A homofobia enquanto desiderato de alquebramento da condição humana do ser feliz: do féretro da dignidade da pessoa humana como fundamento do estado democrático à mutilação da igualdade e da liberdade como direitos fundamentais


Porrayanesantos- Postado em 28 maio 2013

Autores: 
MIRANDA, José Eduardo de

 

Em homenagem à Dra. Marisa Chaves Gaudio, Presidente da Comissão de Direito Homoafetivo, da Subseção de Teresópolis da OAB/RJ, por seu trabalho em prol da dignidade do alheio, pelo direito de felicidade!


 

 

“A natureza, dizem eles, convida todos os homens a se ajudarem mutuamente e a partilharem do alegre festim da vida. Este conceito é justo e razoável, pois não há indivíduo tão altamente colocado acima do gênero humano que somente a Providência deva cuidar dele. A natureza deu a mesma forma a todos; aqueceu-os com o mesmo calor, envolveu-os com o mesmo amor; o que ela reprova é aumentar o próprio bem-estar à custa de agravar a infelicidade do outro.”

 

(THOMAS MORE)[1]


 

 

Introdução; I. A condição humana do ser feliz como sentido da passagem da figura humana pela dimensão terrenal; II. A justaposição entre o sentido humano do ser feliz com o suposto constitucional de dignidade, liberdade e deigualdade; III. A diversidade sexual e a transcendência do direito de amar e ser amado pelo igual; IV. Homofobia: do desterro da dignidade da pessoa humana à ruptura da igualdade eda liberdade enquanto direitos fundamentais; A título de conclusão; Bibliografia.


 

 

INTRODUÇÃO

 

Uma singular apreciação do espaço externo é suficiente para observar-se que as relações inter-humanas, ou entre humanos, estão a se estabelecer com base em conjecturas que transcendem a essência original do humano[2]. Os pressupostos de aproximação e afinidade que constituem o seio social artificializam-se, e, resguardadas exceções precisas, conformam-se com base na tríade materialidade-aparência-desprezo ao comum.

 

Na medida em que as relações pessoais conferem proeminência ao que se tem, ou se diz ter, ao que se é, ou se diz ser, e com quem se está, o mundo torna-se irreal, porquanto o homem transforma-se em ator da própria vida. Seu modo de ser suplanta a gênese do que é, de maneira que tanto perde o cerne do juízo originário do que é certo e errado, como sofre a petrificação do pensar, do fazer e do sentir[3].

 

Se não age por impulso, via-de-regra, o homem atua por conveniência: como autômato que impulsivamente pensa nele, indiferente a felicidade do alheio e aos preceitos constitucionais que prenunciam as normas de convivência pacífica, com desprezo absoluto ao princípio da dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais de igualdade e liberdade, formalmente reconhecidos pelo Estado democrático.

 

Assim acontece em relação à homossexualidade, à homoafetividade...

 

Malgrado o estágio da evolução tecnológica, das possibilidades materiais que contornam o dia-a-dia do cidadão e da maturidade temporal da Magna Carta brasileira, a opção sexual e as relações afetivas entre casais do mesmo sexo ainda ilustram o cenário de rechaço moral, protagonizam os atos de perseguição física e de banimento social, levada a termo por nichos existenciais que sobrelevam posturas individuais, de alguns, em detrimento da transcendência do suposto de que sendo a sexualidade inerente à condição humana, cada um pode ser feliz sendo o que é e amando a quem deseja, inclusive ao seu igual.

 

Por isto, o presente artigo tem o escopo de retratar a homofobia tanto como elemento detrator da felicidade do alheio, em razão de sua opção sexual, como prática danosa e destrutiva do matiz constitucional que garante, ou deveria garantir, a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado democrático de direito, e a igualdade e a liberdade como direitos fundamentais.

 

I.          A condição humana do ser feliz como sentido da passagem da figura humana pela dimensão terrenal

 

A despeito da dificuldade de fixar-se, desde uma perspectiva objetiva, o significado de felicidade, e,traçar-se, do mesmo modo, os indicadores que a mensurem, não perfaz exagero dizer que a delimitação da condição humana do ser feliz integra a preocupação dos sábios e dosleigos.

 

Num entretom mais reflexivo, de conotação ética, encontra-se em Aristóteles a ideia de que a felicidade deriva de virtudes intelectuais e morais, intrínsecas à plena efetivação do potencial humano[4]. Sob este prisma, a felicidade desponta como uma atividade da alma, de acordo com a virtude perfeita, de forma que o “homem feliz vive bem e obra bem”[5]. Há, aqui, de observar-se que no âmago do raciocínio aristotélico, as virtudes estão inter-relacionadas ao exercício de ações estabelecidas a partir de atividades mentais, emocionais e de juízo de valor, de modo que se configuram em ações flexíveis e ajustáveis de acordo com as diferenças entre as pessoas e as especificidades dos fatores condicionantes[6].

 

Dentro de uma órbita de análise subjetivada, a felicidade provém da percepção sensorial daquele que dimensiona a sua qualidade de vida em razão de aspectos materiais, espirituais e físicos. Desta forma, enquanto para alguns a felicidade implica no alcance de coisas tangíveis e manifestas (exteriorizáveis), como o prazer, a fortuna, as distinções, para outros, mostra-se como a reversão de situações temporais (de tempo reduzido, extenso ou aparentemente definitivo), de feição variável, determinantes de um estado de existência. Neste sentido, o enfermo vê a felicidade na saúde; o pobre a traduz na riqueza; o débil a encontra na força; o leigo a localiza na sabedoria.

 

Mesmo revelando-se para um o que não é para outro, e apesar de aquele poder sentir-se portentosamente feliz com o que provoca ressentimento a este, a felicidade exprime o grau de satisfação que cada indivíduo tem com a sua vida; é o sentimento de realização pela plenitude das dimensões materiais e imateriais que colorem à sua existência, como a saúde, a inteligência, os bens materiais, o trabalho, a afinidade, os atributos físicos...

 

Atualmente (e talvez, desde sempre), ser feliz é alcançar as condições próprias para o transcurso terrenal com qualidade de vida, alcançando-se os meios próprios à eliminação das necessidades humanas de distintas ordens, com liberdade suficiente para que cada indivíduo possa ser o que efetivamente é e fazer o que lhe apetece (sempre dentro de um espírito de não opressão da felicidade do outro), na companhia de quem deseja, pois a felicidade, e, por suposto, a condição humana do ser feliz, prescinde a supressão da demanda emocional pelo interesse de ser reconhecido e amado.

 

II.         A justaposição entre o sentido humano do ser feliz com o suposto constitucional de dignidade, de liberdadee de igualdade

 

Em linhas gerais, pode-se condensar o anterior dizendo-se que o sentido humano do ser feliz repousa no substrato pessoal da conquista de cada um pelos meios adequados à vida em sociedade, sejam eles de ordem material ou não, incluídos no imaterial a possibilidade de amar e ser amado.

 

O homem é, sem sombra de dúvidas, um ser que tem na felicidade seu escopo de vida, sua realização enquanto pessoa...

 

Nesta nuança, parece oportuno salientar que a pessoa representa o início e o fim do Estado, de maneira que sua preocupação com o indivíduo natura a gênese constitucional, o que se confirma pela disciplina e ordenação de um campo material mínimo, próprio para o “reconhecimento expresso dos direitos individuais e das liberdades fundamentais como corolário lógico ao reconhecimento da legitimidade da esfera de autodeterminação individual”[7].

 

Por assim dizer, a realização do indivíduo, enquanto pessoa, tanto reflete a concretização da sua própria dignidade,como traduz o suposto axiológico que orienta o matiz constitucional, e, por conseguinte, todo o sistema jurídico pátrio.

 

Distante de qualquer intuito pedagógico pelo resgate de conceitos acadêmicos, necessário consignar que o princípio jurídico da dignidade encontra fundamento na pessoa humana, e exclusivamente nela, porque a pessoa humana pressupõe uma condição objetiva, a vida. Não há, pois, como minimizar-se o fato maior de que a dignidade impõe “um primeiro dever, um dever básico, o de reconhecer intangibilidade da vida humana. Sem vida, não há pessoa, e sem pessoa, não há dignidade”[8].

 

Neste ponto, e diante do objeto de abordagem, crucial enaltecer-se que o pressuposto e as implicações da dignidade da pessoa humana, traçada pelo artigo 1º, III, da Constituição Federal como fundamento do Estado Democrático de Direito, encontram-se expressos por dois substantivos de bens jurídicos, que restaram devidamente tutelados pelo caput do artigo 5º da Lei Maior, quais sejam: a vida, que é pressuposto, a liberdade e a igualdade, que são implicações.

 

Consubstanciado o sentido humano do ser feliz como enunciativo de dignidade, tendo em vista que a felicidade implica na realização plena do indivíduo, pela conquista das condições próprias para o transcurso terrenal com qualidade de vida, alcançando-se os meios próprios à supressão das necessidades humanas de ordem material e imaterial, inclusive as de afeto recíproco (com quem e por quem quer que seja), não há como negar-se que,“enquanto valor inserto em princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana serve de parâmetro para a aplicação, interpretação e integração de todo o ordenamento jurídico”[9].

 

O ser feliz, como aspiração de dignidade, implica na concretude da igualdade e liberdade, em todos os sentidos, eis que:

 

“O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana”[10].

 

A felicidade, porquanto suposição do princípio da dignidade da pessoa humana, não admite qualquer exceção, de modo que o preceito constitucional imana concretização absoluta, sem obtemperar-se a possibilidade de abrandamento, pois, concebida a dignidade em sua totalidade, qualquer elemento que for afastado de sua concretude implica na supressão do próprio princípio.

 

Constitucionalmente, o homem feliz, é homem digno, e é digno porque que tem o direito de ser livre e igual[11]!

 

Sequente por esta trilha, mereceprestigiar-se a transcendental lição de Calmon de Passos, no sentido de que:

 

“O homem não é uma criatura que pode querer, ele é, antes de tudo, uma criatura que precisa querer. Ser livre é estar vivo como homem, pois sem a liberdade a criatura humana apenas pode sobreviver como animal, mutilado em sua humanidade e desprovido da força e da segurança do animal, que se apoia na sabedoria inconsciente dos institutos”[12]

 

A conjugação do fenômeno ser livre com o estadode estar vivo é preponderante à compreensão da liberdade como a possibilidade jurídica “que se reconhece a todas as pessoas de serem senhora de sua própria vontade”[13]. Neste talante, “o fato do homem, como membro da sociedade sujeito a uma ordem normativa, ser ´livre`”[14] não implica em que sua vontade seja o ponto de partida de uma causa específica, mas que ele próprio transforme-se no ponto final de imputação e submissão da ordem normativa que o situa no complexo social como sujeito de obrigações, responsabilidades e direitos[15].

 

Deste modo, tem-se que a liberdade estatuída pelo texto constitucional, inicialmente no caput do artigo 5º, e, posteriormente, em seu inciso II[16], deixa patente que a pessoa humana tem o direito de fazer e ser tudo o que lhe apetecer, desde que não suplante os limites impostos pela lei.

 

Portanto, e ao considerar-se que a sexualidade é inseparávelda condição humana, e sua disposição é objeto de consagração da felicidade, o concreto e livre uso da sexualidade é expressão máxima da vontade do indivíduo, no sentido de ser ele próprio o campo de incidência da norma constitucional pelo prestígiodo princípio da dignidade humana, seja pelo direito de realização plena como pessoa, seja como veto ao preconceito e a discriminação, rechaçados pela pauta normativa do artigo 3º, IV, da Lei Maior[17].

 

Em seguimento, e no que respeita à igualdade, insta reeditar-se que a Constituição da República é cristalina ao instituir o tratamento legal igualitário a todos os indivíduos, sem distinção de qualquer natureza. Pela literatura jurídica, encontra-se a orientação de que a “igualdade constitucional é mais uma expressão de Direito; é o modo justo de se viver em sociedade. Por isto é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõem o sistema jurídico fundamental"[18].

 

Retomando-se a inerência da sexualidade à condição humana, impõe necessário registrar-se que a Constituição consagra o princípio da isonomia, ou princípio da igualdade formal, pois “deu largo passo na superação do tratamento desigual fundado no sexo, ao equiparar os direitos e obrigações de homens e mulheres”[19]. Genuinamente, ao asseverar a igualdade de todos perante a lei[20], a Magna Carta atende “ao tratamento diferenciado que se deve prover justamente em face da diversidade”[21], vetando, assim, toda e qualquer discriminação das pessoas em virtude de seu sexo, seja no âmbito da classificação homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de qualquer um deles.

 

Na amplitude do cenário sócio-jurídico nacional, a igualdade se conforma com pujança transcendente, “de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como norma suprema, proclama”[22].

 

Vigilante ao determinismo constitucional, a dignidade está sobreposta à liberdade e a igualdade do indivíduo como perspectiva de encontro da felicidade!Sob esta ótica, a dignidade da pessoa humana é, portanto, o desígnio de toda a organização do Estado, haja vista referir-se aopredicadode cada ser humano, com respeito à sua distinção em relação aos seus comuns.

 

A dignidade consiste, destarte, em “um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável”[23]: ela se constrói a partir da própria pessoa humana: de sua vida, de sua liberdade, de sua igualdade.

 

Hodiernamente, “tirar liberdade é fazer desiguais os não-livres. Tirar igualdade é restringir a liberdade. Lógica e historicamente, caminham liberdade e igualdade no mesmo sentido”[24], suprimir a uma, ou oprimir a outra, é atribuir ao homem a condição de indigno!

 

III.        A diversidade sexual e a transcendência do reconhecido direito de amar e ser amado pelo igual

 

Inicialmente, mostra-se oportuno destacar que Jaspers leciona que o amor se projeta no tempo como o “clarão de um relâmpago que ninguém percebe, mas para os que foram atingidos, revela-se o que existia desde a eternidade. É histórico o amor enquanto fenômeno, mas sua história essencial não reside no tempo”[25].

 

A história do amor, enquanto sentimento ou grau de satisfação que aproxima as pessoas, conferindo-lhes alacridade pelo convívio comum, é a história “de uma repetição infinita, de originalidade sempre renovada, tão poderosa sob a forma de paixão juvenil como na tranquilidade da velhice, lembrança e expectativa a um só tempo”[26].

 

O amor transforma, completa, viabiliza a ordenação de realidades diferentes com o propósito de estabelecimento de uma comunidade comum: a família... Na ambiência da perspectiva do amor como elemento que converge à congregação familiar, repousa evidente na Carta Maior que o legislador constituinte silenciou sobre o gênero inerente a composição da família, eis que o caput do artigo 226 é rotundo em estabelecer que "a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado"[27].

 

Enquanto base da sociedade, e a partir da consagração da igualdade como direito fundamental, e da dignidade porquanto essência de realização e felicidade, as conexões afetivas podem se estabelecer indistintamente, inclusive por pessoas de sexo idêntico, aptas a reunirem-se à busca de objetivos comuns e interesses convergentes, sob o manto da unidade familiar, ou da família.

 

O relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, presente na história do homem desde seu mais remoto representante na história[28], não diz respeito apenas aos atos de conjunção carnal, e pauta todo o contexto de existência presente, passada e de projeções futuras que cada indivíduo aporta ao convívio de ambos com o propósito de conferir à relação um estado conjugal materializado por aqueles que se amam reciprocamente e buscam, em conjunto, o alcance da felicidade plena.

 

A diversidade, portanto, não se limita unicamente às questões inerentes ao exercício do sexo entre iguais, mas diz respeito, também, aos diferentes elementos inseparáveis da afetividade,sejam emocionais, físicos, comportamentais e atitudinais, que totalizam cada sujeito como pessoa humana, dotada de razão, emoção e direitos...

 

Amar ao comum, ao igual, não é crime: é vida, é preceito de dignidade.

 

É justamente pela transcendência do sentimento que une os iguais, pela fortaleza dos laços de afinidade e de interesses convergentes de união em família é que a homoafetividade absorve a proteção do Estado, e o amor entre pessoas de sexo igual recebe a tutela do judiciário, conforme se observa pelos seguintes excertos jurisprudenciais :

 

“Proibição de discriminação das pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de cada qual deles. A proibição do preconceito como capítulo do constitucionalismo fraternal. Homenagem ao pluralismo como valor sócio-político-cultural. Liberdade para dispor da própria sexualidade, inserida na categoria dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é da autonomia de vontade. Direito à intimidade e à vida privada. Cláusula pétrea. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica.

 

(...)

 

Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.”(ADI 4.277eADPF 132, Rel. Min.Ayres Britto, julgamento em 5-5-2011, Plenário,DJEde 14-10-2011)

 

 

 

“Reconhecimento e qualificação da união homoafetiva como entidade familiar. O STF – apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva e invocando princípios essenciais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não discriminação e da busca da felicidade) – reconhece assistir, a qualquer pessoa, o direito fundamental à orientação sexual, havendo proclamado, por isso mesmo, a plena legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, atribuindo-lhe, em consequência, verdadeiro estatuto de cidadania, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes consequências no plano do Direito, notadamente no campo previdenciário, e, também, na esfera das relações sociais e familiares. A extensão, às uniões homoafetivas, do mesmo regime jurídico aplicável à união estável entre pessoas de gênero distinto justifica-se e legitima-se pela direta incidência, dentre outros, dos princípios constitucionais da igualdade, da liberdade, da dignidade, da segurança jurídica e do postulado constitucional implícito que consagra o direito à busca da felicidade, os quais configuram, numa estrita dimensão que privilegia o sentido de inclusão decorrente da própria CR (art. 1º, III, e art. 3º, IV), fundamentos autônomos e suficientes aptos a conferir suporte legitimador à qualificação das conjugalidades entre pessoas do mesmo sexo como espécie do gênero entidade familiar. (...) O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. (...) O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana.”(RE 477.554-AgR, Rel. Min.Celso de Mello, julgamento em 16-8-2011, Segunda Turma,DJEde 26-8-2011.) 

 

O amor é comum a todos os que percorrem a passarela do mundo dos vivos na condição de pessoa. O amor, nesta seara, “não é uma possessão; ele é clarividente em relação a tudo”[29]: inclusive em relação à diversidade sexual, quando proclama osentimento comum entre aqueles que se amam, incondicionalmente!

 

IV.       Homofobia: do desterro da dignidade da pessoa humana à ruptura da igualdade e da liberdade enquanto direitos fundamentais

 

Inobstante o estágio de maturidade temporal da Carta Maior, reconhecida pela fortaleza do princípio da dignidade humana e pela consagração dos direitos fundamentais, e a despeito de o meio social haver evoluído consideravelmente contra práticas preconceituosas, alguns nichos da sociedade preservam-se irascíveis, desterram a proteção que o Estado oferece ao indivíduo (enquanto pessoa), e insurgem-se contra a dignidade, oprimindo o direito que o alheio tem de ser feliz como é, e com quem deseja.

 

Neste contexto, não há como negar-se que osinsurgentes demonstram sua aversão ao espírito da corresponsabilidade social, ética. Sua “responsabilidade jurídica fenece à deficiência do epíteto legal e a responsabilidade pessoal eclode pelo desenvolvimento de seus próprios atos de obstinação”[30], de discriminação e preconceito contra aqueles que exercem o direito de amar ao seu igual, compartilhando um ambiente de convivência afetiva e de relacionamento familiar.

 

Eis a homofobia!

 

Sob o prisma etimológico, é o medo, é a aversão contra o homossexual e o homossexualismo (incluído neste ambiente as Lésbicas, os Gays, os Bissexuais, os Trasvestis,os Transexuais e os Transgêneros). Muito embora o vértice de significação expresse uma reação mental, de repúdio, a homofobia exterioriza-se através de posturas e atitudes sobrenaturais, de exacerbação da irracionalidade humana, pela perseguição moral e detração física daquele que busca assumir sua identidade e conformar sua respectiva orientação sexual.

 

A oposição à homoafinidade e à diversidade sexual, seja física ou verbal, tanto é banida pelo Direito, como colide com o alicerce axiológico da Constituição Federal de 1988, pois inuma a dignidade, a liberdade e a igualdade, pelo soterro do sentido humano do ser feliz diante da realização plena do indivíduo.

 

O preconceito, que por si só sepulta o velo constitucional que aponta à promoção do bem de todos, é o levante de um grito de prostração de algo não proibido, como bem se observa pelo proeminente pronunciamento do Ministro Ayres Britto:

 

“Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da CF, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de ‘promover o bem de todos’. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana ‘norma geral negativa’, segundo a qual ‘o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido’. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da ‘dignidade da pessoa humana’: direito a autoestima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. (...) Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do CC, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de ‘interpretação conforme à Constituição’. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família.”(ADI 4.277eADPF 132, Rel. Min.Ayres Britto, julgamento em 5-5-2011, Plenário,DJEde 14-10-2011) 

 

No ápice pelo reconhecimento de que o exercício da orientação sexual é inerente à autonomia da vontade do indivíduo, o ser homofóbico é ser antagônico à ordem constitucional, haja vista que a homofobia implica na repressão à liberdade de a pessoa dispor da própria sexualidade, sendo o que, amando o seu igual, livre do constrangimento de que isto sirva de fator para a desigualação jurídica ou social.

 

A título de conclusão

 

Para balizar o anterior, há de sobrelevar-se o fato de que ser homossexual, antes de tudo e acima de qualquer condição, é ser pessoa humana, é ser capaz de receber a tutela do Estado e encontrar primazia à dignidade, à liberdade e à igualdade.

 

Estar em uma relação homoafetiva, portanto, é nada mais e nada menos do que encontrar-se no exercício do direito constitucional de ser feliz: ser livre para conformar a instituição familiar com aquele que ama; e ser igual, para ter seu relacionamento reconhecido, respeitado.

 

A lei Maior é perene no sentido de que todos são iguais em direitos e obrigações, vetando, assim, o preconceito e a discriminação de qualquer forma, inclusive a sexual.

 

Cada um, consequentemente, exerce sua sexualidade da forma inerente à sua própria condição humana, de maneira que todos, Héteros, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trasvestis, Transexuais e Transgêneros tem assegurado o constitucional direito de ser feliz, sendo o que é, livre de qualquer conduta persecutória, discriminatória e preconceituosa.

 

O contrário é ilegalidade, é tortura da alma, é ofensa aos direitos pessoais, é a chancela da violência, é a rubricado homicídioda moral, éa marca da violação da organização do Estado.

 

Se assim for: EIS O CAOS, O FIM DO ESTADO E A MORTE DO DIREITO!

 

Bibliografia

 

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MORE, Thomas. Utopia. Tradução Heloísa da Gaça Burati, São Paulo : Rideel, 2005.

 

NETO, Manoel Jorge e Silva. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro : Lumen  Juris, 2006.

 

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SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas notas em torno da relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira. In LEITE, George Salomão. Dos princípios constitucionais: considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo : 2003.

 

Notas:

[1]         MORE, Thomas. Utopia. Tradução Heloísa da GaçaBurati, São Paulo :Rideel, 2005. p.97

[2]         ARISTÓTELES. Ética nicomaquea. Barcelona: RBA Coleccionables, 2004. p. 94.

[3]         MIRANDA, José Eduardo de e CORRÊA LIMA, Andrea. Ensaio ontológico sobre a postura do homem no mundo hoje: o preço vil da existência, in Direito em Foco. ISSN 2236-2320. Amparo :Unisepe, 2011. p 03.

[4]         ARISTÓTELES, 2004. p. 48.

[5]         Ibid, p. 38.

[6]         Ibid, 29.

[7]         NETO, Manoel Jorge e Silva. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro :Lumen  Juris, 2006. p. 34.

[8]         AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana, In RTDC. Vol. 9, jan/mar 2002. P. 7-14.

[9]         MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. Curitiba : Juruá, 2003. p. 62.

[10]        RE 477.554-AgR, Rel. Min.Celso de Mello, julgamento em 16-8-2011, Segunda Turma, DJEde 26-8-2011.)No mesmo sentidoADI 4.277 ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 5-5-2011, Plenário, DJE de 14-10-2011. (Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp, acesso em 22 de maio de 2013).

[11]        Aqui, merece destaque o manifesto do Ministro Ayres Brito, que, em pronunciamento no corpo ADI 3.51 (DJEde 28-5-2010.), profetizou que “quando se reporta a ‘direitos da pessoa humana’ e até a ‘direitos e garantias individuais’ como cláusula pétrea, está falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos fundamentais ‘à vida, à liberdade, à igualdade...” (Disponível emhttp://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp, acesso em 20 de maio de 2013)

[12]        CALMON DE PASSOS, apud NETO, 2006, p. 490.

[13]        DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 26ª ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2006. p.237.

[14]        KELSEN, Hans. A democracia. Tradução Ivone Castilho Benedetti e outros. São Paulo : Martins Fontes, 2000. p. 171

[15]        Ibid, p. 169.

[16]        “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

(...)

(Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 23 de maio de 2013).

[17]        Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

          (...)

          IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

          (Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 23 de maio de 2013).

[18]        DA SILA, 2006, P. 214.

[19]        Ibid, 224.

[20]        V. dispositivo citado nota 17.

[21]        FILHO, Nagib Slaib. Direito constitucional. 2ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 2006. p. 327.

[22]        MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 32.

[23]        SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas notas em torno da relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira. In LEITE, George Salomão. Dos princípios constitucionais: considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo : 2003. p. 213.

[24]        PONTES DE MIRANDA. Democracia, liberdade, igualdade. Campinas :Bookseller, 2002. p 575.

[25]        JASPERS, Karl. Introdução ao pensamento filosófico. Tradução de Leônidas Hegerberg. São Paulo :Cultrix, 1965. p. 120.

[26]        Ibid, p. 120.

[27]        Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 23 de maio de 2013.

[28]        PERCÍLIA, Eliene. O amor entre iguais. Disponível em http://www.brasilescola.com/historia/o-amor-entre-iguais.htm, acesso em 23 de maio de 2013.

[29]          JASPERS, 1965, p. 121.