Extrafiscalidade: Crise Econômica Mundial e o Estado Democrático de Direito


Porwilliammoura- Postado em 10 julho 2012

Autores: 
RESENDE, Flávio Lúcio Chaves de

Extrafiscalidade: Crise Econômica Mundial e o Estado Democrático de Direito

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Extrafiscalidade: conceito, evolução histórica e convivência com a fiscalidade. 3. Valores tutelados pela Constituição como fundamento da extrafiscalidade. 4. A extrafiscalidade nalegislação infraconstitucional. 5. Os objetivos do Estado previstos na Constituição da República. 6. Conclusão.







1. Introdução







O fenômeno da extrafiscalidade está presente há tempos no âmbito do Direito Tributário. Figuras tributárias como os impostos de importação, imunidades, isenções, entre outros, são exemplos em que se constata a utilização de normas tributárias com nítido objetivo de realizar fins que não se restringem apenas à captação de recursos financeiros para o Estado, mas adentram também a esfera do poder de regulação da atividade econômica pelo Estado. 



A ampliação da utilização de tributos com fins também extrafiscais é fenômeno cada vez mais presente no ordenamento jurídico pátrio. Se durante algum tempo o Estado foi visto como garantidor do bem estar social por meio da prestação direta de uma série de serviços públicos custeados por uma enorme arrecadação financeira, nos dias de hoje, apesar da elevada carga tributária ainda existente, o Estado tem buscado outras formas de realizar os objetivos que fundamentam sua existência. 



Uma maior freqüência na utilização de tributos com natureza eminentemente extrafiscal vem atender diversas finalidades de interesse social na atualidade como o desenvolvimento econômico, equilíbrio da balança comercial, a preservação do meio ambiente, o fomento às manifestações culturais, a tutela da saúde pública, dentre tantos outros objetivos. Nesse sentido, a função extrafiscal dos tributos representa um importante, e até mesmo essencial, instrumento na implementação do Estado Democrático de Direito.







2. Extrafiscalidade: conceito, evolução histórica e convivência com a fiscalidade







Uma característica especial dos tributos é a sua instrumentalidade, os tributos não tem um fim em si mesmo, servem a uma causa. Nesse sentido, constata-se que o surgimento do Direito Tributário tem relação íntima com o Direito Financeiro, estando suas raízes vinculadas a este ramo do Direito, ainda que seja reconhecido hoje como didaticamente autônomo.



O Direito Financeiro tem como foco de estudo a gestão dos recursos públicos inerentes à atividade estatal, que necessita desses recursos para o seu sustento. Versa então sobre o sistema normativo da atividade financeira do Estado, disciplinando a questão do orçamento público, das receitas, despesas e dívida pública. 



Já o Direito Tributário trata da disciplina jurídica dos tributos, principal fonte dos recursos públicos. Abarca os princípios e normas que regulam a criação, fiscalização e arrecadação das prestações de natureza tributária.



Com isso, observa-se que é muito clara a função fiscal dos tributos, o que ocorre quando eles têm a missão de financiar a ação do Estado que, por sua vez, tem como um dos meios para consecução de seus fins, a prestação de serviços públicos aos cidadãos. 



Por mais que nos dias de hoje possa parecer que a cobrança de tributos é característica intrínseca, indissociável do próprio Estado, essa concepção não é real, ela já é fruto do desenvolvimento da Teoria do Estado, e principalmente de uma Teoria Democrática de Estado.



A obtenção de recursos para o sustento do Estado se deu das mais diversas maneiras ao longo da história. A tributação é a que prevalece nos dias atuais, sendo a principal fonte de receita corrente. Mas as guerras, o confisco de propriedades, a atuação Estatal no domínio econômico e tantas outras formas, também foram importantes mecanismos de sustento dos cofres públicos. 



Ernane Galvêas (2007, p. 317) destaca que na antiguidade, seja no Egito, na Pérsia, na Grécia ou no Império Romano, o poder dos Estados se estabelecia em função da grandeza de suas forças armadas. Esses exércitos não apenas defendiam as posses, mas também se dedicavam a saquear, invadir, roubando riquezas e estabelecendo a escravidão.



Luís Eduardo Schoueri (2005, p. 1) reconhece que a expressão “Estado do Imposto” que destaca a tributação como fonte predominante de financiamento do Estado, se aplica ao Estado contemporâneo. 



A utilização dos tributos como forma de sustentabilidade econômica do Estado é característica própria do Estado Democrático de Direito. Werther Botelho Spagnol (1994) chega a tratar o tributo como elemento viabilizador desse Estado. A este fenômeno de sustentabilidade econômica do Estado por meio dos tributos denomina-se fiscalidade, que nada mais é que a função de arrecadação dos tributos.



Entretanto, a função fiscal (arrecadação) não é a única que pode ser exercida pelos tributos, eles não se limitam apenas a proporcionar recursos monetários para a ação Estatal. Embora não devam estar desvinculados da ação Estatal e da consecução de seus fins, os tributos podem ter uma função que vai além dos propósitos meramente arrecadatórios.



Por mais que se possa reconhecer as inegáveis e valiosas funções do Estado e a importância do tributo na consecução de seus fins, o seu pagamento, de modo geral, não se dá por prazer ou consciência do dever cívico (conceito concebido como Educação Fiscal), mas por imposição de uma obrigação legal e coercitiva. Dessa maneira, é natural que a instituição de determinado tributo sobre alguma condição ou atividade econômica e/ou comercial, acarrete um ônus maior para exercê-la, desestimulando a sua efetivação. Por outro lado, a redução da carga tributária sobre outra condição ou atividade econômica e/ou comercial reduz o seu ônus e favorece a sua realização. 



Dessa forma, o Estado passa a vislumbrar um poder ou efeito paralelo inerente à atividade tributária que é o estímulo ou desestímulo à determinada área econômica. Tal poder ou efeito paralelo da atividade tributária, que aqui está sendo definida como extrafiscalidade, pôde ser muito bem vislumbrada pela população em geral nos últimos dois anos. Em razão da chamada ‘crise econômica mundial’, com escopo de estimular a economia e preservar os empregos, principalmente das indústrias, o Governo Federal passou a baixar a alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) como forma de estimular acompra dos produtos industrializados, notadamente automóveis. Em momento posterior, quando passou ao consenso de que a mencionada crise havia passado, ao menos no Brasil, o rumo tomado foi inverso, retornando as alíquotas aos antigos patamares, seja para incrementar a arrecadação de tributos federais que havia sido profundamente comprometida em razão da diminuição da atividade econômica, mas também para que operasse um freio no nível de consumo da população, evitando-se a famigerada inflação.



Compreendendo este mecanismo que permite regular a atuação dos contribuintes, o Estado pode utilizar-se do Direito Tributário com o objetivo primordial de estimular ou inibir a adoção de determinadas condutas, ainda que em segundo plano se promova alguma arrecadação financeira. A essa função dos tributos se denomina função extrafiscal.



Corroborando a existência da extrafiscalidade Wherter Botelho Spagnol (2002, p. 17) ensina: 







A tributação moderna não está mais adstrita ao orçamento fiscal, é dizer, não é simplesmente um meio de obter recursos para o Estado. Constitui, hoje um dos principais instrumentos de repartição de riqueza e desenvolvimento econômico[...]







Marciano Seabra de Godoi (2004, p. 222), ao trazer sua contribuição ao tema, apresentando o que deve se entender por extrafiscalidade, define a tributação extrafiscal como a utilização de tributos com um fim preponderantemente dirigido a aspecto não arrecadatório. A referência feita à preponderância do fim extrafiscal evidencia a coexistência entre as duas funções dos tributos.



É interessante observar que apesar dos tributos possuírem estas funções bastante nítidas, elas não se encontram dissociadas, não existindo tributos que tenham uma conotação exclusivamente fiscal ou extrafiscal, não obstante existirem espécies de tributos mais voltadas a uma ou a outra função.



Os tributos que apontam para uma maior finalidade extrafiscal, como o caso do imposto sobre propriedade territorial rural (ITR) majorado em relação às terras improdutivas, proporcionam uma repercussão fiscal que é o montante do tributo pago que ingressa nos cofres públicos. Já os tributos com finalidade eminentemente fiscal, como o imposto sobre serviços (ISS) estabelecido por cada Município, também repercutem de alguma maneira com conteúdo extrafiscal, pois representam um ônus no exercício da atividade econômica. Podem ser, por exemplo, um estímulo ou uma dificuldade à prestação de serviço em um determinado Município, ainda que esse não seja seu fim primordial em determinada situação.



Entendimento em contrário, compreendendo a extrafiscalidade como uma espécie diferenciada de norma tributária, afastada completamente da função fiscal, geraria inclusive a dificuldade de definir o que fazer com o produto de sua arrecadação, uma vez que não haveria uma base de legitimação para sua inclusão entre as receitas do Estado.



Completando tal entendimento Marciano Godoi (2004, p. 222), ressalta que:







efectos no fiscales o extrafiscales (econômicos, sociales, psicológicos) existen em mayor o menor grado em todos los tributos com independencia de su previa ponderacion por el legislador.







Para distinguir então quais são os tributos de caráter extrafiscal e quais são aqueles que cumprem uma função fiscal, é necessário identificar qual o papel preponderante na norma jurídica. 



Nessa análise se faz necessária a identificação do contexto de instituição daquele determinado tributo, as circunstâncias fáticas de sua aplicação e seus efeitos, para então determinar o fim primordial a que ele atende, seja ele fiscal (arrecadatório) ou extrafiscal (axiológico). 



Como base legitimadora à instituição dos tributos extrafiscais está o princípio da supremacia do interesse público que permite também a criação dos tributos com fins eminentemente fiscais. Este princípio destaca a superioridade do interesse da coletividade com prevalência em relação ao interesse individual como pré-requisito para formação de uma ordem social estável. 



Celso Antônio Bandeira de Mello (2002, p. 36) destaca que a supremacia do interesse público:







Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último.







No contexto tributário, tal princípio se aplica permitindo que o Estado, na busca da realização de seus fins e autorizado pelo interesse da coletividade, exija o sacrifício de recursos patrimoniais do indivíduo.



Nesse sentido, Marcus de Freitas Gouvêa (2006, p. 43) explica que a extrafiscalidade é característica:







decorrente da supremacia do interesse público, que fundamenta, juridicamente a tributação com fins diversos do puramente arrecadatório.







Evidentemente, como todos os demais princípios, o princípio da supremacia do interesse público não é absoluto e precisa ser ponderado e interpretado conforme os demais princípios constitucionais que formam a ordem jurídica constitucional, sob pena de lesão aos direitos fundamentais que protegem o indivíduo e, mais grave, sob pena de afetar o princípio da unidade da Constituição.



É difícil precisar desde quando são utilizadas normas tributárias como mecanismo de promoção de determinadas condutas, Arthur Mohr, citado por Luís Eduardo Schoueri (2005, p. 67 e 109), traz dois exemplos.



No ano de 184 a.C., no Império Romano, o censor Marcus Porcius Cato, como forma de dificultar o processo de helenização, instituiu um imposto sobre o luxo, tornando mais onerosa a decoração de residências com obras de artes gregas.



A lex Papia Poppaea, vigente também no império romano, estabeleceu uma tributação adicional para solteiros, isentando as famílias com três ou mais filhos, o que nitidamente tinha uma intenção de estimular os casamentos e o aumento do número de filhos.



Ao longo da história, inúmeras foram as circunstâncias em que os tributos cumpriram seu papel como norma indutora de determinada conduta, algumas até de maneira inusitada como aquela apresentada por Dieter Birk, citado por Luís Eduardo Shoueri (2005, p. 111): em 1884, em Potsdam, instituiu-se imposto sobre a posse de rouxinóis, com o objetivo de promover uma proteção destes pássaros nos jardins reais. Já naquela época os efeitos foram visíveis e em 1897 já não existia registro da posse de um rouxinol.



Naturalmente que a utilização de normas tributárias com fins tanto fiscais quanto extrafiscais, acompanhou as oscilações da própria teoria e estrutura estatal. 



Durante muito tempo, o Estado representou a concentração de poder nas mãos de uma elite. Nesse momento, os governantes dotados de poderes ilimitados se apropriavam de propriedades alheias com a força da espada, promoviam a expropriação arbitrária como forma de financiar o seu sustento no poder. Flávio de Azambuja Berti (2006, p. 52) destaca, por exemplo, que o império romano desenvolvia-se e enriquecia-se por meio da anexação dos territórios dos povos derrotados.



Em outras passagens, ainda nas primeiras fases do Estado Moderno, o soberano que encarnava a figura do Estado atuou como gestor de grandes riquezas, e, através da exploração das mesmas, auferia os recursos necessários à sustentação do Estado. As diversas colônias de exploração existentes ao longo do mundo sustentavam as caras iniciativas do poder público.



Já na Europa dos séculos XVIII e XIX, prevaleceu a lógica liberal de não intervenção do Estado na economia. Sob a influência da lógica da “mão invisível”, a intervenção estatal se reduziu drasticamente prevalecendo o entendimento de que a tributação deveria ser reduzida, possuindo uma limitada função arrecadatória. A maioria dos recursos deveria ficar na iniciativa privada, considerada o setor produtivo da economia. O Estado deveria se abster de interferir no equilíbrio natural a ser alcançado pelo mercado.



Luís Eduardo Schoueri (2005, p. 69) menciona que até o início do século XX predominava a ideologia que determinava ao Estado uma posição restrita, no sentido de mera vigilância do mercado econômico que deveria se organizar por “leis naturais”.



Neste momento os Direitos Econômicos e Sociais ainda não estavam presentes nas constituições e a função do Estado se limita à manutenção da ordem e defesa do território.



As reiteradas crises econômicas indicaram que a teoria liberal não era suficiente para que o Estado cumprisse seu objetivo na tutela do interesse público. O mercado se mostrou ineficaz na contenção da crescente desigualdade e surgiram os defensores de uma maior intervenção estatal.



Na primeira metade do século XX, surgem então os Estados Sociais e Sociais-Fascistas com nítido caráter intervencionista. O Estado passa a atuar no mercado ao lado da iniciativa privada. Luís Eduardo Schoueri (2005, p. 79) relembra que nesse momento a atuação positiva revestia-se das funções de conduzir, coordenar e agilizar a economia. Todo esse contexto promoveu uma utilização em larga escala da tributação tanto com fins fiscais, como também em sua função extrafiscal.



Com o advento das grandes guerras mundiais e a posterior queda dos regimes fascistas, a reconstrução dos países devastados pelo conflito é acompanhada pela necessidade apontada pelo regime capitalista de afastar o socialismo. 



Flávio de Azambuja Berti (2006, p. 54) destaca que após a segunda guerra mundial surgiram muitos movimentos sociais que instigaram os órgãos do governo a cumprir novas responsabilidades no sentido de promover maior segurança jurídica, econômica, bem como oferecer um seguro social que concedesse inúmeros benefícios aos cidadãos. 



O papel do Estado foi ainda mais potencializado como responsável pela implementação dos Direitos Sociais e Econômicos. O Estado de Bem-Estar Social promove então um forte crescimento dos tributos com viés arrecadatório, como forma de efetivar a universalização dos serviços públicos. Naturalmente que os tributos extrafiscais estão presentes neste momento, entretanto destaca-se a função arrecadatória dos mesmos devido a necessidade de custear os diversos serviços públicos. Tal fato ocorre também porque agindo o Estado de forma a diretamente proporcionar aos indivíduos os serviços públicos e benefícios sociais, diminuiu-se a necessidade de regulação de grande percentual da atividade econômica, já que esta, em grande parte, estava sendo exercida pelo próprio governo. Sendo assim, com essa conjuntura fática, a função fiscal tornava-se mais preponderante do que a função extrafiscal, seja porque esta não era tão necessária já que grande parte das atividades econômicas estavam sob a guarida direta do Estado, seja porque para que o Estado agisse dessa maneira, seus custos foram incrementados enormemente, sendo, em tese, arcados pelo grande incremento na arrecadação.



Com a crise do socialismo e os déficits financeiros apresentados pelos Estados de Bem-Estar Social, o movimento pendular prossegue e há um retorno das idéias vinculadas a um papel menor do Estado (chamado neoliberalismo).



Neste momento, surge o paradigma do Estado Democrático de Direito vigente atualmente. O Estado não atua mais como mero supridor das reivindicações sociais, há uma redução do aparato público e uma tendência à supressão da dicotomia público X privado. O Estado passa a participar do privado e o público deixa de ser apenas o Estatal. 



É nesse cenário atual que ganham mais força os tributos de caráter extrafiscal. Se por um lado já não haveria tanta necessidade de arrecadar tributos devido a sensível redução dos serviços públicos prestados diretamente pelo Estado, por outro, não se admite mais o Estado Mínimo, uma vez que ele tem um importante papel a cumprir na realização dos valores constitucionais. 



Ensina Spagnol (2002, p. 17): 







a experiência histórica do liberalismo econômico provou a imperatividade da intervenção do Estado no domínio econômico. Entretanto, esta mesma experiência, no Estado Social, demonstrou a ineficiência de uma intervenção direta na economia. Com este respaldo histórico, faz-se urgente que a atividade tributante atual ultrapasse os limites meramente fiscais e se converta em um instrumento de política sócio-econômica por parte do Estado.







A crescente instituição de tributos extrafiscais, demonstra então seu relevante papel como mecanismo para que o Estado possa buscar a realização de seus fins. Conforme já mencionado anteriormente neste trabalho, na atualíssima ‘crise econômica mundial ocorrida nos últimos anos (2008-10), o Governo Federal, dentre outros instrumentos de intervenção direta na economia (v.g., modificação da taxa básica de juros – SELIC), utilizou a função extrafiscal com finalidade de reduzir os impactos da mencionada crise sobre a economia nacional.



Dessa forma, nítida a importância e atualidade dessa função da atividade tributária, principalmente quando considerados os valores que regem tanto o Direito Tributário, quanto o Direito Econômico.







3. Valores tutelados pela Constituição como fundamento da extrafiscalidade







A Constituição Federal de 1988, como norma suprema, instituidora do ordenamento jurídico pátrio, apresenta uma série de normas, princípios e regras, que orientam e limitam toda a elaboração legislativa, inclusive o seu conteúdo. 



Tais normas (regras e princípios), por sua vez são sustentados por valores eleitos pelos constituintes que implementaram no texto constitucional a tutela de bens jurídicos que a sociedade brasileira, por meio de seus representantes, entendeu como os mais relevantes e que, portanto, mereciam estar na Constituição Federal.



Ainda, a Carta Magna outorga e delimita o papel que o Estado tem na promoção de mecanismos que determinem a defesa e o estímulo à efetiva concretização destes valores elevados à categoria de direitos. 



Para uma compreensão dos fins que legitimam a presença dos tributos com uma função extrafiscal no ordenamento jurídico pátrio, destacar-se-á uma breve referência, de forma exemplificativa e aberta, a valores tutelados pela Constituição Federal. 



Foram escolhidos apenas alguns valores que merecem destaque em relação à extrafiscalidade, uma vez que uma lista exaustiva fugiria ao propósito deste trabalho, sujeitando-se ainda a ser incompleta, devido a toda a extensão e complexidade do texto Constitucional de 1988.











Desenvolvimento Econômico e Social







Um dos importantes valores que permeiam a Constituição Federal é o desenvolvimento nacional em diversos sentidos, em especial o desenvolvimento econômico e social.



A menção a tal característica surge inicialmente no próprio preâmbulo do texto constitucional que faz referência à instituição de um Estado Democrático de Direito destinado a assegurar, dentre outras questões o desenvolvimento.



Posteriormente, no art. 3º, ao disciplinar os objetivos da República Federativa do Brasil, a Carta Magna destaca o desenvolvimento nacional, compreendido em conjunto com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza, da marginalização, redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos sem quaisquer formas de discriminação. 



Evidentemente todos estes objetivos só podem ser alcançados quando os cidadãos têm condições, formais e materiais, de exercer uma participação efetiva no processo político e também contribuir como agentes econômicos. Isto implica um desenvolvimento do país com distribuição de riquezas e a equanimização dos direitos sociais.



De que forma a República pode promover este desenvolvimento? Quais são os recursos que o Estado tem para realizar estes objetivos da República? Seria absurdo considerar que tais dispositivos possuem conteúdo meramente ilustrativo ou poético. Ainda que as normas jurídicas, por si só, não sejam capazes de determinar uma efetiva mudança no cenário social, o Estado deve possuir meios para realizar tal objetivo. A própria Constituição garante a legitimidade de medidas neste sentido e oferece os recursos para tanto.



Algumas dessas prerrogativas estão no texto constitucional, quando ele determina, por exemplo, que o Estado exerce a função de agente normativo e regulador da atividade econômica, art. 174, caput, ou quando determina que a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, art. 174, § 1º.



O próprio texto constitucional, art. 179, determina que a legislação tributária em todos os níveis da Federação, seja utilizada com função extrafiscal, com o fim de favorecer o desenvolvimento e sustentação das pequenas empresas e empresas de pequeno porte. Tal determinação se apóia na importância que tais empresas cumprem na atividade econômica do país, bem como seu valor social, uma vez que são responsáveis pela promoção de muitos empregos. 



Reforça tal postura o art. 146, III, “d”, que também sustenta a utilização de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte, inclusive determinando regimes especiais e simplificados no caso do Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS), das Contribuições Sociais para a Seguridade Social, das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP).



O inciso “c”, do art. 146, III, da Carta Magna, tendo em conta o relevante papel econômico e social das sociedades cooperativas, determina ainda que lei complementar deverá estabelecer um adequado tratamento tributário do ato cooperativo. 



O art. 195, § 9º, permite ainda que as contribuições sociais tenham alíquotas e bases de cálculo diferenciadas em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva da mão-de-obra. Neste caso a previsão dos tributos extrafiscais busca premiar as empresas que mais oferecem oportunidades de trabalho, promovendo a valorização do trabalho humano e o desenvolvimento social aliado ao econômico.







Propriedade Privada







No caput do art. 5º da Constituição Federal apresenta-se um rol de direitos e garantias fundamentais. Dentre estes, está a garantia, para brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, do direito à propriedade.



Esta referência consagra no ordenamento vigente, a adoção de um sistema capitalista, inibindo a implementação de um Estado nos moldes socialista, ou mesmo vedando a utilização de medidas que impeçam o desenvolvimento da propriedade privada. O Estado, na realidade, tem o dever de proteger e incentivar a propriedade privada, uma vez que o povo brasileiro, por meio de seus representantes, a elegeu como bem jurídico que merece ser tutelado.



A tributação relaciona-se de maneira muito intensa com o princípio da propriedade privada, sua incidência implica a transferência de propriedade do contribuinte para o ente estatal. Como limite a tal transferência a Constituição Federal, art. 150, IV, veda a utilização de tributo com efeito de confisco. Dessa forma, a incidência de obrigação tributária não pode impedir o exercício do direito de propriedade, sob pena de tornar-se confiscatória.



Por outro lado, a própria existência do tributo somente possui fundamento em um ordenamento jurídico que tutele a propriedade privada, caso contrário, as riquezas já se concentram no domínio do próprio Estado, não havendo inclusive capacidade contributiva que dê ensejo à incidência da norma tributária.



Como ensina Luciano Dias Bicalho Camargos (2001, p. 7-19), o instituto da propriedade está presente desde os tempos mais remotos da história humana, tendo-se constituído a propriedade imobiliária primeiro como um direito coletivo vinculado às tribos e clãs, admitindo-se posteriormente na Grécia Antiga a propriedade imobiliária privada.



Este mesmo jurista destaca que durante uma certa etapa, especialmente à partir do período pós-clássico (séculos IV a VI d.C.) a propriedade foi considerada como um direito individual absoluto, atribuindo a seu titular o direito pleno de usar, gozar e abusar da coisa conforme o seu entendimento.



O avanço da vida em sociedade e dos sistemas jurídicos demonstrou, entretanto, que nenhum direito, inclusive o direito à propriedade, não pode ser absoluto, deve ser compreendido e limitado em conjunto com todos os demais princípios que permeiam o ordenamento jurídico. É o que se chama de ponderação de princípios constitucionais.



Dessa forma, é plenamente reconhecido hoje que a propriedade privada deve cumprir uma função social, estando tal determinação prevista no art. 5º XXIII e art. 170, III do texto constitucional. A utilização da propriedade deve proporcionar benefícios para toda a sociedade. 



Com isso, é possível adotar tributos extrafiscais com o objetivo de estimular uma adequada utilização da propriedade privada, havendo inclusive expressa menção neste sentido na Constituição da República, art. 153, § 4°, ao estabelecer, que o imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) terá suas alíquotas majoradas em relação às propriedades improdutivas. A norma aqui apontada apresenta uma característica especial, além de prever a criação de característica extrafiscal ao imposto através da progressividade e das alíquotas diferenciadas, já aponta com clareza qual é o motivo de tal regra: o desestímulo à manutenção de propriedades improdutivas. Nisso, tem nítida relação com a diminuição ou até mesmo a vedação a uma maior desigualdade social no campo, estimulando que as propriedades cumpram sua função social, produzindo riquezas para a coletividade e gerando empregos ou ocupação econômica de pessoas em idade economicamente ativa. 



Ressalta-se no inciso II, desse mesmo § 4°, que não haverá incidência do tributo sobre pequenas glebas rurais exploradas pelo proprietário e sua família, desde que ele não possua outro imóvel. 



Outra previsão constitucional em relação à utilização dos tributos com fim de estimular a adequada utilização da propriedade em sua função social, está no art. 182, § 4°, II, que faculta ao Poder Público Municipal exigir imposto progressivo no tempo sobre a propriedade territorial urbana dos proprietários de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado.







Livre Iniciativa e Livre Concorrência







O constituinte brasileiro optou pela criação de um regime econômico nacional que atribui à iniciativa privada a tarefa de exploração da atividade econômica, cabendo ao Estado atuação subsidiária e em casos específicos conforme determina a Constituição no art. 173. 



Ao Estado recai a responsabilidade de atuar apenas como agente normativo e regulador da atividade econômica, art. 174 da CR/88, tendo em conta a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, conforme assevera o art. 170 da CR/88.



Reforçando o valor da iniciativa privada no Estado Democrático de Direito Brasileiro, a Constituição da República assegura ainda a liberdade para o exercício de qualquer, ofício ou profissão nos termos do art. 5º, XIII e o livre exercício de qualquer atividade econômica, art. 170, parágrafo único. 



O já mencionado art. 146, III, "d" da Constituição Federal ao determinar a adoção de tratamento tributário diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte tem por objetivo contribuir com a livre iniciativa, criando melhores condições para o surgimento de novas sociedades empresárias.



A Constituição favorece, estimula, tutela a livre iniciativa, o aporte de capital, inclusive através de normas extrafiscais, como o art. 156, § 2º, I, da CR/88 que estabelece imunidade do imposto de transmissão “inter vivos” em relação à transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, assim como sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.



Entretanto, o próprio ordenamento prevê limites ao exercício do direito à livre iniciativa como forma de proteção de outros direitos fundamentais, e até como forma de impedir que a livre iniciativa outorgada a alguns, restrinja a de outros, ao impedir que novos agentes ingressem no mercado econômico. 



Dessa forma, o ordenamento jurídico brasileiro assegura, no art. 170, IV, da Constituição da República a livre concorrência. É nesse sentido que vigoram normas como a do art. 173 § 4º, da CR/88, que determina que a lei reprima o abuso do poder econômico que persiga uma dominação dos mercados, a eliminação da concorrência ou o aumento arbitrário dos lucros.















Meio Ambiente







No caput do art. 170, a Carta Magna, ao afirmar que a ordem econômica instituída pela Constituição tem por fim assegurar a todos existência digna, não deixa de destacar que para isto deve ser respeitado o princípio da defesa do meio ambiente. O art. 170, VI, da CR/88, inclusive, dá instrumento para operacionalização dessa defesa do meio ambiente, por meio da adoção de tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. 



Não havendo menção expressa ao que significa exatamente este tratamento diferenciado, pode-se admitir inclusive a adoção de um tratamento jurídico tributário diferenciado, mais benéfico àqueles que preservem o meio ambiente, e mais severo àqueles que apenas respeitam os índices de degradação ambiental permitido pela legislação em vigor. Dessa forma, inclusive, dá-se uma opção ao cidadão empreendedor consciente de suas responsabilidades para com o desenvolvimento sustentável de, espontaneamente, mas por meio de utilização de benefícios fiscais, reduzir o impacto ambiental gerado por sua atividade econômica. Ou seja, deixa-se, desse modo, de tratar a questão da adequação ambiental como algo apenas criminal. Há gradações entre os que respeitam a legislação ambiental vigente que devem ser consideradas. 



O desenvolvimento nacional destacado anteriormente não pode se dar então de qualquer maneira, à revelia das conseqüências ambientais que possa produzir. Ainda, nesse sentido, a inibição de atividade econômica predatória do meio ambiente não pode se dar apenas pela imposição de limites de exploração ou de tipificação criminal de condutas. 



Há que se distinguir os que apenas respeitam a legislação ambiental atual, daqueles que de modo efetivo, prosseguem sua exploração econômica, mas com uma adequação ambiental que beire à sustentabilidade e preservação do meio ambiente para a prosperidade, alçando patamares mais elevados de preservação ambiental. Sendo que a forma de distinção desses agentes econômicos, dentre outras, pode se dar por maio da extrafiscalidade tributária.



O que a Constituição tutela é um desenvolvimento sustentável que garanta existência digna não apenas aos seres do presente, mas também àqueles que formarão as gerações futuras. 



Conforme será visto posteriormente o legislador infraconstitucional tem se fundamentado nessa valorização do meio ambiente para estabelecer normas de caráter extrafiscal.







Desenvolvimento científico e tecnológico







A Constituição Federal de 1988, em seu art. 218, atribui ao Estado a competência e também o dever de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica, autorizando inclusive que Estados e o Distrito Federal vinculem parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas que estimulem o ensino e a pesquisa científica e tecnológica. 



Em um contexto mundial em que o conhecimento científico e tecnológico é responsável por uma maior produção de riquezas e multiplicação do conforto, da qualidade de vida, o constituinte não deixou de eleger esse como um dos valores tutelados pelo Estado brasileiro.



Evidentemente, se, como referido anteriormente, o Estado está autorizado a destinar parte do tributo arrecadado para financiar o desenvolvimento científico e tecnológico, com mais razão poderá também conceder benefícios de natureza extrafiscal para a consecução dessa determinação constitucional.



Por meio da legislação infraconstitucional, conforme será destacado posteriormente (como é o caso da Lei do Bem – Lei 11.196/05), tem-se adotado então normas de caráter extrafiscal como forma de promover o desenvolvimento científico e tecnológico.







Apoio à Educação, Cultura e ao Desporto







A Constituição Federal, no art. 205, determina que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, exige ainda que a União aplique anualmente a parcela mínima de 18% e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios de 25%, da receita resultante de impostos na promoção desse direito.



Na Constituição encontramos previsão de norma com caráter extrafiscal que tutela a educação. Nesse sentido faz-se referência à imunidade das instituições de educação sem fins lucrativos, prevista no art. 150, VI, “c”, assim como a imunidade de livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, prevista no mesmo art. 150, VI, “d”. 



Tais imunidades beneficiam a formação de instituições escolares que tenham por objetivo dedicar-se à promoção da educação, assim como facilitam a difusão do conhecimento por meio da publicação de livros, jornais e periódicos.



O texto constitucional, art. 215, também valoriza as manifestações culturais, determinando que o Estado apoiará e incentivará sua valorização e difusão, devendo, inclusive, proteger a manifestação de grupos participantes do processo civilizatório nacional.



Interessante constatar que as imunidades do art. 150, VI, “c” e “d”, também beneficiam a cultura, uma vez que garantem a imunidade dos impostos às fundações sem fins lucrativos, destacando-se que as fundações podem constituir-se para fins culturais, conforme prevê o Código Civil, Lei 10.406/02, art. 62, parágrafo único, bem como asseguram imunidade ao papel, livros, jornais e periódicos que são importantes instrumentos de difusão dos costumes, das tradições, da própria história, da literatura e da linguagem que compõe o patrimônio cultural da nação.



Além disso, o constituinte determinou no art. 216, § 3º, que a lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais, indicando expressamente ao legislador infraconstitucional a possibilidade de utilizar a legislação tributária como forma de incentivo à promoção cultural.



Outro valor atribuído pelo Estado é o da prática de esportes, estabelecendo como seu dever, art. 217, o fomento de práticas desportivas formais e não formais.



Não faltam também exemplos de leis ordinárias que, por meio de normas de caráter extrafiscal, buscam apoiar a educação, a cultura e o desporto, o que será exemplificado mais adiante.







4. A extrafiscalidade na legislação infraconstitucional







Ao legislador infraconstitucional cabe disciplinar algumas das previsões de extrafiscalidade que se encontram no texto Constitucional. 



É o que ocorre, por exemplo, em relação à previsão de tratamento diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte, que se encontra manifestado no art. 146, III, “d” do texto constitucional. Durante algum tempo a Lei Federal nº. 9.317, de 05 de dezembro de 1996, e suas alterações posteriores, regulou a adoção de um tratamento diferenciado, simplificado e favorecido aplicável às microempresas e às empresas de pequeno porte, relativo aos impostos e às contribuições mencionadas na lei. 



Tal lei foi revogada pela Lei Complementar nº. 123, de 14 de dezembro de 2006, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, dando nova regulamentação ao tratamento tributário mais benéfico para tais empresas.



A função extrafiscal dos tributos, apesar de estar prevista em muitos momentos na Constituição, não fica limitada às hipóteses ali expressamente apresentadas. O legislador infraconstitucional, dentro de sua competência e tendo como base os valores tutelados constitucionalmente, pode criar outras normas inspiradas nesta função.



A lei estadual nº. 14.937, de 23 de dezembro de 2003, por exemplo, dispõe sobre o IPVA no Estado de Minas Gerais e disciplina no art. 7º, § 6º, que os veículos movidos exclusivamente a álcool terão uma redução de 30% na base de cálculo do imposto. Nesse caso, observa-se a atuação estatal utilizando a função extrafiscal dos tributos com o objetivo de estimular a utilização de carros que são movidos por um combustível menos poluente. O Estado está então cumprindo uma de suas missões que é a tutela do meio o ambiente.



A Lei Federal nº. 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, também conhecida como lei Rouanet, por sua vez, faculta às pessoas físicas e jurídicas a opção de deduzir do imposto de renda devido à União, as doações ou patrocínios promovidos à projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura.



Já a Lei Federal nº. 11.438, de 29 de dezembro de 2006, dispõe sobre incentivos e benefícios para fomentar as atividades de caráter desportivo. Determina que no período entre o ano-calendário de 2007 e o ano-calendário de 2015, poderão ser deduzidos do imposto de renda devido os valores despendidos em patrocínios ou doação no apoio a projetos desportivos e paradesportivos aprovados pelo Ministério do Esporte.



A Lei Federal nº. 11.196, de 21 de novembro de 2005, chamada de “Lei do Bem”, dispõe sobre incentivos fiscais para a inovação tecnológica, ficando reduzida a zero as alíquotas da contribuição para o PIS/Pasep e da Confins sobre a receita bruta de venda a varejo de determinados produtos, conforme prevê o art. 28 dessa lei. 



Neste sentido existem ainda diversas outras normas concebidas pelo legislador infraconstitucional que estabelecem cobranças tributárias diferenciadas com função extrafiscal, estando facultado aos legisladores o estabelecimento de novos regimes jurídicos desde que respeitados os limites constitucionais.







5. Os objetivos do Estado previstos na Constituição da República







O Estado não pode ser instrumento de um governo na defesa de seus próprios interesses, há um fim maior que deve permear a sua existência. 



O fim (finalidade) do Estado Brasileiro está determinado pelo mesmo documento que o institui. Na Constituição encontram-se os fins (objetivos) do Estado que devem ser respeitados pelos três poderes que o constituem, Executivo, Legislativo e Judiciário.



São esses fins que legitimam a existência estatal e que também legitimam a utilização do tributo, seja com função fiscal ou extrafiscal.



Inicialmente, cabe destacar que o Estado tem como dever o respeito e a realização de todas as normas presentes no ordenamento jurídico, procurando garantir a efetividade dos direitos, especialmente aqueles assegurados na Constituição. Nesse sentido, as normas constitucionais tratam diretamente de aspectos que estão vinculados a competências e responsabilidades próprias do Estado em suas três esferas: União, Estados e Municípios. 



No próprio preâmbulo do texto constitucional já é destacada a instituição de um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça. 



Se o Estado tem o papel de assegurar tantos direitos, vê-se que deve assumir uma postura ativa, uma vez que, conforme demonstra a história, o Estado Liberal ou Estado Mínimo se mostrou incapaz de proporcionar esses direitos.



Dentre outros, as normas constitucionais consignam como fundamentos da República Federativa, organizada político-administrativamente pela União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios: a cidadania, art. 1º, II, a dignidade da pessoa humana, art. 1º, III, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, art. 1º, IV.



A Constituição Federal apresenta ainda como objetivos da República a garantia do desenvolvimento nacional, art. 3º, II, a construção de uma sociedade livre, justa e solitária, art. 3º, I, a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, art. 3º, III.



A Constituição, no Capítulo II, apresenta uma série de Direitos Sociais que precisam ser assegurados pelo Estado, dentre eles estão os direitos trabalhistas, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.



Em todos estes fins se destaca uma questão que é fundamental, o interesse público, entendido não apenas como o interesse da coletividade, mas também o interesse formado pelo conjunto de interesses dos particulares. O Estado deve atender aos anseios, necessidades da coletividade de seus cidadãos do presente e do futuro. Não há dúvida que a identificação desse interesse pode ser tarefa muito árdua exigindo inclusive uma complexa interpretação de valores, princípios e regras, entretanto o Estado tem o dever de não se afastar da mesma.



Na construção de um pólo industrial, por exemplo, pode ocorrer a promoção de alguns desses fins estatais como o desenvolvimento econômico, a geração de empregos, estímulo à produção de riquezas, mas ao mesmo tempo é possível que tal implantação provoque também graves repercussões ambientais que comprometem o destino de gerações.



As normas constitucionais, principalmente os princípios, exigem então uma detida e apurada interpretação em consonância com a realidade social, para que se possa identificar o verdadeiro interesse público que deverá nortear a ação Estatal.



De que meios o Estado se vale para concretizar seus objetivos? O Estado Moderno é constituído, ao menos idealmente, por poderes independentes e harmônicos entre si, que atuam em conjunto, mas com funções distintas. Ao poder Legislativo recai a função preponderante de legislar, criando os dispositivos legais que vão regular a atuação Estatal e dos particulares, bem como a função de fiscalizar a atuação do Poder Executivo. Ao Poder Executivo incumbe a função primordial da prática dos atos de chefia de estado, de governo e de administração pública. Já o Poder Judiciário tem a função de administrar a Justiça, garantindo a aplicação do ordenamento jurídico, em especial resguardando o respeito às determinações constitucionais. 



De todas essas formas o Estado tem o dever de atuar na defesa do interesse público que aparece na Constituição das mais diversas maneiras, não comprometendo, entretanto, a atuação ou os direitos do particular. 







6. Conclusão







O Estado Democrático de Direito é uma obra em construção, sustenta-se, em detrimento do poder, da força, do temor, da crença na divindade, na primazia do direito como elemento instrumental e organizador da sociedade e legitima-se pela participação democrática na formação, interpretação e aplicação de tais direitos. 



A esse Estado incumbe a responsabilidade não apenas de respeitar tais direitos, mas também de promover uma verdadeira realização dos mesmos, assegurando que o ordenamento jurídico não seja constituído de normas vazias, destituídas de efetividade.



A legislação tributária contemporânea deve estar então adequada a esse novo contexto, cumprindo sua missão no sustento financeiro do Estado com a arrecadação, por meio de sua função fiscal, e também, oportunamente, sendo utilizada como mecanismo de implementação dos valores abarcados pelo texto constitucional por meio da indução de condutas provocada por sua função extrafiscal.



Naturalmente, a implementação do Estado Democrático de Direito, está muito além da mera adoção de normas tributárias com viés extrafiscal. A extrafiscalidade não é o único, nem mesmo pode ser considerada como o principal recurso para a implementação desse Estado que, para sua construção, requer diversas outras medidas seja no âmbito jurídico, político, social ou até mesmo individual.



Conforme demonstrado, cabe entretanto reconhecer a extrafiscalidade como um importante instrumento para que os tributos possam colaborar na implementação desse Estado Democrático de Direito ao estimular a satisfação de importantes valores eleitos pela sociedade como dignos de proteção e sedimentados como direitos na Constituição da República. 







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Data de elaboração: julho/2010