A fundamentação dos direitos humanos


Porrayanesantos- Postado em 25 junho 2013

Autores: 
LIMA, Carolina Arantes Neuber

RESUMO: A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a Convenção de Viena de 1993 como fundamentos históricos-normativos dos direitos humanos no plano normativo internacional. A concepção moderna de direitos humanos após seis décadas da promulgação Declaração Universal dos Direitos Humanos face à sua implementação e à globalização. O universalismo, o relativismo e o multiculturalismo dos direitos humanos em face da sociedade moderna.

 

Palavras-chave: Declaração Universal dos Direitos Humanos. Direitos Humanos. Universalismo e Relativismo.

 

Sumário: 1. Introdução. 2. Fundamentando os direitos humanos. 3. A Declaração Universal de 1948 e a concepção contemporânea de direitos humanos. 4. Universalismo e relativismo cultural. 5. Conclusão. 6. Referências bibliográficas.

 

1. INTRODUÇÃO

 

Pretende-se alcançar, com o presente trabalho, a descrição sintética da fundamentação normativa dos direitos humanos no plano internacional, bem como a percepção moderna dos direitos humanos em face da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, concluindo com a discussão entre o universalismo e o relativismo desses mesmos direitos no pensamento pós-moderno.

 

2. FUNDAMENTANDO OS DIREITOS HUMANOS

 

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, inaugurou a fase de positivação e universalização dos direitos humanos (AMARAL JR, 2011, p. 480).

 

Configurada na forma de manifesto, adotada sem consenso num foro composto por apenas cinquenta e seis Estados ocidentais, o documento, de adesão voluntária e sem cunho normativo, foi considerado “produto do Ocidente”, apesar de seu declarado caráter “universal”.

 

“Os direitos estabelecidos na Declaração, embora frequentemente conhecidos: à vida, à liberdade, à segurança pessoal; de não ser torturado nem escravizado; de não ser detido ou exilado arbitrariamente; à igualdade jurídica e à proteção contra a discriminação; a julgamento justo; às liberdades de pensamento, expressão, religião, locomoção e reunião; à participação na política e na vida cultural da comunidade; à educação, ao trabalho e ao repouso; a um nível adequado de vida, e a uma série de outras necessidades naturais, sentidas por todos e intuídas como direitos próprios por qualquer cidadão consciente” (ALVES, 2005, p. 23).

 

Para SANTOS, a “a marca ocidental, ou melhor, ocidental liberal do discurso dominante dos direitos humanos pode ser facilmente identificada (...) na Declaração Universal de 1948, elaborada sem a participação da maioria dos povos do mundo; no reconhecimento exclusive de direitos individuais, com a única exceção do direito coletivo à autodeterminação, o qual, no entanto, foi restringido aos povos subjugados pelo colonialismo europeu; na prioridade concedida aos direitos cívicos e políticos sobre os direitos econômicos, sociais e culturais; e no reconhecimento do direito de propriedade como o primeiro e, durante muitos anos, o único direito econômico” (2003, p. 439).

 

O fato é que tais direitos humanos desagradavam, de um lado, os Estados Socialistas, pelo direito de propriedade, os Estados Islâmicos, pelos direitos de igualdade, etc.

 

No entanto, com a Declaração de Viena, de 1993, os direitos humanos se tornaram formalmente universais, uma vez que a conferência reuniu mais de cento e setenta países, representando todas as grandes culturas, religiões e sistemas sócio-políticos, que adotaram por consenso o documento que, em seu artigo primeiro, estabeleceu que “A natureza universal desses direitos e liberdades não admite dúvidas”.

 

“Normatizou-se”, então, no plano internacional, o caráter universal, indivisível e interdependente dos humanos.

 

No entanto, o grande desafiou passou à esfera real: como trazer para do teórico para a prática, como conciliar os direitos humanos com a gama de diversidades culturais, econômicas, sociais e políticas existentes no plano internacional?

 

3. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE 1948 E A CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA DE DIREITOS HUMANOS

 

“O conceito de direitos humanos que logrou impor-se durante a época da Guerra Fria baseou-se em duas tendências estreitamente unidas entre si: a universalidade dos direitos e seu pertencimento inato à pessoa humana. Apresentavam-se, pois, como produtos de essências imutáveis, e não como produções culturais surgidas em contextos históricos reais. Desse modo, nada nem ninguém poderia ir contra dita essência, já que ao fazê-lo, parecia que se estava atentando contra as próprias características da natureza e o mistério de uma dignidade humana nunca bem definida e só formulada em termos tão gerais quanto difusos” (FLORES, 2009, p. 87).

 

Assim, para ALVES, “no curso de seu meio século de existência, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948, cumpriu um papel extraordinário na história da humanidade. (...) É fato que nenhuma dessas conquistas se verificou sem controvérsias e lutas. Nem mesmo os Estados redatores originais da Declaração se dispuseram seriamente a cumpri-la desde o primeiro momento, conforme evidenciado nas resistências à outorga de natureza obrigatória aos direitos nela definidos” (2005, p. 21-22).

 

Não basta levantar a bandeira dos direitos sociais para que todos os problemas sociais sejam resolvidos. No plano concreto, os direitos humanos ainda residem às margens da atuação dos governos, das sociedades, mesmo após sessenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

 

Para uma corrente de pensadores modernos, acredita-se que grande responsabilidade por esse fato deve ser imputada à universalização do ponto de vista judaico-cristão-ocidental, que não considera os aspectos concretos e reais de divisão social, sexual, étnicos e territoriais do seres humanos.

 

“Por muito que se fale de direitos que as pessoas têm pelo mero fato de serem seres humanos, ou seja, de essências anteriores ou prévias às práticas sociais de construção de relações sociais – a trama densa de relações que definem o sujeito – que lhes dá origem e sentido, sobretudo se queremos fugir da tentação de imputar a toda a humanidade o que não é mais que produto de uma forma cultura de ver e estar no mundo” (FLORES, 2009, p. 90)

 

Assim, para concluir, após todo o período de “vigência” da Declaração dos Direitos Humanos, “segundo os ensinamentos dominantes no pensamento contemporâneo, as pessoas não nascem ‘livres e iguais’ em nenhuma parte do planeta, nem compõem propriamente uma ‘família humana’. A realidade demonstra também que os direitos nela entronizados não são consistentemente respeitados em nenhuma comunidade, nacional ou eletiva, real ou imaginária. Mas o Direito é, afinal, um discurso normativo que apenas aspira a conformar a realidade.”

 

No entanto, o mérito da Declaração é inegável, devido às extraordinárias conquistas lentamente observadas, ainda que nos sistemas jurídicos internos e nas relações jurídicas externas entre os países.

 

4. UNIVERSALISMO E RELATIVISMO CULTURAL

 

Dede a Declaração dos Direitos Humanos de 1948 e, principalmente, após a Conferência de Viena de 1993, os direitos humanos passaram a ser vistos como universais, pelo consenso de todos os Estados.

 

No entanto, com o passar do tempo, a dificuldade de colocar em prática direitos advindos da cultura judaica-cristã-ocidental levou-se ao questionamento sobre a verdadeira universalidade desses direitos, face ao multiculturalismo existente no mundo, mesmo ante a globalização.

 

Os direitos humanos seriam, então, uma invenção da cultura ocidental.

 

Para SANTOS, “enquanto forem concebidos como direitos humanos universais, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica. Para poderem operar como forma de cosmopolitismo, como globalização contra-hegemônica, os direitos humanos têm de ser reconceitualizados como multiculturais. Concebidos como direitos universais, como tem acontecido, os direitos humanos tenderão sempre a ser um instrumento do ‘choque de civilizações’” e “a sua abrangência global será obtida à custa da sua legitimidade local” (2003, p. 438).

 

“A aceitação do multiculturalismo, como contrapartida à rejeição do humanismo universalista, é, aliás, senão o ‘fundamento’ o objetivo essencial do pensamento pós-moderno.” (ALVES, 2005, p. 34)

 

“Mais prudentes e mais construtivas têm sido as variadas tentativas de compatibilização entre o particularismo das culturas diversas e o que há de efetivamente universal na ideia dos direitos fundamentais” (ALVES, 2005, p. 34). Para SANTOS, “todas as culturas são incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana. (...) Aumentar a consciência de incompletude cultural é uma das tarefas prévias para a construção de uma concepção multicultura de direitos humanos” (2003, p. 442).

 

Por fim, conforme acentua ALVES, “a Declaração Universal dos Direitos Humanos serve de base a um expressivo corpus de tratados e mecanismos internacionais a que os Estados aderem volitivamente. Na medida em que se impõe por opção voluntária das diferentes culturas, nada tem ela de efetivamente ‘imperialista’.” (2005, p. 38).

 

Portanto, a questão vai além do universalismo e do relativismo dos direitos humanos, alcançando o multiculturalismo. No pensamento moderno, há que se ter em mente que os direitos humanos apresentam-se como “valores transculturais atualíssimos ao se observar a atuação, nacional e internacional, das ONGs a ele dedicadas”, cada qual lutando pelos direitos de grupos e direitos (individuais, sociais, coletivos) específicos.

 

5. CONCLUSÃO

 

A fundamentação “jurídica” do Direito Internacional dos Direitos Humanos deu-se, inicialmente, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, documento sem força normativa e de pouca representatividade no plano internacional, que propagou a igualdade entre todos os seres humanos.

 

Posteriormente, com a adesão de países representando todas as religiões, sociedades e culturas, veio a Convenção de Viena, cujo documento, de caráter formal e “normativo” teve a adesão consensual de todos os partícipes e se tornou o marco da “universalização” jurídica dos direitos humanos.

 

No entanto, décadas após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, observa-se que tais direitos existem muito mais no plano teórico do que no plano prático, uma vez que são de difícil implementação, principalmente em decorrência das diferenças culturais, sociais e políticas.

 

Considerados como produto do ocidente, os direitos humanos foram questionados como valores universais, principalmente face à diversidade cultural e a dificuldade de implementação pelos próprios países signatários da Declaração dos Direitos Humanos.

 

Após longo período de discussão e estudos, ainda não há consenso doutrinário sobre o universalismo ou o relativismo dos direitos humanos, sendo certo que a corrente preponderante é a que defende o universalismo, respeitando-se o multiculturalismo, principalmente em decorrência do caráter voluntário dos tratados internacionais e do traço “democrático” da atuação dos organismos internacionais, na defesa do interesse de seus sujeitos.

 

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALVES, José Augusto Lindgren. A Declaração dos Direitos Humanos na Pos-modernidade. In: Os direitos humanos na pos-modernidade. São Paulo: Perspectiva, 2005.

 

AMARAL JR, Alberto. Curso de Direito Internacional Público, 2 ed. Rio de Janeiro, Atlas, 2011.

 

FLORES, Joaquim Herrera. Teoria critica dos direitos humanos: os direitos humanos como produtos culturais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Júris, 2009.

 

SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

 

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