Hermenêutica e reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal


Porrafael- Postado em 28 novembro 2011

Autores: 
ALBUQUERQUE, Diego Pablo Candeias de

Hermenêutica e reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal

Não se pode verificar a possibilidade de ‘interpretação conforme’ pelo Supremo tribunal Federal objetivando ‘regulamentar’ a união homoafetiva, pois a técnica como foi utilizada não se coaduna com a perspectiva de interpretação jurídica pautada nas noções estabelecidas pela Hermenêutica Filosófica

RESUMO:

Esse presente artigo busca analisar a sistemática adotada pelo Supremo Tribunal Federal no que tange ao julgamento da ADI que versa sobre o reconhecimento da união homoafetiva. A discussão se fará sobre a técnica adotada pelo Supremo Tribunal Federal e a atuação da Corte frente a determinadas demandas que problematizam a tensão existente entres os Poderes na égide do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Hermenêutica. União Homoafetiva. Teoria do Discurso. Direito e Política. Ativismo Judicial.

I. INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva analisar a sistemática adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento, da ADPF transformada ADI proposta pela Procuradoria Geral da República, concernente à constitucionalidade do §3º, art.226, da Constituição Federal [2].

A possibilidade de verificação da inconstitucionalidade da norma constitucional mencionada tem com fundamento a tese levantada por Otto Bachoff na sua obra “Normas Constitucionais Inconstitucionais?” em que possibilita enfrentar o problema de possíveis inconstitucionalidades dentro do âmbito normativo constitucional proposto pelo Poder Constituinte seja ele originário ou derivado.

Conforme a tese de Bachoff, o caso discutido pelo plenário do STF se encontraria naquilo que se denominou de como inconstitucionalidade por infração de direito supra-legal positivado na lei constitucional, “a ‘incorporação material’ dos valores supremos na Constituição faz, porém, com que toda a infracção de direito supralegal, deste tipo, apareça necessária e simultaneamente como violação do conteúdo fundamental da Constituição[3]. Haveria violação, desse modo, à dignidade da pessoa humana.

Na declaração de inconstitucionalidade do dispositivo constitucional referido, a Suprema Corte utilizou-se do mecanismo da ‘interpretação conforme’ que aduz a possibilidade de produção de sentido normativo relativo ao texto inconstitucional cominando na sanação do vício. Nesse sentido, lecionam Luiz David Araújo e Vidal Serrano:

“a interpretação conforme a Constituição, método utilizado para o aproveitamento de um dos sentidos possíveis de interpretação de uma lei, desde que compatível com o texto constitucional, desprezando outras possibilidades interpretativas que levariam à inconstitucionalidade da norma. O aproveitamento do sentido constitucional, com o descarte dos sentidos que levariam à interpretação de inconstitucionalidade, revela-se como decorrente do princípio da presunção de legitimidade dos atos normativos” [4]

Dessa forma, o que há, de fato, é uma produção de norma a partir do texto sob o parâmetro constitucional, ao invés de modificação da textualidade do dispositivo. Em outras palavras, na ‘interpretação conforme’ exterioriza a denominada mutação constitucional que diz respeito à alteração no sentido interpretativo de uma disposição textual, isto é, a mudança reside na norma enunciada do texto. Por outro lado, a alteração do texto constitucional se determina por reforma constitucional, há a modificação da textualidade do dispositivo constitucional.

Ora, se a Corte Suprema vislumbra a possibilidade de ‘extrair’ do texto do §3º, art. 226, da Constituição a expressão ‘homem e homem’ do texto ‘homem e mulher’, está se falando de verdadeira reforma constitucional com título de mutação constitucional[5]. Nesse ponto, é notório que o Poder Judiciário adentra em atribuições próprias da seara do Poder Legislativo, atuando como ‘legislador posterior’.

Por detrás da primeira impressão de atuação incompetente da Corte Superior, encontra-se um dilema, dentre muitos, que se enfrenta no Estado Democrático de Direito, a tensão dos planos legislativo e judiciário, em outras palavras, a tênue relação entre legislação e jurisdição, que perpassam questões que a serem discutidas como conceito de democracia, ativismo judicial, concretização de direitos, respostas corretas, etc.

Nessa seara, importante é o modelo discursivo proposto por Klaus Günther, que trabalha com uma dicotomia discursiva: o discurso de fundamentação ou justificação e o discurso de aplicação. Esse aporte teórico relaciona-se diretamente com a perspectiva de Jürgen Habermas do âmbito de atuação do Poder Legislativo e do Poder Judiciário e será um dos alicerces da sua teoria procedimental.

Juntamente a essa dicotomia, ambienta-se a teoria dos direitos do jusfilósofo americano Ronald Dworkin que oferece incisiva contribuição a interpretação/aplicação do direito, no enfretamento do nó górdio do positivismo, a discricionariedade, bem como o papel dos juízes e dos políticos.

Desse modo, o debate entre tais pensadores provoca a conjugação de um vetor orientador para a análise da atuação do Supremo Tribunal Federal no caso de reconhecimento da união estável aos homoafetivos.

Os aportes teóricos desenvolvidos pela hermenêutica gadameriana culminam numa derrocada no pensamento proposto pela hermenêutica clássica, ensejando um repensar da condição de possibilidade de interpretar/compreender/aplicar um texto e, consequentemente, o texto da Constituição.

Destarte, pretende-se elucidar, à luz da hermenêutica filosófica, a técnica empregada pela Corte Suprema no que tange a interpretação do dispositivo do texto constitucional; além disso, rediscutir a atuação desse órgão do judiciário inserido naquilo que se fundamenta e compreende o Estado Democrático de Direito na fase do que se denominou de Pós-positivismo.


II. NORMAS JURÍDICAS E INTERPRETAÇÃO

II.1. POSITIVISMO E HERMENÊUTICA

O Estado Democrático de Direito como modelo emergente das insuficiências dos paradigmas de Estado antecedentes, quais sejam Estado Liberal e Estado Social, traz embutido na sua conjuntura um deslocamento do centro de poder de decisão e, consequentemente, na interpretação/aplicação do direito.

No delineamento do Estado Liberal, conseqüência lógica do processo histórico de ruptura com o Regime Absolutista que representava um modelo de supressão da vontade do monarca em relação à do povo, o centro de poder se instaura no poder legislativo como condição de possibilidade de garantia das liberdades individuais dos cidadãos. Além disso, estabeleceram-se limites e funções dos poderes, conferindo ao Executivo a atribuição meramente organizacional do Estado e ao judiciário a aplicação “fiel” do direito posto, de outra forma, viabilizou-se a regulação da política nos três poderes no Estado de Direito, sendo essa completamente plausível no campo legislativo, parcialmente na seara executiva e, por fim, neutra no poder judiciário.

Nessa perspectiva de Estado, tem-se a lei como ponto de partida e fonte principal para interpretação das questões que penetram o campo jurídico. Assim, vale elucidar que o processo de positivação do direito, em que insere a lei como fonte racional do direito, implica em conceber aquela como norma de validez emanada de uma representação legitimada que instrumentaliza as valorações e expectativas de comportamento da sociedade civil.

Desse modo, é conclusivo que “a ideologia legalista legitimou a preservação do statu quo pelo argumento de que o conjunto de leis corporificava o justo pleno, cristalizando formalmente os princípios perenes do direito natural[6].Neste contexto emerge o paradigma positivista como referencial teórico para aplicação do direito.

De modo geral, o positivismo jurídico, sobretudo no sentido restrito de positivismo legal, oferece uma visão de sistema de características notáveis, em que pese a variedade das suas formas. Primeiramente, trata-se de um "sistema fechado", do qual deriva a exigência de acabamento, ou seja, a inocorrência de lacunas que são compreendidas, nessa acepção, como fenômenos aparentes, pois o sistema jurídico é, fundamentalmente, manifestação de um harmônico corpo unitário, perfeito e acabado. Além disso, deve-se pontuar outra característica do positivismo que diz respeito à idéia de sistema como método, ou melhor, como instrumento metódico do pensamento, ou seja, relaciona-se diretamente com o procedimento construtivo e o dogma da subsunção. Nessa linha, leciona o Prof. Tércio Sampaio Ferraz Jr.:

De modo geral, pelo procedimento construtivo, as regras jurídicas são referidas a um princípio ou a um pequeno número de princípios daí deduzido. Pelo dogma da subsunção, segundo o modelo da lógica clássica, o raciocínio jurídico se caracterizaria pelo estabelecimento de uma premissa maior, que conteria a diretiva legal genérica, e de uma premissa menor, que expressaria o caso concreto, sendo a conclusão a manifestação do juízo concreto. [7]

O intérprete procede, assim, pelo silogismo em que a premissa maior é o texto normativo, a premissa menor são os pressupostos de fato e, por efeito, a conseqüência jurídica; em decorrência disso, a textualidade centraliza a atividade interpretativa.

A interpretação passa a ser entendida como busca ao autêntico sentido contido no texto legal. Assim, emergem dois posicionamentos, um de natureza subjetiva, voluntas legitoris, em que a atividade interpretativa se centra na vontade daquele que, à época, emitiu o texto legal, o legislador; bem como outro de viés objetivo, voluntas legis, em que a interpretação se funda na vontade consubstanciada no próprio texto legal.

Por conseqüência, surgem métodos hermenêuticos que objetivam uma estruturação regrada para resolução de problemas de caráter interpretativos. Novamente com o Prof. Tércio Sampaio Ferraz Junior:

Os chamados métodos de interpretação são, na verdade, regras técnicas que visam à obtenção de um resultado. Com elas procuram-se orientações para os problemas da decidibilidade dos conflitos. Esses problemas são de ordem sintática, semântica e pragmática.[8]

Sinteticamente, têm-se: método gramatical, em que se busca conhecer a origem etimológica dos vocábulos e aplicar os preceitos estruturais de regência e concordância; método lógico-sistemático, em que se analisam as proposições normativas sob prisma da lógica formal, bem como correlaciona o texto normativo ao sistema jurídico inteiro ou a sistemas paralelos; método histórico, em que o interprete investiga as normas pretéritas que antecederam as atuais para, assim, por comparação compreender estas; método sociológico, em que busca conferir aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais que lhe originaram e as que surgiram após sua criação, bem como atender às necessidades atuais da comunidade; e, por fim, o método teleológico em que o ato de interpretar é orientado pelos fins sociais que a norma busca, atribuindo ao intérprete a função de adequar a norma ao presente.


II.2. PÓS-POSITIVISMO E HERMENÊUTICA

Pelas insuficiências do modelo estatal liberal-individual-normativista, ou seja, de um Estado abstencionista, calcado na noção precária de liberdade e do positivismo, surge o Estado Social trazendo a idéia de um modelo estatal intervencionista que saí da inércia de mera organização de Estado, tendo, por conseguinte, o centro de decisão deslocado para o poder executivo em que a igualdade emerge como estandarte a equalizar o modelo anterior.

Todavia, a noção de igualdade pode levar à falta de liberdade, paradoxalmente, se a liberdade dialeticamente pelas insuficiências do liberalismo, engendra as condições para a superação via igualdade, esta pode ser um obstáculo à liberdade, visto que se cairia em igualar indivíduos que são por conjunturas da própria relação jurídica desiguais, essa idéia de igualdade se funda em estabelecer de antemão que todos os indivíduos são na realidade fática iguais, ou melhor, verificava-se que no primeiro momento de liberdade-liberal, substancialmente os indivíduos não eram iguais, haja vista a estrutura do antigo regime, no momento que o Estado trata da igualdade estabelecendo tratamento a esses indivíduos de forma igualitária, leva a obstacularizar a liberdade, pois, em termos simplórios, a parte mais fraca se sujeitaria às condições impostas pelo pólo mais forte.

Assim, surge o Estado Democrático de Direito em que deve ser visto o Direito como instrumento de transformação social, pois carrega, nos seus textos constitucionais, elevada carga de valores e caráter compromissário voltado para mudanças nas estruturas econômicas e sociais. Por isso, Lenio Luiz Streck vai sustentar que:

No Estado Democrático de Direito, em face do seu caráter compromissário dos textos constitucionais e da noção de força normativa da Constituição, ocorre, por vezes, um sensível deslocamento do centro de decisões do Legislativo e do Executivo para o plano jurisdicional. [9]

Nessa noção de Estado, na qual se acentua a derrocada do projeto das perspectivas da modernidade, emerge o paradigma pós-positivista em que os princípios[10] ascendem como condição fulcral para a concretização do Direito.

A insuficiência do modelo positivista enquanto sistema fechado, imbuído da lógica formal dedutiva e neutralmente pautado em métodos reducionistas de fenômenos jurídicos, acaba sinalizando a doutrina do positivismo como paradigma simplório e carente que termina não abarcando toda a problemática dos fenômenos da realidade fática.

A deontologia dos princípios prescreve uma normatividade dos valores validados pelo discurso de fundamentação do juízo político, trazendo ao campo jurídico a moral exilada pela doutrina positivista. Além disso, os argumentos de princípios juntam-se as regras jurídicas como normas do sistema jurídico com outra estrutura.

Nesse ponto, antes de determinar-se o que é norma jurídica princípio e suas diferenças em relação às normas-regras, vale estabelecer uma diferença de texto ou enunciado normativo e norma jurídica. Texto diz respeito à proposição posta no papel, isto é, a disposição lingüística, o sentido normativo provisório a ser interpretado; já a norma é a interpretação reconstrutiva realizada a partir dos limites lingüísticos do texto, incidentes sobre os fatos, ou seja, a relação dialógica entre realidade fática e expressão textual.

As normas jurídicas, por sua vez, acarretam basicamente a distinção entre regras e princípios[11]; em estudo aprofundado[12], Humberto Ávila aborda as principais concepções. Contudo, a definição de princípios e regras tem relevante contribuição com a acepção de Ronald Dworkin. Tomando como base o modelo positivista de Herbert Hart, Dworkin estabelece, primeiramente, que o Direito não é apenas um conjunto de regras, isto é, o sistema jurídico compõe-se de regras e também de princípios morais que não são alusivos ao critério de validade tal como a regra de reconhecimento de Hart[13]. Tratando da distinção entre regras e princípios, Dworkin aborda basicamente três aspectos: a natureza lógica, dimensão de peso e admissão de exceções.

O critério de natureza lógica consiste em dizer que as regras são aplicáveis na forma tudo ou nada (all-or-nothing), visto que elas incidem quando há condições que elas mesmas estabelecem. Para Dworkin “dado os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é valida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão[ 14].

Já os princípios são normas que não fixam nenhuma conseqüência jurídica precisa diante de uma condição determinada, eles manifestam considerações de justiça, equidade e dimensões de moralidade. O princípio é uma razão que guia para uma determinada direção, contudo não acarreta uma decisão concreta essencialmente a ser levada.

O segundo critério, que é conseqüência do primeiro, é a dimensão de peso (dimension of weight) que caracteriza os princípios. Esse critério não se aplica às regras, pois, no conflito dessas últimas, há a exclusão de uma em detrimento da aplicação de outra. No caso concreto, deve-se verificar qual delas é válida e qual deve ser excluída ou reformulada diante do caso.

Ocorre que, nas hipóteses de colisão entre os princípios, aquele que possui maior peso sobrepor-se-á ao outro, sem que este perca sua validez, ou seja, o entrecruzamento entre princípios é resolvido através da ponderação, não excluindo o sobreposto do sistema jurídico, como bem se verifica no conflito normativo entre regras jurídicas. Na lição do jusfilósofo:

“Quando os princípios se intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade do contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que outra freqüentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é” [15].

Por último, Dworkin adiciona o fato de as normas-princípios serem mais fracas que as normas-regras no sentido de admitirem inúmeras exceções, na medida em que, ao se tratar das regras, as exceções que comportam podem ser enumeradas e, desse modo, mais completo o enunciado das regras será. Quanto aos princípios as exceções são incontáveis, conforme preleciona Eros Grau:

“a circunstância de serem próprios a um determinado direito não significa que esse direito jamais autorize sua desconsideração. Trabalhando com o princípio segundo o qual “a ninguém aproveita sua própria fraude (torpeza)”, Dworkin aponta o fato de que em determinados casos o direito não se opõe a que alguém obtenha proveito da fraude que praticou. O exemplo mais notável é o da posse indevida: aquele que penetrar em prédio alheio reiteradamente, durante largo período de tempo, poderá obter – e o direito concede – o direito de cruzá-lo sempre que deseje” [16].

Por derradeiro, é de suma importância salientar que, na definição de princípios, Dworkin aborda que os princípios podem ser entendidos como argumentos de princípio em sentido estrito ou argumentos de diretrizes políticas. Os argumentos de princípios estão ligados à noção de direitos conferidos aos destinatários das normas jurídicas, por outro lado, os argumentos de política se ligam diretamente aos objetivos buscados pela comunidade, ou seja, objetivos gerais que atendem ao anseio coletivo. Nas sempre precisas lições do jusfilósofo americano:

“Denomino ‘política’ aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade (ainda que certos objetivos sejam negativos pelo fato de estipularem que algum estado atual deve ser protegido contra mudanças adversas). Denomino ‘princípio’ um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma dimensão de moralidade” [17].

Assim, deve-se compreender que princípios só podem ser afastados de aplicação por outros princípios, isto é, o intercruzamento de vetores normativos é realizado por princípios e não entre princípios e diretrizes políticas. Adiantando a discussão sobre o papel do legislativo e do judiciário, Dworkin irá estabelecer ao judiciário é conferido encerra demandas judiciais por argumentos de princípio e não por políticas, isto é, os juízes devem argumentar com base de cunho de diretivas de princípio, pois esses argumentos são relacionados a um direito; diferentemente, as diretrizes políticas acenam para objetivos em termos do bem-estar da coletividade. Nesse sentido, comentando a decisão do tribunal no caso Sparten Steel & Alloys Ltd. Vs. Martin & Co.[18], Dworkin aduz:

“Se os juízes fossem legisladores segundos, o tribunal deveria estar preparado a seguir a ultima alternativa, tanto quanto a primeira, e decidir em favor do demandante se fosse essa a recomendação do argumento. É isso, imagino, o que significa a idéia corrente segundo um tribunal deve ser livre para decidir um caso novo como o da Spartan Steel em bases políticas; foi assim, de fato, que lorde Denning descreveu sua opinião neste caso específico. [...] Não obstante, defendo a tese de que as decisões judiciais nos casos civis, mesmo em casos difíceis como o da Spartan Steel, são e devem, de maneira característica, geradas por princípios, e não por políticas” [19].

Juntamente a essa inovadora noção, em que a normatividade dos princípios ganham relevância ao sistema jurídico, é de bom alvitre enunciar que ocorre na filosofia uma derrocada da perspectiva da Filosofia da Consciência em face da Filosofia da Linguagem. Nesse ponto, precisas são as palavras de Jürgen Habermas:

A passagem da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem traz vantagens objetivas, além de metódicas. Ela nos tira do círculo aporético onde o pensamento metafísico se choca com o antimetafísico, isto é, onde o idealismo é contraposto ao materialismo, oferecendo ainda a possibilidade de podermos atacar um problema que é insolúvel em termos metafísicos: a individualidade. [20]

Nesse novo paradigma, a linguagem passa a ser compreendida como condição constitutiva do homem no mundo e não apenas como instrumento de entre o ser e o mundo. O modo da linguagem e sua maneira de realizar-se, ou seja, a compreensão dialógica de algo é o que sustenta o entendimento entre os indivíduos e acerca do algo que compõe o mundo, “nossa compreensão do mundo é, sempre, linguisticamente interpretada. Enquanto lugar do evento do ser, a linguagem é aquele acontecimento originariamente único, no qual o mundo se abre para nós” [21]. A linguagem figura-se como elemento condicionante da existência do homem no mundo que, desse modo, percebe-se ser que compreende e interpreta dentro das possibilidades determinadas pela tradição, e temporalmente se determinam, na e pela linguagem. O Prof. Lenio Streck ensina:

Tradição é transmissão. A experiência hermenêutica, diz o mestre, tem direta relação com a tradição. É esta que deve anuir à experiência. A tradição não é um simples acontecer que se possa conhecer e dominar pela experiência, senão que é linguagem, isto é, a tradição fala por si mesma. O transmitido, continua, mostra novos aspectos significativos em virtude da continuação histórica do acontecer. Toda atualização na compreensão pode entender a si mesma como uma possibilidade histórica do compreendido. Na finitude histórica de nossa existência, devemos ter consciência de que, depois de nós, outros entenderão cada vez de maneira diferente. [22]

Nesse sentido, o legado hermenêutico de Hans-Georg Gadamer, seguindo a linha do filosofo Martin Heidegger, sinteticamente, pode ser verificado nas noções de pré-compreensão e historicidade que remontam ao círculo hermenêutico; esse acaba estabelecendo que as condições que tornam o pensamento possível não são autogeradas, mas estabelecidas bem antes de nos engajarmos em atos de introspecção, há um senso do/no mundo antes de começar-se a fazer julgamentos sobre ele; na verdade, já se está envolvido no mundo bem antes de separar-se dele para entendê-lo; o que existe é o entendimento prévio de fundo, implícito, constantemente em ação.

A perspectiva do Dasein entendido como ser-no-mundo assinala a condição de todo ‘ser’ só pode ser compreendido e existe inserido na faticidade do mundo, só é alguma coisa quando se insere nessa historicidade em que o faz ser algo; o Dasein não é algo estanque mas ‘ser’ que, através de seus envolvimentos práticos no mundo já culturalmente interpretado, está se projetando constantemente para o futuro, quanto permanece enraizado em entendimentos tácitos no presente e no passado, pois a existência do ser não está presa nos pré-entendimentos, tendo em vista que esses são condição na qual se busca entender o mundo de maneira mais explicita e autoconsciente.

O círculo hermenêutico é a projeção interpretativa do Dasein sobre o mundo na forma de projetos individuais, das atividades e da pré-estrutura de fundo que informa os projetos e está em constante movimento com eles. Há um constante diálogo entre os horizontes que se fundem na circularidade que se estabelece diálogicamente pelo círculo interpretativo, sempre profícua a observação de Hans-Georg Gadamer:

Por isso, quando a tarefa hermenêutica é concebida como um entrar em diálogo com o texto, isso é algo mais que uma metáfora, é uma verdadeira recordação do originário. O fato de que a interpretação que produz isso se realiza linguisticamente, não quer dizer que se veja deslocada a um médium estranho, mas, ao contrario, que se restabelece uma comunicação de sentido originário. O que foi transmitido em forma literária é assim recuperado, a partir do alheamento em que se encontrava, ao presente vivo do diálogo cuja realização originária é sempre perguntar e responder[23]


III. AS CONTRIBUIÇÕES DAS TEORIAS DISCURSIVAS PARA O DEBATE

A teoria discursiva de Klaus Günther apóia-se numa distinção relativo ao âmbito de validade da norma jurídica e o âmbito de aplicação normativa. Desse modo, o discurso jurídico comportaria dois níveis de estrutura, quais sejam, discurso de fundamentação ou justificação e discurso de aplicação. A tese desenvolvida por Günther é que a justificação de normas e a aplicação de normas, sejam elas regras e princípios, têm objetivos específicos e orientados por princípios distintos.

No discurso de fundamentação, objetiva-se alcançar sobre a validade das normas que seriam, posteriormente, aplicáveis prima facie, utilizando-se, destarte, da aferição do princípio de universalização. De outro modo, no discurso de aplicação, tem-se o escopo de encontrar a norma adequada diante do caso concreto, considerando as normas válidas.

O discurso de fundamentação, como já dito, relaciona-se com a elaboração de normas válidas sob o prisma do princípio da universalização. Busca-se considerar os interesses de todos os possíveis afetados pela norma em discussão e antecipando-se, na realização da norma, de todas as possíveis conseqüências que essa teria; a legitimação da norma está vinculada ao fato de os interessados terem participado na elaboração da norma e concordarem com os a incidência dela. O debate sobre a ocorrência de determinados casos possíveis para incidência da norma se faz na medida em que a generalização desses é possível, isto é, escolhem-se alguns fatos a partir de elementos comuns e aspectos tidos como relevantes, desprezando a características peculiares de cada situação analisada. O que importa em um discurso de justificação é a determinação do conteúdo semântico de uma norma para que ela seja traduzida em “termos universais” passíveis de aceitação por todos os interessados em circunstâncias gerais e previsíveis.

Certo é que as condições ideais de tempo e de conhecimento não se verificam na realidade fática, há limitações para se discutir a elaboração da norma e seus efeitos, contudo, neste horizonte de tempo e espaço limitados não se perde de vista o princípio de universalização que fundamenta o discurso de justificação. As condições ideais exigidas no plano da justificação de normas devem ser satisfeitas na medida do possível, pois a norma válida se configura pela observância das suas hipóteses de incidência e efeitos colaterais por todos aqueles que consentiram na elaboração da norma nos limites estabelecidos para deliberarem.

Como forma de complementar a ‘versão fraca’ do critério de abstração e universalização do discurso de fundamentação, Klaus Günther propõe um segundo plano discursivo no qual se insere o discurso de aplicação.

O discurso de aplicação toma como partida a existência de normas válidas e aplicáveis prima facie que deverão ser aplicadas a determinado caso. Considera-se nesse plano discursivo os possíveis efeitos colaterais que não foram previstos pelo discurso de justificação, seja pelo não vislumbramento da ocorrência de determinados efeitos ou pela não relevância de tais implicações no momento de discussão para o fomento da norma válida. A singularidade dos casos é a condição de possibilidade para determinar, no plano aplicativo, a suplementar a lacuna discursiva da norma.

Apesar de a norma válida delinear as situações fáticas de incidência, ela não avaliza a sua aplicação sob quaisquer que sejam as circunstâncias. Assim, o plano discursivo de aplicação, previsto pela norma válida elaborada em condições ideais limitadas, é complementado pela descrição do caso concreto singular. De outro modo, determina-se que uma norma válida aplicável prima facie é aquela que se configura pela similitude sintático-semântica entre o enunciado normativo posto e a descrição do caso, levando-se em conta os fatos não considerados e previstos na proposição de ocorrência da norma universalmente válida.

Desse modo, o princípio de universalização possui um cariz ‘forte’ no âmbito discursivo de aplicação, tendo em vista que as normas se configuram válidas e, sob quaisquer que sejam as hipóteses, adequadas devido a aceitação por todos dos efeitos e conseqüências previstas individualmente. Nesse ponto, cabe elucidar que não se está a se discutir a validade da norma, pois se verifica que, na aplicação, a norma é aplicável prima facie em relação a outras normas postas prima facie de acordo com a singularidade do caso; assim, estabelece-se que o sendo de adequabilidade da norma frente ao caso singular é o critério que justifica que se integralize a imposição de um comando normativo ao invés de outro, por conseqüência, produz-se aceitação por todos os interessados. Conforme explanação de Habermas:

“Se entendêssemos a ‘colisão’ das normas ponderadas no processo de interpretação como uma ‘contradição’ no sistema de normas, estaríamos confundindo a ‘validade’ de uma norma, justificada sob o aspecto da fundamentação, com a ‘adequação’ de uma norma que é examinada sob o aspecto da aplicação” [24].

A descrição do caso concreto singular e a hipótese de incidência do enunciado normativo não encerram a discussão sobre a adequabilidade de aplicação de uma norma jurídica, pois esses mencionados critérios podem orientar a aplicação de outras normas válidas. Ocorre, assim, uma reconstrução do senso de adequação de imposição de determinada disposição textual normativo frente ao caso fático.

Essa perspectiva de Günther é de suma importância para a concepção de Habermas no que concerne à atuação dos poderes do Estado, especificamente, o legislativo e o judiciário, pois, o primeiro se relaciona com o discurso de fundamentação e justificação, já o segundo identifica com o discurso de aplicação.

Na seara do legislativo, os indivíduos racionais interessados debatem acerca das conjunturas axiológicas que incidiram na elaboração da norma válida, a partir das razões compartilhadas intersubjetivamente que proporcionam condições de possibilidade de entendimento entre os falantes. Esse ‘pano de fundo’ que promove a compreensão dos indivíduos é precisamente definido por Manfredo de Oliveira:

“o mundo vivido se constitui como horizonte de possibilitação no qual já sempre se situam os que agem comunicativamente: ele é o pano de fundo não explicitado do agir comunicativo e, enquanto tal, o depósito cultural de convicções de uma comunidade humana, o lugar onde se movimentam os que agem comunicativamente. Portanto, as estruturas do mundo vivido estabelecem as formas de intersubjetividade: suas evidencias básicas são evidencias que geram relações intersubjetivas, já que os que agem comunicativamente nelas se apóiam e confiam” [25].

Os sujeitos substituídos pro seus representantes democraticamente eleitos objetivam consensualmente convergir suas proposições axiológicas para a produção da norma jurídica com o escopo de aceitabilidade e obrigatoriedade geral. Nesse ponto, a elaboração da norma válida é lócus que conjuga a pretensão axiológica normatizada na formação do direito posto. Desse modo, compreende-se que os princípios seriam normas deontológicas, pois conjugam pretensões de agir obrigatório com conteúdo de diretivas axiológicas válidas.

No plano do judiciário, que se fundamenta pelo discurso de aplicação, a imposição da decisão jurídica do caso tem de se identificar aos conteúdos normatizados pelo discurso de fundamentação proposto pelo Poder legislativo. Dito de outro modo, não se trabalha com pretensões de cunho axiológico ou de diretrizes políticas, mas com argumentos de princípios que se identificam com os direitos aos quais os destinatários do processo têm em face da concretude do caso fático.

Os princípios pressupõem validade devido à aceitabilidade e generalidade racional pela elaboração nas condições ideais limitadas pelo discurso de fundamentação, contudo, como já referido não se possibilita discutir a validade da norma na aplicação, pois já se deliberou em momento oportuno. Os argumentos de princípio se propõem a serem aplicáveis às situações de acordo com a adequabilidade que enfrentam na realidade fática, verificam, diante da descrição do caso e dos efeitos colaterais não previstos na discussão legislativa, os princípios a serem sopesados e qual deles no intercruzamento se sobrepõe ao outro. As normas-princípios são aplicáveis de maneira integral e não gradual.

As pretensões valorativas dizem respeito a pretensões que visam à consecução de diretivas a serem postas, aos e pelos sujeitos de uma comunidade, na seara legislativa. Os objetivos da coletividade são propostos pelos legisladores para satisfazer os interesses do bem comum, bem como orientam a atividade política. É nesse âmbito que os cidadãos se manifestam para a alteração da tradição que almejam se sustentar. Desse modo, as aspirações de direitos a serem instituídos apenas verificam com a discussão no plano discursivo próprio.

Destarte, os argumentos de cariz valorativo não se processam no plano discursivo da aplicação, pois o Judiciário[26] maneja vetores deotológicos, ou seja, os princípios que reclamam aplicação frente à adequabilidade do caso por se referirem a direitos postos. Não se possibilita graduar a aplicação dos princípios, haja vista a pretensão corretiva de otimização propor rediscutir as razões valorativas que ensejaram a formação da norma válida, incidindo num solapamento do princípio de universalização em que todos os interessados podem se manifestar para a elaboração da norma deliberada.

Desse modo, é relevante a crítica de Habermas à ponderação[27] de princípios de Robert Alexy, por esse compreender princípios e valores como os mesmos comandos estruturais:

“quando Dworkin entende os direitos fundamentais como princípios deontológicos do direito e Alexy os considera como bens otimizáveis do direito, não estão se referindo a mesma coisa. Enquanto normas, eles regulam uma matéria no interesse simétrico de todos; enquanto valores, uma ordem simbólica na qual se expressam a identidade e a forma de vida de uma comunidade jurídica particular. Certos conteúdos teleológicos entram no direito, porém o direito, definido através do sistema de direitos, é capaz de domesticar as orientações axiológicas e colocações de objetivos do legislador através da primazia estrita conferida a pontos de vista normativos”. [28]

Assim, as prescrições jurídicas que são levadas em conta na atuação do judiciário e não as pretensões valorativas a serem medidas para decisão judicial, pois, primeiramente, a legitimidade de utilização de proposições axiológicas é conferida pelo Estado ao Legislativo; segundo, a possibilidade de argumentos políticos no âmbito judiciário enuncia perigosa amplitude de atuação dos juízes para correções legislativas, como se fossem autorizados e/ou tivessem know-how maior que os membros do parlamento de promoverem as diretrizes valorativas.


IV. O CASO DA UNIÃO HOMOAFETIVA: HERMENÊUTICA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Diante das explanações postas, é notório que a atuação no reconhecimento da união homoafetiva pela Corte Suprema não se coaduna com a distinção proposta entre discurso de fundamentação e discurso de aplicação.

A causa que leva a proposição desse reconhecimento de direitos está relacionada a pretensões de cunho axiológico que se vinculam diretamente a consecução de diretivas queridas pelo interesse coletivo da comunidade. Vale pontuar que é válida a pretensão que tem o escopo de regulamentar a união homoafetiva, contudo, a via correta é que se diverge para o alcance do objetivo visado; não haveria que ter atuação positiva do Poder Judiciário, haja vista esse ocupar da aplicação de princípios, que são vetores deontológicos, mas a via legislativa se faz necessário para que se possam aduzir pretensões valorativas que incidam sobre a mudança da norma válida que se consubstancia no dispositivo do §3º, art.226, da Constituição Federal. A distinção de discursos acentua a noção de divisões de competências dos poderes proposto pelo Estado Democrático de Direito.

Na interpretação feita pelo Corte Maior ao dispositivo posto à dúvida de constitucionalidade, o intérprete (STF) acaba objetivando desacoplar algo qual que está ‘escondido’ e ‘essencializado’ como se o legislador tivesse falado algo por detrás do texto enunciado. Quanto ao fato de o constituinte ter sido preconceituoso não se tem dúvidas, todavia, não se pode ‘extrair’ do texto ‘homem e mulher’ o escamoteado ‘homem e homem’. “Não se desacopla do texto um sentido que nele está escondido. Os entes não estão dispersos no mundo à espera desse processo dedutivista. Tampouco a tarefa do interprete é buscar algo que está ‘escondido’ no texto” [29]. Nesse ponto, cabe a metáfora de Humberto Eco quanto à interpretação de textos:

“Se quisermos provar que um texto visível A é o anagrama de um texto oculto B, precisaremos mostrar que todas as letras de A, devidamente reorganizadas, produzem B. Mas se começamos por descartar algumas letras o jogo não tem mais validade. Roma é um anagrama de amor, mas não de amora” [ 30].

Assim, volta-se a discussão posta. Há uma imbricação entre texto e norma interpretada, a moldura sintático-semântica delimita a atuação criativa do intérprete. Além disso, a partir da situação hermenêutica e do sentido antecipado pela pré-compreensão e que emerge o sentido produzido do texto; contudo, a atribuição de sentido não envolve subjetividade assujeitadora do juiz, a interpretação/aplicação se manifesta a partir de nosso modo-de-ser-no-mundo, em que se encontra, como ser-na-Constituição, embasados no sentido posto textualmente. Compreende-se que texto sempre se refere a algo, porque é sempre ser de um ente.

Conclui-se que não se pode verificar a possibilidade de ‘interpretação conforme’ pelo Supremo tribunal Federal objetivando ‘regulamentar’ a união homoafetiva, pois a técnica como foi utilizada não se coaduna com a perspectiva de interpretação jurídica pautada nas noções estabelecidas pela Hermenêutica Filosófica, pois se estar a dizer qual norma em qualquer texto, ou seja, um ser é um ser de um ente. Além disso, a decisão como foi proferida não alinha consonância com a atribuição de competências postas pelos poderes na sua divisão de atuação, tendo em vista a as medidas corretivas de legisladores segundos realizada pelo Supremo Tribunal Federal, o que se deseja numa democracia, na linha de Dworkin, é que os juízes se atentem a argumentos de princípio, a partir dos direitos, não o que eles pensam sobre política, cinema, educação, etc.

Essas medidas corretivas acenam para um ativismo judicial um tanto perigoso. Numa tentativa de adjudicar uma causa de relevante importância, situam as decisões do judiciário em legiferantes, reformando a disposição textual para o bem coletivo. A questão se mostra muito bem aceita pela comunidade quando se tem pretensões ‘boas’, anseios que têm respaldo de recolhimento por todos; o problema se coloca quando surgem ‘pretensões ruins’ argumentativamente fundamentadas no uso ad hoc de valores não normatizados pelo legislativo (discurso de justificação).


VI. BIBLIOGRAFIA

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Notas

  1. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado [...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento
  2. BACHOFF, Otto. Normas Constitucionais Inconstitucionais?. Almedina, 2009, p.62.
  3. ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. Saraiva, 2004, p.72.
  4. Nesse sentido, importante é a reflexão que se extrai dos votos do ministro aposentado Eros Roberto Grau e do ministro Gilmar Ferreira Mendes no julgamento da Reclamação 4335/AC na qual se verifica essa (in)devida linha de pensamento.
  5. SOARES, Ricardo Maurício Freire. Hermenêutica e Interpretação jurídica. Ed.Saraiva, 2010, p.42.
  6. FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A Ciência do Direito. Editora Atlas, 1980, p.13.
  7. FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. Editora Atlas, 2003, p.286.
  8. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma nova crítica do Direito. Forense, 2004, p.19.
  9. Primorosa é a definição de princípio enunciada pelo Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello: “mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. Ed. Malheiros, 2004, pp.771-772.
  10. A título metodológico, far-se-á uma abordagem nesse trabalho das espécies de normas sob a perspectiva dicotômica (regras e princípios), apesar de haver em parte da doutrina a tendência de se classificar as normas sobre o aspecto tricotômico (inserindo postulados).
  11. O autor aborda as concepções dos juristas Josef Esser, Karl Larenz, Claus-Wilhelm Canaris, Robert Alexy e Ronald Dworkin. v.Teoria dos Princípios: Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. São Paulo, 2005, pp.26-31
  12. Basicamente, a regra de reconhecimento de Hart funciona como um cânone de testabilidade de regras no âmbito interno e externo.
  13. DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Martins Fontes, 2002, p.39.
  14. Ob.cit.pp.42-43.
  15. GRAU, Eros. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. Malheiros Meditores, 2003, p.173.
  16. Ob.cit.p.36.
  17. Sinteticamente, o caso narra um acidente em que os empregados do acionado romperam um cabo elétrico da companhia de energia elétrica que fornecia tal energia para o acionante que teve a fábrica fechada para reparos. A discussão incidia sobre o cabimento de indenização ao autor da ação pela perda econômica ocorrida pelos danos à propriedade acontecidos por negligência. v.DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. Martins Fontes, 2002, p 131.
  18. Ob.cit.pp.131-132.
  19. HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-Metafísico: Estudos Filosóficos. Tempo Brasileiro, 1990, p.53.
  20. STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. Livraria do Advogado, 2001, p.174.
  21. Idem. p.181.
  22. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Editora Vozes, 1997, p.542.
  23. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Entre Facticidade e Validade. Vol.1. Tempo Brasileiro,1997, p.271.
  24. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta Lingüístico Contemporânea. Edições Loyola, 1996, p.335.
  25. Nesse ponto, vale fazer referência a preciosa lição de Lenio Streck: “A diferença é que Dworkin não distingue discursos de fundamentação de discursos de aplicação. Consequentemente,não ‘obriga’ ou ‘desonera’ o juiz (discurso de aplicação) da elaboração dos discursos de fundamentação, que se dão previamente. É a integridade do direito e sua reconstrução que devem dar as condições para a resposta correta nos casos difíceis. Mas – e essa diferença é de fundo -, esse ‘lugar’ em que se ‘localizam’ os princípios que serão aptos à resolução do caso não é dado a priori e de forma descontextualizada. De fato, para Dworkin, nos casos difíceis, se os princípios não são criados pelas autoridades de aplicação, também não previamente dados, em um plano contrafactual”. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teoria Discursivas: Da Possibilidade à necessidade de respostas Corretas em Direito. Lumens Juris, 2007, pp.249-250.
  26. Nesse ponto, cabe fazer referencia às críticas de Marcus Seixas Souza à idéia de ponderação de Alexy quando aquele estabelece a distinção entre sopesamento e ponderação: “Reside importante diferença entre aplicação do princípio adequado e a aplicação ponderada de princípios. A primeira respeita o mandamento da Separação de Poderes, se limitando a interpretar os fatos e o Direito válido para encontrar uma norma adequada, entre as possíveis e aplicáveis prima-facie; a segunda, proposta por Alexy, autoriza o magistrado a mitigar princípios que concorrem (prima-facie) para o caso concreto, isto é, corrigir o legislador, diminuindo ou aumentando a intensidade de efetivação de determinado princípio, como se este fosse um valor e pudesse ser manipulado desta forma. O pensamento de Alexy ultrapassa a um bem-aventurado ativismo judicial; parece sequer respeitar as limitações constitucionais fundamentais à mera existência da Democracia, e termina por esvaziar a juridicidade de sua metodologia, já que eticiza o discurso de aplicação de normas”. SOUZA, Marcus Seixas. Coerência e adequação: uma crítica à metodologia da ponderação dos valores. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/12518/coerencia-e-adequacao-uma-critica-.... Acesso em: 20 de Setembro de 2010, p.2.
  27. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Entre Facticidade e Validade. Vol.1. Tempo Brasileiro, 1997, pp.317-318.
  28. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica: Uma nova crítica do Direito. Forense, 2004,p.581.
  29. Eco, Humberto. Interpretação e Superinterpretação. Martins Fontes, 2005, p.72.