"A herança jacente e a herança vacante no direito das sucessões"


PorLucimara- Postado em 15 maio 2013

Autores: 
Fonseca, Laerte Pereira

 

RESUMO: Este artigo se alvitra a fazer um breve estudo acerca dos institutos herança jacente e herança vacante, Ademais objetiva trazer a lume sua relevância no Direito das Sucessões como um instrumento de garantia aos possíveis herdeiros e, dando a segurança jurídica ao de cujus de que seus bens não ficarão a mercê de terceiros estranhos ao mesmo. Para tanto será demonstrado o papel do poder público como guardião desses bens até que apareçam seus herdeiros legítimos, e, não havendo, será este o “herdeiro”.

PALAVRAS-CHAVE: Herança jacente; herança vacante; natureza jurídica.


 

1. INTRODUÇÃO

Sabe-se que no Direito Sucessório a morte é que determina a abertura da sucessão. Transmitindo a posse e a propriedade dos bens dode cujus aos herdeiros legítimos ou testamentários. Para tanto, é necessário que tais herdeiros estejam vivos para recebê-los. Se não, o que fazer com a herança do falecido? É nesse contexto que surge a figura da herança jacente e da herança vacante, delineadas no Código Civil brasileiro de 2002. Este Código adota o princípio “droit de saisine”, o qual determina que a transmissão do domínio e da posse da herança ao herdeiro se dê no momento da morte do de cujus independentemente de qualquer formalidade.

Para melhor compreender a herança jacente faz-se necessário fazer uma viagem ao direito romano onde esta era equiparada à pessoa jurídica. Nesse período da história do Direito, na hipótese de não haver herdeiros necessários, mediava certo lapso de tempo entre a abertura da sucessão e aceitação da instituição de herdeiro por quem de direito, pois não se conhecia o princípio dantes mencionado. A aceitação consistia no ato que tornava o herdeiro titular do patrimônio do falecido, ao contrário do que ocorre hoje, a simples confirmação de uma situação já existente. Para os romanos, até que aparecessem os herdeiros, a herança se assimilava a pessoa jurídica.

Atualmente, em virtude do princípio sainsine, entende-se que existe um titular oculto da herança jacente, sendo ele o herdeiro vê sua situação retroagir a data da morte do de cujus. Na falta do herdeiro, o estado sucederá como se fosse titular da herança.

Insta ressaltar, nesse passo, a abalizada lição do ilustre Itabaiana de Oliveira, citado por Carlos Alberto Gonçalves em sua obra intitulada “Direito Civil Brasileiro”

O conceito moderno de herança difere do direito romano; este considerava a herança, embora não adiada, pessoa jurídica, que representava a pessoa do defunto e, como tal, era capaz de adquirir direitos e constituir obrigações; modernamente, porém, não há herança jacente neste sentido, porque, de acordo com os novos sistemas jurídicos, o domínio e a posse do de cujus transmitem-se, desde logo, aos herdeiros. Assim, por direito pátrio, a herança é: a) jacente_ quando não há herdeiro certo e determinado, ou quando se não sabe da existência dele, ou, ainda, quando é renunciada; b) vacante_ quando é devolvida à fazenda pública por se ter verificado não haver herdeiros que se habilitassem no período de jacência. (2009, p. 116)

É de grande valia salientar, também, o que dizMaria helena Diniz sobre o tema

Modernamente, a herança jacente já não representa a pessoa do auctor successionis e muito menos os herdeiros, nem tampouco é pessoa jurídica. Constitui apenas, um acervo de bens arrecadado por morte do de cujus sujeito a administração e representação, judicial ou extrajudicial, de um curador a quem incumbem os atos conservatórios (CPC, art. 12, IV), sob fiscalização judicial durante um período transitório até sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou a declaração de sua vacância (CC, art.1.819). (2008, p.88)

Em suma, nota-se que tanto a herança jacente quanto a herança vacante não são consideradas pessoas jurídicas, porém são institutos de salutar importância no direito das Sucessões.

2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA HERANÇA JACENTE

A herança, consoante entendimento doutrinário, é considerada jacente quando não há herdeiro certo ou determinado, ou então não se sabe de sua existência, ou ainda quando a herança é repudiada. Trata-se, pois, de uma fase do processo que antecede a vacância. Isso ocorre para que o Estado proteja esses bens até que apareça o herdeiro, e, caso não haja herdeiro, os bens serão incorporados aos bens públicos.

Como dito alhures, a herança jacente não possui personalidade jurídica. Ela é considerada um ente despersonalizado, que no dizer de Washington de Barros Monteiro “consiste num acervo de bens, administrado por um curador, sob fiscalização da autoridade judiciária, até que se habilitem os herdeiros, incertos ou desconhecidos, ou se declare por sentença sua respectiva vacância”. Nesse sentido, doutrinadores de nome têm assim se perfilado, a exemplo de Carlos Roberto Gonçalves, Maria Helena Diniz, Arnoldo Wald, dentre outro, senão vejamos:

A herança jacente – existente quando o "de cujus" não tenha deixado testamento, e não há conhecimento da existência de algum herdeiro – não tem personalidade jurídica nem é patrimônio autônomo sem sujeito. Em suas palavras, a herança jacente "consiste, em bem verdade, em um acervo de bens, administrado por um curador, sob fiscalização da autoridade judiciária, até que se habilitem os herdeiros, incertos ou desconhecidos, ou se declare por sentença a respectiva vacância. (Carlos Roberto Gonçalves)

Pode-se, pois, reconhecer na herança jacente não uma pessoa jurídica, mas sim uma universitas júris, um patrimônio cujo titular momentaneamente é desconhecido e que, por esse motivo, merece a proteção do Estado, que determina a nomeação de curador especial para cuidar dos seus interesses. (Aroldo Wald)

Massa de bens, identificável como unidade, não se personifica por lhe faltarem os pressupostos necessários à subjetivação, tais como objetivo social, caráter permanente, reconhecimento pelo Estado, e por não precisar de personalidade, já que pode agir por outro processo técnico que, embora não lhe outorgue a mesma homogeneidade, lhe possibilita a ação sem quaisquer dificuldades. (Maria Helena Diniz)

Como ficou bem demonstrado, a herança jacente não tem personalidade jurídica, todavia, impende destacar que lhe é reconhecida a legitimação ativa e passiva para comparecer em juízo, gozando de legitimidade ativa e passiva para estar em juízo, quando se fizer necessário. Ressalte-se que esse também é o entendimento jurisprudencial, por isso denominam tal herança como pessoas formais.

Ademais, mister se faz mencionar que no Código Civil atual, tanto a herança jacente quanto a vacante encontram-se no grupo dos entes despersonalizados, contudo, com capacidade de ser parte e para estar em juízo, desde que representado pelo curador.

2.1 ESPÉCIES DE JACÊNCIA

As espécies de jacência são: com testamento e sem testamento. A primeira ocorre quando não houver herdeiro ou, em havendo herdeiro, este não venha a aceitar a herança. A segunda situação em que inexistem herdeiros conhecidos e, se há estes a renunciam.

Vale salientar que, em ambos os casos, o falecido não deixa cônjuge ou companheiro, descendente, ascendente, ou colaterais. Em tais casos, os bens serão arrecadados e consequentemente serão administrados por um curador devidamente nomeado por um juiz competente para tal.

Considera-se jacente, também, a herança deixada para aqueles que ainda não estão aptos a se tornarem titulares do patrimônio que lhes é transferido, por exemplo, o nascituro ou da herança destinada à formação de pessoa jurídica.

2.2 OCASIÃO DA JACÊNCIA

Com a morte do de cujus a herança é transmitida aos herdeiros, não havendo, espera-se tomar a medida cabível até surgir algum herdeiro legítimo e se habilitar. Durante esse lapso temporal o estado toma para si a responsabilidade de proteger os bens do falecido enquanto aguarda os possíveis herdeiros. Tal procedimento tem início com a arrecadação dos bens pelo juiz competente. Essa arrecadação tem por escopo obstar possíveis danos aos mesmos. Para isso, de logo, é confiado sua proteção, conservação e administração a um curador devidamente nomeado por via judicial até que possa ser entregue ao sucessor legalmente habilitado. Não havendo ocorrerá a vacância.

Percebe-se pelo exposto que essa herança tem caráter provisório e não permanente, pois sua função é unicamente encontrar os sucessores da herança, mantendo os bens protegidos a espera do seu legítimo sucessor. Por isso, nesta fase diz-se não haver certeza jurídica. Portanto, é notório que a transitoriedade é característica da herança jacente, ao contrário da vacante, como veremos em momento oportuno.

Importante frisar, por derradeiro, que cumprida todas as diligências pertinentes e, transcorrido um ano do primeiro edital, não tiver aparecido nenhum herdeiro, a herança será declarada vacante, essa é a inteligência do artigo1820 do Código Civil pátrio.

3. A HERANÇA VACANTE: CONCEITO E EFEITOS

A herança é considera vacante quando ultrapassado o tempo prescrito em lei não aparecerem herdeiros sucessíveis. É de clareza solar o artigo 1820 do Código Civil de 2002 que assim assevera: “Praticados as diligências de arrecadação e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da lei processual, e, decorrido um ano de sua publicação, sem que haja herdeiro habilitado, ou penda habilitação, será a herança declarada vacante”. Ademais, vale acrescentar ainda o que traz o doutrinador Carlos Alberto Gonçalves, “a vacância é, pois, quase sempre o estado definitivo da herança que foi jacente.” Saliente-se, também o que diz Sílvio Rodrigues, “herança vacante é a que não foi disputada, com êxito, por qualquer herdeiro e que, judicialmente, foi proclamada de ninguém.”

Diante de tais conceitos pode-se observar que a vacância é o estado definitivo da herança que já foi jacente, pois a sentença que declara vaga a herança põem fim a incerteza jurídica da jacência. Essa é a lição que traz Carlos Roberto Gonçalves:

“A sentença que declara vaga a herança põe fim à imprecisão que caracteriza a situação de jacência, estabelecendo a certeza jurídica de que o patrimônio hereditário não tem titular até o momento da delação ao ente público. Concomitantemente, ao declarar vago o patrimônio hereditário, a sentença de vacância devolve-o ipso iure ao Poder Público.”

Vale ressaltar que a declaração da vacância, não tem o poder de incorporar a herança definitivamente ao patrimônio público. Deve-se, portanto, respeitar o prazo de cinco anos da abertura da sucessão. Sendo assim, a sentença que declara a herança vacante transfere ao poder público a propriedade dos bens arrecadados. Todavia, tal propriedade será resolúvel, assim é o entendimento do Código supracitado, vez que, mesmo vaga a herança permanecerá por algum tempo a espera do aparecimento e a habilitação de herdeiro sucessível.

Nesse sentido expressa o artigo 1822 do Código Civil:

A declaração de vacância da herança não prejudicará os herdeiros que legalmente se habilitarem; mas, decorridos cinco anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados passarão ao domínio do município ou do Distrito federal, se localizados nas respectivas circunscrições, incorporando-se ao domínio da união quando situados em território federal.

Nesse diapasão, mister se faz trazer a lume o conceito de CARLOS ROBERTO GONÇALVES, quando afirma que "a declaração de vacância não impede que o herdeiro sucessível reivindique a herança, enquanto não decorrido o prazo de cinco anos contado da abertura da sucessão.”

Diante disto, não pairam dúvidas de que pode o herdeiro suscetível reivindicar a herança, mesmo quando por sentença for declarada a vacância.

Por fim, MARIA HELENA DINIZ esclarece que

"a sentença que declara a herança vacante transfere ao Poder Público a propriedade dos bens arrecadados; contudo, essa propriedade não será plena, mas resolúvel (CC, art. 1.359) , pois mesmo vaga a herança permanecerá algum tempo aguardando o aparecimento e a habilitação de herdeiro sucessível".

Em face de todo o exposto, não restam dúvidas que pode o herdeiro suscetível reivindicar a herança, mesmo esta tendo sido declarada vacante.

Por derradeiro, é de bom alvitre, trazer a baila que após o trânsito em julgado da sentença declaratória da vacância, não mais será possível haver habilitação do testamenteiro, diferentemente do que ocorre com o cônjuge supérstite e com os herdeiros, que poderão peticionar seus direitos através de ação direta. É o que assevera o artigo. 1158 do Código de Processo Civil, "transitada em julgado a sentença que declarou a vacância, o cônjuge, os herdeiros e os credores só poderão reclamar o seu direito por ação direta".

Ademais, vale destaque, também que outro efeito da vacância é afastar da sucessão legítima os herdeiros de classe dos colaterais, como expressa o parágrafo único do artigo 1822 do Código Civil atual. Todavia, o mesmo código assegura aos credores o direito de pedir o pagamento das dívidas reconhecidas, nos limites das forças da herança, habilitando-se ao inventário ou por meio de ação ordinária de cobrança.

4. CONCLUSÃO

Em balizas derradeiras, pode-se concluir que o Direito das Sucessões dá ao cidadão diversas possibilidades de garantir que seus bens cheguem aos herdeiros legítimos. Para isso é que existe herança jacente e a herança vacante. Tais institutos garantem ao de cujus a segurança jurídica que seus bens ficarão com quem realmente tem direito. 

 

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