A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade da Guarda Compartilhada


Pormarianajones- Postado em 20 maio 2019

Autores: 
Fernanda Heloisa Macedo Soares

RETIRADO DE : http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadirDIREITO & JUSTIÇA A revista da Escola de Direito da PUCRS e-ISSN: 1984-7718 DIREITO DE FAMÍLIA | ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 208

A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade da Guarda Compartilhada

The parental alienation in relation to the applicability of the joint custody

Fernanda Heloisa Macedo Soares 

DOI: 10.15448/1984-7718.2016.2.26083

RESUMO: A presente pesquisa, considerando as inovações jurídicas acerca dos direitos das crianças e dos adolescentes, tem por objeto a aplicabilidade da guarda compartilhada nos casos em que se configura a alienação parental. A guarda compartilhada tem ganhado cada vez mais destaque como melhor alternativa quando de rompimento do relacionamento amoroso entre os pais, visando manter o vínculo entre esses e os filhos. No entanto, também se encontra em pauta a alienação parental, que ao invés de favorecer o direito à convivência familiar dos filhos com seus pais, acaba gerando situações conflituosas. A problematização que se buscou responder foi: de que modo ocorre a aplicabilidade da guarda compartilhada quando dos casos de alienação parental? O objetivo geral da pesquisa foi relacionar a aplicabilidade da guarda compartilhada e a alienação parental. Os objetivos específicos foram: contextualizar a evolução histórica do direito de família, especialmente no Brasil, com o instituto da guarda compartilhada; esclarecer sobre os principais aspectos da alienação parental, incluindo a análise das perspectivas jurídicas atuais sobre o assunto; examinar sobre a guarda compartilhada e os casos de alienação parental.

Palavras-chave: Guarda Compartilhada; Alienação Parental; Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.

ABSTRACT: This research, considering the legal innovations on the rights of children and adolescents, is engaged in the applicability of joint custody where you configure the parental alienation. The shared custody has gained more prominence as the best alternative when breaking the loving relationship between parents, to maintain the link between these and the children. However, it is also on the agenda parental alienation, which instead of promoting the right to family life of the children with their parents, ends up generating conflict situations. The issue that sought to answer was: how do the applicability of joint custody works in cases of parental alienation? The research’s overall objective was to relate the applicability of shared custody and parental alienation. The specific objectives were: to contextualize the historical evolution of family law, especially in Brazil, with the Institute of shared custody; clarify the main aspects of parental alienation, including the analysis of  Mestre em Direito pelo Centro Universitário Euripedes de Marília. Professora adjunta da Associação Educativa Evangélica – FACEG. Contato: ferdi1026@gmail.com . SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 209 current legal perspectives on the subject; examine about shared custody and cases of parental alienation. Keywords: Joint Custody; Parental Alienation; Best Interest of the Children Principle.

INTRODUÇÃO

O Direito de Família brasileiro vem passando por grandes transformações nas últimas décadas e essas mudanças se devem, especialmente, à necessidade de adaptação das normas às realidades que a sociedade vivência. Com efeito, a República Federativa do Brasil, instituída como um Estado Democrático de Direito por meio da Constituição Federal de 1988, possui um conjunto normativo que visa regular as relações sociais, o que inclui o âmbito das relações familiares. Essa interferência estatal nas relações privadas familiares se deve, sobretudo, ao reconhecimento de que a instituição familiar é base do Estado, e, dessa forma, enseja uma proteção especial. Além disso, tem-se que a Constituição também dispõe sobre a proteção e defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes que, como membros integrantes da família, são destinatários também de direitos específicos. Diante disso, a presente pesquisa tem como foco a questão que envolve a alienação parental e a guarda compartilhada, de modo a analisar esses dois institutos que possuem disposições recentes no ordenamento jurídico brasileiro. A problematização que se busca responder é: de que modo ocorre a aplicabilidade da guarda compartilhada quando dos casos de alienação parental? Para se alcançar a resposta para tal indagação, o objetivo geral da pesquisa é relacionar a aplicabilidade da guarda compartilhada com incidência da alienação parental. Os objetivos específicos são: contextualizar a evolução histórica do direito de família, especialmente no Brasil, com o instituto da guarda compartilhada; esclarecer sobre os principais aspectos da alienação parental, incluindo a análise das perspectivas jurídicas atuais sobre o assunto; examinar sobre a guarda compartilhada e os casos de alienação parental. A metodologia que se vale é a pesquisa bibliográfica. A partir da linha dedutiva, emprega-se de abordagens descritiva, analítica e explicativa, buscando-se a elaboração de um artigo científico claro e objetivo sobre o tema proposto. Para SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 210 tanto, são utilizados o conjunto normativo vigente no Estado brasileiro e a doutrina, nos âmbitos do Direito Constitucional e do Direito de Família. Para efeitos didáticos, o presente artigo científico é dividido em três partes. A primeira parte trata do contexto do Direito de Família e do instituto da guarda no Direito brasileiro. A segunda parte se volta para a análise da alienação parental, considerando, sobretudo, as disposições legais recentes sobre esse ponto do Direito de Família. E a terceira tem como objeto de estudo, especificamente, a guarda compartilhada nos casos de alienação parental.

1 CONTEXTO HISTÓRICO DO DIREITO DE FAMÍLIA E DO INSTITUTO GUARDA NO DIREITO BRASILEIRO

Esta primeira parte da pesquisa se dispõe a contextualizar o Direito de Família e o instituto da guarda no Direito brasileiro. Por certo, a compreensão da evolução do Direito de Família brasileiro é essencial para que se possa esclarecer sobre o instituto da guarda como se encontra nos moldes atuais, especialmente quanto à guarda compartilhada. Observam-se as considerações de Castro (2009, p. 102): As necessidades básicas jungem-se às próprias condições de existência individual e da espécie – indivíduo e grupo –, referindose à vida biológica e à social. Essas necessidades deram origem ao primeiro núcleo institucional a que denominamos família. Dessa instituição, de estrutura variável, se considerada historicamente, originaram-se as demais instituições, ou dela desmembraram-se, em decorrência de mudanças qualitativas provocadas pelo crescimento quantitativo do grupo. As necessidades instrumentais ligam-se aos bens indispensáveis para a satisfação das necessidades básicas. Não basta a vida; é necessário sobreviver, urgindo, para tanto, a concorrência de bens materiais para a manutenção da integridade biopsíquica e sociocultural do indivíduo e do grupo. As instituições econômicas encontram-se embasadas na família. Vêm sofrendo, porém, um processo de progressiva especialização também através do concurso do Estado. [...]. As necessidades políticas são caracterizadas por nós como instrumentais-integrativas pelos bens a que visam – definição das posições sociais, a justiça, a segurança e a ordem – sendo a integração grupal na sociedade inclusiva – a Nação. Daí ser o Estado a instituição máxima numa configuração nacional e territorial, por suas atribuições. Exerce o poder normativo de estabelecer formas e definir fins para as demais instituições. SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 211 A linha de pensamento desse autor depreende do entendimento de que a família é a primeira forma de associação que surge na humanidade, e, que dela emanam as demais instituições até que se chegue ao Estado. Segundo a citação em análise isso significa que o grupo familiar tem origem nas necessidades individuais sociais e biológicas. Contudo, essas necessidades só podem ser plenamente satisfeitas a partir de outros bens que também são imprescindíveis à existência da família. Assim, surgem outras instituições que interagem com a família, chegando à instituição máxima que é o Estado. O Estado, por sua vez, interage com todas essas instituições, especialmente buscando assegurar valores acolhidos pela sociedade, como justiça, segurança e ordem. Nesse sentido, tem-se que o Estado possui a função de regular as relações entre as instituições, inclusive, no âmbito das próprias relações familiares. No Brasil, a Constituição Federal em vigor, promulgada em 05 de outubro de 1988, reconhece em seu art. 226, que a família é a base do Estado. Em consonância a tal previsão, Monteiro e Silva (2009, p. 01) afirmam que a família é, dentre as instituições públicas e privadas existentes, a que se reveste de maior significação, de modo que ela representa “o núcleo fundamental, a base mais sólida em que repousa toda a organização social”. Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 34) explanam sobre o referido dispositivo constitucional sobre a família: O art. 226, caput, da Constituição Federal estabelece ser a família a “base da sociedade”, gozando de especial proteção do Estado. Note-se a importância dada à família, considerada como fundamento de toda a sociedade brasileira. Tal previsão, de per si, já justificaria a necessidade imperiosa — e obrigação constitucional — de os governos, em suas três esferas — federal, estadual e municipal —, cuidarem de, prioritariamente, estabelecer, como metas inafastáveis, sérias políticas públicas de apoio aos membros da família, especialmente a criança, o adolescente e o idoso. De acordo com essa perspectiva o reconhecimento pelo Estado de que a família é a base de toda a sociedade reflete do dever de uma proteção especial que essa instituição enseja. Tal proteção exige a atuação estatal de todos os entes federativos, o que deve ocorrer por meio da implementação de políticas públicas SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 212 dentro de suas metas inafastáveis. Não obstante, nota-se que a proteção dirigida à instituição familiar alcança a proteção individual, referente aos membros da família, o que abrange, de forma especial as crianças e os adolescentes. Acerca dessa proteção individual, destacam-se as lições de Rodrigues (2008, p. 03): Ensina LAFAYETTE que o direito de família tem por objeto a exposição dos princípios de direito que regem as relações de família, do ponto de vista da influência dessas relações não só sobre as pessoas como sobre os seus bens. Partindo desse conceito, decerto defeituoso por incluir na definição a palavra a ser definida, verificamos que as regras de direito de família afetam o indivíduo dentro daquele núcleo social, relativamente pequeno, em que ele nasce, cresce e se desenvolve, disciplinando suas relações de ordem pessoal e patrimonial. Assim, algumas regras tratam do indivíduo tendo em vista a sua pessoa. [...] Tais regras regulam direitos pessoais do indivíduo, dentro da órbita do direito de família. Dessa citação é possível entender que o direito de família abrange a proteção dos direitos pessoais do indivíduo. Isso porque, é no seio da família que toda pessoa nasce e se desenvolve, de modo que é interesse do Estado que esse desenvolvimento ocorra de forma plena, com condições de proporcionar às crianças e aos adolescentes um crescimento sadio e capaz de resultar em adultos que venham atuar positivamente na sociedade. Rodrigues (2008, p. 355) assevera que “é de interesse do Estado assegurar a proteção das gerações novas, pois elas constituem matéria-prima da sociedade futura”. Por conseguinte, pode-se dizer que a intervenção do Estado nas relações familiares, no que se refere às crianças e adolescentes, é essencial para assegurar os direitos desses sujeitos. Venosa (2010, p. 224) explica que “a filiação é, destarte, um estado, o status familiae, tal como concebido pelo antigo direito. [...] O termo filiação exprime a relação entre o filho e seus pais, aqueles que o geraram ou o adotaram”. Ou seja, dentro das relações familiares estão as que se relacionam entre os pais e seus filhos, ou ainda, daqueles que sejam os responsáveis pelas crianças e adolescentes, mesmo que não sejam os pais biológicos. Sendo assim, o Estado pode realizar intervenções na esfera das relações de filiação, pois, entende-se que desse SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 213 termo surgem direitos, deveres e responsabilidades. Logo, tem-se que a interferência estatal nessa órbita tende a assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes. Nesse contexto, o art. 227, da Constituição Federal de 1988, dispõe sobre uma série de direitos específicos das crianças e dos adolescentes, que vem a ser regulamentados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Tartuce e Simão (2013, p. 20) acrescentam sobre a proteção que deve ser dirigida às crianças e aos adolescentes, prevista constitucionalmente: Em reforço, o art. 3º do próprio ECA determina que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, assegurandolhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. [...]. Na ótica civil, essa proteção integral pode ser percebida pelo princípio de melhor interesse da criança, ou best interess of the child, conforme reconhecido pela Convenção Internacional da Haia, que trata da proteção dos interesses das crianças. O Código Civil de 2002, em dois dispositivos, acaba por reconhecer esse princípio de forma implícita. Esses dois dispositivos são os arts. 1.584 e 1.583 e do Código Civil, que foram substancialmente alterados pela Lei 11.698, de 13 de junho de 2008. Considerando, portanto, a proteção integral que a Constituição Federal, de 1988, destina às crianças e aos adolescentes, a legislação infraconstitucional, em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil de 2002, apresentam disposições que giram entorno do princípio do melhor interesse da criança. De fato, como apontado pelos autores em análise, esse princípio é reconhecido, inclusive, internacionalmente, demonstrando a preocupação que todos, em qualquer Estado, devem ter com as crianças e adolescentes. Além disso, percebe-se que a legislação infraconstitucional vem sendo alterada a fim de proporcionar real aplicabilidade das ideias propostas pela Constituição da República. Nesse sentido, Tartuce e Simão (2013) denotam aos arts. 1.584 e 1.583 e do Código Civil, que foram alterados pela Lei nº 11.689, de 13 de junho de 2008. Os referidos dispositivos legais tratam da questão relativa à guarda dos filhos, de modo SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 214 a ampliar a proteção das crianças e adolescentes quando os pais não se encontram unidos pelo casamento ou por uma união estável. No entanto, posterior à Lei nº 11.689/2008, surgiu a Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014, que veio a estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação, alterando os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634, do Código Civil de 2002. O instituto da guarda compartilhada é, portanto, questão que vem sofrendo modificações, especialmente nos últimos anos, na busca de assegurar a efetividade do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. No entanto, antes de adentrar nesse assunto, avultam-se as considerações de Diniz (2010, p. 18): Com o novo milênio surge a esperança de encontrar soluções adequadas aos problemas surgidos na seara do direito de família, marcados por grandes mudanças e inovações, provocadas pela perigosa inversão de valores, pela liberação sexual; pela conquista do poder (empowerment) pela mulher, assumindo papel decisivo em vários setores sociais, escolhendo seu próprio caminho; pela desbiologização da paternidade; pela rápida desvinculação dos filhos do poder familiar etc. Tais alterações foram acolhidas, de modo a atender à preservação da coesão familiar e dos valores culturais, acompanhando a evolução dos costumes, dando-se à família moderna um tratamento legal mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de diálogo entre os cônjuges ou companheiros. Com efeito, as realidades que as famílias brasileiras vivenciam na atualidade têm passado por grandes transformações. Trata-se de mudanças que vão desde a emancipação feminina, dentro e fora das relações familiares, à desbiologização da paternidade. Isso demonstra que as famílias brasileiras têm passado por inovações relativas aos seus costumes, e, até mesmo, por uma inversão de alguns valores antes adotados. Diante disso, o Direito não pode se abster, sendo imprescindível que também ocorram modificações legais a fim de assegurar a preservação da família e a proteção dos direitos individuais nessas relações, especialmente no que se refere às necessidades da prole. No que tange à guarda dos filhos, Monteiro e Silva (2009, p. 327) asseveram que esse tema é um dos problemas “mais delicados de todo o direito de família”, que surge quando “dissolvida a sociedade conjugal pela separação, consensual ou judicial, inclusive pelo divórcio”. SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 215 Rodrigues (2008, p. 358), por sua vez, relaciona a questão da guarda dos filhos com o exercício do poder familiar. Esse autor coloca as modificações que a legislação brasileira sofreu nesse âmbito, a partir das disposições do art. 381 do Código Civil de 1916, que previa que “o pátrio poder era exercido apenas pelo pai”, de forma que quando do “desquite”, a guarda dos filhos era do progenitor. Com o advento do Estatuto da Mulher casada, Rodrigues (2008) afirma que daí surgiu à possibilidade de os filhos ficarem com a mãe, mantendo o pátrio poder ao pai, mas, autorizada a praticar determinados atos em nome de representação reclamados pela lei em nome do menor. Nesse cenário, Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 432-433) denotam a mudança da perspectiva jurídica sobre a guarda dos filhos que antes ponderava sobre a culpa de um dos cônjuges na dissolução conjugal, de modo que “a culpa deixou de ser um elemento relevante para o reconhecimento do divórcio”, e afirmam: Mesmo aqueles que perfilhavam a linha de pensamento de relevância da culpa no desenlace conjugal, reconheciam o total descabimento da análise da culpa com o propósito de se determinar a guarda de filhos ou a partilha dos bens. Isso porque, no primeiro caso, interessa, tão somente, a busca do interesse existencial da criança ou do adolescente, pouco importando quem fora o “culpado” na separação ou no divórcio e, no segundo, porque a divisão patrimonial opera-se mediante a aplicação das normas do regime adotado, independentemente de quem haja sido o responsável pelo fim da união. Vale dizer, se não há razão fundada no resguardo do interesse existencial da criança ou do adolescente, o cônjuge que apresentar melhores condições morais e psicológicas poderá deter a sua guarda, independentemente da aferição da culpa no fim da relação conjugal. Claro está, todavia, que o deferimento dessa guarda unilateral só será possível depois de esgotada a tentativa de implementação da guarda compartilhada. Conforme descrito pelo autor supracitado, a definição de qual dos genitores irá ter a guarda dos filhos menores independe de culpa de um daqueles quando do desenlace conjugal. Isso porque o que deve ser o vetor de definição da guarda é o que gira entorno das condições morais e psicológicas dos pais para que se assegure a efetivação do melhor interesse da criança e do adolescente. Ademais, como afirmado, a guarda unilateral somente irá acontecer depois de esgotadas às possibilidades de definição da guarda compartilhada. SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 216 Considerando as inovações jurídicas que vêm sendo implantadas no ordenamento jurídico brasileiro a respeito da guarda dos filhos, destaca-se o direito fundamental à convivência familiar, previsto no caput do art. 227, da Constituição da República. Acerca desse direito, determina o art. 19, do Estatuto da Criança e do Adolescente determina: Art. 19 É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. Depreende-se da leitura desse dispositivo legal que o Estado tem compreendido que a convivência familiar, direito das crianças e dos adolescentes, é imprescindível para que se garanta o desenvolvimento integral e, pode-se dizer saudável, desses sujeitos. Com efeito, um ambiente de amor, cooperação e harmonia, no convívio familiar, pode proporcionar a essas pessoas em desenvolvimento a formação de valores que resultem em adultos equilibrados, suficiente para exercerem um papel positivo na sociedade. Logo, cabe ao Estado buscar assegurar o convívio familiar a todas as crianças e adolescentes. Por conseguinte, o Código Civil de 2002, com as alterações advindas com a Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014, em seus arts. 1.583 e ss., passou a determinar a guarda compartilhada dos filhos menores como regra, e a guarda unilateral apenas quando a primeira não for possível. Assim, o § 1º, do art. 1.583, do Código Civil de 2002 conceitua essas duas espécies de: Art. 1583 [...] § 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Destarte, a guarda unilateral é aquela em que somente um dos pais, ou outro, em consonância com a Lei, possui a responsabilidade pelos filhos menores, abarcando, inclusive, os direitos e deveres inerentes a essa responsabilidade. Por SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 217 outro lado, na guarda compartilhada a responsabilidade pelas crianças e adolescentes é realizada por ambos os pais, ainda que estes não vivam sob o mesmo teto. Ou seja, o poder familiar é exercido pelos dois genitores conjuntamente, tanto quanto aos direitos quanto aos deveres que lhes são atribuídos. Diante do exposto, pode-se dizer, portanto, que a interferência estatal no âmbito das relações familiares se fundamenta no entendimento de que a família é a base do próprio Estado, devendo este assegurar uma proteção especial a essas entidades, e, assegurar também os direitos individuais de seus membros. Além disso, as perspectivas atuais apontam para um aspecto relevante no Direito de Família, fruto das transformações das realidades sociais e, consequentemente, do Direito, qual seja, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Esse princípio influi diretamente na questão da guarda dos filhos menores quando seus genitores não vivenciam uma relação conjugal de modo que, a lei prevê, como regra, a implantação da guarda compartilhada, assegurando o direito fundamental dos menores à convivência familiar, regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

2 DA ALIENAÇÃO PARENTAL

A perspectiva que adota o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente tem causado reflexo em diversas questões no âmbito do Direito de Família, inclusive, o que se refere à alienação parental. Diante disso, essa parte da pesquisa se dirige a compreender o que vem a ser a alienação parental e como isso tem sido entendido pelo ordenamento jurídico brasileiro e pela doutrina. O conjunto normativo brasileiro, no que tange ao Direito de Família tem passado por significativas mudanças nas últimas décadas, especialmente após o advento da Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, Dias (2015, p. 46) explana: A Constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou enorme preocupação em banir discriminações de qualquer ordem, deferindo à igualdade e à liberdade especial atenção no âmbito familiar. Todos têm a liberdade de escolher o seu par, seja do sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família. A isonomia de tratamento jurídico permite que se considerem iguais marido e mulher em relação ao papel que SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 218 desempenham na chefia da sociedade conjugal. A liberdade floresceu na relação familiar e redimensionou o conteúdo da autoridade parental ao consagrar os laços de solidariedade entre pais e filhos, bem como a igualdade entre os cônjuges no exercício conjunto do poder familiar voltada ao melhor interesse do filho. De acordo com tais apontamentos um fator de relevância que vem sendo vislumbrado no âmbito familiar após a Constituição Federal de 1988 se refere à liberdade e à igualdade entre os cônjuges. Isso significa que a isonomia entre os cônjuges deve prevalecer quanto à chefia familiar, o que inclui os direitos e deveres relativos aos filhos. Ademais, a liberdade instaurada permite que todas as pessoas tenham direito a escolher seus parceiros, independentemente da opção sexual, favorecendo as pessoas, quando do desenlace matrimonial, a conviver com novos parceiros. No entanto, essa liberdade e igualdade não podem prejudicar a ideia de melhor interesse do filho, mesmo quando os genitores não perpetuem as suas relações. Gonçalves (2015, p. 21) observa: A lei não obriga a nenhum casal que continuem juntos, sob a égide do casamento ou da união estável, nem mesmo quando um dos indivíduos insiste em manter o relacionamento. No entanto, a vinculação dessas pessoas com os filhos que da relação derivaram não pode ser desfeita, ainda que sejam frutos de um adultério ou mesmo uma relação casual. O que se percebe dessa citação é que a liberdade que é inerente a todas as pessoas, inclusive sob o manto da Constituição Federal de 1988, não obriga ninguém a manter um relacionamento no qual não é mais satisfatório ou mesmo harmônico. Ao invés disso, insistir num relacionamento que não é de interesse de ambas as partes pode gerar os mais diversos conflitos, chegando, até mesmo, a situações hostis e violentas, sendo essa violência manifestada nas suas mais diversas formas. Por outro lado, é preciso ter em mente que do desfazimento dessas relações, os vínculos dessas pessoas com os filhos se mantêm, ainda que sejam frutos de uma relação extraconjugal ou de uma relação casual. Com efeito, a liberdade e a igualdade introduzidas na esfera familiar consagra a autoridade parental de forma isonômica e voltada ao melhor interesse SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 219 dos filhos. No entanto, quando o relacionamento entre os pais termina de uma forma não amigável, são os filhos que sofrem as maiores consequências. Barroso (2013, p. 41) tece as seguintes considerações: A vida continua tanto para o homem, como para a mulher após a separação, porém, com relação aos filhos é necessário informar que eles não fazem parte da dissolução do casamento, pelo contrário, é nesse momento em que os pais devem acolher seus filhos para não enfrentar problemas futuros no desenvolvimento psicológico dessas crianças. Embora os filhos não sejam o motivo para se chegar à dissolução do matrimônio, o que geralmente acontece após essa dissolução é que um dos pais passa a demonstrar sentimentos negativos de raiva, rancor, decepção com relação ao outro cônjuge e isso acaba refletindo no crescimento da criança quando esse guardião começa a embutir ideias completamente nocivas em relação à figura do outro. Quando os pais se separam, os filhos devem ter consciência de que o fim do relacionamento não inclui o fim da paternidade ou maternidade. Pelo contrário, nesse momento as crianças e adolescentes, frutos de uma relação que não tenha tido continuidade, precisam de total apoio e afeto dos pais, sob pena, por exemplo, de gerar prejuízos ao seu desenvolvimento psicológico. Contudo, há situações em que a dissolução da relação dos pais reflete negativamente nos filhos a partir de sentimentos negativos que um dos genitores tenha em relação ao outro. Nesses casos é possível que aquele guardião da criança ou do adolescente passa a manipulálo, de forma a encravar os mesmos sentimentos negativos nos filhos no que se refere ao outro. Gagliano e Pamplona (2014, p. 82) entendem que “pais e filhos, por princípio, devem permanecer juntos”. Porém, nem sempre isso é possível. Nesse contexto destaca-se o princípio da convivência familiar, disposto no art. 227, da Constituição Federal de 1988, e regulado pelo art. 19 e seguintes, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Rossato et. al. (2014, p. 162-163) elucidam sobre o direito da criança e do adolescente à convivência familiar: SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 220 O fundamento está na consideração da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, e que imprescindem de valores éticos, morais e cívicos, para complementarem a sua jornada em busca da vida adulta. Os laços familiares têm o condão de manter crianças e adolescentes amparados emocionalmente, para que possam livre e felizmente trilhar o caminho da estruturação de sua personalidade O constituinte de 1988, seguido pelo legislador infraconstitucional apresentam o juízo pelo qual a toda criança e adolescente é indispensável a convivência familiar. Esse entendimento parte do fato de que crianças e adolescentes são pessoas em formação e, como tal, dependem de condições favoráveis para que possam se tornar em adultos equilibrados, livres e felizes, capazes de exercerem um papel positivo na sociedade. Sendo assim, pressupõem-se que valores éticos, morais e cívicos têm por natureza sua origem junto a família, aos seus genitores, de forma a ampará-los emocionalmente e proporcionar a estrutura de uma personalidade livre, feliz e equilibrada. De tal entendimento espera-se que os pais sempre protejam os filhos, mesmo que não exista mais uma relação conjugal entre si. Por certo, o dever de proteger os filhos, associado ao direito à convivência familiar se fundem em prol do desenvolvimento adequado das crianças e dos adolescentes. Gagliano e Pamplona (2014, p. 82) abordam essa questão de forma que “em respeito à própria função social desempenhada pela família”, “especialmente os pais e mães, devem propiciar o acesso aos adequados meios de promoção moral, material e espiritual das crianças e dos adolescentes”. Apesar do ordenamento jurídico se posicionar dessa forma, na prática, quando da dissolução de relacionamentos, os filhos acaba sendo alvos da ira de um dos pais, ou ainda, meio de atingir o outro genitor. Porém, esse tipo de comportamento não só reflete resultados no antigo parceiro, mas viola completamente a proteção devida aos filhos, o que pode prejudicar drasticamente no desenvolvimento dos mesmos. Nesse cenário, Dias (2015, p. 545) afiança: SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 221 Muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, se um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação, com o sentimento de rejeição, ou a raiva pela traição, surge o desejo de vingança que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. Sentir-se vencido, rejeitado, preterido, desqualificado como objeto de amor, pode fazer emergir impulsos destrutivos que ensejarão desejo de vingança, dinâmica que fará com que muitos pais se utilizem de seus filhos para o acerto de contas do débito conjugal. Conforme Viviane Ciambelli, ferido em seu narcisismo, um genitor sente-se no direito de anular o outro e, a partir daí, ou ocupa onipotentemente o lugar do pai deposto junto à criança ou o substitui por uma pessoa idealizada, tornando-a mais valiosa. Dessa forma, entre relações falseadas, sobrecarregadas de imagens parentais distorcidas e memórias inventadas, a alienação parental vai se desenhando: pais riscam, rabiscam e apagam a imagem do outro genitor na mente da criança. O fim de um relacionamento nem sempre ocorre em condições de harmonia, concordância, ou mesmo, de aceitação. Em casos assim, muitas vezes o ex-parceiro, nutrindo sentimentos de raiva, vingança, e outros similares, acaba por usar dos filhos para atingir o outro genitor como forma de reconstituir seu narcisismo ou superar a rejeição sofrida. Daí emana a alienação parental. Esta pode ocorrer de diversas formas, como por exemplo, na busca de inferiorizar o outro genitor, o alienador começa a distorcer na mente do filho a imagem que tem daquele, podendo utilizar, inclusive, de um novo companheiro que seria o ideal pai ou mãe deposto. A alienação parental, diante disso, nada mais é do que quando um dos genitores procura atingir o outro se empregando de verdadeira lavagem cerebral na mente dos filhos. A ideia de alienação parental é vista por Monteiro e Silva (2010, p. 407-408) da seguinte maneira: Dá-se o nome de alienação parental às estratégias do pai ou da mãe que desejam afastar injustificadamente os filhos do outro genitor, ao ponto de desestruturar a relação entre eles. Diz-se “injustificadamente” porque nem todos os atos de um pai ou de uma mãe contrários ao outro genitor podem ser havidos como alienação parental. Casos há em que a convivência do pai ou da mãe com os filhos torna-se perversa, quando é dever do outro genitor tomar todas as medidas legais cabíveis para proteger o SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 222 filho. Aquelas estratégias de alienação parental vão desde a limitação injustificada do contato da criança com o genitor alienado até o induzimento da criança em escolher um ou outro dos pais. Passam também por punições sutis e veladas quando a criança expressa satisfação ao relacionar-se com o genitor alienado, pela revelação de segredos à criança a reforçar o seu senso de cumplicidade. Nota-se que a alienação parental pode se configurar no desejo de um dos genitores em afastar o outro da convivência com os filhos. Logo, o alienador emprega estratégias mais variadas quanto possível, indo de formas a impedir o contato entre o antigo parceiro e os filhos, até à desestruturação da relação entre eles. Em algumas situações a alienação chega a tal ponto que há necessidade de intervenção estatal, buscando-se assegurar os direitos e a integridade das crianças e adolescentes envolvidos nesse contexto. Diante disso, surgiu no ordenamento jurídico brasileiro a Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre a alienação parental. Gonçalves (2015, p. 24) observa que “a concepção legal da alienação parental”, prevista no art. 2º da norma, “alcança não somente os genitores como alienadores, mas, inclusive, os avós e também qualquer outra pessoa que a criança ou adolescente se encontre sob a sua autoridade, guarda ou vigilância”. Esse conceito legal denotado determina que a alienação parental se enquadra no ato de “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente” realizada ou induzida por um dos pais, avós ou dos que “tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”. Isso significa que a ordem normativa brasileira possui a perspectiva de que a alienação parental produz interferência na formação psicológica das crianças e dos adolescentes envolvidos, seja tal interferência realizada por qualquer pessoa que possua autoridade, guarda ou vigilância sobre os mesmos. Não obstante, essa interferência é reflexo da tentativa de prejudicar o estabelecimento ou a conservação da relação entre os filhos e o genitor alienado. Destaca-se que o parágrafo único, do art. 2º, da Lei nº 12.318/2010, dispõe sobre formas exemplificativas em que pode ser configurada a alienação parental. SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 223 Como exemplos, cita-se: “dificultar o exercício da autoridade parental”; “apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente”; “mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós”. Não obstante, avultam-se as disposições do art. 3º, da Lei em comento: Art. 3º. A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. A ocorrência da alienação parental vislumbra a violação de direitos das crianças e dos adolescentes envolvidos, como o direito à convivência familiar, bem como, ao prejudicar a afetividade dessas relações. Incide ainda em abuso moral e descumprimento dos deveres que emanam da autoridade parental, tutela ou guarda. Isso ocorrendo, é instaurada em ação autônoma ou incidental, com tramitação prioritária, a requerimento ou de ofício, e, ouvido o Ministério Público, o juiz determinará as medidas provisórias que considerar necessárias para a “preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente”, conforme asseveram Tartuce e Simão (2013). Diante disso, pode-se afirmar que a alienação parental viola direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, por vezes, de modo irreparável. Isso porque, considerando a condição peculiar de desenvolvimento desses sujeitos pode ser utilizada pelo alienador influindo diretamente na formação do caráter e dos valores que, quando adultos, os atos de alienação parental irão interferir nas suas ações e formação de ideias. Assim, a intervenção estatal é imprescindível para cessar a alienação parental, ou, ao menos minimizar os seus efeitos. Para tanto, o juiz, no caso concreto, pode, inclusive, determinar mudanças referentes à guarda das crianças e adolescentes. Dessa forma, a próxima parte desta pesquisa tem por objeto a análise da aplicabilidade da guarda compartilhada nos casos de alienação parental. SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 224 .

3 GUARDA COMPARTILHADA FRENTE À ALIENAÇÃO PARENTAL

O ordenamento jurídico brasileiro tem apresentado entendimento de que a guarda compartilhada é a que mais condiz com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, bem como, propícia o exercício do direito fundamental dos menores à convivência familiar emanado da doutrina da proteção integral. Entretanto, é possível que durante a guarda compartilhada, a criança e ao adolescente sejam alvos de alienação parental. Diante disso, esta parte da pesquisa tem como foco a análise da hipótese de guarda compartilhada nos casos de alienação parental. Inicialmente, ressaltam-se as colocações de Silva (2015, p. 98) acerca da guarda compartilhada: A lei traz ao Juiz a necessidade de que ele evidencie às partes as vantagens da guarda compartilhada, antes mesmo de homologar a conciliação. [...] A lei define a guarda compartilhada como um sistema de corresponsabilização do dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da convivência, em que os pais participam igualmente da guarda material dos filhos, bem como os direitos e deveres emergentes do poder familiar. Definição essa que se coaduna com todas as opiniões de juristas e doutrinadores, não só de vários países do mundo como no Brasil, amplamente destacada nas obras que tratam do assunto. A autora supracitada apresenta um entendimento, que o que prevalece na doutrina e na jurisprudência, é de que a guarda compartilhada inclui a participação dos pais na vida dos filhos, tanto de forma material como emocional, havendo respaldo nos direitos e deveres sobre eles na relação de filiação. Diante disso, tem-se que a lei vigente no Brasil impõe ao magistrado o dever de explicitar as vantagens que se inserem na guarda compartilhada durante o processo que venha a findar a conciliação entre os pais. Não obstante, Rosa (2015) afirma que a guarda compartilhada surgiu da necessidade de garantir o melhor interesse do filho, bem como dirimir o mito do filho “mochilinha”, nas situações em que a guarda compartilhada era confundida com guarda alternada, e, buscar o reequilíbrio dos papéis parentais, quando a SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 225 guarda unilateral era concedida sistematicamente à mãe. Entretanto, a autora assevera que a verdadeira finalidade da guarda compartilhada é minimizar os danos sofridos pelos filhos devido à quebra ou inexistência de relação conjugal entre os pais, ou seja, visa preservar os laços entre pais e filhos em condições de igualdade. Pereira (2014, p. 386) afirma que a guarda compartilhada tem sido considerada pela doutrina como a regra e o ideal que deve ser almejado no exercício do poder familiar, e a custódia física conjunta como sua efetiva expressão, e acrescenta: No julgamento do REsp nº 1.251.000/MG, a 3ª Turma do STJ, tendo como Relatora a Ministra Nancy Andrighi, considerou que, ainda que não haja consenso, a guarda compartilhada deve ser buscada como regra para os pais, com base no princípio do melhor interesse, “mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. A Ilustre Relatora esclarece que “a inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole. Assim, “a imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal letra morta. (grifo nosso). Observa-se que a guarda compartilhada não apenas tem sido considerada como regra, pois o juiz deverá conceder a guarda compartilhada de plano, ainda que não haja consenso entre os pais, a fim de favorecer o melhor interesse da criança e do adolescente. Para o Superior Tribunal de Justiça, a inobservância à guarda compartilhada retrata a omissão por parte de um dos pais quanto ao exercício do poder familiar, pois o menor possui o direito ao duplo referencial para a sua formação e desenvolvimento. Além disso, embora reconhecida como medida extrema, a guarda compartilhada deve ser prioritária para que se faça valer a lei. Nesse cenário, destaca-se a seguinte ementa do Agravo de Instrumento: AI 2436522 PE, julgado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco: SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 226 AGRAVO DE INSTRUMENTO - FAMÍLIA - PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO DE FAMÍLIA - REJEITADA - PRELIMIMAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA - REJEITADA - BUSCA E APREENSÃO DE MENOR - AUSENTE EVIDENTE SITUAÇÃO DE RISCO - MEDIDA EXCESSIVA -RETORNO DA CRIANÇA AO LAR MATERNO - GUARDA COMPARTILHADA - REGULAMENTAÇÃO DE VISITA FAMÍLIA PATERNA PARCIAL PROVIMENTO -1. Preliminar de incompetência absoluta do juízo de família rejeitada em virtude de a hipótese retratar disputa entre familiar e genitores da criança pela sua guarda, questão afeta a área de família, não deslocando, por si só, a menção a prática de abuso sexual a competência para a Vara da Infância e Juventude. 2. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada, em virtude do pedido de busca e apreensão ter sido feito pelo genitor da criança, com pedido de entrega da filha a ele. 3. Por ausente evidente situação de risco à criança, e presente forte indício de alienação parental detectado por equipes profissionais, a buscar e apreensão de filha do lar materno se mostra medida excessiva. 4. Recurso provido para conceder a guarda compartilhada entre os pais, com o retorno da criança ao lar materno, garantida a visitação da família paterna. No caso concreto em análise, percebe-se que se por um lado há presença de fortes indícios de alienação parental, entendeu-se não haver risco à criança envolvida. Ou seja, a criança tem vivenciado situações em que a mãe realiza ações que se consubstanciam em alienação parental com relação ao pai, dificultando a este o convívio com a filha. Assim, a decisão emanada pelo Tribunal foi de reconhecer a alienação, sem, contudo, conceder o pedido de busca e apreensão da criança no lar materno, e, de outro modo, conceder a guarda compartilhada aos genitores, visando assegurar o convívio da filha com o pai. Logo, a presença de alienação parental nem sempre resulta na imposição de guarda unilateral ao genitor alienado, mas, a depender do interesse do menor, a implantação da guarda compartilhada pode ser a melhor solução para o menor envolvido. Diante disso, é importante que o Direito resguarde os direitos da criança e do adolescente, portanto, a implantação da guarda de menores deve ser pautada no atendimento do melhor interesse desses sujeitos. Segundo Diniz (2009, p. 23-24) o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente “permite o seu pleno desenvolvimento de sua capacidade e é diretriz solucionadora de questões conflitivas advindas da separação ou divórcio dos genitores, relativas à guarda, ao direito de visita, etc.”. Assim, o melhor interesse da criança e do adolescente deve SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 227 ser utilizado para orientar a decisão quanto a guarda, podendo ser a melhor solução, no caso concreto, a guarda compartilhada ou a guarda unilateral. Nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 435) observam: O § 2º do art. 1.584 do Código Civil dispõe que, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. Na esmagadora maioria dos casos, quando não se afigura possível a celebração de um acordo, muito dificilmente poderá o juiz “impor” o compartilhamento da guarda, pelo simples fato de o mau relacionamento do casal, por si só, colocar em risco a integridade dos filhos. Por isso, somente em situações excepcionais, em que o juiz, a despeito da impossibilidade do acordo de guarda e custódia, verificar maturidade e respeito no tratamento recíproco dispensado pelos pais, poderá, então, mediante acompanhamento psicológico, impor a medida. Como se nota a partir dessas colocações, embora a lei busque a implantação da guarda compartilhada, nem sempre esta é possível devido a diversos fatores que impedem a conciliação entre os pais. Desse modo, a imposição da guarda compartilhada quando não há entendimento entre os genitores, pode gerar prejuízos aos menores, isto é, forma-se uma situação que propicia a efetivação da norma, contudo, em detrimento ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, o que afeta a integridade dos sujeitos que deveriam ser protegidos pela lei. Consequentemente, a guarda compartilhada, nesses casos, só pode ser aplicada após a verificação de diversos fatores, especialmente quanto à maturidade e respeito entre os pais. No mesmo entendimento, Silva (2015) assevera que somente casais que dispõem de diálogo é que podem executar a guarda compartilhada a contento. Isso porque, o requisito essencial para o bom funcionamento da medida se pauta na possibilidade de decisão, em comum acordo, sobre todas as questões que envolvem a vida dos filhos. Assim, sem diálogo entre os pais, não pode haver a guarda compartilhada, sob pena de inúmeros prejuízos aos próprios filhos. Nesse cenário incluem-se os casos que envolvem alienação parental. Lôbo (2011, p. 200) afiança que a “guarda unilateral estimula o que a doutrina tem denominado alienação parental, quando o genitor que não a detém termina por se SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 228 distanciar do filho, ante as dificuldades de convivência com este”. Por outro lado, é plenamente possível que ocorra alienação parental na guarda compartilhada. Rosa (2015, p. 83) acrescenta: O egoísmo põe por terra qualquer esforço conciliatório. A animosidade [...], considerados antecedentes de sua vida familiar [...], impedem o relacionamento entre os responsáveis e a criança e o adolescente, transformados estes em meros joguetes da alienação, até que eventualmente atinjam a trágica consciência de que também podem exercer poder de barganha ou chantagem contra os adultos. Muitas vezes a legislação, o Judiciário e os operadores jurídicos faziam, e fazem, eco aos aspectos de competição, atribuição de culpas e abuso de poder dos genitores, tornando-se “sócios ocultos” dos conflitos. Contudo, cada vez mais esses atores têm sido chamados a uma ampliação da consciência ética, sobretudo no tocante às questões que envolvem a guarda dos filhos. Em compatibilidade com a citação em análise é lícito afirmar que a alienação parental, que pode derivar da animosidade entre os pais, impossibilita o relacionamento entre os responsáveis e a conciliação em prol dos filhos. Além disso, esses filhos não sofrem apenas com dificuldade do convívio familiar, mas também aprender a manipular e fazer chantagens assim como o alienador faz. Ou seja, as crianças e os adolescentes acostumados a serem instrumentos de vingança e manipulação pelo genitor alienador podem se tornar pessoas ávidas a fazer o mesmo, pois aquele cenário é a realidade que vivenciam. Com o mesmo juízo, Dias (2015, p. 546) afiança que os resultados da alienação parental são perversos, já que as pessoas submetidas a ela mostram-se propensas a atitudes antissociais, violentas ou criminosas; depressão, suicídio e, na maturidade vivenciam o arrependimento e remorso por sentirem ter compactuado com o alienador. Não obstante, Rosa (2015) denota ao relevante papel da legislação, do Judiciário e dos operadores jurídicos nesses casos, que por vezes, participam nesses conflitos de maneira a perpetuarem a competição, a atribuição de culpas e o abuso de poder dos pais. Moraes (2011) coaduna do mesmo entendimento ao afirmar que os magistrados e promotores de justiça acabam sendo condizentes com determinadas condutas que verificadas mais a fundo corroboram com a alienação SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 229 parental. De acordo com o autor, isso ocorre por falta de conhecimento na área de psicologia e, também quanto a própria alienação parental. Já o ordenamento jurídico brasileiro, não se faz omisso aos casos de alienação parental e guarda. O art. 6º e 7º, da Lei nº 12.318/2010, regulam o assunto e se apresentam nos seguintes termos: Art. 6º Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: I - Declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - Ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV - Determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; V - Determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI - Determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; VII - declarar a suspensão da autoridade parental. Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. Art. 7º A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada. (grifos nossos) Da análise dos dispositivos legais apresentados constata-se que, quando caracterizada a alienação parental, ou ainda, qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, no decorrer do processo o juiz poderá determinar medidas que visem cessar os atos alienatórios, ou, se for o caso, atenuar os seus efeitos. Dentre essas medidas estão as relacionadas à guarda das crianças e dos adolescentes que pode ser transformada de guarda unilateral para guarda compartilhada e vice-versa. Ressalta-se que nos casos onde a guarda compartilhada é revertida em guarda unilateral, ou ainda, decretada desde o início, devido a alienação parental, a sua atribuição deve preferenciar o genitor que não dificulta a convivência dos filhos com o outro genitor. SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 230 Contudo, ainda que a lei disponha sobre a questão, Dias (2015, p. 546-547) alerta sobre a dificuldade do Judiciário em identificar a existência ou não de episódios denunciados por pais que podem estar assim agindo puramente com o objetivo da alienação. Isso ocorre, por exemplo, com falsas denúncias de abuso sexual, o que, segundo a autora, embora venha a ser realizada uma “série de avaliações, testes e entrevistas que se sucedem - às vezes durante anos”, pode acabar não sendo conclusivo. Assim, cabe ao juiz decidir entre “preservar o vínculo de filiação ou condenar o filho à condição de órfão de pai vivo”. Por fim, Bruno apud Pereira (2014, p. 386) adverte: “A maior dificuldade a ser enfrentada pelos adultos (...) é a resistência em mudar a perspectiva do desempenho do papel parental, desvinculando-o da noção de família conjugal e aproximando-o da concepção de família enquanto grupo de afeto e solidariedade.” Assim, a Guarda Compartilhada é conveniente quando os pais revelam maturidade e possibilidades funcionais de compartilhar as rotinas dos filhos de maneira harmônica, respeitados seus horários e suas atividades escolares e extracurriculares. “É preciso ter claro que ser pai e ser mãe é algo vinculado à personalidade de cada pessoa, e não à sua condição de parceiro amoroso ou sua posição conjugal”. À luz dessas considerações, a guarda compartilhada, embora seja adequada ao direito à convivência familiar das crianças e dos adolescentes de pais que não possuem vínculo afetivo, se mostra coerente quando ainda há um bom relacionamento entre os genitores, ao menos o suficiente para os filhos, e não necessariamente entre os próprios pais. Esse juízo se justifica pelo fato de que nem todas as pessoas conseguem ver o antigo parceiro na nova posição que passa a ocupar no âmbito familiar, ou seja, não de família conjugal, mas como grupo de afeto e solidariedade, especialmente visando o melhor interesse dos filhos. Destaca-se a ementa do Agravo de Instrumento: AI 70064648017 RS, julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: AGRAVO DE INSTRUMENTO. GUARDA COMPARTILHADA. VISITAS. O laudo social evidencia que o menino tem boa vinculação com ambos os genitores. No entanto, eles não mantêm diálogo minimamente razoável, que viabilize equacionar os interesses do filho. Ademais, há indicativos de que a criança possa estar sendo vítima de alienação parental de parte a parte. Nesse contexto, a guarda compartilhada, mormente em caráter provisório, é de SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 231 dificílima implementação, devendo, ao menos por ora, ser mantida a guarda unilateral ao genitor, garantindo à agravante o direito de visitas ao filho. NEGARAM PROVIMENTO. UNANIME. Nota-se que o entendimento jurisprudencial nesse assunto deve se pautar exclusivamente no interesse do menor que vem sendo disputado pelos genitores quanto à guarda. Havendo um cenário no qual o menor sofre alienação parental de ambos os lados, como no caso em análise, de modo que a convivência e o diálogo entre os pais não se fazem de forma harmônica e razoável, os interesses do menor ficam prejudicados com a implantação da guarda compartilhada. Diante disso, determinou-se a guarda unilateral ao genitor, com direito à visitação pela genitora, a fim de proteger o menor. Contudo, a própria ementa demonstra que essa decisão pode vir a ser alterada, a depender da mudança na relação entre os pais, e, consequentemente, implantação da guarda compartilhada, ou ainda, inversão da guarda unilateral. Pelo exposto, é de se depreender que a alienação parental é prejudicial às crianças e aos adolescentes envolvidos em vários aspectos, e que precisa ser analisada em cada caso concreto para se buscar a melhor solução. Dessa forma, há situações em que a guarda compartilhada pode ser a opção adequada, como também há situações em que essa espécie de guarda acabe por trazer ainda mais prejuízos aos filhos.

CONCLUSÃO

Os estudos realizados para a elaboração dessa pesquisa científica demonstraram que o universo jurídico, na atualidade, tem efetuado significativas inovações acerca dos direitos das crianças e adolescentes, inclusive, buscando soluções para os problemas que se fazem presentes no âmbito das famílias brasileiras. Isso inclui a questão implantação da guarda compartilhada e, também, análise da ocorrência dos casos de alienação parental. O exame desses dois institutos, a guarda compartilhada e a alienação parental, permitiu verificar a relevância de um princípio que se mostra essencial para a solução de conflitos: o princípio do melhor interesse da criança. Tal entendimento SOARES, F. H. M. – A figura da Alienação Parental quanto à aplicabilidade ... ECA Direito & Justiça, Porto Alegre, v. 42, n. 02, jul./dez. 2016. ID 26083. 232 parte do pressuposto que independentemente da condição de parceiro amoroso ou posição conjugal, os pais devem ter como principal objetivo a satisfação dos interesses dos filhos, visando proporcionar, inclusive, o desenvolvimento e a formação adequados desses sujeitos. A guarda compartilhada tem sido considerada como a regra e a opção ideal para os casos de rompimento da relação amorosa entre os pais. Contudo, não impede, em alguns casos, a ocorrência da alienação parental. Isso porque, por vezes, o fim do relacionamento entre os pais não se dá em condições harmônicas, e nem mesmo de aceitação. Assim, muitas vezes o antigo parceiro, nutrindo sentimentos de raiva, vingança, e outros similares, acaba por usar dos filhos para atingir o outro genitor como forma de reconstituir seu narcisismo ou superar a rejeição sofrida, configurando a alienação parental. Por fim, constatou-se que a aplicabilidade da guarda compartilhada quando dos casos de alienação parental deve ser analisada em cada caso concreto, sob o manto do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Ademais, verificou-se que, ocorrendo alienação parental, tanto pode se mostrar como melhor solução a alteração de guarda unilateral para guarda compartilhada, como a alteração da guarda compartilhada em guarda unilateral. Assim, para o Judiciário, independentemente da ideia de que a guarda compartilhada deve ser a regra, tem a decisão sobre a mesma, especialmente nos casos de alienação parental, uma tarefa delicada, que deve ser a de sempre buscar o melhor interesse dos menores envolvidos. REFERÊNCIAS BARROSO, Ana Camila Cifoni de Vasconcelos. Síndrome da Alienação Parental e a Guarda Compartilhada. Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Direito da Faculdade Cearense, como requisito parcial para obtenção do grau de Graduação. 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