A fixação de valores mínimos de remuneração dos trabalhadores utilizados nas contratações públicas de serviços terceirizados


Porwilliammoura- Postado em 09 maio 2013

Autores: 
MAURÍCIO JÚNIOR, André Jackson de Holanda

 

A fixação de valores mínimos de remuneração dos trabalhadores utilizados nas contratações públicas de serviços terceirizados é uma espécie de parâmetro de aferição de exequibilidade da contratação. Deve ser utilizada de forma excepcional, pois invade a autonomia privada dos licitantes.

Sumário: 1 Introdução; 2 Considerações preliminares sobre os efeitos do novo constitucionalismo no Direito Administrativo; 3 A inexequibilidade das contratações públicas; 4 A aplicabilidade da fixação de valores mínimos de remuneração dos trabalhadores utilizados nas contratações públicas de serviços terceirizados; 5  Posicionamento do Tribunal de Contas da União sobre o tema; 6 Tratamento da IN/SLTI nº 02/2008 do MP sobre a exigência de custos mínimos de remuneração dos trabalhadores utilizados nas contratações de serviços terceirizados; 7  Conclusões; 8  Referências.


1 INTRODUÇÃO

A possibilidade de fixação de valores mínimos de remuneração dos trabalhadores utilizados nas contratações públicas de serviços terceirizados é um tema bastante polêmico no âmbito das licitações e contratações públicas, gerando dúvidas e insegurança jurídica aos profissionais que atuam diretamente nessa área.

Em razão disso, o presente estudo pretende enfrentar as principais questões jurídicas que rodeiam a exigência de custos mínimos de remuneração nas contratações públicas, com observância das normas constitucionais, legais e infralegais pertinentes ao tema.

A abordagem do tema abrangerá, inicialmente, algumas considerações prévias sobre os efeitos do novo constitucionalismo no Direito Administrativo, evidenciando-se o reconhecimento da força normativa da Constituição, o princípio da juridicidade e a derrocada da idéia de vinculação positiva à lei (positive Bindung).

Após, serão abordadas questões ligadas à aplicabilidade da fixação de valores mínimos de remuneração dos trabalhadores utilizados nas contratações públicas de serviços terceirizados, expondo-se, de plano, que a exigência de custos mínimos consubstancia um critério de inexequibilidade específica que somente se mostra adequado nas contratações de serviços terceirizados pagas por disponibilidade ou baseadas na locação de postos de trabalho. Demonstrar-se-á, então, os fundamentos jurídicos que dão sustentabilidade à fixação de custos mínimos remuneratório, evocando-se, para isso, as regras e princípios constitucionais pertinentes. Será, ainda, analisada a importância da dignidade da pessoa humana para a aplicabilidade da exigência dos valores mínimos de remuneração dos trabalhadores utilizados nas contratações de serviços terceirizados.

Para uma visão holística do tema em exame, será exposto também o histórico do entendimento do Tribunal de Contas da União, demonstrando o atual posicionamento da referida Corte de Contas sobre o assunto.

Por fim, serão consolidadas as conclusões sobre a fixação de valores mínimos de remuneração dos trabalhadores utilizados nas contratações de serviços terceirizados.


2 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES SOBRE OS EFEITOS DO NOVO CONSTITUCIONALISMO NO DIREITO ADMINISTRATIVO                  

Para a compreensão plena e adequada da matéria a ser enfrentada, faz-se necessário algumas considerações preliminares a respeito da influência das normas constitucionais (regras e princípios) sobre o ordenamento jurídico, especialmente sobre o Direito Administrativo.

Em decorrência da consagração de um novo constitucionalismo pós-moderno, onde o pós-positivismo é a corrente filosófica determinante, o Direito contemporâneo caracteriza-se pelo reconhecimento da força normativa da Constituição, tendo por consectário a constitucionalização dos diversos ramos do Direito, entre eles o Direito Administrativo. Nesse ponto, confira-se a lição de Gustavo Binenbojm[1]:

A passagem da Constituição para o centro do ordenamento jurídico representa a grande força motriz da mudança de paradigmas do direito administrativo na atualidade. A supremacia da Lei Maior propicia a impregnação da atividade administrativa pelos princípios e regras naquela previstos, ensejando uma releitura dos institutos e estruturas da disciplina pela ótica constitucional.

O reconhecimento da centralidade da Lei Maior no ordenamento jurídico demanda a reformulação, entre outros, do paradigma da estrita vinculação do administrador à lei (princípio da legalidade). A Constituição deixa de ser compreendida como reprodutora de meras divagações políticas e passa a adotar, nos dizeres de Alexy, um modelo axiológico de Constituição como norma[2], estatuindo-se, por conseguinte, a imperatividade de suas disposições, inclusive dos princípios e direitos fundamentais.

Com a força normativa da Constituição, que demanda o surgimento de uma nova interpretação constitucional, consagrou-se o que a doutrina denomina de “constitucionalização do direito”. É dizer, a Constituição passou a ser o centro do sistema jurídico em torno do qual gravitam todos os outros ramos do Direito, servindo de baliza para todas as situações jurídicas existentes.

Com efeito, a Constituição, a par de integrar, passou a ser o fundamento de validade de todo ordenamento, irradiando suas disposições sobre todos os fatos da vida que tenham relevância para o mundo jurídico. Nessa linha, a própria juridicização dos fatos da vida, bem como a regência normativa dos fatos jurídicos, dependem de prévia “filtragem constitucional” das respectivas normas jurídicas postas no ordenamento jurídico.

Em face disso, o administrador deve sempre observar as normas constitucionais, quando da aplicação das normas infraconstitucionais, superando-se o dogma de que ele só poderia atuar em razão de expressos comandos legais, conforme explica Luís Roberto Barroso[3]:

Supera-se, aqui, a idéia restritiva de vinculação positiva do administrador à lei, na leitura convencional do princípio da legalidade, pela qual sua atuação estava pautada por aquilo que o legislador determinasse ou autorizasse. O administrador pode e deve atuar tendo por fundamento direto a Constituição e independentemente, em muitos casos, de qualquer manifestação do legislador ordinário. O princípio da legalidade transmuta-se, assim, em princípio da constitucionalidade ou, talvez mais propriamente, em princípio da juridicidade, compreendendo sua subordinação à Constituição e à lei, nessa ordem.

É possível, inclusive, afirmar que esse entendimento foi expressamente reconhecido pelo legislador ordinário, no art. 2º, parágrafo único, I, da Lei nº 9.784/99[4], onde se previu a atuação da Administração Pública conforme a lei e o Direito[5].

De reconhecer-se, assim, conforme apregoa a doutrina administrativista de vanguarda, a ocorrência de uma mutação do clássico princípio da legalidade[6] para o denominado princípio da juridicidade, onde as ações administrativas não devem ater-se somente às leis, devendo abarcar, além delas, todo o “bloco de legalidade”, ou seja, todas as normas jurídicas (regras e princípios) presentes no ordenamento jurídico. Nesse sentido, transcrevem-se os prelecionamentos de insígnes juristas:

(...)

Contudo, pelas razões já estudadas acima, atinentes à crise da lei formal, assim como em virtude da emergência do neoconstitucionalismo, não mais se pode pretender explicar as relações da Administração Pública com o ordenamento jurídico à base de uma estrita vinculação positiva à lei. Com efeito, a vinculação da atividade administrativa ao direito não obedece a um esquema único, nem se reduz a um tipo específico de norma jurídica – a lei formal. Essa vinculação, ao revés, dá-se em relação ao ordenamento jurídico como uma unidade (Constituição, leis, regulamentos gerais, regulamentos setoriais), expressando-se em diferentes graus e distintos tipos de normas, conforme a disciplina estabelecida na matriz constitucional.

A vinculação da Administração não se circunscreve, portanto, à lei formal, mas a esse bloco de legalidade (o ordenamento jurídico como um todo sistêmico), a que aludia Hauriou, que encontra melhor enunciação, para os dias de hoje, no que Merkl chamou de princípio da juridicidade administrativa. Foi essa a influência que determinou a inserção, no art. 20, § 3º, da Lei Fundamental de Bonn, da vinculação do Poder Executivo e dos Tribunais à lei e ao direito (sind an Gesetze und Recht genbunden). Tal idéia, de vinculação ao direito não plasmado na lei, marca a superação do positivismo legalista e abre caminho para um modelo jurídico baseado em princípios e regras, e não apenas nestas últimas.[7]

Neste novo contexto, ao ordenar ou regular a atuação administrativa, a legalidade não mais guarda total identidade com o direito. O direito passa a abranger, além das leis – regras jurídicas –, os princípios gerais de Direito, de modo que a atuação do Poder Executivo deve conformidade não apenas à lei, mais ao Direito, decomposto em regras e princípios jurídicos, com superação do princípio da legalidade pelo princípio da juridicidade.

(...) É com a noção de juridicidade que se abandona um conceito primário de legalidade, satisfeito com o cumprimento nominal e simplista de regras isoladas. Parte-se em busca da observância íntegra do Direito, compreendido este como um conjunto de normas dentre as quais se incluem os princípios expressos e implícitos, bem como as regras específicas do ordenamento.

(...)

Destarte, atualmente quando se fala que, segundo o princípio da legalidade, o administrador público somente pode agir se a lei expressamente o autoriza, entenda-se lei como toda norma jurídica, princípios constitucionais explícitos ou implícitos, princípios gerais de direito, regras legais, normas administrativas (decretos, portarias, instruções normativas, etc.).[8]

Desse modo, com a inserção da noção de juridicidade[9] ao princípio da legalidade, a idéia de vinculação positiva à lei (positive Bindung) cuja afirmação representativa, no âmbito do Direito Administrativo, é a de que “a Administração só atua quando previamente autorizada pela lei”, deve ser reformulada para a seguinte: “a Administração só atua quando previamente autorizada por norma jurídica”.

Ademais, em razão da própria noção de juridicidade e também da complexidade e do dinamismo das sociedades pós-modernas, onde os fatos jurídicos são os mais variados possíveis, tem-se sustentado a impossibilidade de adoção de um princípio de tipicidade rígida, onde as ações administrativas deveriam estar detalhadamente disciplinadas em atos normativos. De fato, o amplo reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos (explícitos e implícitos) cuja plurivocidade é patente e a utilização de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, inclusive por regras legais, demostram a inconsistência e, até mesmo, inviabilidade de se exigir um delineamento específico dos todos os atos ou atividades administrativas. Veja-se, nessa linha, o posicionamento da abalizada doutrina:

(...) Se existe órgão ou entidade administrativa dotado de competência genérica para desenvolver atividades administrativas, não é necessário que seja aprovada lei que trate especificamente de cada ato ou atividade a ser desenvolvida por essas unidades, salvo se esse ato ou essa atividade administrativa impuser ao particular a obrigação de fazer ou de deixar de fazer algo.

(...) Exigir que cada programa de governo, que cada ato praticado ou atividade desenvolvida tenham sido detalhadamente disciplinados por meio de lei se trata de equívoco acerca da interpretação do princípio da legalidade.

Essa visão extremamente restritiva pode ser justificada em períodos de exceção democrática, em que o Poder Executivo carece de legitimidade. Essa é, todavia, destoante da realidade dos dias atuais, em que o Executivo está legitimado pelo voto popular e que dele se espera maior agilidade para atender as novas necessidades da população.[10]

Cumpre frisar, ainda, que o fato de se exigir que o administrador somente aja quando previamente autorizado por norma jurídica não significa que valha, no âmbito do Direito Administrativo, o princípio da tipicidade rígida. Não é necessário que cada conduta do Poder Público seja precedida de uma regra legal que minuciosamente tenha descrito os aspectos do comportamento administrativo.

Em inúmeras circunstâncias, até mesmo as regras legais que regulamentam de modo específico dada situação são compostas por conceitos jurídicos indeterminados, com previsão de cláusulas gerais, que descrevem, abstratamente, as condutas administrativas. Embora seja necessário um mínimo de determinação capaz de viabilizar a aplicação da norma, considera-se atendida a legalidade administrativa em se tratando de uma previsão definidora dos limites da atuação do agente público. Inadmissível exigir uma normatização permissiva ou proibitiva que se esgote em um literalismo simplório e, em última instância, inviável, mesmo porque valores sociais complexos integram, em inúmeros casos, o processo de aplicação das normas em questão.[11]

Assim, em face do princípio da juridicidade, as ações administrativas podem e devem ser pautadas e extraídas de princípios jurídicos e não precisam estar minuciosamente descritas em regras legais. Fincadas essas considerações, passa-se a a análise do tema ora versado.


3 A INEXEQUIBILIDADE DAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

As licitações públicas estão fundamentadas em dois princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública: os princípios da isonomia e da eficiência. Esses princípios foram consagrados na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, em seu art. 3º, na medida em que se estabeleceu que a “licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração (...)”.

O princípio da isonomia resguarda a competitividade das licitações pública, na medida em que garante tratamento igualitário[12] para todos os participantes. Por sua vez, a seleção da proposta mais vantajosa, extraída do princípio da eficiência, exige a busca pela melhor relação de custo-benefício para a Administração, conjugando-se aspectos ligados à qualidade e à economicidade das contratações públicas. Nesse sentido, vejam-se os prelecionamentos da doutrina:

[a observância do princípio constitucional da isonomia] Significa que deve haver garantia de tratamento igual para todos os participantes, é uma garantia do princípio da competitividade. (...)

[selecionar a proposta mais vantajosa] Essa vantagem exigida na seleção licitatória tem relação com o princípio da eficiência, que não consta no rol deste artigo por ter sido inserido apenas posteriormente (Emenda Constitucional 19/98) na Constituição Federal. Não Obstante, a eficiência é princípio que vincula e deve nortear as contratações públicas. O gestor público deve sempre buscar a melhor e mais adequada solução para problemas administrativos, tendo como parâmetro o interesse público e a legalidade.

Como reflexos correlatos à eficiência, tem-se que a opção contratual deve buscar soluções econômicas e céleres para o problema em questão.

(...)

Esse bom trato da res pública, atendendo à eficiência e à economicidade, tem relação direta com a concepção de Estado Democrático de Direito, no qual as regras e a atuação administrativa buscam dar garantias à coletividade, mas também protegem o indivíduo, inclusive de uma atuação exageradamente onerosa ou ineficiente do Estado que ele sustenta, através dos tributos.[13]

De modo geral, a vantagem buscada pela Administração deriva da conjugação dos aspectos da qualidade e da onerosidade. Significa dizer que a Administração busca a maior qualidade da prestação e maior benefício econômico. As circunstâncias determinam a preponderância de um ou outro aspecto. (...)

(...)

A vantagem não se relaciona apenas e exclusivamente com a questão financeira. O Estado necessita receber prestações satisfatórias, de qualidade adequada. De nada serviria ao Estado pagar valor irrisório para receber objeto imprestável. Muitas vezes, a vantagem técnica apresenta relevância tamanha que o Estado tem de deixar a preocupação financeira em segundo plano.[14]

Os referidos princípios, a par de nortearem as licitações públicas, fundamentam e conformam o mecanismo de desclassificação de propostas com preços inexequíveis. É que, caso fossem considerados dentro do conceito de “proposta vantajosa” somente aspectos de ordem econômica, seria impossível a desclassificação de propostas com preços insustentáveis ou irrisórios. Por outro lado, o princípio da isonomia deve garantir que a competitividade do certame licitatório não seja abalada pela utilização indevida de critérios de inexequibilidade.

É possível, até mesmo, retirar o fundamento da exigência de exequibilidade das propostas diretamente da regra estipulada no art. 37, XXI, da Constituição Federal, na parte em que admite, nos procedimentos licitatórios, exigências indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações, conforme sustenta Adilson Abreu Dallari:

A preocupação com a “garantia do cumprimento das obrigações” (prevista no art. 37, XXI, da CF) não diz respeito exclusivamente à pessoa (física ou jurídica) do ofertante, e não se exaure com o término da fase de habilitação. Esse mesmo preceito constitucional impõe o dever de verificar se a proposta feita, em si mesma, tem ou não condições de exeqüibilidade.

A Administração Pública não pode meter-se em contratações aventurosas; não é dado ao agente público arriscar a contratação em condições excepcionalmente vantajosas, pois ele tem o dever de zelar pela segurança e pela regularidade das ações administrativas.[15]

Desse modo, a inexequibilidade das propostas de preços nas licitações públicas deve ser reconhecida sempre que se ponha em risco o desempenho adequado dos serviços ou das obras que o Estado pretende contratar.[16]

A questão da inexequibilidade é tratada na Lei nº 8.666, de 1993, primeiramente no art. 40, X. Segundo o referido dispositivo legal, é vedada a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referências, salvo o disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 48, que tratam dos critérios de inexequibilidade para os casos de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia.

Uma leitura açodada do art. 40, X, da Lei nº 8.666, de 1993, poderia levar a conclusão equivocada de que a inexequibilidade das propostas de preços somente seriam aceitáveis no caso de licitações para obras e serviços de engenharia. Ocorre que o próprio parágrafo 1º do art. 48 da Lei de Licitações e Contratos fez remissão ao inciso II do caput do indigitado artigo, de onde se extrai, de conseguinte, a possibilidade, de forma ampla, de desclassificação de propostas com preços manifestamente inexequíveis, quais sejam: “aquelas que não venham a ter demonstrada a sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato”.

Além do mais, o § 3º do art. 44 da Lei nº 8.666, de 1993, estabelece que “não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescido dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos”.

Verifica-se, então, que é plenamente possível a desclassificação de propostas com preços insustentáveis ou irrisórios em outras espécies de licitações[17], não se limitando às licitações para obras e serviços de engenharia.  O que estaria a princípio proibido, seguindo uma linha de interpretação estritamente literal, seria a utilização dos critérios percentuais estabelecidos no parágrafo 1º do art. 48 da Lei nº 8.666, de 1993. Corroborando esse entendimento, colhem-se os seguintes esclarecimentos da literatura jurídica especializada:

É importante esclarecer que os critérios de exequibilidade previstos no § 1º do artigo 48 da Lei nº 8.666/93 referem-se expressamente às hipóteses de licitações de “menor preço para obras e serviços de engenharia”. Assim, de acordo com tal limitação, outros certames, como, por exemplo, a contratação de serviços que não sejam caracterizados como de engenharia, não estariam, em princípio, abrangidos pela incidência desses critérios de aferição de inexequibilidade. Neles, em tese, a inexequibilidade seria verificada apenas em função da apresentação de documentação que comprovasse que os custos são incompatíveis com os de mercado ou com a produtividade esperada, de acordo com as previsões editalícias.

(...)

Mesmo em uma interpretação literal, não se admitindo a utilização do percentual do dispositivo como presunção relativa da inexequibilidade, poder-se-ia aferi-la através de diligências outras que demonstrassem a impraticabilidade dos preços apresentados pelo licitante. (...)[18]

Aliás, é importante consignar ainda que, utilizando-se de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, a utilização dos critérios percentuais estabelecidos no parágrafo 1º do art. 48 da Lei nº 8.666, de 1993, nas licitações para obras e serviços em geral, seria aceitável e recomendado, desde que guarde pertinência e adequação à realidade mercadológica do serviço ou obra a ser contratada. É dizer, desde que os critérios percentuais de inexequibilidade reflitam os limites mínimos de aceitabilidade dos preços praticados no respectivo mercado, sendo aptos a assegurarem um desempenho adequado e eficiente na execução do objeto contratual, não haveria óbice na utilização de critérios percentuais de aferição de preços inexequíveis em licitações de obras e serviços gerais, seja com a utilização do parâmetro percentual apontado no parágrafo 1º do art. 48 da Lei nº 8.666, de 1993, ou, até mesmo, lançando-se mão de outros parâmetros percentuais previamente definidos.

Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União vem aceitando a utilização dos critérios percentuais de aferição de preços inexequíveis, contidos no parágrafo 1º do art. 48 da Lei nº 8.666, de 1993, nas contratações cujo objeto não seja obras e serviços de engenharia[19]. Em acórdão mais recente, o Tribunal de Contas da União exarou entendimento semelhante, no sentido de que, muito embora o Estatuto de Licitações e Contratos somente tenha definido parâmetros de cálculo para verificação da exequibilidade para as licitações de obras e serviços de engenharia, devem ser estabelecidos critérios objetivos de inexequibilidade nas licitações de obras e serviços gerais, eis que não é admissível subjetivismos na condução de certames licitatórios:

Voto do Ministro Relator

10. De fato, assiste razão aos Responsáveis quando aduzem que não há regra específica sobre a inexequibilidade de preços para a aquisição de bens de consumo. A lei nº 8.666/1993, utilizada de forma subsidiária no pregão, define parâmetros de cálculo para a verificação da exequibilidade, somente para obras e serviços de engenharia (art. 48, § 1º). Também não há nos Decretos nºs 3.555/2000 e 5.450/2005, que regem o pregão, dispositivo específico tratando de inexequibilidade de preços.

11. Diante desta lacuna, não cabe ao pregoeiro estipular, de maneira subjetiva, critérios de exequibilidade de preços, uma vez que não há espaço para subjetivismos na condução dos certames públicos (art. 44, § 1º, da Lei de Licitações).

12. Para essas situações, já decidiu esta Corte que não cabe ao pregoeiro ou à comissão de licitação declarar a inexequibilidade da proposta da licitante, mas facultar aos participantes do certame a possibilidade de comprovarem a exequibilidade das suas propostas (Acórdão nº 1.100/2008 - Plenário).

13. Tal solução privilegia o interesse público, ao resguardar a Administração de levar a frente um certame em que a proposta é inexequível, no mesmo passo em que impede a utilização de subjetivismos na decisão.

Acórdão

(...)

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão da Primeira Câmara, ante as razões expostas pelo Relator, em:

(...)

9.2. determinar à Gerência Executiva do INSS em Fortaleza que adote, em suas licitações, critérios objetivos e claros de aceitabilidade de preços unitários e globais, consoante os arts. 40, inciso X, 44, caput e § 1º, e 45, caput, da Lei nº 8.666/1993, bem como faculte aos participantes dos certames a possibilidade de comprovarem a exeqüibilidade de suas propostas, conforme a jurisprudência deste Tribunal;

(Acórdão 559/2009 - Primeira Câmara, Ministro Relator Augusto Nardes, Aprovação 18/02/2009, DOU 20/02/2009)

Ademais, cabe ressaltar que o critério objetivo de aferição da inexequibilidade encarta tão-somente uma presunção relativa, devendo ser conferido à licitante a oportunidade de infirmar a presunção estabelecida, ou seja, a licitante poderá demonstrar, no caso específico, a exequibilidade de sua proposta[20].

Constata-se, então, que a desclassificação por inexequibilidade de propostas com preços insustentáveis ou irrisórios encontra fundamento na regra estipulada no art. 37, XXI, da Constituição Federal e no princípio constitucional da eficiência, com vistas a garantir a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública e, desde que utilizada de forma criteriosa e objetiva, guarda consonância com o princípio da isonomia, na medida em que não elimina a competitividade do certame licitatório, podendo ser utilizada nas licitações para obras e serviços em geral, e não só naquelas dirigidas a obras e serviços de engenharia.




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