"Formas de composição amigável de conflitos"


PorLucimara- Postado em 03 junho 2013

Autores: 
Fernandes, Tarsila Ribeiro Marques

 

Independentemente do tipo de processo e das partes envolvidas, é crescente o incentivo pela composição amigável dos conflitos, a qual pode ocorrer por meio da conciliação, da mediação e da arbitragem.

 A conciliação, ou autocomposição, é realizada quando duas ou mais pessoas buscam pôr fim às divergências existentes entre elas de uma maneira amigável. Pretende-se, com isso, que as próprias partes alcancem uma solução de forma conjunta e participativa, existindo um conciliador que age como facilitador do acordo.[1]

O acordo, por sua vez, pode ocorrer por meio da transação, da renúncia ou da submissão. A transação, conforme se verá adiante com maior profundidade, exige concessões recíprocas, enquanto que na renúncia uma das partes abdica de seu direito em favor da outra e, na submissão, há uma total aceitação da pretensão de uma parte em favor da outra.

 

Por sua vez, na mediação, terceira pessoa, imparcial e independente, orientará as partes envolvidas em um controvérsia no intuito de auxilia-las a melhor compreender a situação em que se encontram e assim chegarem a um acordo.[2] Diversamente do que ocorre na conciliação, a mediação é comumente utilizada nas situações em que as partes possuem uma relação continuada e intensa ou ainda quando a solução do conflito gerará uma nova relação entre as partes, necessitando que haja uma convivência harmônica e, portanto, exige que o mediador se aprofunde no conhecimento do relacionamento das partes e do próprio conflito.[3]

 

Assim, a escolha pela utilização da mediação ou da conciliação será realizada a partir da análise da situação concreta. Vale dizer, se o conflito possuir elementos preponderantemente subjetivos, com necessidade de pacificação da convivência entre as partes, recomenda-se a mediação, a qual busca compreender e superar o conflito. Entretanto, caso o foco seja apenas solucionar um conflito pontual e esporádico, sem se preocupar com a questão emocional subjacente, a conciliação é a técnica indicada, sendo um procedimento mais rápido e objetivo.[4]

 

De seu turno, a arbitragem ocorre quando as partes, de maneira consensual, decidem submeter a decisão do conflito a um terceiro imparcial e de confiança, a quem caberá decidir sobre a questão. Trata-se de instrumento de heterocomposição de conflitos, em que se outorga ao árbitro o poder de decidir a demanda de forma impositiva, tal como uma sentença judicial.[5] Cabe esclarecer que a arbitragem é comumente utilizada para resolver demandas de maior complexidade, as quais exigem um conhecimento técnico específico. No Brasil, a arbitragem é regulamentada pela Lei nº. 9.307, de 23 de setembro de 1996, a qual limita a sua utilização aos direitos patrimoniais disponíveis.

 

As vantagens da composição amigável podem ser assim sintetizadas: baixo custo para as partes envolvidas, rapidez na conclusão do processo, cumprimento mais ágil da obrigação, além de conferir um sentimento de justiça para a sociedade.

 

Tratando do tema, Francesco Carnelutti se manifestou da seguinte forma:

 

El proceso es un medio indispensable para sanar la litis cuando sea rebelde a otros tratamientos más sencillos; pero es tambiém un medio costoso: exige tiempo y dinero. Un buen ordenamiento procesal debe hacerse, por tanto, en forma que, por un lado el proceso no opere sino cuando es necesario, y que, por el otro, se ló pueda substituir por otros médios más econômicos si son igualmente seguros.[6]

 

Conforme se observa das lições acima transcritas, as quais foram publicadas por Francesco Carnelutti pela primeira vez em 1929,[7] há muito a comunidade acadêmica busca encontrar soluções alternativas para resolução de conflitos.

 

Nesse sentido, Mauro Cappelletti e Bryant Garth,[8] inicialmente identificaram os três principais problemas que dificultam ou impedem o acesso à justiça, quais sejam, o alto custo do processo, o desconhecimento da população em relação aos seus direitos e a questão dos interesses difusos. Destarte, no intuito de ultrapassar tais obstáculos, os referidos autores sugerem três “ondas” de acesso à justiça, que seriam representadas pela assistência judiciária para os pobres; por meio da tutela dos interesses difusos e através de um novo enfoque de acesso à justiça.[9] E é justamente esta última “onda” que possui pertinência com o tema tratado no presente estudo, pois ao constatar que os mecanismos anteriores eram insuficientes para garantir o efetivo acesso à justiça,[10] Cappelletti e Garth sugerem uma mudança de procedimentos e de mentalidade, no intuito de aproximar a justiça do cidadão, e os litigantes entre si, para que se formasse uma justiça conciliadora.

 

Existem vantagens óbvias tanto para as partes quanto para o sistema jurídico, se o litígio é resolvido sem necessidade de julgamento. A sobrecarga dos tribunais e as despesas excessivamente altas com os litígios podem tornar particularmente benéficas para as partes as soluções rápidas e mediadas, tais como o juízo arbitral. Ademais, parece que tais decisões são mais facilmente aceitas do que decretos judiciais unilaterais, uma vez que eles se fundam em acordo já estabelecido entre as partes. É significativo que um processo dirigido para a conciliação – ao contrário do processo judicial, que geralmente declara uma parte “vencedora” e a outra “vencida”- ofereça a possibilidade de que as causas mais profundas de um litígio sejam examinadas e restaurado um relacionamento complexo e prolongado.[11]

 

Com efeito, conforme observação de Adolfo Braga Neto,[12] encontra-se enraizada na cultura do cidadão brasileiro o pensamento de que a justiça só é alcançada a partir da intervenção do Poder Judiciário por meio de uma decisão imposta, ainda que muitas vezes tal decisão seja simples aplicação de um texto legal claro e objetivo. Dessa forma, esses paradigmas da sociedade brasileira acabam por gerar um sentimento de preconceito em relação ao novo, visto que este é, até então, desconhecido e pode chegar a resultados imprevisíveis e até inesperados.

 

Busca-se, então, romper o modelo de justiça que confere primazia ao conflito. E, para alcançar o objetivo de garantir de forma efetiva o acesso à justiça, mostra-se necessária a utilização de formas alternativas de solução de demandas, com técnicas processuais diferenciadas, que deem enfoque para a simplificação dos procedimentos. Por meio dessa alteração de paradigmas, pretende-se alcançar o envolvimento do Estado, e não exclusivamente do Poder Judiciário, na questão do acesso à justiça, com a criação de políticas públicas de incentivo a conciliação, arbitragem e mediação.

 

Diante desse contexto, em junho de 1996, o Banco Mundial publicou o Documento Técnico número 319, intitulado de “O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe – Elementos para Reforma”,[13] em que é feito um diagnóstico do Poder Judiciário dos países analisados e discutidos os elementos necessários para assegurar um poder justo e eficiente. Especificamente em relação ao acesso à justiça, que foi tido como um dos maiores problemas da reforma do Judiciário, o referido documento indicou os meios alternativos de resolução de conflitos como um caminho viável e hábil.

 

Vale registrar ainda que o Poder Judiciário brasileiro assumiu um compromisso,[14] na I Reunião de Cúpula Ibero-Americana de Presidentes dos Tribunais de Justiça e dos Supremos Tribunais Federais, realizada em Caracas, em março de 1998, de promover mecanismos alternativos de resolução de conflitos, no intuito de garantir o acesso oportuno do cidadão à justiça. Do referido compromisso, constou ainda, cláusula em que o Brasil se compromete a educar, tanto os cidadãos quanto os demais participantes, para a negociação dos conflitos.

 

Ademais, em 13 de abril de 2009, quando da assinatura do II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais Acessível, Ágil e Efetivo,[15] os três Poderes da República deixaram registrada, de forma expressa, a necessidade de melhoramento da prestação jurisdicional, sobretudo por meio da prevenção de conflitos. E, para consecução de tal objetivo, conforme se observa da alínea “d” do mencionado acordo, registrou-se o compromisso das instituições “em fortalecer a mediação e a conciliação, estimulando a resolução de conflitos por meios autocompositivos, voltados à maior pacificação social e menor judicialização”. Nesse diapasão, merece destaque ainda que o Anexo[16] do referido Pacto, no item 2.11, prevê como matéria prioritária a revisão da legislação que trata da cobrança da dívida ativa, no intuito de racionalizar os procedimentos, tanto em âmbito administrativo quando judicial.

 

Merece destaque também o fato de que consta do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, no capítulo referente às regras deontológicas fundamentais, o inciso VI do parágrafo único do artigo 2º como dever do advogado “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios”.

 

A incorporação de meios alternativos de resolução de conflitos, em especial dos consensuais, ao instrumental à disposição do Judiciário para o desempenho de sua função de dar tratamento adequado aos conflitos que ocorrem na sociedade, não somente reduziria a quantidade de sentenças, de recursos, e de execuções, como também, o que é de fundamental importância para a transformação social com mudança de mentalidade, propiciaria uma solução mais adequada aos conflitos, com a consideração das peculiaridades e especificidades dos conflitos e das particularidades das pessoas neles envolvidas.[17]

 

No entanto, apesar dos benefícios e do incentivo à composição amigável de conflitos, esta ainda se mostra tímida, tanto no âmbito administrativo e, sobretudo no judicial, na hipótese em que se faz presente em um dos polos da ação um ente público, diante do argumento da indisponibilidade do interesse público.

 

É nesse contexto que se faz necessária a alteração de paradigmas clássicos, a fim de tornar possível a existência de uma justiça fiscal consensual, à luz do princípio da dignidade humana[18] e da eficiência administrativa.

 

Afinal, a definição pela atual Constituição da República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito e, portanto, pluralista, traduz a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana em sua plenitude, devendo ser buscada a criação de uma sociedade participativa.[19]

 

Trata-se, contudo, de uma tarefa extremamente árdua e que demanda não apenas uma mudança de padrões e da forma de pensar, mas, sobretudo, de um engajamento de todos os agentes envolvidos no processo. Assim, os Três Poderes da República, juntamente com a sociedade, devem deixar de lado o excessivo apego ao formalismo e ao tecnicismo para que se possa alcançar o objetivo perseguido pelas formas alternativas de resolução de conflitos, que nada mais é que a pacificação social.[20]

 

http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,formas-de-composicao-amigavel-de-conflitos,43695.html