HIPÓTESES DE CRIMES DE RESPONSABILIDADE RELACIONADOS COM O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PLANEJADORA


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Ricardo Antônio Lucas Camargo

HIPÓTESES DE CRIMES DE RESPONSABILIDADE RELACIONADOS COM O EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PLANEJADORA

 

Ricardo Antônio Lucas Camargo

 

Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais

Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico

 

 

 

O reconhecimento do planejamento como função do Estado acarreta para o Poder Público o dever de planejar, pena de incidir o Chefe do Executivo em crime de responsabilidade, em face da Constituição de 1988, artigo 85. Com efeito, o plano é importante, considerada a liberdade de iniciativa como direito individual, para que o agente econômico privado tenha um referencial na formulação da sua própria política econômica, a fim de não ser pego em sobressalto por mudanças bruscas. Também assim na realização de direitos dependentes de maiores detalhamentos e que demandem a atuação positiva do Estado, pena de se os ternegados (CARVALHOSA, Modesto de Souza Barros. Ética da função pública. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS, 15ª. Anais. Foz do Iguaçu: 1994, p. 192). De outra parte, o plano se coloca também como condicionante e condicionado ante a lei orçamentária, traduzindo, ainda, uma orientação a ser adotada, a fim de que não se degenerem as medidas de política econômica estatal em desvio para satisfação de interesses privados (MOURA, Francinira Macedo de. Direito Parlamentar. Brasília: Brasília Jurídica, 1992, p. 136-137; SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de Direito Econômixo. 4ª ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 362; NASCIMENTO, Carlos Valder. Arts. 1º a 17. In: PLURES. Comentários à Lei de Responsabilidade Fiscal. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 21). Possibilita ele, assim, nortear o Legislativo em sua função fiscalizadora, quando se trate de verificar a regularidade da prestação de contas pelo Executivo (SOUZA, Washington Peluso Albino de. Estudos de Direito Econômico. Belo Horizonte: Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 1996, v. 2, t. 1, p. 24-25; MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, t. 3, p. 121). Assim, a omissão quanto ao plano, para nós, dificulta, quando não inviabiliza o exercício de vários direitos individuais e coletivos, e se mostra apta a embaraçar o controle da probidade com as verbas públicas e a seriedade da atuação estatal no domínio econômico, com o que se abre a possibilidade de qualquer cidadão formular denúncia ao Legislativo na esfera de atuação do respectivo Chefe do Executivo (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Op. cit. p. 355; MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Estatuto da Cidade e improbidade administrativa. Revista de Direito Imobiliário. São Paulo, v. 25, n. 52, p. 47-48, jan/jun 2002).

 

À luz do artigo 7º do Decreto-lei 200, de 1967, MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO SOBRINHO já sustentava a responsabilidade do Estado pela obrigaçãode programar, porquanto as metas econômicas, diferentemente das metas administrativas, devem estar previamente fixadas (Comentários à reforma administrativa federal.São Paulo: Saraiva, 1983, p. 78-79). O condicionamento, ainda, da atuação do Executivo aos planos, nos artigos 15 a 18 no Decreto-lei 200, de 1967, reforçam tal entendimento.

 

Uma questão relevante que surgiria seria a das conseqüências da adoção de determinada medida de política econômica à míngua de qualquer planejamento e suas conseqüências em face da situação jurídica dos que fossem por ela atingidos. A regra da irreversibilidade conjugada à regra da precaução é que serão o norte do intérprete (Primeiras linhas, cit. p. 140-141).

 

O caráter vinculante da lei do plano para o Poder Público decorrente do artigo 174 da Constituição brasileira de 1988 acarreta como necessária conseqüência a configuração do crime de responsabilidade quando haja o seu descumprimento (Lei 1.079, de 1950, artigo 8º, 8, Decreto-lei 201, de 1967, artigo 4º, VII e VIII; SOUZA, Washington Peluso Albino de. Estudos de Direito Econômico. Belo Horizonte: Fundação Brasileira de Direito Econômico, 1996, v.. 2, t. 1, p. 5-6). Há o descumprimento da lei do plano quando: 1) são editados, em desacordo com a orientação nela posta, atos normativos na veiculação de medidas de política econômica (CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Direito Econômico - aplicação e eficácia.. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2001, p. 262); 2) não são editados os atos normativos necessários à execução do plano (GRAU, Eros Roberto. Princípio da livre concorrência – função regulamentar. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, n. 4, p. 121, 1993); 3) mesmo editados os atos normativos aptos à execução do plano quedem eles sem execução; 4) os atos administrativos editados para a execução do plano sejam executados de forma incompatível com a orientação nele estabelecida (CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. Direito Econômico, cit.p. 203; CHARPENTIER, Jean. Les lois-cadres et la fonction gouvernamentale. Revue du Droit Publique et de Science Politique en France et à l' Étranger. Paris, v. 74, n. 2, p. 221, 1957); 5) sejam descumpridos os atos normativos em questão; 6) sejam praticadas ações concretas em franca desconformidade com os objetivos do plano (CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Responsabilidade administrativa e impeachment. In: CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. A OAB e o impeachment. Brasília: OAB, 1993, p. 184); 7) os atos de execução do plano sejam praticados de acordo com interpretação que os incompatibilize com a Constituição; 8) haja omissões injustificadas no tocante à prática de atos concretos.

 

Em todos estes casos parece-nos presente a incidência da norma que tipifica como crime de responsabilidade o descumprimento de lei.

 

Quanto ao primeiro, toma-se em consideração o dado de vinculatividade do plano quanto aos fins, com o que a pergunta que se faz, neste particular, é da idoneidade dos atos normativos, em tese, para os atingir.

 

Quanto ao segundo, trata-se de violação por omissão, mais fácil de se visualizar diante do caráter vinculante da lei do plano para o setor público.

 

O terceiro diz respeito a terem sido editados os atos abstratos para a complementação necessária a conferir eficácia plena à lei do plano e, entretanto, resultem tais atos sem atendimento. Trata-se, evidentemente, de descumprimento por omissão.

 

O quarto toca ao condicionamento procedimental dos atos destinados a materializar o plano. Os atos, em si mesmos, podem ser válidos, mas a sua execução se faz de modo inválido. Dentre as orientações constitucionalmente possíveis, a lei do plano adota uma e os atos que se prestam a executá-la são editados, mas no momento em que vão ser executados, a orientação se mostra desatendida.

 

O quinto toca à atuação em sentido diametralmente oposto ao dos atos que materializam validamente a lei do plano. Não se trata, aqui, da omissão, mas do descumprimento por ação que se coloque em sentido inconciliável com o que esteja posto nos atos voltados à execução da lei do plano.

 

O sexto diz respeito à vinculação quanto aos fins. Ou seja, a lei do plano estabelece fins a serem atingidos e a execução respectiva se faz mediante atos que não se mostram aptos a produzir os fins almejados. Diversamente da primeira hipótese, aqui se cuida do exame de atos concretos, e não do exame de atos abstratos, normativos.

 

O sétimo apenas presta tributo à tradicional regra segundo a qual a mais fiel interpretação a uma disposição que pode ter múltiplos sentidos é a que não a torne inconstitucional. Assim, há que ser tomada em consideração a valoração que constitucionalmente se faça aos fatos econômicos quando se vá dar execução à lei do plano.

 

A última hipótese, quanto à omissão injustificada da prática de atos concretos, exige, evidentemente,

 

Em se tratando da última hipótese, pode-se ter presente a incidência da norma que tipifica o ato atentatório à probidade administrativa como crime de responsabilidade, porquanto o retardamento no envio de projetos de lei ao Legislativo ou na aposição da sanção ou veto acha-se sob esta rubrica.