A inconstitucionalidade do Protocolo ICMS/CONFAZ nº 21, de 1º de abril de 2011, que trata da repartição do ICMS no comércio eletrônico


PorJeison- Postado em 19 novembro 2012

Autor: LEITE, Arypson Silva.

 

Resumo: A repartição das receitas do ICMS entre os Estados, nas operações interestaduais, é disciplinada na nossa Constituição Federal, não podendo haver alteração senão através de emenda constitucional. Sendo assim, tem-se por inconstitucional o Protocolo ICMS nº 21/2011 que pretende modificar a sistemática em relação às operações realizadas no comércio eletrônico.

Sumário: 1. Introdução; 2. A inconstitucionalidade do Protocolo n° 21/2011 que altera a repartição do ICMS no comércio interestadual eletrônico; 3. Conclusão.


 

 

1 - Introdução:

Em 1º de abril de 2011, o meio jurídico e a própria sociedade foram surpreendidos pela elaboração do Protocolo nº 21/2011 no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária. Tal protocolo, assinado pelos Estados do Piauí, Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe, Mato Grosso do Sul e pelo Distrito Federal, tem como propósito fazer uma nova repartição do ICMS nas compras interestaduais realizadas pelo consumidor final eletronicamente, ou seja, através da internet, telemarketing ou outros meios não presenciais.

Resumidamente, o texto do Protocolo ICMS 21 prevêque a parcela do imposto devido ao estado destinatário será obtida pela aplicação da alíquota interna sobre o valor da operação, deduzindo-se o valor equivalente aos percentuais aplicados sobre a base de cálculo da cobrança do imposto devido na origem para operações interestaduais a contribuinte.

Irresignada com flagrante inconstitucionalidade, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, ingressou com ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, nesta Corte recebendo o nº 4628, fundamentando a inconstitucionalidade do referido protocolo sob o argumento de que “haveria flagrante inconstitucionalidade nas disposições do protocolo, posto que a repartição de receitas do ICMS está prevista expressamente na Constituição Federal, portanto, haveria violação à Constituição em diversos dispositivos, dentre eles, o artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, alíneas “a” e “b” e inciso VII, que estabelece a tributação pelo ICMS exclusivamente no estado de origem nas operações interestaduais em que o destinatário não seja o contribuinte do imposto”.

Nesse sentido, o presente artigo buscará demonstrar a plausibilidade jurídica dos argumentos contidos nessa ADI 4628, pois não foi concedida pela Constituição Federal liberdade ao legislador estadual ou municipal, nem mesmo ao CONFAZ, para inovar no que concerne à repartição das receitas do ICMS em operações interestaduais.

2 - A inconstitucionalidade do Protocolo n° 21/2011 que altera a repartição do ICMS no comércio interestadual eletrônico:

            Nas operações interestaduais envolvendo a circulação de mercadorias destinadas a consumidor final residente em outro Estado, a alíquota aplicada é a interna do Estado remetente da mercadoria, não sendo devido nenhum percentual de ICMS ao Estado de destino. Essa é a inteligência do artigo 155, II, § 2º, VII, ‘a’ e ‘b’, VIII, da nossa Constituição Federal, a seguir transcrito:

Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

§ 2º - O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(...)

VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:

a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;

b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;

VIII - na hipótese da alínea a do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;(grifos nossos)

Interpretando-se literalmente os dispositivos acima transcritos, não restam dúvidas que seus preceitos são de observação obrigatória por todos os Estados e o Distrito Federal.

Como se pode observar, nas operações interestaduais que destinem bens ou serviços a consumidor final localizado em outro Estado, a alíquota a ser aplicada vai depender se esse consumidor final é contribuinte ou não do imposto.

Por contribuinte do imposto entende-se a empresa registrada, com CNPJ e inscrição estadual, que pratica atividade de comercialização. No caso, dita empresa será consumidora final quando adquirir produtos para seu ativo imobilizado ou permanente, ou até mesmo para o consumo, não utilizando tais produtos para revenda, industrialização ou comercialização. É o caso, por exemplo, de um supermercado que adquire em outro Estado um computador para colocar no caixa, pois aqui será tal supermercado mero consumidor final, muito embora considerado contribuinte do imposto.

Pra o caso acima, o ICMS será repartido entre os Estados, ficando uma parte no de origem e a outra, resultante da diferença entre a alíquota interestadual e a interna, no de destino, conforme inteligência do inciso VIII acima transcrito.

Já o não contribuinte do imposto é o particular que realiza compra em outro Estado para seu consumo próprio. Nesse caso, a alíquota a ser aplicada na origem é a interna, ou “cheia”, não ficando o Estado de destino da mercadoria, onde reside o consumidor, com qualquer percentual de ICMS na operação.

Antigamente, quando não vivenciávamos a globalização, tal norma constitucional parecia razoável, já que as compras em outros Estados eram reduzidíssimas. Contudo, com o advento da tecnologia e a crescente onda de compras pela internet, que oferecem na maioria das vezes produtos mais baratos ante a diminuição dos custos, os Estados consumidores começaram a ter enormes prejuízos. Para combater tais prejuízos, os mais prejudicados entabularam o Protocolo ICMS nº 21/2011, totalmente inconstitucional, em que pese não faltarem justificativas para o ato.

Admitir tal tributação nos termos do supracitado protocolo é o mesmo que admitir a bitributação às empresas que já pagam ICMS no Estado de origem das mercadorias vendidas pela internet, que, como é cediço, ao final será repassado ao particular consumidor final.

Como consta expressamente na Constituição Federal, nas relações interestaduais que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do imposto, ou seja, o particular, o ICMS é todo devido ao Estado remetente. Qualquer lei estadual ou até mesmo deliberação do CONFAZ em sentido contrário é flagrantemente inconstitucional, merecendo a reprimenda do guardião da Constituição, o STF.

O Supremo Tribunal Federal, em caso semelhante, e ante a clara inconstitucionalidade, imediatamente deferiu liminar sustando os seus efeitos da lei estadual do Estado do Piauí que ratificava o Protocolo nº 21/2011 em questão. Vejamos a transcrição da decisão cautelar:

CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL. LEI 6.041/2010 DO ESTADO DO PIAUÍ. LIBERDADE DE TRÁFEGO DE BENS E PESSOAS (ARTS. 150, V E 152 DA CONSTITUIÇÃO). DUPLICIDADE DE INCIDÊNCIA (BITRIBUTAÇÃO -ART. 155, § 2º, VII, B DA CONSTITUIÇÃO). GUERRA FISCAL VEDADA (ART. 155, § 2º, VI DA CONSTITUIÇÃO). MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

 Tem densa plausibilidade o juízo de inconstitucionalidade de norma criada unilateralmente por ente federado que estabeleça tributação diferenciada de bens provenientes de outros estados da Federação, pois: (a) Há reserva de resolução do Senado Federal para determinar as alíquotas do ICMS para operações interestaduais; (b) O perfil constitucional do ICMS exige a ocorrência de operação de circulação de mercadorias (ou serviços) para que ocorra a incidência e, portanto, o tributo não pode ser cobrado sobre operações apenas porque elas têm por objeto "bens", ou nas quais fique descaracterizada atividade mercantil-comercial; (c) No caso, a Constituição adotou como critério de partilha da competência tributária o estado de origem das mercadorias, de modo que o deslocamento da sujeição ativa para o estado de destino depende de alteração do próprio texto constitucional (reforma tributária). Opção política legítima que não pode ser substituída pelo Judiciário. Medida liminar concedida para suspender a eficácia prospectiva e retrospectiva (ex tunc) da Lei estadual 6.041/2010. (MED. CAUT. EM ADI N. 4.565-PI, RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA, Plenário. Data de Julgamento: 07/04/2011) (grifos nossos)

Acertada a decisão do STF, até mesmo por ser cristalina a solução. Portanto, enquanto vigorar a cautelar deferida na ADI 4565, estão suspensas as normas previstas no Protocolo CONFAZ nº 21/2011 acerca da cobrança do ICMS nas operações interestaduais realizadas eletronicamente ou de forma não presencial, pelo menos no âmbito do Estado do Piauí.

Entretanto, em outras ADI’s que contestam diretamente o Protocolo nº 21/2011 a solução não poderá ser diferente, ante a flagrante e desvairada inconstitucionalidade.

3 - Conclusão:

A nova forma de tributação dada pelo Protocolo ICMS nº 21/2011 do CONFAZ é de clarividente inconstitucionalidade, pois fere frontalmente vários dispositivos da Constituição Federal, entre eles o artigo 155, II, § 2º, VII, ‘a’ e ‘b’, VIII.

Várias ADI’s foram propostas, sendo que atualmente tal cobrança está suspensa pelo STF.

Cabe então, às Assembleias Legislativas e Câmaras Distritais, dos entes signatários de referido protocolo, um maior zelo pelas suas atribuições constitucionais, pois é inconcebível a aprovação desse Protocolo ICMS nº 21/2011, pois flagrantemente inconstitucional.

De nada adianta a elaboração de norma ou Protocolo desvairadamente inconstitucional, sabedor que o guardião da Constituição Federal, o egrégio Supremo Tribunal Federal, não endossará o vício. Aliás, só serve para abarrotar a Corte Suprema de processos que nunca deveriam existir, caso houvesse uma maior diligência.

4 - Referências:

ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Método, 2010.

_____. Direito Administrativo Descomplicado. 18ª edição. São Paulo: Editora Método, 2010.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2009.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2007.

 

Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.40583&seo=1