Importância de se incluir políticas públicas nos estudos jurídicos para a concretização dos direitos humanos


Porwilliammoura- Postado em 23 novembro 2011

Autores: 
SOUSA, Laírcio Márcio Lemos e

Importância de se incluir políticas públicas nos estudos jurídicos para a concretização dos direitos humanos

 

Laírcio Márcio Lemos e Sousa[1]

 

 

Resumo

 

O presente artigo diz respeito ao problema da efetividade[2] das normas constitucionais, principalmente as que são denominadas de direitos fundamentais – direitos humanos normatizados na constituição brasileira. E a importância de se incluir o tema Políticas Públicas nos estudos jurídicos para a exeqüibilidade destas normas. A parti da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, houve uma valorização dos direitos humanos em proporções mundiais, passando a serem inseridos em cartas constitucionais da maioria dos países e protegidos por organizações internacionais. No entanto, a sua efetividade encontra muitos obstáculos, dada a variedade de culturas, regimes políticos e dificuldades econômicas. A importância deste trabalho reside em se conhecer melhor o significado das políticas públicas para a concretização dos direitos humanos, classificados como direitos fundamentais na constituição brasileira. Para melhor entendimento da matéria discorre-se, neste trabalho, as diversas espécies de normas constitucionais (regras e princípios) e seus graus de efetividade, mostrando como estas normas jurídicas se posicionam dentro da Crise do Constitucionalismo Contemporâneo.

 

Palavras Chaves: Direitos humanos; Direitos fundamentais – normas constitucionais – Regras e princípios.

 

1 Introdução

Os direitos humanos ou direitos do homem foram expressos primeiramente na revolução francesa e, no dia 10 de dezembro de 1948, foi promulgada a Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU, constituída por trinta artigos, e apresentando-se como um ‘‘ideal comum'' a ser perseguido pelas diversas nações. A partir dessa formulação, quase todos os países do mundo, entre os quais o Brasil, passaram a estabelecer como direitos fundamentais em suas constituições os direitos humanos. Ou seja, quando os direitos humanos são inseridos na carta constitucional passam a existir como direitos fundamentais. Os direitos fundamentais são, portanto, direitos humanos constitucionalizados.

Hoje, os direitos humanos estão inclusos nas Constituições da quase totalidade dos Estados democráticos, seja por meio de processos internos de democratização, ou devido a pressões externas oriundas de comunidades internacionais e organizações não governamentais. Inclusive, muitas constituições elegem como direitos humanos àqueles concebidos como tais pelos organismos internacionais.

 

2 Direitos humanos ou direitos fundamentais

Conforme Dallari Bucci (2001), os direitos fundamentais variam de acordo com a Constituição de cada país. Serão, portanto, considerados direitos fundamentais aqueles que a Constituição de cada nação designá-los como tais; ou quando decorrentes dos tratados internacionais das quais fazem parte.

A professora Haradja Leite Torrens (2004) afirma que a importância dessa designação está na característica de sua eficácia no mundo dos fatos. Desta forma, o grau de concretização dependerá da ordem socioeconômica vigente em cada país, ou seja, a concretização dos direitos fundamentais ocorrerá onde à situação socioeconômica permitir alcançar os parâmetros jurídicos.

Para Dallari Bucci (2001, p. 10), "os direitos humanos expressam-se mais em princípios que em regras, isto é, eles em geral são valores que devem ‘compor o espírito' das demais normas". Na dicotomia entre regras e princípios, o dilema em relação aos princípios é o seu caráter programático.

3 Regras e princípios

Segundo Haradja Leite Torrens (2004, p 72), regras e princípios são normas que se diferenciam na aplicação, principalmente pela natureza normativa distinta. "A aplicação da regra a um caso judicial se dá por uma dimensão de sim-ou-não, enquanto a aplicação de um princípio impõe que se indague o quanto ele influencia a solução daquele litígio".

Ainda conforme a autora, os princípios se distanciam das regras na medida em que estas impõem determinado padrão de conduta, enquanto os princípios são normas jurídicas impositivas de uma otimização, ordenando que algo seja realizado na melhor medida possível, podendo ser cumpridos em diferentes graus, não expressando conseqüências jurídicas, o que impede que sejam disciplinadas todas as suas formas de aplicação. Sendo que o seu cumprimento dependerá tanto das possibilidades reais como também das jurídicas.

A afirmação de que os princípios podem ser cumpridos em diferentes graus resulta do fato de não veicularem mandados definitivos. Assim, o comando que deles inicialmente decorre pode ser afastado por razões opostas, não sendo a solução desse conflito identificada com o que procede, variando gradativamente conforme os valores considerados no caso concreto. Os princípios constitucionais funcionam como alicerces dos direitos fundamentais. Quando os direitos forem consagrados como fundamentais, afigura-se a existência do princípio da proporcionalidade.

 

4 Evolução dos direitos humanos

Para Dallari Bucci (2001), por natural processo, a consagração dos direitos fundamentais assumiu três fases, conforme o paradigma de Estado e Direito vigente em cada época, sendo denominados direitos de primeira, segunda e terceira geração. Atualmente, segundo a professora Haradja Leite Torrens (2004), a terminologia proposta é "dimensão de direitos" ao invés de "geração", pois não se têm em mente que estes direitos estão ordens temporalmente separadas como as gerações humanas, mas em evoluções de cada direito que passa a assumir perspectivas mais abrangentes.

4.1.1 Direitos de primeira geração ou de primeira dimensão

Os direitos de primeira dimensão têm origem na fase inicial do constitucionalismo ocidental no século XVIII, originou-se da revolta do povo contra a supremacia das classes mais abastadas, cujos privilégios encontravam modulação apropriada na própria Lei (TORRENS, 2004). Segundo Dallari Bucci (2001, p. 7), os direitos de primeira geração consistem em direitos que se realizariam pelo exercício de liberdade, como o direito de expressão, de associação, de manifestação do pensamento, cuja efetividade requer a "segurança de que nenhuma instituição irá perturbar o seu gozo" .

4.1.2 Direitos de segunda geração ou segunda dimensão

Dallari Bucci (2001) corrobora com Paulo Bonavides (1997, p. 518) quando este afirma que os direitos de segunda dimensão têm como princípio essencial à igualdade e "são os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os coletivos ou de coletividade". A autora afirma em seu artigo que os direitos de segunda geração foram formulados para garantir os direitos de primeira geração, mostrando, através de exemplos a impossibilidade de um cidadão exercer plenamente um direito de primeira geração sem que se positivasse nos textos constitucionais o direito de segunda geração. Como poderia um indivíduo ter o direito à livre manifestação do pensamento (direito de primeira geração), sem ter o acesso à educação (direito de segunda geração). Os direitos de segunda geração, conforme Dallari Bucci (2001), estão pautados na igualdade entre os homens, alicerçados na obrigação estatal de fornecer o mínimo necessário a sobrevivência do indivíduo. Estão presentes nos Estados Democráticos regulados no princípio da supremacia do interesse coletivo sobre o individual.

4.1.3 Direitos de terceira geração ou de terceira dimensão

A terceira dimensão dos direitos humanos preocupa-se com a proteção dos direitos individuais, essencial à nova dimensão do universalismo. Abrange, segundo Bucci (2001), o direito ao meio-ambiente equilibrado, à biodiversidade e ao desenvolvimento. Haradja Leite Torrens (2004) acrescenta ainda, direito à paz, de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicar.

O Professor Paulo Bonavides (1997, p. 525) propõe a quarta geração dos direitos fundamentais, não comentados por Bucci (2001). Para Bonavides, os direitos da quarta geração são o direito a democracia, a informação e o pluralismo. "Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência". Celso Lafer (1998), corroborando com Bonavides (1997), classifica também em quatro as gerações de direitos fundamentais, sendo que a terceira e quarta ultrapassam a esfera individual e coletiva e refere-se ao homem.

Através da análise dos Direitos Humanos em gerações ou dimensões, percebe-se a complexidade de se promover o desenvolvimento humano. Os direitos sociais (segunda geração) surgiram para dar efetividade os de primeira geração, ou seja, sem os direitos sociais como educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança etc. torna-se impossível o gozo dos direitos de liberdade de expressão, de associação, de manifestação do pensamento, de intimidade etc. da mesma forma, os direitos de terceira geração vêm a dar garantia aos demais.

Para Dallari Bucci (2001), esse processo evolutivo dos direitos fundamentais é a comprovação da necessidade de garantias e medidas concretas para a efetivação dos direitos fundamentais. Isto é, os direitos da segunda geração têm a função de assegurar os direitos individuais da primeira geração.

Para melhor entendimento da matéria, buscou-se em Willis Guerra Filho (1995, p.15) a síntese das dimensões dos direitos fundamentais. Para o autor, "a primeira geração é aquela em que aparecem as chamadas liberdades públicas, direitos de liberdade, que são direitos e garantias dos indivíduos a que o Estado omita-se de interferir em sua esfera juridicamente intangível". Com a segunda geração, surgem direitos sociais e a prestação pelo Estado para suprir carências da coletividade. "Já na terceira geração concebem-se direitos cujo sujeito não é mais o indivíduo nem a coletividade, mas sim o próprio gênero humano, como é o caso do direito ao meio ambiente equilibrado e do direto dos povos ao desenvolvimento".

Costuma-se identificar nas três dimensões ou gerações de direitos fundamentais, os direitos individuais, os direitos sociais e os direitos de fraternidade, as quais, não obstante sucessivas entre si, não excluem as anteriores, coexistindo harmonicamente.

Conforme Haradja Leite Torrens (2004), os direitos fundamentais estão juridicamente protegidos, porém estão sujeitos ao princípio da proporcionalidade, pois o exercício de um direito fundamental não poderá atingir a fruição de outro. Assim, um direito fundamental não poderá se estender a ponto de prejudicar outro; o exercício de qualquer direito deverá respeitar a fruição dos demais, sempre resguardando a dignidade de cada indivíduo.

Corroborando com Haradja Leite Torrens (2004), Dallari Bucci (2001) comenta que os direitos fundamentais não podem ser usurpados, no entanto, encontram limitações. Observa-se que o limite material de cada direito constitucional reside na possibilidade de igual efetividade dos demais, e no respeito da dignidade da pessoa humana. Assim, o que regula a concretização de cada direito é o princípio da proporcionalidade.

A efetividade dos direitos fundamentais está vinculada à adoção das medidas necessárias à sua concretização. Ao poder judiciário está vedado, seja através de elementos processuais, seja nas próprias decisões judiciais, prejudicar a consistência de tais direitos; ao poder executivo impõe-se, tal como ao legislador, atuar de forma a proteger e impulsionar a realização concreta dos mesmos direitos.

 

5 Direitos fundamentais brasileiros

Os direitos fundamentais brasileiros estão intitulados na Constituição Federal de 1988, como "Direitos e Garantias Fundamentais". Assim, todos os direitos intitulados desta forma são direitos fundamentais inquestionáveis. Há ainda outros direitos que não foram especificamente dispostos naquele título, mas estão consagrados em itens diversos da Constituição, e, com exceção de alguns doutrinários, são direitos fundamentais (TORRENS, 2004).

No Brasil, a doutrina da proporcionalidade alcança prestígio nas obras de Willis Guerra Filho (1999) e Paulo Bonavides (1997), muito embora outros constitucionalistas utilizam designações semelhantes, por exemplo, Kildare Carvalho (1996, p. 191) para quem, cada direito fundamental encontra "limite na fruição pelo outro e valores aceitos pela sociedade", ou ainda Alexandre de Moraes (2004, p. 63), ao indicar o limite desses direitos, afirma:

"Desta forma, quando houver conflitos entre dois ou mais direitos ou garantias fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância prática ou da harmonização de forma a coordenar e combinar os bens jurídicos em conflitos, evitando sacrifício total de uns em relação aos outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada qual (contradição dos princípios), sempre busca do verdadeiro significado da norma e da harmonia do texto constitucional com a sua finalidade precípua".

Nesse sentido, W. Guerra Filho (1999, p. 38) afirma que "os direitos fundamentais têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição em face do Estado".

 

6 Direitos humanos e políticas públicas

Os direitos humanos são resguardados constitucionalmente. Não obstante, a própria Constituição impõe limites a esses direitos. Outras limitações são impostas pela prática, pelo uso social e pelos tribunais.

As políticas públicas têm como objetivo formular e implementar políticas sociais e econômicas que visem a garantir aos cidadãos a concretização dos direitos humanos. Assim, conforme Dallari Bucci (2001), é necessário que a ciência do direito resgate das políticas públicas os mecanismos de superação dos obstáculos para a efetivação dos direitos humanos. Portanto, cabe ao Direito buscar nas políticas públicas os instrumentos necessários para solucionar esse dilema.

 

6.1 Importância de se incluir políticas públicas nos estudos jurídicos

A importância de se incluir políticas pública nos estudos jurídicos é o de dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição. Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consiste na obrigação de assegurar a todos os brasileiros o exercício da cidadania da forma mais abrangente possível (DALLARI BUCCI, 2001).

São entendidas como políticas públicas medidas e programas que geram melhores condições humanas. Nesse contexto, recai sobre o Poder Público, a obrigação de tornar efetivos os direitos fundamentais, incumbindo-lhe promover, em favor das pessoas e das comunidades, medidas que, fundadas em políticas públicas tenham condições de concretizar os direitos fundamentais. Nesse sentido, Dallari Bucci (2001, p. 9) afirma que é necessário "dotar o direito de instrumentos adequados para a concretização dos direitos e a promoção social" que representa impor ao Poder Público um dever de prestação positiva pelas instâncias governamentais, quando estas adotarem providências destinadas a promover, em plenitude, a satisfação efetiva da determinação ordenada pelo texto constitucional.

 

7 Considerações finais

Incontestavelmente, o reconhecimento dos direitos humanos representa uma das mais brilhantes conquistas da sociedade. Ocorre que tal conquista se encontra perigosamente ameaçada, sobretudo em países em desenvolvimento como o Brasil, diante dos inúmeros entraves que se colocam na atualidade, tais como escassez de recursos, detrimento desses direitos em relação a outros interesses que não estão relacionados à vontade coletiva.

Não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido. A efetividade de um direito se qualifica como prerrogativa jurídica, de que decorre o poder do cidadão, de exigir do Estado a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.

Com as políticas públicas, assiste-se ao surgimento de uma nova forma de efetivação desses direitos. A importância de se incluir políticas públicas nos estudos jurídicos é o de dá efetividade a essas normas constitucionais, fazendo com que o poder político promova programas sócias de interesse da comunidade. Para isto é necessário permitir aos cidadãos a participação na escolha das prioridades quando da elaboração destes programas e tornando possível o monitoramento deste pela comunidade quando da sua implantação, para que os órgãos encarregados não se desviem dos objetivos. Assegurando, desta forma, a todos os brasileiros o exercício da cidadania da forma mais abrangente possível.

 

8 Referências bibliográficas

ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1993

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 1996.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7 ed., São Paulo: Malheiros, 1997.

BUCCI, Maria Paula Dallari. Buscando um conceito de políticas públicas para a concretização dos direitos humanos. In: BUCCI, Maria Paula Dallari et al. Direitos humanos e políticas públicas. São Paulo: Polis, 2001.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional didático. 4 ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Celso Bastos, 1999.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

TORRENS, Haradja Leite. Hermenêutica Jurídica e Paradigmas interpretativos – Perspectivas e fundamentos de aplicação da teoria integrativa de Ronald Dwarkin em face da ordem jurídica brasileira. Rio de janeiro: Letra Legal, 2004.