A INFORMAÇÃO EM REDE NO CONTEXTO DAS MANIFESTAÇÕES BRASILEIRAS


PorSara- Postado em 26 junho 2013

O PAPEL DA COMUNICAÇÃO VIRTUAL NAS MANIFESTAÇÕES BRASILEIRAS DE JUNHO DE 2013

Nos últimos dias, o Brasil tem presenciado um momento histórico de manifestações grandiosas e legítimas. Inicialmente, os protestos começaram com a gota d’água do aumento das passagens de ônibus, e agora os motivos têm causas tão amplas quanto a problemática vivida pelos brasileiros, nas esferas política, econômica, social e ambiental.

Essas manifestações mobilizaram milhões de pessoas em mais de 40 cidades brasileiras, e já são tratadas como a maior da história do país, ou seja, estamos vivendo um momento único. Tendo em vista a grande mobilização gerada, fica inquestionável o papel que a comunicação em redes sociais virtuais tem nesse processo, pois, em princípio, houve uma pequena atenção da mídia televisiva, que retratou tendendo a deslegitimar o movimento. Ao mesmo tempo, mensagens de apoio, repúdio à repressão do Estado, protestos, imagens, vídeos, muitas informações foram sendo divulgadas nas redes e de forma rápida, nacional e internacionalmente. 

Passados poucos dias, o Brasil presencia hoje um fato histórico, uma grande mobilização nacional, agora não só pelas tarifas de transporte, mas também pela reforma política, contra a crise da educação e da saúde, entre outros déficits com os quais a sociedade brasileira convive. A grande quantidade de pessoas que aderiram aos protestos consolidou sua legitimação, e assim foram colocadas em pauta as prioridades do governo, que mostra-se mais atento às necessidades do povo.

Diante desse contexto, vem à tona a importância da troca de informações nas redes virtuais. O conhecimento transmitido é diverso, o que permite uma compreensão mais ampla e real de sua complexidade, levando à  formação de um senso crítico menos tendencioso do que o trazido por outras redes de comunicação em massa. Para complementar o assunto, sugiro algumas leituras que coloco abaixo, além do capítulo “As tecnologias da informação e comunicação na sociedade em rede”, publicado no livro “O Sujeito do Conhecimento na Sociedade em Rede” (Organizado elo prof. Aires). Como não encontrei on-line, pra dar um gostinho, segue o resumo deste capítulo do livro (muito pertinente ao momento que viemos).

“A sociedade em rede, calcada nas novas tecnologias de informação e da comunicação (TICs) mudou a maneira como as pessoas enxergam as oportunidades do mundo e se relacionam. Os Estados nacionais se esforçam em manter sua identidade local fortalecida, mas precisam ceder em alguns aspectos para serem aceitos e se manterem na economia global. As pessoas, como sujeitos deste processo complexo, se usam da Internet para se conectar ao mundo. Se ligam e se desligam de diferentes comunidades virtuais, de acordo com seus interesses os quais podem ser efêmeros. A globalização pode gerar efeitos desastrosos nas economias e nas sociedades menos estruturadas, como a degradação do meio ambiente, eliminação de recursos não renováveis, aumento da diferença entre países ricos e pobres. Portanto, uma nova ordem social e econômica precisa ser pensada e posta em prática num curto espaço de tempo para que o mundo globalizado possa viver em harmonia, respeitando a natureza e todas as formas de vida. A sociedade, mantendo um diálogo entre os diferentes povos e culturas, com uma visão sistêmica e interdisciplinar, e com apoio da tecnologia, pode equacionar estes problemas e deixar um mundo melhor para as próximas gerações. “

 

ALGUNS TRECHOS IMPORTANTES SOBRE SOCIEDADE EM REDE, DA MATÉRIA DO LINK http://globotv.globo.com/globo-news/sem-fronteiras/v/milhares-tomam-as-ruas-do-brasil-em-sete-dias-de-protesto-que-entraram-para-a-historia/2646682/

A mídia social, as ferramentas que as pessoas usam para coordenar ações melhoraram muito. Tornaram-se muito mais amplas. E as pessoas se tornaram melhores nela. Às vezes é algo pequeno. Às vezes são apenas 20 centavos. Mas o quê acontece é o que sociólogos chamam de “cascata de informação”. Uma “cascata de informações” é quando um grupo grande de pessoas vê um grupo pequeno tendo uma atitude e decidem se unir. Quando eles se juntam, as ações se tornam maiores, mais pessoas vêm e acontece exatamente isso: quintas pessoas em São Paulo e, de repente, a Avenida Paulista está tomada. O que essas ferramentas fazem é diminuir o custo dessa “cascata de informação”. Aumentam a velocidade e aumentam o raio dessas informações. (Clay Shirky, professor NYU)

Hoje nós temos a tendência de olharmos para as redes sociais como explicação para fenômenos. No meu entendimento, as redes sociais são instrumentais. Elas podem sim acelerar processos. É claro que elas facilitam, taticamente, a ação de manifestantes. Mas, nenhuma manifestação, no meu modo de entender, ocorre por causa das redes sociais. Ocorre porque são fenômenos de sentimento da população, ou de seguimentos da pop, que estão represados e, num dado momento, transbordam. (Hiran Castelo Branco – vice-presidente/ ESPM)

Todos esses movimentos, como os movimentos sociais na história, são, acima de tudo, emocionais. Não são concretamente reivindicativos. Não é o transporte. São, e algum momento, há um fato que provoca a indignação. Por isso meu livro se chama “Redes de Indignação e Esperança”. Provoca indignação e então, ao sentir a possibilidade de estar juntos, ao sentir a possibilidade que há muitas pessoas que pensam o mesmo fora do marco institucional, aí surge a esperança de que se pode fazer algo diferente. O quê? Não se sabe. Mas com certeza não é o que existe. Claro que é outra coisa. Porque o fundamental é que a maioria dos cidadãos do mundo não se sente representados pelas instituições democráticas. Não estão contra a democracia.   (Manuel Castells – sociólogo e escritor)

 

AS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013 E A INTELIGÊNCIA COLETIVA

Augusto  de Franco

Dei agora uma entrevista (BBC). No meio da conversa com a jornalista me ocorreu um aspecto ainda não abordado (nem por mim, nem - que eu saiba - por ninguém). Algo que há algum tempo quis descrever e para tanto inventei uma palavra: empowerfulness!

Nestes últimos sete dias (sim, contando a partir do memorável 17J), tivemos uma aceleração incrível dos fluxos interativos. A sociedade aumentou a sua interatividade e isso se refletiu também nas mídias sociais (como Twitter e Facebook), mas não apenas nelas. Na intimidade da sociedade - ou seja, nas redes sociais, propriamente falando - ocorreram bilhões, talvez trilhões de sinapses que não ocorriam antes. Houve um crescimento exponencial e uma aceleração brutal da comunicação, entendida como acoplamento estrutural entre pessoas e não como transmissão de informação de uma pessoa a outra. Tudo isso configurou um ambiente mais favorável à emergência da inteligência coletiva.

Ou seja, não adianta o IBOPE ou outro instituto de pesquisa sair a campo perguntando aos manifestantes quais são as suas reivindicações prioritárias. Em primeiro lugar porque cada pessoa dará o seu micromotivo: alguns falarão mobilidade urbana ou transporte, outros saúde e educação, outros corrupção, outros, ainda, manifestarão sua insatisfação com os gastos da copa diante da péssima qualidade dos serviços públicos em geral. Mas o que levou as multidões às ruas foi tudo isso e não foi nada disso e sim um sentimento de insatisfação. As pessoas sentem que há algo errado com o sistema, embora não saibam explicar o que é o sistema (às vezes confundem-no com os governos, às vezes com a chamada classe política). Em segundo lugar porque a fenomenologia da interação que permitiu a constelação de multidões de milhões em quase todo o Brasil não depende do conteúdo e sim dos graus de distribuição e de conectividade da rede social (não me refiro às mídias sociais e sim aos padrões de organização disso que chamamos de sociedade e que não é o conjunto dos indivíduos e sim as configurações múltiplas dos seus relacionamentos).

É preciso entender que a inteligência coletiva não é a soma das inteligências dos indivíduos e sim uma função da interatividade. Ela é diretamente proporcional ao que chamei de empowerfulness. Por isso as análises que tentam colher e computar opiniões individuais não são capazes de revelar os motivos predominantes que teriam levado as pessoas a fazer o que fizeram agora (e que não fizeram nas duas últimas décadas). 

A composição dos micromotivos é fractal e não majoritária, unitária - como se fosse uma pauta de reivindicações previamente preparada e compartilhada (massificada). Os micromotivos permanecem, para cada um, exatamente como são para cada um. Mas o efeito de conjunto não é a sua simples combinação e sim um novo entendimento coletivo, uma inteligência tipicamente social que emerge em função da interação recursiva, iterada, multiplicada, amplificada entre as pessoas. 

Foi a inteligência coletiva que se apropriou e ressignificou aquele slogan publicitário (da FIAT) "Vem prá rua" e que se apropriou e ressignificou outro slogan (da Johnnie Walker) "O gigante acordou" (e isso, independentemente, de alguém ter tido tal ideia). Foi a inteligência coletiva que rejeitou as tentativas de instrumentalização partidária das manifestações (e não uma conspiração da direita, que, se pudesse fazer isso em todo o Brasil em horas, então poderíamos ficar realmente preocupados), assim como rejeitaria bandeiras ou marcas de qualquer instituição centralizada (religiosa ou laica, militar ou civil, governamental, empresarial ou social). Não tem nada a ver com antipartidarismo como apregoam (em causa própria) os partidários (e que, aliás, nunca foi bandeira do que chamavam de direita, quando isso fazia algum sentido).

O grande desafio agora é entender o que essa inteligência coletiva quis dizer: não a nós, não ao governo (pois que não é assim que funciona) e sim à si mesma, à sociedade e aos emaranhados (pessoais) que a estruturam. "Quis dizer", é claro, é uma maneira de dizer. Ela não quis dizer nada (rigorosamente falando, ela não fala), mas ela operou mudanças moleculares na intimidade do multiverso de conexões ocultas que chamamos de social. Essas mudanças estão em curso neste momento. Por isso a sociedade jamais será a mesma.
Os sete dias pregressos abalaram o Brasil. E mudaram o Brasil, para sempre.

MAIS TEXTOS DO AUTOR SOBRE AS MANIFESTAÇÕES:

 http://net-hcw.ning.com/page/textos-sobre-junho-2013

 

Na internet, atos mobilizam 136 milhões

Entre os dias 13 e 21 deste mês, foram mais de 2 milhões de citações sobre protestos

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,na-internet-atos-mobilizam-136-milhoes-grupos-deram-ajuda-aos--manifestantes-,1045894,0.htm