidade da pessoa humana na convivência e na solidariedade afetiva.

A família brasileira transformou-se intensamente no final do século XX, não apenas quanto aos valores, mas à sua composição, como revelam os dados do censo demográfico do IBGE de 2000 [73], e bem assim da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio divulgada anualmente, necessários e preciosos para análise dos juristas. Constata-se a existência de uma população avassaladoramente urbana (81,25%, vivendo em menos de 5% do território brasileiro) [74], completamente diferente do predomínio rural, cuja família serviu de modelo para o Código Civil de 1916.

Este é o quadro espelhado no censo de 2000:

a) a média de membros por família caiu para 3,5;

b) o padrão de casal com filhos (incluindo as uniões estáveis) caiu de 60% no início da década de noventa para 55%;

c) em contrapartida, o percentual de entidades monoparentais compostas por mulheres e seus filhos ampliou de 22% no início da década de noventa para 26%. Na cidade de Belém esse percentual subiu para impressionantes 40,5%, o que mereceria estudo mais aprofundado de suas razões;

d) 45 % dos domicílios organizam-se de forma que, no mínimo, um dos pais ou ambos estão ausentes, incluindo-se os que vivem sós, ou avós ou tios criando netos ou sobrinhos, irmãos ou grupo de amigos que vivem juntos;

e) os casais sem filhos constituíam 13,8%

f) os solitários (solteiros ou remanescentes de entidades familiares) subiram de 7,3% para 8,6%;

g) o decréscimo da taxa de fecundidade por mãe é notável, passando de 5,8 filhos na década de setenta para 2,3 filhos [75];

h) os mais velhos estão vivendo mais, demandando atenção das famílias, atingindo a média de 64,6 anos. 13% da população brasileira era constituída de aposentados (23 milhões);

i) a população é mais feminina, havendo 97,2 homens para cada grupo de 100 mulheres;

j) o brasileiro está casando menos e mais tarde; dados do PNAD de 2002 indicam que a idade média do homem ao casar subiu para 30,3 anos e a da mulher para 26,7 anos. Mas a taxa de conjugalidade tem caído: foram 743,4 mil em 1991 e 715,1 mil em 2002. A taxa de divórcio em 2002 foi de 1,2 por mil habitantes, tendo crescido 59,6% em relação a 1991.

Esses dados de realidade estão a demonstrar que o anterior paradigma da família, radicado na estrutura patrimonial e biológica, está a desaparecer e o direito há de acompanhar esse fluxo sociológico de olhos bem abertos e atentos. A família está se adaptando às novas circunstâncias, assumindo um papel mais concentrado na qualidade das relações entre as pessoas e no desejo de cada uma. A família constitui-se por múltiplos arranjos, sem a rejeição legal e social que enfrentavam no passado; é menor, nuclear, menos hierarquizada; contempla mais a dignidade profissional da mulher. A redução da taxa de fecundidade tem sido justificada pelo interesse das famílias em maior dedicação aos filhos [76]. Se a família perdeu sua função de unidade econômica, se seus membros são vistos uns em relação aos outros muito mais em suas dimensões pessoais e em comunhão de afetos, e também em razão dessa mudança dos fatos, então não faz sentido que os interesses patrimoniais permaneçam à frente na aplicação do direito de família.

Partindo-se da premissa, também certa, de que o Novo Código Civil adotou, como critério filosófico e forma legislativa, a inserção de cláusulas abertas permitiu que o sistema civil estivesse sempre e constantemente em construção, pela possibilidade de recolher e regular mudanças e criações supervenientes detectadas capilarmente, tornando o sistema legal poroso e receptivo às interpretações que se mostrem necessárias à consecução do objetivo maior que é a efetividade dos direitos fundamentais, permitindo que o aplicador da norma legal, sensível a esta necessidade legitimante, não perca de vista que a legislação e o próprio Direito como um todo só existe e se justifica enquanto puder ser utilizado como forma de garantia dos direitos humanos e fundamentais da pessoa humana. Como afirma Judith Hofmeister Martins Costa [77] a razão de visualizar o novo texto legislativo à luz de suas cláusulas gerais responde à questão de saber se o sistema de direito privado tem aptidão para recolher os casos que a experiência social contínua e inovadoramente propõe a uma adequada regulação, de modo a ensejar a formação de modelos jurídicos inovadores, abertos e flexíveis. Em outras palavras, é preciso saber se, no campo da regulação jurídica privada, é necessário, para ocorrer o progresso do Direito, recorrer-se sempre a uma pontual intervenção legislativa ou, se o próprio sistema legislado permitir, poderia, por si, proporcionar os meios de se alcançar a inovação, conferindo aos novos problemas soluções a priori assistemáticas, mas promovendo, paulatinamente, a sua sistematização.

Parece indubitável que o Código abandonou a idéia absolutista da tematização e estabelecimento de regras herméticas e casuísticas que têm a pretensão de cobrir a plenitude dos atos possíveis e dos comportamentos devidos na esfera privada, prevendo soluções às variadas questões da vida civil em um mesmo e único corpo legislativo, harmônico e perfeito em sua abstrata arquitetura, e parece que foi exatamente o que almejou Miguel Reale [78], ao utilizar a expressão "modelos jurídicos" e que se verificou no Brasil e em todo o ocidente pela codificação objetiva das normas legais.

Quanto às inovações e mudanças, merecem análise as referentes à paternidade presumida, a contestação da paternidade e a ação investigatória.

Procurou-se, com a edição desta nova lei, abandonar o caráter formal característico da lei anterior, preocupando-se em dar um sentido mais prático e aberto, em virtude das grandes transformações ocorridas no mundo.

Primeiramente, deve-se dizer que a nova lei absorveu o disposto na Constituição de 1988, suprimindo definitivamente a distinção entre filiação legítima, ilegítima e legitimação, sendo agora usado apenas o termo filiação.

Dispõe o art. 1.596 que "os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

Silvio Rodrigues [79], ao falar sobre a diferença entre o filho havido do casamento e o do havido fora das núpcias e do adotivo, ensina que:

[...] para os filhos originados de uma relação conjugal, a lei estabelece uma presunção de paternidade e a forma de sua impugnação; para os havidos fora do casamento, criam-se critérios para o reconhecimento, judicial ou voluntário; e, por fim, para os adotados, são estabelecidos requisitos e procedimento para a perfilhação.

Inovação interessante surge no art. 1.597, que a seguir se transcreve:

Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subseqüentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Luis Paulo Cotrim Guimarães [80], ao comentar referido artigo, afirma que o Código, além de não mais especificar as causas de dissolução da sociedade conjugal (morte, separação, divórcio ou anulação), estabeleceu a paternidade presumida quanto ao filho advindo por reprodução assistida, em qualquer momento da relação conjugal, exigindo como requisito único, o consentimento marital. Não explicita a necessidade de ser expresso tal consentimento, nem distingue a forma de inseminação (homóloga ou heteróloga), podendo ser verbal, pois, o assentimento marital. Em caso de impugnação pelo marido, caberá a este provar seu não assentimento, posto que o artigo de lei não determina formalidade para autorização, vigendo entre nós o princípio da liberdade das formas (artigos 212 do Código Civil e 332 e seguintes do Código de Processo Civil). É de se ressaltar, no entanto, que o autor mencionado diz que inseminação pode ser feita a qualquer momento da relação conjungal, quando a norma legal não traz esse requisito de ainda estar em vigor a relação conjugal o que conduz à conclusão que, mesmo após a morte do marido a inseminação poderá ser feita, como já mencionado anteriormente.

Embora tenha o legislador incluído tema inovador como é o caso da reprodução assistida, deixou de regulamentá-la especificamente no novo código, sendo os filhos advindos dessa técnica desamparados pela lei e não sendo difícil imaginar os problemas que daí advirão.

Questões conflitantes nascem dessa filiação, dentre as quais são citadas: realização da reprodução em útero de mulher que não seja a esposa; reconhecimento do filho pelo doador de sêmen, que normalmente não tem seu nome revelado; destinação dos embriões não utilizados, e a época em que poderão ser transferidos à mulher; a qualidade de herdeiros dos filhos provenientes da formas prescritas nos incisos III e IV, após a morte do pai; e, ainda, os filhos advindos por inseminação artificial com material genético proveniente de um terceiro que não os cônjuges podem ser excluídos da situação de filho por meio da ação de investigação ou negatória de paternidade contra os pais biológicos, dos quais não terão o mesmo DNA.

Essas são algumas questões dentre as quais muitas surgirão em razão da evolução da ciência e das técnicas de reprodução assistida e da engenharia genética. No campo do Direito, certamente essa questão tem de evoluir muito ainda para satisfazer a necessidade de verificação das paternidades a serem atribuídas. A única certeza que se tem por enquanto é que esses filhos são considerados concebidos na constância do casamento e que não podem sofrer qualquer tipo de discriminação (artigo 227 § 6º da Constituição Federal), mesmo que falecido o marido (artigo 1597-III do Código Civil).

Mais adiante segue o legislador falando sobre a negatória de paternidade pelo pai presumido, sendo assim redigido o art. 1.601:

Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

Parágrafo único. Contestada a filiação os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação.

Primeiramente, deve-se dizer que a expressão "marido" desprestigia a relação referente à união estável, sendo que o homem que vive dessa maneira também teria o direito da negatória de paternidade, até porque em razão do princípio constitucional da igualdade entre as diversas formas de família e de filiação, o artigo 1597 do Código Civil deve ser aplicado extensivamente à união estável, ressaltando que a origem dos filhos não pode ser fator de diferenciação para sua proteção. Assim, se se pode entender que os filhos concebidos na constância da união estável sejam do companheiro, a via reflexa é legitimá-lo à ação negatória de paternidade, a despeito da flagrante contradição do artigo 1.601 com o 1.597-V que ao admitir a inseminação heteróloga nada mais fez do que reconhecer a paternidade socioafetiva, ainda que sem se utilizar desta terminologia.

Sendo imprescritível a ação de investigação de paternidade, conforme a Súmula 149 do STF, também a negatória assim deve ser entendida em razão de o direito de reconhecimento de a paternidade ser direito personalíssimo, indisponível e imprescritível.

Ao contrário da legislação de 1916, afasta o legislador qualquer restrição à negatória de paternidade pelo marido.

Ainda sobre a paternidade presumida o novo código põe fim à questão da sua duplicidade existente na legislação anterior, conforme se verifica pela leitura do art. 1.598, que a seguir se transcreve:

Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1.597.

Dispõe o inciso II do art. 1.523 que "não devem casar a viúva ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal".

Já o inciso I do art. 1.597 informa que se presumem "concebidos na constância do casamento os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal".

Esse artigo resolve o problema da dupla paternidade presumida existente no diploma de 1916. Caso a mulher viúva venha a casar-se antes do prazo de dez meses previsto no art. 1.523, I, e tenha um filho entre os trezentos dias do falecimento do seu primeiro marido, presume-se ser este o pai da criança. Agora, se o nascimento ocorrer após o prazo de trezentos dias do falecimento e já houver transcorrido o prazo do art. 1.523, I, haverá a presunção de paternidade quanto ao novo marido.

A seguir, ainda discorrendo sobre a presunção de paternidade o artigo 1.599 diz que "a prova da impotência do cônjuge para gerar, à época da concepção, ilide a presunção da paternidade".

Regina Beatriz Tavares da Silva [81], ao comentar referido artigo, informa que:

[...] No artigo em análise a impotência generandi ilide a presunção da paternidade, não sendo mais necessário que seja absoluta, o que reflete o avanço das provas técnicas existentes para a demonstração da filiação, dentre as quais se destaca o exame de DNA. O artigo não refere à impotência coeundi porque, em razão das novas técnicas de reprodução artificial, pode ela existir sem que haja a impotência generandi.

Esse dispositivo, em face das novas disposições da legislação, de contestação incondicional da paternidade presumida, resta desnecessário, mas, há que se atentar para a distinção existente entre as hipóteses de negatória de paternidade e anulação de registro civil de nascimento por erro:

Ação negatória de paternidade. Anulação de registro de nascimento. Distinções. A negatória de paternidade visa a impugnar a legitimidade da filiação, pressupõe a existência de registro e visa a anulação por erro ou falsidade. Prescreve em vinte anos. Suposto pai que, espontânea e conscientemente comparece ao Registro Civil e declara ser, o registrando, filho seu, mesmo sabendo de sua incapacidade generandi é carecedor de ação negatória de paternidade. Não pode, futuramente, alegar a própria torpeza. [82]

A confissão da mãe da prática de adultério e a exclusão da paternidade não servem para ilidir a sua presunção, em razão da determinação de a paternidade ser um direito indisponível, bastando ao interessando a intenção de sua declaração. Sendo assim, não fariam falta os artigos 1.600 e 1.602 do novo Código Civil.

Adentrando o tema do capítulo que abordará a legitimidade das decisões judiciais afirma Gustavo Tepedino [83] que a Constituição Federal alterou o conceito de unidade familiar, antes delineado como aglutinação formal de pais e filhos legítimos baseada no casamento, para um conceito flexível e instrumental, que tem em mira o liame substancial de pelo menos um dos genitores com seus filhos – tendo por origem não apenas o casamento – e inteiramente voltado para a realização espiritual e o desenvolvimento da personalidade de seus membros, e este ponto de partida não pode ser esquecido em qualquer julgamento que envolva família e paternidade, sob pena de se tornar ilegítimo e mesmo inconstitucional.

Os sociólogos, historiadores, antropólogos e juristas têm revelado o processo de passagem da família patriarcal à família nuclear. Esse processo de desintegração da família é o resultado de profundas modificações das estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais (revolução industrial, grandes concentrações urbanas, inserção da mulher no processo de produção e emancipação feminina). [84] Vislumbra-se uma realidade moderna (ou pós-moderna) completamente díspare daquela vivenciada a bem pouco tempo, dos matrimônios duradouros, não por amor, carinho e vontade, porém muito mais por comodismo, tradição e imposição tanto da família como da sociedade, que via com maus olhos os separados, principalmente a mulher separada. Atualmente, vê-se, então, a formação de novas entidades familiares, não fundadas no matrimônio e nem por isso menos fortes e arraigadas ou vistas com olhos preconceituosos pela sociedade que já as aceita com tranqüilidade. [85]

Nunca se consegue atravessar o rio e chegar à outra margem sem uma boa dose de risco e incerteza, que, sem dúvida, são características existentes na opção do legislador do Novo Código Civil em inserir um grande número de princípios e cláusulas gerais, não ignorando que, segundo informou Miguel Reale [86], uma lei não deve ser interpretada segundo a sua letra, mas, consoante o seu espírito, leva a considerar o conjunto de diretrizes que norteou a obra codificadora, constituindo o seu travamento lógico e técnico, bem como a base de sua fundamentação ética.

Essa ética há de ser norteada pelo fato de que em primeiro plano está o ser humano valorado por si só, pelo exclusivo fato de ser pessoa – isto é, a pessoa em sua irredutível subjetividade e dignidade, dotada de personalidade singular e, por isso mesmo, titular de atributos e de interesses não mensuráveis economicamente – passa o Direito a construir princípios e regras que visam tutelar essa dimensão existencial na qual, mais do que tudo ressalta a dimensão ética das normas jurídicas. Então, o Direito Civil reassume a sua direção etimológica e, do direito dos indivíduos, passa a ser considerado o direito dos civis, dos que portam em si os valores de civilidade [87] e exatamente aí reside a responsabilidade do Poder Judiciário que há de estar comprometido com a efetivação e concretização dos princípios maiores da Constituição Federal, a nortear e balizar seus julgamentos.

Absolutamente não como um todo acabado e imutável, mas como um sistema cíclico, translúcido e poroso, que se deixa influenciar, oxigenar, amadurecer e atualizar pelas constantes mutações sociais, fruto da natural e saudável natureza humana de buscar, inovar e descobrir e, afinal, não permanecer estagnado, renunciando às mudanças e, via de conseqüência, ao progresso, ao desenvolvimento e à aprendizagem. E, o que é a aprendizagem, senão o movimento entre aquilo que foi há instantes atrás e aquilo que ainda não é? Aprender é um embate, é um ranger de espadas. Aprender é um risco atraente... é o risco de estarmos novamente e a cada instante, além de nós mesmos, além do que é conhecido, além do que já fomos, além do que somos. Aprender é contar com o tempo a nosso favor, ter desprendimento suficiente para se afastar dos chamados "portos seguros" em busca do desconhecido – só assim se cresce – Afinal todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo e o que vale na vida não é ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher (Cora Coralina).

Faz-se vivo o ensinamento de Michel Serres [88] de que

Partir exige um dilaceramento que arranca uma parte do corpo à parte que permanece aderente à margem do nascimento, à vizinhança do parentesco, à casa e à idéia dos usuários, à cultura da língua e à rigidez dos hábitos. Quem não se mexe nada aprende. Sim, parte, divide-se em partes. Teus semelhantes talvez te condenem como um irmão desgarrado. Eras único e reverenciado. Tornar-te-ás vários, às vezes incoerente como o universo que, no início, explodiu-se, diz-se, com enorme estrondo. Parte, e tudo então começa. Partir, sair. Deixar-se um dia seduzir. Tornar-se vários, desbravar o exterior, bifurcar em algum lugar. Eis as três primeiras estranhezas, as três variedades de alteridade, os três primeiros modos de ser e expor. Porque não há aprendizagem sem exposição.

Pensar, refletir, conhecer, partir, ficar e aprender são questões que se colocam com a crise dos nossos padrões de valor, que não é apenas a da fragilidade dos códigos até então vigentes, mas os riscos de um modo de se conduzir segundo regras prévias e externas que retiram daquele que age a prerrogativa de pensar para decidir o que fazer em cada situação que se apresenta. Busca-se, assim, tornar concreta a afirmação de Heráclito [89] de que a todos os homens é compartilhado o conhecer-se a si mesmo e pensar sensatamente.

E esse pensamento reflexivo há de ser compartilhado, democratizado, para que possa ganhar adeptos, opositores para o necessário tensionamento, para firmar-se, ou não, sendo, portanto importante que seja textualizado e exteriorizado.

O pensamento é inconcebível sem discurso, precisa deste para entrar em atividade – Eles contam um com o outro. A linguagem é o veículo e a forma do pensamento [90] e o que é fundamental para Hannah Arendt [90] é que

Os pensamentos, para acontecer, não precisam ser comunicados; mas não podem ocorrer sem ser falados – silenciosa ou sonoramente, em um diálogo, conforme o caso (...) e a razão, não porque o homem seja um ser pensante, mas porque ele só existe no plural – também quer a comunicação e tende a perder-se caso dela não tenha que privar; pois a razão, como observou Kant, não é de fato "talhada para isolar-se, para comunicar-se". A função desse discurso silencioso (...) é entrar em acordo com o que quer que possa ser dado aos nossos sentidos nas aparências do dia-a-dia; a necessidade da razão é dar conta (...) de qualquer coisa que possa ser ou ter sido. Isso é proporcionado não pela sede do conhecimento (...), mas pela busca do significado. O puro nomear das coisas, a criação das palavras é a maneira humana de apropriação e, por assim dizer, de desalienação do mundo no qual, afinal, cada um de nós nasce, como um recém-chegado, como um estranho.

CONCLUSÃO

E é assim, neste início de século, com rompimento de barreiras, obstáculos, preconceitos e no desfraldar de novos ares, novos conhecimentos e experiências, respaldados agora pela notável abertura semântica impulsionada pelo Código Civil e suas cláusulas e normas abertas, que se busca o conceito de família, a verdadeira face da filiação, da paternidade e dos motivos e fundamentos que conduzem as pessoas a permanecerem umas ao lado das outras, em pequenos núcleos de convivência ou ninhos de afetividade, como dito antes, sem qualquer outro tipo de imposição legal ou moral que assim o determine. Esse porvir vem sendo descoberto e desvelado paulatinamente, com o amadurecimento dos relacionamentos e das próprias pessoas, penetradas e influenciadas pela sensibilidade e afetividade que permeiam toda e qualquer relação entre duas ou mais delas e que são as únicas verdadeiras condicionantes que fazem com que, ligadas ou não por vínculo sangüíneo jurídico, estejam e permaneçam juntas e felizes.

No entanto, a busca dessa nova e diferente fisionomia das relações familiares e filiais, fundamentada no afeto, há de ser feita em conjunto com sensíveis valores éticos, sob pena de se estar condenando à morte um novo e belo filho que ainda sequer nasceu.

Foi com essa intenção que Maria Berenice Dias [91] afirmou que não basta a inserção do afeto como elemento identificador dos vínculos familiares. Mas, além disso, é impositivo invocar a ética como elemento estruturante do Direito de Família. Ao se confrontar com situações em que o afeto é o traço diferenciador das relações interpessoais, não se pode premiar com a irresponsabilidade comportamentos que afrontam o dever de lealdade que merece ser prestigiado como integrante da estrutura familiar. A omissão em extrair conseqüências jurídicas pelo só fato de a situação não corresponder ao vigente modelo de moralidade não pode chancelar o enriquecimento injustificado. Certamente, esse viés ético foi o que levou à consagração da paternidade socioafetiva. Constituído o vínculo da parentalidade, mesmo se divorciado da verdade biológica, prestigia-se a situação que preserva o elo da afetividade.

Outra não pode ser a postura ética da jurisprudência diante de situações similares. Ainda que sejam alvo do preconceito ou se originem de atitudes havidas por reprováveis, o juiz não pode afastar-se do princípio ético que deve nortear todas as decisões. O distanciamento dos parâmetros comportamentais majoritários ou socialmente aceitáveis não pode ser fonte geradora de favorecimentos, preconceitos e discriminações. Não ver fatos que estão diante dos olhos é manter a imagem da Justiça cega. Condenar à invisibilidade situações existentes é produzir irresponsabilidades: é olvidar que a Ética condiciona todo o Direito e, principalmente, o Direito de Família.

O desafio que se coloca ao jurista e ao direito é a capacidade de ver a pessoa humana em toda sua dimensão ontológica e não como simples e abstrato sujeito de relação jurídica. A pessoa humana deve ser colocada como centro das destinações jurídicas, valorando-se o ser e não o ter, isto é, sendo medida da propriedade, que passa a ter função complementar.

A restauração da primazia da pessoa, nas relações de família, na garantia da realização da afetividade e de sua dignidade, é a condição primeira de adequação do direito à realidade. Essa mudança de rumos é inevitável.

A realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram ou desempenham papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua.

A família, na sociedade de massas contemporânea, sofreu as vicissitudes da urbanização acelerada ao longo do século XX, como ocorreu no Brasil. Por outro lado, a emancipação feminina, principalmente econômica e profissional, modificou substancialmente o papel que era destinado à mulher no âmbito doméstico e remodelou a família. São esses os dois principais fatores do desaparecimento da família patriarcal.

Reinventando-se socialmente, reencontrou sua unidade na affectio, antiga função desvirtuada por outras destinações nela vertidas, ao longo de sua história. A afetividade, assim, desponta como elemento nuclear e definidor da união familiar, aproximando a instituição jurídica da instituição social.

A repersonalização das relações jurídicas de família é um processo que avança, notável em todos os povos ocidentais, revalorizando a dignidade humana, e tendo a pessoa como centro da tutela jurídica, antes obscurecida pela primazia dos interesses patrimoniais, nomeadamente durante a hegemonia do individualismo liberal proprietário, que determinou o conteúdo das grandes codificações. [92]

Afinal, renunciar a tudo isso, ao porvir, ao prazer da descoberta à adrenalina do novo é simplesmente renunciar à própria vida, como expressado na melodia poética de Herbert Viana em sua "Cuide bem do seu amor", mas exige um cuidar, atenção, dedicação que são ingredientes certos e necessários ao espocar imorredouro do novo, do amanhã, das promessas da modernidade e, enfim do sonho imaginado, existente por certo no mais íntimo de cada um de nós, de vivermos ao lado de quem amamos e escolhemos para dividir nossos dias, nossas horas, nossos momentos bons e ruins, lhes dedicando, enfim, nossas vidas por um único e exclusivo argumento justificador, o amor.

Cuide bem do seu amor

Seja quem for

E cada segundo, cada momento, cada instante

É quase eterno, passa devagar

Se seu mundo for o mundo inteiro

Sua vida, seu amor, seu lar

Cuide tudo que for verdadeiro

Deixe tudo que não for passar!


NOTAS REFERENCIAIS:

01 Apud ROUDINESCO, Elizabeth. A família em desordem. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

02 Apud ROUDINESCO, Elizabeth. A família em desordem. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

03 HABERMAS, Jürgen. O Futuro da Natureza Humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 18.

04 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Texto de contracapa. In: DIAS, Maria Berenice. União Homossexual – Preconceito e a Justiça. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

05 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Texto de contracapa. In: DIAS, Maria Berenice. União Homossexual – Preconceito e a Justiça. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

06 REALE, Miguel. Visão geral do Projeto de Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 752, p. 26, junho 1998.

07 A Escolástica representa o último período do pensamento cristão, que vai do começo do século IX até o fim do século XVI, isto é, da constituição do sacro romano império bárbaro, ao fim da Idade Média, que se assinala geralmente com a descoberta da América (1492). Este período do pensamento cristão se designa com o nome de escolástica, porquanto era a filosofia ensinada nas escolas da época, pelos mestres, chamados, por isso, escolásticos. As matérias ensinadas nas escolas medievais eram representadas pelas chamadas artes liberais, divididas em trívio - gramática, retórica, dialética - e quadrívio - aritmética, geometria, astronomia, música. A escolástica surge, historicamente, do especial desenvolvimento da dialética.

08 REALE, Miguel. Visão geral do Projeto de Código Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 752, p. 26, junho 1998.

09 Palestra: Uniões de pessoas do mesmo sexo, proferida em 2 de outubro de 1997. Apud DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito & justiça. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 176.

10 Oitenta mil mortos na França em 20 anos (1982-2002), 25 milhões no mundo. Cf. POLAK, Michel. Les homosexuels et le sida. Paris: A-M, Métailié, 1988; e POMMIER, François, La psychanalyse à l´epreuve du sida. Paris: Aubier, 1996.

11 TORRES, Antonio Carlos Esteves. União Civil – O projeto. Texto inédito encaminhado diretamente pelo autor.

12 Artigo 3º – inciso IV – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

13 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. R.J.:Forense, 1998, p. 61.

14 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. RJ-SP: Renovar, 2003. p. 79.

15 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996. p.185.

16 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família. Uma abordagem psicanalítica. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 1997, p. 43.

17 HELLER, Hermann. Teoria del Estado. 4ª ed. Trad. E prólogo de Gerhart Niemeyer. México-Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1961, p.276.

18 FACHIN, Luiz Edson. Aspectos jurídicos da união de pessoas do mesmo sexo. A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.114.

19 Disponível em http://www.espacovital.com.br/asmaisnovas24052004x.htm, acesso em 24.maio.2004.

20 Revista Consultor Jurídico de 22 de maio de 2004. www.consutorjurídico.com.br.

21 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo:Malheiros Editores, 1998. 3ª ed, p.23.

22 Artigo 1o parágrafo único da Constituição da República Federativa do Brasil.

23 LASSALE, Ferdinand. Que es uma constitución? Trad. W.Roces. Buenos Aires: Ediciones Siglo Veinte, 1946, p. 62.

24 Bioética é o ramo da filosofia moral que estuda as dimensões morais e sociais das técnicas do avanço do conhecimento das ciências biológicas, e o Biodireito é o ramo do Direito que trata da teoria, da legislação e da jurisprudência relativas às normas reguladoras da conduta humana em face dos avanços da biologia, da tecnologia e da medicina. Ver ARNAUD, André-Jean (Dir.). Dicionário enciclopédico de teoria e de sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

25 ALDROVANDI, Andrea; FRANÇA, Danielle Galvão. A reprodução assistida e as relações de parentesco. Disponível em: www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 10 out. 2002.

26 RODRIGUES, Silvio. Direito de família. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 341.

27 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Bioética e biodireito: Revolução biotecnológica, perplexidade humana e prospectiva jurídica inquietante. Disponível em jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=4193, acesso em 06 de outubro de 2004.

28 BRASIL. Resolução nº 1358/1992. Regula a reprodução humana assistida e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 19 nov. 1992, seção I, p. 16.053.

29 ALDROVANDI, Andréa; FRANÇA, Danielle Galvão. A reprodução assistida e as relações de parentesco. Disponível em: http:// www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: 10 out. 2002.

30 http://oglobo.globo.com/online/default.asp. Globo on line – Acesso em 17 de outubro de 2004.

31 ÉPOCA. Os caminhos da fertilidade. Época, São Paulo, n. 9, p. 44, 20 jul. 1998. Ver também BARBOSA, Heloísa Helena. A filiação em face da inseminação artificial e da fertilização in vitro. RJ: Renovar, 1993.

32 MEULDERS-KLEIN, M.T. De la bioétique au bio-droit. Paris: LDGJ, 1994, p. 30 e ss. In FACHI, Luiz Edson. Curso de Direito Civil - Elementos Críticos do Direito de Família. Coordenação de Ricardo Pereira Lira, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1999. p.233.

33 MARTINS, José de Souza. O poder do atraso: ensaios de sociologia da história lenta. São Paulo: Hucitec, 1994, p. 11.

34 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1996, p. 289 e seguintes.

35 COSTA, Jurandir Freire. Impasses da ética naturalista: Gide e o homoerotismo. In. NOVAES, Adauto (Org.). Ética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 288.

36 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 232-236.

37 Nesse sentido, a Resolução 1.492/97 do Conselho Federal de Medicina, que autoriza, a título experimental, a realização de cirurgia de transgenitalização como tratamento dos casos de transexualismo, inclui, dentre outros critérios mínimos da definição de transexual, o "desconforto com o sexo anatômico natural" e o desejo expresso de eliminar genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto.

38 CHAVES, Antonio. Direito à vida e ao próprio corpo. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 126-140.

39 Sobre o tema v. PERES, Ana Paula Barion. Transexualismo. O direito a uma nova identidade sexual. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

40 DONEDA, Danilo. A parte geral do Novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. RJ-SP: Ed. Renovar, 2003, p. 50.

41 In BARBOSA, Heloisa Helena; BARRETO, Vicente de Paulo (Orgs.). Temas de Biodireito e bioética. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p 237.

42 WOJTYLA, Karol. Amor e Responsabilidade. Lisboa: Editora Rei dos Livros, 1999. p. 45.

43 SOBLE, Alan. Tradução de Maria Vitória Kesler, in Dicionário de Ética e Filosofia Moral. Organização de Monique Canto-Sperber, São Leopoldo, RS: Editora Unisinos,, 2003, p.577.

44 in FILHO, Martinho Garcez. Direito de Família. São Paulo: Edições Paulinas, vol. I, 2ª ed. 1932. p. 59

45 A guerra das células-tronco. Revista ÉPOCA. São Paulo: Editora Globo, n. 335, p. 101.

46 MARQUES, Marilia Bernardes. O fenômeno humano e as leis em face da clonagem.Rio de Janeiro:Revista Monitor Público-Iuperj e Conjunto Universitário Cândido Mendes, número 12, ano 4, 1997, p. 27.

47 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Brás. Rio de Janeiro:Editora Campus, 1992.

48 BARRETO, Vicente de Paula. Bioética e a ordem jurídica. Rio de Janeiro: Revista da Uerj, 2000, número 4, p.19.

49 COMMAILLE, Jacques. A nova família: problemas e perspectivas. Org. Vicente Barreto. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1997, p. 21.

50 R.LAUFER e C. Paradeise, Le Prince Bureaucrate. Paris: Flamarion, 1982, p. 26.

51 PASSOS, J. J. Calmon de. A constitucionalização dos direitos sociais. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 58, ago. 2002. Disponível em: jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=3197>. Acesso em: 22 abr. 2004.

52 BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. SP: Saraiva, 2004. p. 15.

53 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos. São Paulo: Editora Saraiva, 1990, p. 19.

54 In DUPAS, Gilberto. Tensões contemporâneas entre o público e o privado.São Paulo: Ed.Paz e Terra, 2003. página anterior ao sumário.

55 Sobre esse tema, notável contribuição prestada por PERLINGIERI, Pietro - Il diritto civile nella legalità constituzionale, Napoli: Esi, 1984, p. 395, e de PROSPERI, Francesco - La famiglia non fondata sul matrimonio, Camerino-Napoli: Esi, 1980, p. 53.

56TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, 2ª Edição. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001, p. 391, A disciplina jurídica da filiação na perspectiva civil-constitucional.

57 BARBOZA, Heloisa Helena. Novas tendências do direito de família. Rio de Janeiro: Revista da Faculdade de Direito da UERJ, n.2, p. 232, 1994.

58 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. 2ª ed. Tradução Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 243.

59 ROUDINESCO, Elizabeth. A família em desordem. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

60 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 60.

61 DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Da união estável como entidade familiar. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 667, maio 1991. p. 17.

62 MARTINS COSTA, Judith Hofmeister. O Direito privado como um "sistema em construção": As Cláusulas Gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro. Disponível em: <www.ufrgs.gov.br>. Acesso em: 21 mar. 2003.

63 DERRIDA, Jacques e ROUDINESCO, Elisabeth. De que Amanhã... diálogo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004. p. 9.

64 STEINEM, Glória. A Revolução Interior. (Título original: Revolution from within a book of self esteem). Tradução – Myriam Campelo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1992. p. 38.

65 MARTINS COSTA, Judith Hofmeister. O Direito privado como um "sistema em construção": As Cláusulas Gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro. Disponível em: <www.ufrgs.gov.br>. Acesso em: 21 mar. 2003.

66 AGUIAR JR., Ruy Rosado de. O poder Judiciário e a concretização das cláusulas gerais: limites e responsabilidades. Porto Alegre: Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 18, 2000.

67 PINTO, Paulo Mota. Notas sobre o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e os direitos de personalidade no direito português. In:, SARLET Ingo Wolfgang (Org.). A Constituição concretizada – Construindo pontes com o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 61.

68 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil. Introdução ao Direito Civil e Constitucional, 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 33.

69 FACHIN, Luiz Edson. Virada de Copérnico – Um convite à reflexão sobre o Direito Civil brasileiro contemporâneo. In: FACHIN, Luiz E. (Coord.).Repensando os fundamentos do Direito Civil Brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p 323.

70 VERISSIMO, Luiz Fernando. Rio de Janeiro: Jornal O Globo, p. 7, 18 maio 2003.

71 João Baptista VILLELA considera a proibição de casar aos maiores de sessenta anos um reflexo agudo da postura patrimonialista do Código Civil e constitui mais um dos ultrajes gratuitos que nossa cultura inflige à terceira idade. E arremata: a afetividade enquanto tal não é um atributo da idade jovem. Liberdade e Família, Belo Horizonte: Faculdade de Direito da UFMG, 1980, p. 35-6.

72 O Censo de 2000 confirma a nação de desiguais: em 1960 os 10% mais ricos detinham renda 34 vezes maior que os 10% mais pobres; em 2000 a concentração de renda tinha aumentado: os 10% mais ricos detinham renda equivalente a 47 vezes à dos 10 mais pobres. De um total de 46.306.278 famílias brasileiras, apenas 2.754.437 (5,9%) ganhavam mais de 20 salários mínimos.

73 BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Anuário estatístico do Brasil, v. 61, Rio de Janeiro: IBGE, 2003, passim.

74 O IBGE considera urbana toda a população residente nas sedes dos municípios e demais áreas definidas pela legislação municipal.

75 Entre as mulheres mais pobres (até ¼ de salário mínimo) a média é de 5,3 filhos; entre as mais ricas (mais de 5 salários mínimos), 1,1 filhos, menor que a média européia de 1,5 filhos. A queda da natalidade terá conseqüências na projeção da população brasileira. Em relatório divulgado, em 9 de dezembro de 2003, pela Divisão de do Departamento de Economia e Assuntos Sociais da ONU, projeta-se a queda populacional do Brasil da quinta para a oitava posição entre os países mais populosos do mundo, em 2050.

76 São Paulo: Revista VEJA, 18 fev. 2004, p. 92-5.

77 MARTINS COSTA, Judith Hofmeister. O Direito privado como um "sistema em construção": As Cláusulas Gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro. Porto Alegre: Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, n. 15, 1998, p. 129-154.

78 Para uma teoria dos modelos jurídicos. Comunicação apresentada ao Congresso Internacional de Filosofia realizado em Viena, 1968 (publicada em REALE, Miguel. Estudos de filosofia do Direito, São Paulo: Saraiva, 1978, ensaio 7III, e mais recentemente em Fontes e modelos do Direito – Para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994).

79 RODRIGUES, Silvio. Direito de família. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 340.

80 GUIMARÃES, Luís Paulo Cotrim. A paternidade presumida no direito brasileiro e comparado. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 219.

81 In FIUZA, Ricardo, Novo código civil comentado (org). São Paulo: Saraiva, 2002, p. 1.410.

82 Apelação Cível 595.188814-7ª Câmara Cível TJMG. Relator, Des. Ulderico Ceccato. J. 15.06.96.

83 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina civil-constitucional das relações familiares. In: Temas de Direito Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 349.

84 OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa de; MUNIZ, Francisco. Direito de Família (Direito Matrimonial). Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990, p. 10.

85 ARAUJO, Nádia de; VARGAS, Danila T. Novas formas de entidades familiares: efeitos do casamento e da família não fundada no matrimônio. In: Temas de Direito Civil. 2ª ed. Org. Gustavo Tepedino. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 327.

86 REALE, Miguel. O projeto de Código Civil. Situação atual e seus problemas fundamentais. Exposição de motivos do Projeto de Código Civil. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 87.

87 MARTINS COSTA, Judith Hofmeister. O Novo Código Civil Brasileiro: em busca da "ética da situação".Porto alegre: Revista de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, v. 20, p. 239, 2001.

88 SERRES, Michel. Filosofia mestiça: Tradução Maria Ignez Duque Estrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993, p. 27.

89 HERÁCLITO. Fragmentos. In Os pré-socráticos. 4ª edição, Coleção "Os Pensadores". São Paulo: Nova Cultural, 1978, p. 62 (B-116).

89 CORREIA, Adriano. O pensar e a moralidade. Obra coletiva "Transpondo o abismo – Hannah Arendt entre a filosofia e a política". Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 143.

90 ARENDT, Hannah. The life of the mind/thinking. Nova Yorque; Londres-Harvest; Hsb book, 1978. A vida do espírito – tradução A.Abranches, C.A.R. Almeida e H. Martins, 3ª ed, Rio de Janeiro: ed.Relume-Dumará, 1995 (v.1. thinking; v.2 wiling).

91DIAS, Maria Berenice, Família, ética e afeto. Disponível em , acesso em 21.março.2004.

92 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 41, mai. 2000. Disponível em: jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=527>. Acesso em: 07 ago. 2004.