A família bigâmea


Pormarina.cordeiro- Postado em 16 abril 2012

Autores: 
SILVA, Alexandre Assunção
ASSUNÇÃO, Magaly de Castro Macedo

A família bigâmea tem características próprias, sendo a principal delas o consentimento. Seus efeitos jurídicos precisam ser disciplinados para proporcionar segurança e dignidade a todos os envolvidos.

Resumo: este trabalho analisa um tipo específico de entidade familiar, a família bigâmea. Após breves comentários sobre monogamia e bigamia, a família bigâmea é definida como aquela na qual um cônjuge admite que seu consorte mantenha um relacionamento afetivo estável com um terceiro.  São descritos seus requisitos, o direito de inclusão familiar, e a possibilidade de sua proteção como tipo de entidade familiar não expressamente mencionada pela Constituição. Ao final analisa-se seu efeitos jurídicos, numa perspectiva progressista e liberal.

Palavras-chave: família – bigamia – concubinato – consentimento – efeitos jurídicos.

Sumário: 1. Introdução. 2. A monogamia. 3. A bigamia. 4. Monogamia e democracia. 5. A pluralidade dos tipos familiares. 6. Família e afeto. 7. A família bigâmea. 7.1.Definição e requisitos. 7.2 Desnecessidade de ostensividade. 7.3 Consentimento tácito. 7.4 O dever de fidelidade.  8. O direito de inclusão familiar. 9. A discriminação do concubinato. 10. Efeitos jurídicos. 10.1 As proibições. 10.2 Legitimidade das doações. 10.3 Pensão por morte. 10.4  Alimentos.  11. Reflexos penais. 12. Conclusão


1. Introdução

O presente artigo visa analisar e descrever um novo tipo de entidade familiar, constituída através de um fenômeno muito comum na realidade social brasileira: a relação afetiva estável com pessoa casada.

O Código Civil de 2002 denomina como concubinato tais uniões, cujos efeitos seriam  meramente obrigacionais, sem aplicação do direito de família, apesar da norma constitucional que garante a proteção do Estado a todos os tipos de entidades familiares.

 

Parte da doutrina e da jurisprudência, principalmente dos tribunais superiores, alinha-se com o Código Civil.  Contudo, alguns doutrinadores defendem que um indivíduo que faz parte de um núcleo familiar (é casado) pode constituir um novo núcleo familiar, através da união estável com um terceiro.  Existiram, no caso, famílias simultâneas.  Para tais autores é possível o tratamento jurídico das famílias simultâneas na órbita do direito de família, desde que presentes os seguintes requisitos: ânimo de constituir família, consentimento do consorte, boa-fé, estabilidade e ostensividade.

Todavia, a teoria das famílias simultâneas, a nosso ver, não responde adequadamente à caracterização da situação familiar das pessoas envolvidas afetivamente com dois indivíduos, de maneira consentida.

A relação estável com pessoa casada, quando houver consentimento expresso ou tácito do cônjuge, constitui um tipo distinto de entidade familiar, formada por apenas um núcleo, necessitando assim, para sua constituição, apenas dos requisitos afeto e estabilidade. 

Nesse caso há ampliação do núcleo familiar originário através da entrada de um novo membro, que pode ser chamado de parceiro, concubino ou companheiro.  A situação popularmente conhecida como triângulo amoroso, se autorizada por todos os envolvidos, não caracteriza famílias simultâneas, mas apenas uma família.

Ou seja, quando alguém casado mantém relacionamento estável com terceiro, com o consentimento do seu cônjuge, há o surgimento de uma nova entidade familiar, constituída por um único núcleo. Apenas se o relacionamento não for autorizado pelo cônjuge do indivíduo casado, tem-se a situação de famílias simultâneas, com produção ou não de efeitos jurídicos.

Só tem sentido falar em famílias simultâneas no caso de total ausência de consentimento, ou conhecimento, por parte de um cônjuge, em relação ao outro relacionamento estável do seu consorte.  Quando, porém, um indivíduo casado mantém um companheiro(a), com o consentimento expresso ou tácito de seu cônjuge, há a formação de uma nova entidade familiar: a família bígama.

O maior impedimento para tal caracterização é o princípio da monogamia, considerado um princípio de ordem pública. Mas tal princípio não é fundamental para a existência ou a manutenção da convivência social, nem é uma exigência constitucional, como será demonstrado a seguir.


2. A monogamia

Segundo Engels, há vestígios de que gregos e asiáticos, antes da monogamia, praticavam a poligamia (tanto o homem mantinha relações sexuais com várias mulheres como a mulher mantinha relações sexuais com diversos homens). Após o matrimônio por grupos, a poligamia era um direito apenas dos homens, mas na realidade tal situação pouco se via, por questões econômicas.

A estrita monogamia acabou sendo introduzida somente para as mulheres.   Castigava-se seriamente o adultério feminino.  A monogamia não surgiu da “reconciliação entre o homem e a mulher e, menos ainda, como forma mais elevada de matrimônio.  Ao contrário, ela surge sob a forma de escravização de um sexo pelo outro.”[1]

A principal função da monogamia é garantir a transmissão do patrimônio de forma hereditária apenas para os membros legítimos da família.  Sua finalidade “é a de procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível; e exige-se essa paternidade indiscutível porque os filhos, na qualidade de herdeiros diretos, entrarão, um dia, na posse dos bens do pai.”[2] Tal função, porém, ficou prejudicada com a progressiva igualdade de direitos sucessórios reconhecida pelos ordenamentos jurídicos ocidentais aos filhos adulterinos.

Outra função da família monógama, constituída pelo casamento, é garantir que apenas aqueles que estejam casados segundos as convenções legais e religiosas possuam o status de cônjuge. Uma pessoa pode viver longos anos com outra, mas se não for legalmente casada,  não terá os mesmos direitos do cônjuge.

Costuma-se afirmar que a monogamia é a forma mais elevada de amor, um modelo de comportamento virtuoso, e que a fidelidade entre os cônjuges torna os casamentos mais estáveis e felizes.  Todavia, a instituição da monogamia “de modo algum foi fruto do amor sexual individual, com o qual nada tinha em comum, já que os casamentos, antes como agora, permaneceram casamentos de conveniência.”[3] Ademais, “se a estrita monogamia é o ápice da virtude, então a palma deve ser dada à tênia solitária que, em cada um dos seus 50 a 200 anéis, possui um aparelho sexual masculino e feminino completo, e passa a vida inteira coabitando consigo mesma em cada um desses anéis reprodutores”.[4]

A imposição legal da monogamia faz com que homens e mulheres casados tenham parceiros sexuais eventuais fora do casamento. Isso favorece a prostituição. E aqueles que se arriscam sujeitam-se a uma série de problemas decorrentes da possibilidade de serem descobertos (escárnio público, divórcios, etc).


3. A bigamia

É a própria natureza que impele os seres humanos a terem mais de um parceiro sexual, seja para assegurar um maior número de descendentes, no caso dos homens, seja para selecionar aquele mais forte e capacitado a sobreviver, no caso das mulheres. 

Por outro lado, “há evidências esmagadoras de que muitas pessoas são capazes não só de 'fazer amor', mas também de amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo”.[5] Um indivíduo pode possuir diferentes impulsos sexuais e afetivos, sendo perfeitamente possível que ame mais de uma pessoa ao mesmo tempo.  Além disso, tem-se observado uma certa preferência, por parte das fêmeas animais, por indivíduos já comprometidos: “É digno de nota que as fêmeas animais só raras vezes têm casos com solteiros (que, afinal, podem ser rejeitados).  Em vez disso, elas preferem o parceiro de outra, provavelmente porque ele oferece genes melhores, além de [...], talvez, outros recursos.”[6]

Os bissexuais também podem se relacionar ao mesmo tempo com alguém do mesmo sexo e do sexo oposto.  Homens e mulheres podem adotar um comportamento bissexual permanente, ocasionando a formação de duas relações afetivas estáveis.  O bissexualismo feminino,  mais aceito socialmente, pode ocasionar a formação de uma relação afetiva estável de uma mulher casada com outra mulher, com o consentimento do seu marido.[7]

O relacionamento monógamo nem sempre é feliz. O impedimento de satisfação do desejo sexual com outros parceiros pode causar descontentamentos e conflitos. No mais das vezes, trai-se de maneira oculta, sem querer que o outro traia.  Mas há muitos argumentos contrários à bigamia.  Comentaremos rapidamente alguns.

O primeiro deles é que ela seria um privilégio daqueles que têm posses.  Caso a bigamia fosse admitida pela lei, os ricos passariam a monopolizar cônjuges.

Ocorre que a manutenção de mais de um relacionamento afetivo estável não depende, necessariamente, da condição econômica da pessoa, mas sim da sua personalidade, temperamento, necessidades sexuais e sentimentais.  Ao longo da história, homens e mulheres charmosos, bonitos, ou influentes, ainda que pobres, tiveram mais de um parceiro concomitantemente.[8]

Alega-se ainda que a bigamia levaria a um aumento da violência entre os homens, que passariam a disputar as poucas mulheres disponíveis.  Porém, é pouco provável que a maioria das mulheres aceitasse alguém já casado, ou que a maioria dos homens desejasse casar duas vezes, de modo que não haveria uma redução considerável da quantidade de mulheres solteiras.  Ademais, se esse raciocínio fosse seguido à risca, deveria ser proibido às mulheres permanecerem solteiras, pois se a maioria delas não quiser casar, os homens serão obrigados a disputar as poucas dispostas a tanto, o que também pode gerar conflitos.

Quanto à violência na disputa por parceiros, ela sempre existiu em sociedades monogâmicas. Homens e mulheres atraentes ou poderosos sempre foram objeto de disputa, não havendo notícia de que ela seja maior em países que permitem a bigamia ou a poligamia. Além do mais, a monogamia alimenta o ciúme, que leva à prática de crimes passionais. Mas se um cônjuge admite que seu parceiro pode ter outro, não será vítima de “traição”.

Entre pessoas que aceitam dividir o parceiro com outro não deve haver ciúmes. Se o concubino de uma pessoa casada sente ciúmes, sua personalidade não condiz com esse tipo de relação, devendo simplesmente abandoná-la. Só deve viver com alguém já casado quem possui condições psicológicas para tanto.

Há também a alegação corriqueira de que relações “abertas” geram insegurança, e que um cônjuge pode acabar se apaixonando pelo estranho, largando o outro.  Tal raciocínio, contudo, faz vista grossa ao fato de que boa parte dos homens e mulheres que traem preferem não abandonar seus cônjuges.  Ademais, a bigamia não é uma relação “aberta”, mas “fechada” com dois parceiros.

Argumenta-se, outrossim, que a bigamia favoreceria casamentos por interesse. Mas sempre existiram casamentos por dinheiro (e também por amor), em todas as épocas.  Dizer o contrário é ignorar a realidade.  Permitir a bigamia não alteraria esse fato. Uma pessoa rica geralmente é considerada um “melhor partido” que uma pessoa pobre.

Por fim, alega-se que numa sociedade que permitisse a bigamia existiriam “filhos de ninguém”, ou seja, crianças que não saberiam quem são seus pais.  Mas tal temor não faz o menor sentido nos tempos atuais, com o exame de DNA.  Homens e mulheres que têm filhos em relacionamentos extraconjugais são corriqueiramente processados, sendo obrigados a assumir seus filhos após a confirmação da paternidade/maternidade pelo exame.

Numa família bigâmea, eventual dúvida a respeito da paternidade ou da maternidade seria esclarecida através de um teste de DNA.  A legalização da bigamia só tornaria mais fácil o reconhecimento voluntário de filhos que hoje sofrem com o abandono e o preconceito, por serem fruto de uma relação adulterina.  Permitiria que todos vivessem mais facilmente no mesmo lar. 


4. Monogamia e democracia

Costuma-se dizer que a monogamia seria uma característica de sociedades livres e democráticas, uma forma de respeitar a igualdade entre os sexos.  

Ocorre que a monogamia não é um elemento necessário para a existência de um regime democrático. As necessidades sentimentais e sexuais do ser humano independem do tipo de governo  em que ele vive. Algumas práticas e comportamentos sexuais são reprimidas geralmente em ditaduras e outros regimes totalitários.

Monogamia não quer dizer igualdade entre os sexos. A igualdade que existe hoje entre homens e mulheres foi conquistada primordialmente no século XX, enquanto a monogamia é a regra no mundo ocidental desde a Roma antiga. Desde essa época, no casamento monogâmico tradicional a mulher estava  submetida à vontade do marido.  No nosso Código Civil de 1916 a direção da família era tarefa do homem, sendo a mulher casada pessoa relativamente incapaz até 1977, quando entrou em vigor o Estatuto da Mulher Casada.

O fato da poligamia ser permitida em países cuja população é de maioria  muçulmana, nos quais as mulheres não possuem os mesmos direitos que os homens, não significa que monogamia signifique igualdade. Isso depende da cultura de respeito aos direitos fundamentais.

A bigamia é muito mais comum que a poligamia. Dificilmente alguém consegue ter mais de dois relacionamentos duradouros e concomitantes ao longo da vida, em razão de dificuldades práticas e econômicas.

Sabe-se que a Turquia aboliu a poligamia, numa tentativa de “ocidentalizar-se” e ingressar na União Europeia. Contudo, o que deverá acontecer é que parte da população continuará a viver em bigamia, ou poligamia, ocasionando as mesmas desigualdades sociais que há nos países ocidentais entre as esposas e as concubinas. Ademais, no islamismo a poligamia é permitida pois os muçulmanos consideram mais honesto que um homem seja casado com várias esposas do que ter amantes.

Um país pode permitir a bigamia e manter-se fiel aos princípios democráticos da liberdade e da igualdade.  Basta que o direito de ter mais de um cônjuge seja concedido a ambos os sexos e que todos tenham os mesmos direitos e deveres no casamento. A situação de desigualdade social e jurídica que existe entre cônjuge e amante estimula que este queira prevalecer sobre aquele e tomar-lhe o lugar.  A bigamia tampouco significa desrespeito:

O respeito tem de ser observado a partir do tratamento recíproco, evitando que um deles venha a subjugar o outro através de uma superioridade econômica, social ou intelectual.  Respeito e consideração, portanto, transcendem a exclusividade sexual (cuja violação, nem sempre afronta o respeito que se espera por conta das inúmeras possibilidades existentes em cada relacionamento).[9]

Durante séculos a monogamia foi a melhor maneira de impor a submissão da mulher ao homem e de reprimir desejos sexuais.  Um homem que tem apenas uma esposa, mas procura amantes eventuais ou se relaciona com prostitutas, não é mais virtuoso do que aquele que mantém duas mulheres de maneira estável.

Alardeia-se como imoral e indigno ter mais de um parceiro de forma concomitante.  Todavia, admite-se social e legalmente uma troca infinita de parceiros, o que não deixa de ser uma forma de burlar o principio da monogamia.  Como observou Barash e Lipton:

Há também outras maneiras de manter a forma legal de monogamia enquanto se desvia dela.  Dessas, o padrão mais comum é a monogamia em série, em que homens poderosos ou ricos se divorciam de suas esposas e se casam com mulheres mais jovens (mais férteis e fisicamente atraentes) à medida que suas esposas anteriores vão envelhecendo.  [...] Surge a questão: a monogamia em série, em que homens poderosos e bem sucedidos abandonam as esposas, é mais humana do que a poliginia, em que eles podem simplesmente acrescentar mais parceiras?[10]

A poliginia[11] sim é prejudicial à sociedade, pois nesse caso apenas o homem tem direito a ter mais de uma esposa.  Ocorre em alguns países islâmicos localizados na África e na Ásia, residindo aí problema, e não na eventual permissão de que alguém casado possa, se seu cônjuge concordar, casar mais uma vez.

O que viola os princípios democráticos é a desigualdade de direitos matrimoniais.  A bigamia, contudo, se for considerado um direito de homens e mulheres, não produz danos à sociedade, sendo comum no Brasil desde a época colonial.    Não se deve impor a monogamia a todas as pessoas, ainda que considerada o mais correto meio de constituir família pela maioria.  A monogamia deve ser uma opção, não uma imposição legal. Conforme Paulo Lôbo:

O tradicional princípio da monogamia, de origem canônica e que vicejou no mundo ocidental, perdeu a qualidade de princípio geral ou comum, em virtude do fim da exclusividade da família matrimonial.  Persiste como princípio específico, apenas aplicável à entidade familiar constituída pelo matrimônio.  Todavia, até mesmo em relação ao matrimônio, esse princípio tem sido atenuado pelos fatos da vida, na medida em que o direito brasileiro tem admitido efeitos de família ao concubinato, com alguma resistência nos tribunais superiores.[12]

Casamentos terminam e começam a todo o momento.  A admissão da bigamia, ao contrário de estimular o término de casamentos, poderia acabar incentivando sua manutenção, pois não seria mais preciso encerrar o casamento anterior para se casar novamente.

5. A pluralidade dos tipos familiares

No tempo do Brasil colônia, as Ordenações do Reino remetiam ao direito canônico a matéria de direito de família, o que levou ao reconhecimento de apenas um tipo de entidade familiar, a constituída entre um homem e uma mulher através do matrimônio.  Porém, a Constituição brasileira de 1988 inovou, reconhecendo como entidade familiar não apenas aquela formada pelo casamento, mas também a união estável e a família monoparental, além de permitir uma interpretação extensiva, para incluir outras entidades.[13]

A Constituição criou uma cláusula de inclusão, constante no seu art. 226, de modo que qualquer entidade familiar merece proteção constitucional. A “partir da legalidade constitucional, há de se reconhecer a pluralidade das entidades familiares, conferindo proteção jurídica a toda e qualquer forma de manifestação de afeto (caput do art. 226, CF).”[14]

A pluralidade das entidades familiares, além de ser admitida constitucionalmente, é uma realidade à qual não se pode fugir. Permitir apenas um tipo de entidade familiar levaria a “conclusões aberrantes, como a de que, ainda que alguém constitua, como realidade fática, uma pluralidade de núcleos familiares com os filhos que possui com várias mulheres diferentes, juridicamente terá apenas uma família – isso se for casado com uma delas.”[15]

A família é fruto da sociedade. O direito não deve tentar moldar as entidades familiares, deixando de reconhecer efeitos àquelas que não se enquadram em determinado script legal.  O conceito de família é, antes de tudo, biológico e social. 

 

O tratamento da família como instituição jurídica leva ao reconhecimento legal da família como ente abstrato, que enfatiza “as funções que daí se originam, em detrimento da felicidade coexistencial, intersubjetiva, dos membros que a compõem.”[16] Contudo, como o mais importante é a felicidade dos membros da família, faz-se necessário reconhecer todas as entidades familiares como dignas de proteção estatal:

Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade da pessoa humana.”[17]

Dessa maneira, deve-se compreender que a regra constante do art. 226 da Constituição, segundo a qual a família, base da sociedade, tem especial proteção estatal, consagrou “não apenas modelos expressos, mas, também, arranjos familiares que não se apresentam, de antemão, predefinidos conceitualmente na regra positivada.”[18]

A bigamia é uma realidade social, uma situação de fato que, embora não prevista legalmente, é passível de reconhecimento e proteção jurídica, pois “todo e qualquer núcleo familiar, tenha sido constituído de que modo for, merecerá a proteção estatal, não podendo sofrer discriminações.”[19]


6. Família e afeto

Ao tempo do Código Civil de 1916 a família era compreendia como unidade de produção e transmissão do patrimônio aos herdeiros, pouco importando laços afetivos. Já a família moderna está fundada “no afeto, na ética, na solidariedade recíproca entre os seus membros e na preservação da dignidade deles.”[20]

A família tem hoje uma função instrumental, com o “desiderato de colaborar para a realização das pessoas humanas que compõem um determinado núcleo.”[21] A entidade familiar não  tem finalidade própria, servindo para alcançar a felicidade de seus membros.

Em razão disso, a afetividade é essencial para a constituição de uma família, sendo seu principal requisito. A affectio “desponta como elemento nuclear e definidor da união familiar, aproximando a instituição jurídica da instituição social.  A afetividade é o triunfo da intimidade com valor, inclusive jurídico, da modernidade.”[22]

A família moderna é mutável e dissolúvel, bastante diferente daquela “instituição natural e de direito divino, portanto imutável e indissolúvel, na qual o afeto era secundário.”[23]  O afeto passou a ser “o único elo que mantém pessoas unidas nas relações familiares”,[24]embora o Código Civil de 2002 não o exija expressamente.

Somente a convivência afetiva voluntária traz felicidade aos indivíduos que compõem uma entidade familiar.  A afeição é mais importante que os laços de parentesco.  “As relações de consanguinidade, na prática social, são menos importantes que as oriundas de laços de afetividade e da convivência familiar.”[25].

Não há nenhuma padrão a ser obedecido para que uma família seja constituída, sendo necessário apenas que haja afeto e voluntariedade.  Não há um tipo ideal de família, pois cada pessoa é dotada de sentimentos e necessidades próprias, que podem ser bastante diferentes do  comum.  O Estado deve reconhecer e proteger todo e qualquer modelo de convivência afetiva estável.[26]


7. A família bigâmea

7.1. Definição e requisitos

A família bigâmea é aquela na qual um dos cônjuges ou companheiros, ou ambos, possui uma relação afetiva estável com terceira pessoa, com o consentimento expresso ou tácito do seu consorte. 

 O terceiro integrará o núcleo familiar em razão do vínculo afetivo formado com um ou ambos os cônjuges.[27]  O seu ingresso, contudo, dependerá da concordância, expressa ou tácita, do outro cônjuge, assim como ocorre na adoção, para a qual é necessária a anuência expressa do outro cônjuge ou companheiro (art. 165, I, da lei 8.069/90).

Todos farão parte de um único núcleo familiar, ao qual aderiram de modo voluntário e do qual podem sair, a qualquer tempo.  Não há dois núcleos familiares. A presença de qualquer fator que possa influenciar na livre manifestação da vontade de integrar o núcleo familiar (coação, fraude, ignorância) desqualifica-o como família.

Os requisitos necessários para sua formação são: 1) manter  relação afetiva com duas pessoas, sendo casado ou não; 2) estabilidade, que significa relacionamento cotidiano, ainda que não seja diário, por um longo período de tempo; 3) consentimento expresso ou tácito de todos os envolvidos.

Assim, aqueles que praticam sexo de forma casual, tendo vários amantes eventuais ao longo da vida, não constituirão com cada um deles uma nova entidade familiar. Será preciso haver afeto e uma relação estável, permitida pelo cônjuge ou companheiro mais antigo. 

7.2 Desnecessidade de ostensividade

Para os adeptos da teoria das famílias simultâneas, não “se configura entidade familiar se esta não se apresenta publicamente como tal.”[28]  Desse modo, “a relação, ainda que estável, mas mantida às ocultas, sem amplo conhecimento público, não pode ser caracterizada como entidade familiar”.[29]

Todavia, para a constituição da família bigâmea basta o consentimento expresso ou tácito do outro cônjuge para que o terceiro ingresse no núcleo familiar e goze da sua proteção. A publicidade pode constituir prova de consentimento tácito, mas não é um requisito para a existência de bigamia.

Se, por exemplo, o relacionamento concubinário de alguém é fato público e notório, certamente também é do conhecimento do seu cônjuge.   Porém, é possível que alguém mantenha um relacionamento não ostensivo.  Desde que haja provas de que o cônjuge consentiu com esse relacionamento (não se opôs), é desnecessário exigir sua publicidade ou ostensividade.  Como observaram Farias e Rosenvald, “a constituição da entidade familiar informal depende, muito mais, da intenção (animus) dos parceiros [...] do que da percepção do público em geral.”[30]

Pessoas casadas podem comparecer a locais públicos, embora estejam já destituídos de qualquer afeto um pelo outro, mantendo um casamento de aparência, enquanto um cônjuge e seu amante, que se encontram às escondidas, podem amar-se profundamente.[31]

Assim, a ostensividade não é um requisito para a formação da família bigâmea. A manutenção de outra relação afetiva estável por um ou ambos os cônjuges não precisa ser  conhecida do público, mas apenas pelos membros da entidade familiar.

7.3 Consentimento tácito

Quando o cônjuge sabe que seu consorte possui uma relação estável com outra pessoa, e não se opõe, ele concorda tacitamente.  Conforme Gonçalves,  “tácita é a declaração de vontade que se revela pelo comportamento do agente. Pode-se, com efeito, comumente, deduzir da conduta da pessoa a sua intenção.”[32] Por diversas razões uma pessoa pode concordar que seu cônjuge viva em bigamia, sem assentir com isso expressamente.

Para haver concordância tácita é preciso que haja provas de que o cônjuge sabia do relacionamento afetivo do outro com terceira pessoa e nada fez. Sabendo o cônjuge que seu consorte tem um concubino, sua inércia constitui consentimento tácito, salvo se provar que havia motivos relevantes (econômicos, preocupação com os filhos, dentre outros), que não recomendavam a separação.

Além disso, alguém que descobre que seu consorte possui uma relação afetiva estável com terceira pessoa pode não se separar de imediato, mas demonstrar claramente que não concorda,  exigindo categoricamente o término de tal relação.  Nesse caso, só haverá consentimento tácito se o concubinato continuar e o cônjuge traído nada fizer.

Outrossim, não basta que o concubinato seja tolerado. Tolerância não é consentimento.  Quem tolera suporta algo que deseja evitar.  Consentir é aceitar, concordar, porque aquilo não lhe incomoda nem lhe ofende.  Se alguém suporta outro relacionamento mantido por seu cônjuge, não há formação de um núcleo familiar, mas de dois núcleos, separados e antagônicos.[33]

7.4 O dever de fidelidade

A fidelidade conjugal deve ser uma escolha dos cônjuges e não uma imposição legal.  Fala-se muito das virtudes da monogamia, mas isso mostra apenas um ponto de vista. Toda forma de organização familiar (monogamia, bigamia, poligamia) tem aspectos positivos e negativos. O importante não é discutir se uma é melhor do que a outra, mas sim permitir que cada indivíduo escolha livremente aquela que mais se lhe adequa.

Nenhum comportamento que não seja danoso deve ser proibido. A “fidelidade não pode ser encarada como dever jurídico, mas como opção de cada pessoa que se dispõe a conviver afetivamente com outra.”[34]  O adultério, desde que consentido, diz respeito a uma escolha pessoal, à vida privada e à intimidade do indivíduo, bens invioláveis. Ademais:

Os deveres de “fidelidade recíproca”, “vida em comum, no domicílio conjugal”, e “respeito e consideração mútuos” importam profunda interferência na intimidade e na privacidade familiares, que dizem respeito exclusivamente aos cônjuges.  Esses deveres, durante a convivência conjugal, são absolutamente inócuos, pois destituídos de sanção para seus eventuais inadimplementos.[35]

O adultério foi uma realidade mesmo nas épocas de maior repressão social e religiosa. O “amor cavalheiresco da Idade Média, não foi, de modo algum, amor conjugal.  Longe disso, na sua forma clássica, entre os provençais, voga a todo pano para o adultério, que é cantado por seus poetas.”[36] Sobre o dever de fidelidade, observou Freud:

Todos sabem que ele se mostrou inexequível, mesmo por períodos muito breves. Apenas os fracos se submeteram a uma usurpação tão ampla de sua liberdade sexual, e as naturezas mais fortes só o fizeram mediante uma condição compensatória [...]. A sociedade civilizada viu-se obrigada a silenciar sobre muitas transgressões que, segundo os seus próprios princípios, deveria ter punido.[37]

O dever legal de fidelidade parece decorrer mais da intenção de preservar o patrimônio do que a moral familiar[38]. Não há dever de fidelidade entre companheiros (art. 1.724, CC), que possuem bem menos direitos que os cônjuges.

8. O direito de inclusão familiar

O estado civil constitui um dos direitos da personalidade. “Nessa categoria de direitos, que se chamam direitos da personalidade, está o que se refere ao nome de que o indivíduo é portador, ao seu estado civil, às suas condições familiais, às suas qualidades de cidadão.”[39] É o complexo de qualidades que são peculiares a uma pessoa.  No âmbito familiar, indica o estado de casado, solteiro, viúvo, separado ou divorciado, de filho (status familiae).[40]

O estado civil de alguém em relação ao seu parentesco em linha reta, ou seja, que identifica seus ascendentes, é único[41], ou seja, um indivíduo pode ser filho de apenas um pai e uma mãe, por exemplo (não poderá ter mais de um pai ainda que seja adotado, pois nesse caso ele deixa de ter vínculos jurídicos com a família natural).

Porém, o estado civil de alguém em relação aos seus descendentes não é único (um pai pode ter mais de um filho). O parentesco colateral também não (uma determinada pessoa pode ter vários irmãos, tios, primos, etc.). Pode-se até ter mais de uma nacionalidade (há muitos casos de dupla nacionalidade).

Ora, se no caso de parentesco consanguíneo é possível que não haja unicidade do estado familiar, em relacionamentos afetivos ela também não precisa ocorrer. Assim como um casal, que já possui filhos, pode adotar um outro, cessando os laços jurídicos deste com sua família anterior, é possível o ingresso, numa entidade familiar, de um segundo consorte de algum dos cônjuges, havendo consentimento do primeiro.  Contudo, ninguém pode integrar validamente dois ou mais núcleos familiares. Tentaremos explicar esse princípio analisando duas hipóteses.

Primeira hipótese: A, casado com B, mantém um relacionamento estável com C, com o consentimento de B. Se C é uma pessoa solteira, poderá fazer parte do núcleo familiar formado inicialmente por A e B com o status de companheiro (união estável) de A.  Porém, se C  for uma pessoa casada, já fará parte de um núcleo familiar (formado por C e D, por exemplo), não podendo também fazer parte do núcleo formado por A e B. Nesse último caso, ainda que C mantenha um relacionamento estável com A, com consentimento de B, não constituirá um novo núcleo familiar, vez que C já faz parte de um.

Segunda hipótese. A é casado com B e mantém relacionamento afetivo estável com C, pessoa solteira. Porém, C passa a se relacionar de maneira estável também com D, indivíduo solteiro. Nesse caso, deve prevalecer e receber proteção jurídica apenas o núcleo familiar formado por C e D.  Mas se D for uma pessoa casada, C poderá fazer parte tanto do núcleo familiar de A como de D, conforme as circunstâncias, mas nunca dos dois.

Ou seja, uma pessoa só tem direito de integrar um único núcleo familiar, de modo que um indivíduo solteiro pode ingressar no núcleo familiar de alguém já casado e formar um novo núcleo, mas alguém já casado não pode constituir um novo núcleo familiar com alguém também casado ou que viva em união estável.

Qualquer pessoa tem o direito de constituir um núcleo familiar ou integrar algum já constituído. O direito de fazer parte de uma família constitui um direito fundamental de todo ser humano, bastando que não faça de nenhum. 

Em resumo: uma pessoa solteira pode fazer parte do núcleo familiar de um indivíduo casado, ao manter com ele um longo relacionamento afetivo, com status semelhante ao de cônjuge; todavia, uma pessoa casada, mesmo que mantenha um relacionamento afetivo estável com alguém, não integrará o núcleo familiar deste na condição de cônjuge, porque já é cônjuge de outra pessoa (não há necessidade dessa inclusão).


9. A discriminação do concubinato

No sistema do Código Civil de 2002, o relacionamento afetivo estável com pessoa casada, chamado de concubinato[42], não constitui união estável, em razão da impossibilidade de sua conversão em casamento.

O tratamento dado ao concubino atualmente é semelhante ao do filho adulterino antes da Constituição de 1988. O concubino constitui uma pessoa “desprivilegiada”, com quase nenhum direito, tal como acontecia em relação aos filhos adulterinos, sendo vítima de grande preconceito social:

Diferentemente de muitas situações em que a população, a mídia, a igreja, entre outros, reclamam à ordem constitucional proteção efetiva, a ideia de se conceber qualquer tipo de chancela jurídica a determinada relação concomitante a um casamento formal ainda não recebe nenhuma aprovação do senso comum.[43]

O desejo da Constituição de 1988 é promover o bem de todos, proibindo-se qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV, e art. XLI, da Constituição).  Mas a monogamia imposta por lei impede a concretização desse objetivo, penalizando a parte mais fraca. O Código Civil protege as mulheres de maior status social, formalmente casadas, ainda que não possuam nenhum afeto por seus maridos.  Viola a dignidade humana das concubinas, que não possuem direito algum, considerando-as verdadeiros seres inferiores.  Se ao mesmo fato deve-se aplicar o mesmo direito (ubi eadem ratio, idem jus):

não cabe aos operadores do Direito rotular determinada situação ou atitude como certa ou errada, moral ou imoral, mas buscar a melhor solução para o caso concreto, até porque, sabidamente, os casos existem, geram efeitos sociais e, por isso, não podem ser ignorados pela ordem jurídica.[44]

Se alguém consegue, durante longos anos, manter dois relacionamentos afetivos estáveis, mostra com isso que são compatíveis.  O concubino é considerado o principal responsável pelo término de casamentos, quando, na verdade, os culpados  são os próprios cônjuges, que perderam o afeto um pelo outro.

Devem ser declaradas inconstitucionais, por ferirem o principio da isonomia e da dignidade da pessoa humana, as normas que excluem o concubino de pessoa casada de qualquer proteção estatal no âmbito do direito de família, com base numa visão da família como uma entidade invariável, abstrata e perfeita.[45]

A lei civil, ao negar direitos ao concubino de alguém casado, não está resguardando a família deste, pois aquele também faz parte dessa família (obedecidos os requisitos mencionados alhures).  Está apenas discriminando um dos membros da entidade familiar e privilegiando outros.


10. Efeitos jurídicos

Cumpre esclarecer quais são os efeitos jurídicos do concubinato consentido. Para Lôbo,  “quando a legislação infraconstitucional não cuida de determinada entidade familiar, ela é regida pelos princípios e regras constitucionais, pelas regras e princípios gerais do direito de família aplicáveis e pela contemplação de suas especificidades.”[46]

Como o casamento é um ato jurídico solene que assegura a terceiros a certeza a respeito da existência de um vínculo jurídico familiar, as normas de direito de família a serem estendidas ao concubinato, são, então, aquelas referentes à união estável,[47] por ser tão informal quanto este. A ele devem ser aplicadas as normas do direito de família[48], e não do direito das obrigações:

Soa contraditório com a dignidade da pessoa humana que uma relação de natureza indiscutivelmente afetiva seja degradada à dimensão meramente patrimonial.  O afeto, a intimidade e a vida privada são valores constitucionais […], sociais e personalíssimos, inegociáveis e intransmissíveis, que não podem ser violados em razão do fato de um dos figurantes da relação ser casado.[49]

A jurisprudência tradicional, que se formou a partir de súmula do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual os bens adquiridos durante o concubinato sejam partilhados segundo as regras do direito das obrigações, deve ser reformada:

O equívoco da aplicação da Súmula 380 à união estável expandiu-se às demais entidades familiares.  Com efeito, o fundamento na orientação contida na Súmula, ainda quando ela não seja claramente indicada, contém um insuperável defeito de origem, pois considera as relações afetivas como relações exclusivamente patrimoniais, não regidas pelo direito de família.  Afinal, que “sociedade de fato” mercantil ou civil é essa que se constitui e se mantém por razões de afetividade, sem interesse de lucro?.[50]

O referido entendimento jurisprudencial, ao pressupor serviços caseiros no concubinato, visa indenizar, na verdade, as relações sexuais mantidas com o cônjuge casado. A súmula 380 do STF instituiu o pretium carnis no direito, o que é, no mínimo, imoral. 

No direito eleitoral é considerado inelegível o(a) concubino(a) do Presidente da República, de Governador, de Prefeito ou de quem os houver substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, conforme jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE – Res. nº 22.784 - JTSE 2:2008:212).  O concubino é tido como parente por afinidade, em situação semelhante ao cônjuge ou companheiro.

Ora, se o concubino é comparado ao cônjuge e ao companheiro, para fins de inelegibilidade,  deveria receber benefícios legais também por equiparação àqueles.  Não tem sentido dizer que ele faz parte de uma família apenas para lhe negar direitos.

Nem sempre, porém, ao concubinato se aplicarão as regras do direito de família.  Se, por exemplo, um homem vive vários anos com a esposa e uma amante, prometendo a esta que vai se divorciar, mas o tempo passa e o divórcio não acontece, a amante pode reclamar uma indenização por ter sido enganada. É possível a configuração de dano moral, por quebra de expectativa, em ação a ser proposta na vara comum.  Já houve decisão nesse sentido no Estado de Israel, conforme notícia abaixo:

Homem casado é condenado por descumprir promessas feitas à amante

Pela primeira vez, a Suprema Corte de Israel condenou um homem casado e pai de família que mentiu para sua amante com a promessa de casamento. A mulher moveu ação contra ele, por descumprimento da promessa. A relação entre a secretária de uma fábrica de cigarros e o chefe de empacotamento da mesma se prolongou durante anos. Nesse período, ela chegou a se casar com outro homem e teve um filho. No entanto, separou-se por influência do primeiro, que lhe assegurou que faria o mesmo para se casar com ela. Ao longo da relação, a amante engravidou e, a pedido do companheiro, abortou quatro vezes. O conflito aconteceu quando ela se negou a interromper uma quinta gravidez, dando à luz uma menina, motivo pelo qual ele decidiu romper a relação. A autora ingressou com ação e o tribunal aceitou seu pedido, condenando o amante à pagar reparação mensal de 1.000 shekels (200 dólares) pelo período do relacionamento, ou um total de 35.000 shekels (8.000 dólares). O julgado considerou que "a defesa da instituição matrimonial não pode ser feita às custas da vítima de uma promessa incumprida". Embora não existisse entre os amantes um contrato escrito, suas relações eram conhecidas por colegas e amigos.  O relator afirmou que "a obrigatoriedade de alguém cumprir uma promessa é um elemento integral da moralidade pública".[51]

10.1   As proibições

São as seguintes as proibições, constantes da legislação civil, de atos que possam favorecer o concubino:

i) proibição de realizar doação em favor do concubino, sob pena de anulabilidade, no prazo de dois anos contados do término da relação conjugal (CC, art. 550); ii) proibição de estipular seguro de vida em favor de concubino, sob pena de nulidade (CC, art. 793); iii) proibição de ser contemplado como beneficiário de testamento, seja a título de herança ou de legado, sob pena de nulidade (CC, art. 1.801, III); iv) impossibilidade de receber alimentos (CC, art. 1.694).[52]

Mas tais proibições só devem ser admitidas quando não houver consentimento de um cônjuge em relação ao concubinato do outro.  Verificando-se que houve consentimento expresso ou tácito, devem ser desconsideradas. 

Na jurisprudência “admite-se a relativização da monogamia em determinados casos, para prestigiar outros valores, que, casuisticamente, se mostram merecedores de proteção.”[53] O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu efeitos a relacionamentos bígamos. No REsp n. 100.888 foi deferido o fracionamento de seguro de vida entre a esposa e a concubina de homem casado, tendo prole com ambas.[54]  Também reconheceu-se direito a pensão por morte (REsp n. 742685), no caso de concubinato impuro de longa duração.[55]

10.2 Legitimidade das doações

Os efeitos jurídicos patrimoniais do concubinato dependem, nos regime de comunhão universal e parcial de bens, do consentimento de ambos os cônjuges. Doações de bens comuns feitas ao concubino só valem se houver autorização expressa ou tácita do outro cônjuge. Mas podem ser doados sem autorização os bens que constituem o patrimônio particular de cada cônjuge. Já em se tratando de casamento em separação convencional de bens, apenas os bens adquiridos com esforço comum não podem ser doados sem a autorização do outro.

De fato, o cônjuge pode reivindicar os bens comuns, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino (art. 1642, V, do CC).  Então, “pode o cônjuge, sem autorização do outro, doar seus bens particulares que mantenha com os comuns nos regimes de comunhão parcial, universal e de participação final nos aquestos”.[56] Os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge constituem bens particulares (art. 1.659, VI; art. 1668, V, do CC), que podem ser doados, inclusive para o concubino.  Só  a doação ou transmissão de bens imóveis, ainda que se trate de bem particular, deve ser autorizada pelo outro cônjuge (art. 1642, III).[57]

A possibilidade de anulação da doação de bens móveis particulares de um cônjuge ao seu concubino (art. 550 do CC) é inconstitucional, porque tais bens integram apenas o patrimônio particular daquele que doa, o que viola sua autonomia privada. Nem se alegue que o cônjuge teria direito a eles em caso de herança, pois este é um direito que só se verifica com a morte do outro, não impedindo que o titular do bem possa dele dispor quando for particular e móvel. Além disso, tal hipótese de anulabilidade fere a dignidade humana do concubino, que se vê punido legalmente, através da diminuição de seu patrimônio, sem que tenha praticado qualquer ato ilícito. O dever de fidelidade envolve apenas os membros da sociedade conjugal, não terceiros (art. 1566, CC), de modo que ninguém tem o dever jurídico de não se envolver com pessoa casada.

Por outro lado, se um cônjuge descobre que o outro possui um relacionamento afetivo estável com terceiro, ao qual fez doações, e não se opõe a elas, não poderá impugná-las posteriormente. Aplica-se ao caso a proibição de comportamento contraditório (venire contra factum proprium), bem como os fenômenos da supressio e surrectio, que constituem formas de perda e geração de direitos:

a supressio é o fenômeno da perda, supressão, de determinada faculdade jurídica pelo decurso do tempo, ao revés da surrectio que se refere ao fenômeno inverso, isto é, o surgimento de uma situação de vantagem para alguém em razão  do não exercício por outrem de um determinado direito, cerceada a possibilidade de ver a exercê-lo posteriormente.[58]

Assim, o cônjuge que consente, expressa ou tacitamente, na doação ou transferência de bens, pelo consorte ao seu concubino, não pode anular, posteriormente, tais operações, tendo em vista que o retardamento voluntário de sua ação leva à perda do direito de exercer posteriormente tal pretensão (supressio), bem como faz nascer no concubino o direito de ver o referido bem continuar no seu poder (surrectio). 

10.3 Pensão por morte

Em se tratando de família bigâmea (concubinato consentido), a pensão por morte deve favorecer ao cônjuge e ao concubino, pois o Estado deve assegurar proteção à família na pessoa de cada um dos que a integram (art. 226, § 8º, CF).

Mas o concubinato pode produzir direito à pensão independentemente do consentimento de ambos os cônjuges.  Se um indivíduo falece deixando cônjuge e concubina, provada a dependência econômica desta última em relação ao de cujus, há de ser-lhe conferido o direito a parte da pensão por morte, independentemente do consentimento do cônjuge sobrevivente. 

O tempo é um fato gerador de direitos. Alguém que não possua qualquer direito à manutenção de uma situação jurídica, pode, após muito tempo na posse dela, acabar adquirindo o direito de mantê-la, como ocorre no usucapião e na teoria do fato consumado. 

O direito à pensão por morte tem seu fundamento no princípio da assistência que se deve prestar aos membros da família da pessoa falecida.[59] Nesse caso, o direito do concubino à pensão por morte decorre de haver dois núcleos familiares (famílias simultâneas).  Basta a prova de um relacionamento estável e duradouro, que perdurou até a data da morte.  Por outro lado, se o cônjuge estivesse separado de fato do falecido, apenas o concubino deve ter direito à pensão, pois os laços afetivos devem prevalecer sobre os formais, no âmbito do direito de família. A jurisprudência admite tal possibilidade desde os tempos do Tribunal Federal de Recursos (sucedido pelo STJ), que  editou a súmula 159: “É legítima a divisão da pensão previdenciária entre a esposa e a companheira, atendidos os requisitos legais.” Nesse sentido recente do Tribunal Regional Federal a 5ª região:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. MILITAR. PENSÃO POR MORTE. CONCUBINA. RATEIO COM A VIÚVA. POSSIBILIDADE. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. AUSÊNCIA FORMAL DE DESIGNAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. PRECEDENTES. HONORÁRIOS. JUROS DE MORA. 1. Esta Corte de Justiça tem posicionamento firmado acerca da possibilidade de partilha de pensãoentre a viúva e a concubina, mesmo que o de cujos não esteja separado de fato da esposa, desde que reste comprovado que aconcubina mantinha união estável com o falecido. 2. Documentos suficientes que comprovam a união estável mantida entre o de cujus e a demandante: declaração firmada pelo de cujos, junto ao INSS, onde está consignado que a apelante vive sob a sua dependência econômica (fls. 38); requisição médica da Caixa de Auxílio Mútuo - CAM Sgt Benevides, onde consta que a que a requerente é dependente do falecido (fls. 39/40); cartão da UNIMED em nome da apelante, tendo como empresa a Caixa de Auxílio Mútuo (fls 41); cópia da CTPS onde consta o lançamento da requerente junto ao INSS, como companheira do de cujos (fls. 46); nota de compra de móveis em nome do de cujos e da requerente (fls. 47/48); Justificação Judicial (fls. 59/60); Instrumento de Procuração Particular onde o de cujos constitui a apelante como sua procuradora para receber o espelho do INSS e retirar os proventos correspondentes a aposentadoria (fls. 75). 3. Em complemento à força probante dos documentos carreados aos autos pela apelante, consta, ainda, a oitiva, em Juízo, das testemunhas Idalina Correia da Silva e Marlene Canuto de Almeida, afirmando que a autora conviveu com o de cujus por longo período, tendo um relacionamento público e contínuo, vivendo como marido e mulher (fls. 248/251). 4. Pacífico o entendimento de que a falta de designação da companheira, pelo falecido militar, como sua beneficiária, não constitui óbice à obtenção da pensão por morte, se comprovados seus requisitos por outros meios idôneos de prova. Precedentes. 5. Os juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da citação, até o mês de junho de 2009, devendo, a partir do mês seguinte, incidir na forma prevista no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/2009. 6. Honorários de sucumbência fixados em 5% sobre o valor da condenação. 7. Apelação provida.[60]

10.4 Alimentos

O Código Civil igualou o direito a alimentos dos parentes, ex-cônjuges e ex-companheiros, “apesar da notável diferença fundamental e ontológica entre o dever advindo da relação de parentesco, inextinguível, e o dever de assistência entre cônjuges e companheiros, que se extingue com a dissolução dos respectivos laços, pois cônjuges e companheiros não são parentes entre si.”[61]

Todavia, após o divórcio, ou separação de fato, não tendo havido nenhuma estipulação a respeito, não pode o ex-cônjuge exigir alimentos do outro, por ter findado o dever de assistência, decorrente do rompimento do vínculo afetivo. Tal entendimento também deve ser aplicado ao concubinato, pois terminado o afeto, não há razão para se pagar alimentos, até porque o único vínculo entre uma pessoa casada e seu concubino é o afetivo, que se desfaz com a separação.  A cessação do vínculo afetivo, em vida, importa em cessação da existência do concubinato.

 

11. Reflexos penais

A monogamia é um tabu desde a Roma antiga, decorrente da necessidade de garantir a certeza da ascendência da prole e a transmissão do patrimônio familiar somente aos membros da família legítima. Embora não tenha sido o cristianismo quem introduziu a monogamia como regra obrigatória, ele a impôs como comportamento a ser seguido por todos os cristãos, considerando um delito sua transgressão.  

No Brasil, ao tempo da colonização portuguesa, os principais delitos contra a fé católica,  registrados em cerca da metade dos casos até agora contabilizados, eram a prática do judaísmo, as proposições heréticas e a bigamia.[62]

De crime contra a fé a bigamia passou a crime contra a família (instituição), mantido no atual Código Penal brasileiro, em vigor desde 1940.  Seu artigo 235 diz:

Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:

Pena - reclusão, de dois a seis anos.

§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.

§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime

Todavia, tal delito pouco protege a instituição da monogamia. Considere-se a seguinte hipótese: um homem casado contrai um novo casamento, e, pouco tempo depois, abandona a nova esposa, voltando a conviver com a primeira.  O referido indivíduo teria cometido o crime de bigamia.  Já um outro, casado, convive ao mesmo tempo com sua esposa e uma concubina por toda a vida.  Este último não teria cometido crime algum, pois não fez um novo casamento formal, apesar de viver em bigamia, e não há mais o crime de adultério na legislação brasileira.

 

Esses exemplos demonstram que o delito de bigamia criminaliza um ato formal, deixando impunes aqueles que vivem em bigamia sem serem casados. Ademais, para preservar a fé pública bastaria a previsão do crime de falsidade ideológica.

A progressiva informatização dos serviços de registro público tornará muito difícil a prática desse delito, quando o estado civil de alguém constar de bancos de dados informatizados. Isso  impedirá a prática do delito (se não for revogado, logo tornar-se-á um crime impossível).

Por fim, da mesma forma que é possível o perdão judicial no caso do delito de registrar como seu filho de outrem (art. 242 do CP), quando o autor do fato estiver imbuído de reconhecida nobreza, também é cabível a exclusão da culpabilidade na bigamia, como causa supra legal, decorrente da intenção em garantir direitos por vínculos afetivos.


12. Conclusão

A família bigâmea, em relação às demais entidades familiares, é uma exceção. O triângulo amoroso é uma situação, para muitos, considerada impossível de ser tolerada.  Com o tempo, diz-se, acaba-se privilegiando um dos parceiros e abandonando o outro. 

Apesar de tudo, a bigamia, como situação de fato, existe.  Ainda que não seja o tipo de entidade familiar à qual pertence a maioria dos  brasileiros (muitos preferem viver numa monogamia de fachada, mantendo famílias simultâneas) é uma realidade que pode estar presente em qualquer canto do país, independentemente da classe social dos envolvidos.

A família bigâmea tem características próprias, sendo a principal delas o consentimento. Seus efeitos jurídicos precisam ser disciplinados para proporcionar segurança e dignidade a todos os envolvidos.  O que foi dito aqui vale como um esboço introdutório de estudos mais profundos a serem realizados a respeito do tema.


REFERÊNCIAS

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ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

FERRARINI, Letícia. Família simultânea e seus efeitos jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.

FEITLER, Bruno. Inquisição no Brasil. Revista História Viva. Ano VII, n. 77, 2007, p. 66-71.

FOUCAULT, Michel. Ética, sexualidade, política. Trad. Elisa Monteiro, Inês Autran Dourado Barbosa. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.

FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão, o mal estar na civilização e outros trabalhos. Trad. Jayme Salomão.  Rio de Janeiro: Imago, 1996.(Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XXI). 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. vol. 1.

LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, vol. 1.

RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.


notas

[1]          ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 87.

[2]    Idem, p. 83.

[3]    Idem, p. 86-87.

[4]    Idem, p. 49-50.

[5]             BARASH, David P., LIPTON, Judith Eve. O mito da monogamia. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 283.

[6]    Idem, p. 106.

[7]               A respeito do bissexualismo, observou Freud que: “O homem é um organismo animal com (como outros) uma disposição bissexual inequívoca.  O indivíduo corresponde a uma fusão de duas metades simétricas, uma das quais, segundo certos investigados, é puramente masculina, e a outra, feminina. É igualmente possível que cada metade originalmente tenha sido hermafrodita. [...] Seja como for, se considerarmos verdadeiro o fato de que todo indivíduo busca satisfazer tanto desejos masculinos quanto femininos em sua vida sexual, ficamos preparados para a possibilidade de que esses [dois conjuntos de] exigências não sejam satisfeitos pelo mesmo objeto e que interfiram um com o outro, a menos que possam ser mantidos separados e cada impulso orientado para um canal específico que lhe seja apropriado.” (FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão, o mal estar na civilização e outros trabalhos. Trad. Jayme Salomão.  Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 111, nota de rodapé).

[8]    Esse é o caso do chamado Sultão do Nordeste, um agricultor aposentado que vive numa casa de taipa no sertão do Rio Grande do Norte, junto com suas três mulheres. Ver em: <http://melhordamidia.blogspot.com/2011/09/homem-tem-mais-de-50-filhos-com-mulher.html#ixzz1e9nG9iGd>. Pode-se lembrar também da  telenovela brasileira “Aventuras Amorosas de Seu Quequé”, exibida pela TV Cultura entre 7 de junho e 2 de julho de 1982, baseada no conto Pensão Riso da Noite, de José Condé. Ela mostra um caixeiro-viajante, de classe média, que possuía três esposas.

[9]    FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 246-247.

[10]  Idem, p. 204.

[11]          A poliginia “é uma condição de elitismo, em que um número relativamente pequeno de homens de sorte, implacáveis ou singularmente qualificados conseguem monopolizar mais do que sua cota de parceiras disponíveis.” (BARASH, David P., LIPTON, Judith Eve. O mito da monogamia. Trad. Ryta Vinagre. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 207). No Antigo Testamento os homens podiam ter várias esposas, sendo a poliginia amplamente aceita.  O adultério só era proibido quando envolvia a esposa de outro, ou seja, uma mulher que estivesse associada a outro homem. “As relações sexuais entre um homem casado e uma mulher que não tinha nem marido nem pai não violavam qualquer ditame, fosse da sociedade ou de Deus.”(Idem, p. 273-274).

[12]  LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 59.

[13]        LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 33.

[14]        FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 42.

[15]          RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 30.

[16]          RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 18.

[17]  LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 84.

[18]  Idem, p. 36.

[19]          FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 136.

[20]          FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 5.

[21]  Idem, p. 9.

[22]  LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 20.

[23]  Idem, p. 73.

[24]  Idem, ibidem.

[25]  Idem, p. 27.

[26]          “afirmado o afeto como base fundamente do Direito das Famílias contemporâneo, vislumbra-se que, composta a família por seres humanos, decorre, por conseguinte, uma mutabilidade inexorável, apresentando-se sob tantas e diversas formas, quantas sejas as possibilidades de se relacionar, ou melhor, expressar o amor”. (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 34)

[27]          “Há três sortes de vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vínculos de sangue, vínculos de direito e vínculos de afetividade.” (LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 18).

[28]          RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 9.

[29]          FERRARINI, Letícia. Família simultânea e seus efeitos jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 114.

[30]          FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 469.

[31]          Ocultar relacionamentos concomitantes ao casamento também é uma forma de evitar a rejeição e o escárnio social (ser chamado de “infiel”, “corno”). 

[32]          GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 351.

[33]          Um caso célebre de concubinato não consentido, embora público, foi o relacionamento extraconjugal de D. Pedro I com a Marquesa de Santos (Domitila de Castro). Durou de 1822 a 1829, quando D. Pedro casou-se pela segunda vez.  D. Pedro I alçou Domitila de Castro à condição de sua segunda esposa. Concedeu-lhe títulos de nobreza, propriedades e outros bens.  Fez dela a primeira-dama da imperatriz Leopoldina e assumiu publicamente a paternidade da sua primeira filha.  Os registros históricos, todavia, indicam que a imperatriz Leopoldina nunca consentiu com o romance, tendo este, ao contrário, causado a ela grande humilhação e sofrimento, que teria favorecido seu falecimento prematuro, durante a gravidez, em 1826.  Ela tolerou tal situação porque assim a obrigava sua condição social e os costumes da época.

[34]  FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 248.

[35]  LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 142.

[36]  ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Trad. Leandro Konder. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 92.

[37]          FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão, o mal estar na civilização e outros trabalhos. Trad. Jayme Salomão.  Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 110.

[38]  “O Código Civil de 2002, apesar da apregoada mudança de paradigma, do individualismo para a solidariedade social, manteve forte presença dos interesses patrimoniais sobre os pessoais, em variados institutos do Livro IV, dedicado ao direito de família, desprezando-se o móvel da affectio” (LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 24).

[39]          PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, vol. 1, p. 155.

[40]  Idem, p. 163-164.

[41]  “A indivisibilidade e a unidade do estado provêm de ser ele a qualificação do indivíduo na sociedade.  Não pode um indivíduo ser simultaneamente casado e solteiro, como não pode ser filho legitimo de um homem e filho natural de outro etc. Informam a indivisibilidade do estado duas categorias de princípios, uns de ordem natural e outros de ordem jurídica.  A natureza dos atributos individuais repugna a ideia de ser a pessoa titular de condições que se mostrem incompatíveis, apresentar-se na sociedade portadora de atributos que se destruam ou se repilam.  A ordem jurídica requer a certeza da qualificação individual e determina que os fatos constitutivos ou modificativos do estado sejam inscritos no Registro Civil, para que dele resulte, com sentido de ordem pública, a circunstância de ser o estado uno, e obrigatoriamente reconhecido por todos na sociedade.” (Idem, p. 165).

[42]          “O Código Civil adotou uma atitude dúbia, pois optou por conceituar o concubinato sem definir suas consequências jurídicas positivas ou negativas. […] Sua finalidade foi estremá-lo da união estável, ou seja, dizer que ao concubinato não incidem as normas àquela aplicáveis.” (LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 185).

[43]          FERRARINI, Letícia. Família simultânea e seus efeitos jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 87.

[44]  Idem, p. 90.

[45]          “é a pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, o elemento finalístico da proteção estatal, para cuja realização devem convergir todas as normas do direito positivo, em particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais íntimas e intensas do indivíduo no social.  De se abandonar, portanto, todas as as posições doutrinárias que, no passado, vislumbraram em institutos do direito de família uma proteção supra-individual, seja em favor de objetivos políticos, atendendo a ideologias autoritárias, seja por inspiração religiosa.” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 372). 

[46]  LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 82.

[47]          “Quando informadas por princípios relativos à solenidade do casamento, não há que se estendê-las às entidades familiares extramatrimoniais. Quando informadas por princípios próprios da convivência familiar, vinculada à solidariedade dos seus componentes, aí, sim, indubitavelmente, a não aplicação de tais regras contraia o ditame constitucional” (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 385).

[48]  E que a competência para analisar as ações respectivas será da Vara de Família: “A competência atribuída às Varas especializadas de família decorre seguramente da peculiaridade da matéria em conflito, relativa ao núcleo familiar, sendo para tanto irrelevante o seu modo de constituição. Em outras palavras, é a matéria a fixar a competência, não já a forma pela qual a entidade familiar se constitui.” (Idem, p. 387).

[49]  LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 188.

[50]  Idem, p. 86.

[51]  Disponível em: <http://www.espacovital.com.br/noticia-24695-homem-casado-e-condenado-por-descumprir-promessas-feitas-amante>. Acesso em 10/02/2012.

[52]          FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 456-457.

[53]          FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 471.

[54]        “Seguro de vida em favor da concubina – Homem casado – Situação peculiar de coexistência duradoura do de cujus com duas famílias e prole concomitante advinda de ambas as relações – Indicadora da concubina como beneficiária do benefício – Fracionamento. Inobstante a regra protetora da família, impedindo a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de vida, porque casado o de cujus, as particular situação dos autos, que demonstra "bigamia", em que o extinto mantinha-se ligado à família e à concubina, tendo prole concomitante com ambas, demanda solução isonômica, atendendo-se à melhor aplicação do direito. Recurso conhecido e provido em parte para determinar, o fracionamento por igual, da indenização secundária.” (STJ, REsp 100.888/BA, rel. Min.Aldir Passarinho Junior, j. 12/03/2000).

[55]          “Pensão previdenciária – Partilha por pensão entre a viúva e a concubina – Coexistência de vínculo conjugal e a não separação de fato da esposa – Concubinato impuro de longa duração – "Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo" – Possibilidade de geração de direitos e obrigações, maxime no plano da assistência social – Recurso especial não conhecido”. (STJ, 4ª T., Resp 742685/RJ, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 04/08/2005).

[56]  LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 333.

[57]          “A ocorrência de alienação, oneração de direito real ou doação ao concubino de imóveis é de frequência diminuta, pois são atos que dependem de escritura pública, cujo notário é obrigado a cumprir a exigência legal de outorga do outro cônjuge.  Uma hipótese é a da alienação de imóvel com valor inferior a trinta salários mínimos, para o que não se exige a escritura pública (art. 108 do Código Civil).  Outra hipótese é a de fraude à lei, por declaração falsa do estado civil: por exemplo, quando o cônjuge omite sua condição de casado, afirmando permanecer solteiro, que era seu estado civil no momento em que adquiriu o imóvel.  A doação ao concubino de bens móveis, ou a qualquer pessoa, só é possível mediante escritura pública ou instrumento particular, contra os quais pode agir o outro cônjuge, para ser declarada sua invalidade.”(Idem, p. 330-331)

[58]          FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 104.

[59]          Há “ normas que, pertinentes à relação familiar, incidem sobre os cônjuges mas são informadas pela solidariedade própria da convivência familiar.  Assim, por exemplo, pode ser considerada a legislação relativa à previdência social e à legislação infortunística, marcada pelo dever do Estado em se sub-rogar como artífice do conforto familiar”. (TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 387).

[60]          TRF 5ª Região, AC – 459894, Relator: Desembargador Federal Manoel Erhardt, Primeira Turma, DJE - Data::02/06/2011 – Pág. 270.

[61]  LÔBO, Paulo. Famílias. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 381.

[62]  FEITLER, Bruno. Inquisição no Brasil. Revista História Viva. Ano VII, n. 77, 2007, p. 66-71.


Abstract: This paper analyze a specific type of family unit, family bigâmea. After brief comments about monogamy and bigamy, family bigâmea is defined as one in which a spouse admits that her consort maintain a stable romantic relationship with a third person. Its requirements are described, including the right to family, and the possibility of its protection as a kind of family unit not expressly mentioned in the Constitution. At the end we analyze its legal effects, progressive and liberal perspective.

Keywords: family - Bigamy - Concubinage - consent - legal effects.