"A EVOLUÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO QUANTO À ORIGEM DA FILIAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE À LUZ DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL"


Porgiovaniecco- Postado em 24 setembro 2012

Autores: 
TAVRES, Anna Lívia Freire.

 

 

RESUMO

 

No Direito pátrio, a discriminação quanto à origem da filiação perdeu validade constitucional, proibidas quaisquer preconceito relativas à natureza da filiação com predominância da Isonomia Jurídica dos Filhos. Nesta perspectiva, o presente estudotem como objetivoconstatar a evolução do direito sucessório atinente aos filhos até atingir a atual isonomia jurídica, perpassando pela análise do sistema do Código Civil de 1916 marcado por uma visão discriminatória dos filhos em relação à sua origem, e do principio da igualdade e da dignidade humana reiterados pelo Código Civil de 2002, com fulcro na Constituição de 1988, possibilitando uma compreensão dos valores sociais e jurídicos predominantes em cada época. Para tanto, utilizar-se-á do método histórico-evolutivo, com o intuito de traçar a evolução do direito sucessório dos filhos ao longo das produções civis nacionais de 1916 e 2002 e da Constituição brasileira de 1988; do método exegético-jurídico, para se proceder a análise das diversas normas jurídicas discutidas durante o trabalho. Como também, do método bibliográfico para fundamentar teoricamente as discussões suscitadas. Constatou-se que,fatores históricos, religiosos e ideológicos fizeram com que, por muito tempo, o estado de filiação se subordinasse à verdade biológica e às relações matrimonializadas. Diante da Constitucionalização do Direito civil, ocorreu uma inversão de valores sociais, marcada pela despatrimonialização do direito civil e centralidade da dignidade da pessoa humana, onde prevalecem a afetividade e o melhor interesse da criança como legitimadores da filiação, passando o direito civil a ser interpretado à luz de princípios constitucionais como o da plena igualdade entre os filhos.

 

 

Palavras-Chave:Direito de Sucessão; Principio da Igualdade Jurídica; Constitucionalização do Direito Civil.

 

ABSTRACT

In the current vernacular law, discrimination on the origin of membership lost constitutional validity, prohibited any discrimination on the nature of affiliation with a predominance of isonomy Law of Children. Accordingly, this study aims to see the development of inheritance law pertaining to children until the current legal isonomy, permeated by the analysis of the Civil Code of 1916 marked by a discriminatory vision of children in relation to its origin, and the principle of equality and human dignity repeated the Civil Code of 2002, with focus in the 1988 Constitution, allowing an understanding of legal and social values prevailing in each period. Thus, it will use the historical-evolutionary method in order to trace the evolution of the inheritance law of children during the civil national productions of 1916 and 2002 and the Brazilian Constitution of 1988, the method exegetic and legal, to make analysis of the various laws discussed during the work. As well, the method literature to support the discussions that theory. It was found that historical factors, religious and ideological have made for a long time, the status of membership is conditional on the true biological and relations matrimonializadas. Today, Constitutionalisation before the civil law, there was a reversal of social values, marked by the civil despatrimonialização and centrality of human dignity, where the prevailing affection and the best interests of the child's legitimacy and membership, through the civil law to be interpreted in the light of constitutional principles as the full equality among children.

Keywords: Law of Succession, Principle of Legal Equality; Constitutionalisation of civil law.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Ao longo da construção do Direito Sucessório no cenário jurídico nacional, diversos foram os elementos basilares sobre os quais o direito hereditário pautou-se. Hodiernamente, tem fundamento na Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXX, portanto, o Direito à herança erigiu-se a categoria de direito fundamental.

O registro da história do direito pátrio evidencia o quão importante a natureza da filiação, pela via sucessória, na continuidade das relações desencadeadas pelos genitores, tendo em vista que em épocas remotas, apenas aos filhos concebidos na constância do casamento, atribuía-se legimitimação para regular a destinação do patrimônio da agregação familiar.

  Paulatinamente, forças políticas e sociais, propagam-se manifestações no entorno da sociedade no sentido da efetivação de evoluções no tratamento jurídico concebido aos filhos, insurgindo contra as discriminações atreladas a natureza da filiação.

Nesta perspectiva, para bem aquilatar a compreensão da evolução do direito sucessório atinentes a origem da filiação, faz-se oportuno estabelecer o presente estudo que compor-se-á de uma analise do tratamento dispensado pelo Diploma Civil de 1916, e do atual diploma civilista acerca do direito sucessório dos filhos, ressaltando as visões pertinentes a natureza da filiação em cada um dos respectivos diplomas.

Dar-se-á prosseguimento ao estudo, estabelecendo a relação entre o direito Constitucional e o direto civil, o que se compreende hodiernamente por Constitucionalização do Direito Civil. Dando ênfase à inovação proporcionada pela Constituição Federal de 1988 ao direito sucessório no que concerne ao art. 227, §6, que assegura a paridade de direitos, inclusive sucessórios, entre todos os filhos, havidos ou não da relação de casamento, assim como por adoção.

Nesse diapasão, a interface existente entre o Direito Constitucional brasileiro e a consolidação da Igualdade Jurídica dos Filhos, inclusive na via sucessória, será vislumbrada a partir da reflexão dos fatos jurídicos e sociais de determinadas épocas da sociedade brasileira, a fim de recolher fragmentos que atribuam validade em âmbito  Sucessório  e no Ordenamento Constitucional do País,

Convém ressaltar que os objetos dos discursos civilistas vão se modificando no decorrer da história, ficando absolutamente visível o desligamento da concepção patrimonialista do diploma civil anterior, convergindo, o diploma civilista atual, para a tendência da repersonalização do Direito Civil, confirmando que a Constituição atua como ápice norteador da elaboração e aplicação da legislação civil, cujos fundamentos de sua validade jurídica devem ser extraídos do texto Constitucional para a consagração da dignidade da pessoa humana.

 

 

2 OBJETIVOS

 

2.1 OBJETIVO GERAL

         Analisar, a partir das principais contribuições teóricas contemporâneas,a evolução do direito sucessório quanto à origem da filiação no Ordenamento Jurídico brasileiro;

 

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

         Constatar as ramificações do direito sucessório quanto à origem da filiação no sistema do Código Civil de 1916;

          Estabelecer a contribuição da Constituição Federal de 1988 para a evolução do direito sucessório dos filhos;

         Compreender os valores sociais e jurídicos predominantes em cada época que determinaram os fundamentos do Direito Civil Sucessório quanto à origem da filiação nos Diplomas Civis de 1916 e 2002;

 

3 METODOLOGIA

 

O presente estudo é norteado pelo método histórico-evolutivo, com o intuito de traçar a evolução do direito sucessório dos filhos ao longo das produções civis nacionais e da Constituição brasileira de 1988; do método exegético-jurídico, para se proceder a análise das diversas normas jurídicas discutidas durante o trabalho. Como também, do método bibliográfico para fundamentar teoricamente as discussões suscitadas a partir das leituras realizadas, com o intuito de englobar um significativo número de conhecimentos e fundamentos teóricos existentes a cerca do tema:“A Evolução do Direito Sucessório dos Filhos no Ordenamento Jurídico Brasileiro: Uma Análise à Luz da Constitucionalização do Direito Civil”. Tais subsídios perpassam  por estudiosos do universo Jurídico, alem das constantes consultas feitas a  Legislação Civil de 1916 e 2002 e da Constitucional Federal da Republica Federativa do Brasil de 1988.

 

 

4 REVISÃO DA LITERATURA

 

4.1 ASPECTOS RELATIVOS AOS DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS FILHOS NA ÓTICA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 E ALTERAÇÕES.

 

Preliminarmente, faz-se necessário uma abordagem sobre a evolução histórica acerca do Direito Sucessório, pois o mesmo remota ao âmago das famílias romanas, em que havia sempre um repúdio à idéia de filhos ilegítimos, visto que estes não podiam executar o papel determinado, pela religião, ao filho.

            Segundo Coulange (1903), a continuidade do culto, ocorria por meio do filho varão, sendo negada pelo pater ao filho gerado fora do matrimônio religioso, justo e legítimo, e este, então, não se responsabilizaria jamais pelo culto doméstico nem seria encarregado de manter o culto da religião doméstica, tendo em vista que o pater, senhor e guarda vitalício do lar e representante dos antepassados, não assumia o vínculo moral e religioso decorrente do nascimento do filho ilegítimo. De tal modo, sem esta formalidade, portadora de força obrigatória não só em Roma, como também na Grécia e na Índia, o recém-nascido não integrava a família e o seu nascimento se constituía em tão apenas um laço físico.

            No interregno da vigência da Lei das XII Tábuas, época do Direito Romano antigo, a filiação ilegítima padeceu a falta de amparo legal, sendo abrangido desde do Império, até a época de Constantino, aos filhos havidos da relação concubinária, não sendo concedidos os direitos aos alimentos e à sucessão paterna. Foi a partir de Justiniano que ocorreu a possibilidade da sucessãoab intestato, bem como se atribuiu ao pai, à obrigação de lhes prestar alimentos.

            Vale ressaltar, com o advento do Cristianismo, o concubinato e a prole sobrevinda passaram a sofrer serias restrições, que só foram amenizadas pela possibilidade de legitimação dos filhos naturais por meio do subseqüente casamento de seus pais.

            Apenas na última fase do Direito Romano é que os filhos naturais, gerados do seio de uniões concubinárias, foram equiparados aos legítimos, sendo que os espúrios não foram alcançados por tal benesse, já que os filhos extramatrimoniais não eram considerados filhos e não tinham se quer um pai.

            No período de Augusto, os filhos gerados em concubinato não eram mais considerados espúrios, e sim legítimos, nascidos secundum legis. Malgrado permaneciam impedidos de suceder ao pai falecidoab intestato, os filhos adulterinos e os incestuosos acabando por perder, também, o direito aos alimentos, relativamente ao pai.

            A partir desse momento surge a necessidade de conceituar filiação como sendo a relação de parentesco consangüíneo, em primeiro grau e em linha reta, que une uma pessoa a aquelas que a geraram.

            De acordo com Rodrigues(1995, p 66) filiação era doutrinariamente considerada, como legítima, legitimada e ilegítima, de acordo com a sua origem. Oriundos de relações extramatrimoniais, os filhos ilegítimos classificavam-se ainda em naturais, espúrios, adulterinos e incestuosos.

            Os naturais eram os nascidos de pais entre os quais não havia, à época da concepção, impedimento matrimonial decorrente de parentesco (art. 183, I a V, CC) ou de casamento anterior (art. 183, VI, CC). Malgrado filho natural é aquele oriundo de pessoas desimpedidas para casar no momento em que foi concebido, sendo o filho proveniente do consórcio de pessoas não casadas ou desligadas (desquitadas) da sociedade conjugal, e entre as quais não haja incapacidade matrimonial em razão de parentesco.

             A conceituação dos filhos espúrios, por sua vez, configurava os gerados da união de homem e mulher impedidos de se casarem na época da concepção, por laço de parentesco em grau proibido ou por já serem ambos casados, ou um deles, apenas, com outra pessoa. Fazendo surgir duas espécies de filhos espúrios: os adulterinos e os incestuosos.

            Por sua vez os adulterinos eram os concebidos de pessoas impedidas de matrimoniar em virtude de casamento com terceiros (art. 183, VI, CC). Podendo esse ato de adultério ser bilateral ou unilateral. E ainda constituiria adulterinoa patre se gerado por homem casado e mulher solteira, viúva ou divorciada, ea matre se fosse a mulher a casada. Já os incestuosos configuravam os nascidos de pessoas impedidas de se unirem por matrimônio válido em razão de haver entre elas parentesco seja ele natural civil ou afim (art. 183, I a V), na linha reta até o infinito e na linha colateral até o 3º grau.

            Ressalta Gomes (2002, p. 58) que “o caráter incestuoso da filiação tem de apresentar-se no momento da concepção. Se o impedimento matrimonial surge depois, como por exemplo, o que resulta do vínculo de afinidade, o filho será simplesmente natural”.

            O Código Civil de 1916 destinava ainda, um capitulo à legitimação, como um dos efeitos do casamento. Cuja finalidade principal era atribuir aos filhos havidos anteriormente os mesmos direitos e qualificações dos filhos legítimos, como se houvessem sido concebidos após as núpcias, com fulcro no artigo 352 do referido dispositivo acima mencionado Os filhos legitimados são, em tudo, equiparados aos legítimos.

            O citado diploma distinguiu, na sucessão dos descendentes, o filho legítimo, de um lado, e o natural, ou adotivo, de outro. Além disso, os filhos incestuosos e adulterinos não podiam ser reconhecidos, conforme o artigo 358, não lhe era permitido, tampouco, serem chamados à sucessão.

            Como regra geral, o codificador de 1916 equiparava ao filho legítimo, para efeito de sucessão, além dos filhos legitimados, os naturais reconhecidos antes do casamento, conforme o artigo 1.605, caput. Porém, o filho natural reconhecido após o casamento de seu genitor recebia apenas a metade do que coubesse a seu irmão legítimo ou legitimado, com fulcro no artigo 1.605, § do 1°.

            Dessa forma menciona Carvalho (1960, p. 89) acerca da sucessão dos filhos naturais.

 “Para que os filhos naturais reconhecidos pelo pai concorram à sucessão com os filhos legítimos ou seus representantes é necessário que o reconhecimento, feito por qualquer dos meios do artigo 129, seja anterior ao casamento de que proveio a prole legítima, ou se refira a filhos concebidos e nascidos depois de dissolvidos tal casamento”.

 

            Não obstante, a regra se instituía em que o reconhecimento do filho natural, na constância do matrimônio, poderia representar uma surpresa para com o outro cônjuge, que assim veria, através desse ato, surgir um concorrente para o filho, que são legítimos, na sucessão de seu consorte. Pautado, no escopo de proteger a prole legítima, já que não se excluía da sucessão aquele estranho ilegítimo, deveria ser ao menos colocado em situação inferior a seu irmão legítimo, dando-lhe apenas metade do que herdasse este último.

            Não obstante, não deixava o legislador de discriminar contra o descendente ilegítimo, pois o colocava em desigualdade em face de seu irmão. Visto que com relação ao Direito sucessório do filho espúrio, podendo ser classificado em incestuoso e adulterino, ambas as situações eram idênticas no regime do Código Civil de 1916 por força do artigo 358 proibia o seu reconhecimento.

            Quanto ao filho incestuoso, a proibição de seu reconhecimento continuava vigente, pois o artigo 358 do Código Civil, apenas alterado pela Lei n.883/49, não o permitia. Como sem o reconhecimento não se estabelecia parentesco, o filho incestuoso não podia herdar ab intestato do seu pai, porque legalmente não é seu parente. O filho adulterino, ao contrario, podia ser reconhecido, ou demandar que se lhe declarasse a filiação, desde que dissolvida a sociedade conjugal de que participava o seu genitor adúltero.

            Entretanto, esta ultima restrição ao direito sucessório do adulterino só se configurará no caso de seu progenitor ser casado pelo regime de separação de bens e não haver deixado testamento.

            Desse modo, o filho natural somente receberia quinhão igual ao do seu legítimo se fosse reconhecido antes do casamento do genitor. Essa situação modificou-se, Leis posteriores, entretanto, alteraram fundamentalmente o panorama fixado pelo Código Civil, com a expressa revogação do § 1º do artigo 1.605 pelo artigo 54 da Lei n.6.515, de 26 de dezembro de 1977 (Lei do Divórcio). Tal distinção não mais subsiste, uma vez que aquele texto, para efeitos sucessórios, pôs termo às diferenças entres os filhos de qualquer natureza.

            Com o advento da Lei n.883, de 21 de outubro de 1949, artigo 2°, veio a conceder o direito ao filho adulterino de ser reconhecido após a dissolução da sociedade conjugal se seu genitor, cabendo ainda a metade do que coubesse ao filho legítimo ou legitimado. Não obstante foi- se alcançada igualdade entre o filho natural e o legítimo não protegendo desde logo, o filho espúrio.

            Vê-se, assim, num breve apanhado histórico da posição do filho ilegítimo dentro do quadro do direito sucessório brasileiro.  Tal evolução encontra seu termo, pois Decreto Lei 4.737/42, possibilitou o reconhecimento, voluntário ou forçado, dos filhos havidos fora do matrimônio, após o desquite, Lei 883/49, que modificou o artigo 358 CC, para permitir o reconhecimento em todos os casos de dissolução da sociedade conjugal, Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), que alterou a Lei 883/49, pela inclusão de parágrafo único ao seu artigo 1º, possibilitando que qualquer dos genitores, ainda que casado com outrem e na constância deste casamento pudesse reconhecer filho extraconjugal, desde que por testamento cerrado, no artigo 2º, igualou-se o direito à herança dos filhos consangüíneos de qualquer natureza e a Lei 7.250/84, que transformou o parágrafo único do artigo 1º da Lei 883/49 em parágrafo primeiro e acrescentou-lhe um parágrafo segundo, possibilitando o reconhecimento judicial do filho extramatrimonial pelo cônjuge separado de fato há mais de cinco anos ininterruptos.

            Assim sendo, esta situação de igualdade entre os filhos, de qualquer natureza, foi consolidada, abrangendo todos os efeitos, com o § 6° do artigo 227 da Constituição de 1988. Com efeito, esse texto atribuiu aos filhos, havidos ou não da relação de casamento, iguais direitos.

 

4.2 UMA ANÁLISE DO DIREITO SUCESSÓRIO QUANTO À ORIGEM DA FILIAÇÃO À LUZ DO ATUAL DIPLOMA CIVILISTA

 

O diploma civil ora em vigor sofreu importante modificação ao que concerne ao tratamento sucessório dispensado aos filhos em detrimento da Igualdade Juridica consagrada no texto da Constituição Federal de 1988. O Princípio da Igualdade dos ilhos é reiterado no art. 1696 do Código Civil, que enfatiza: “Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Diate desta premissa, a visão atual é bem outra, com ampliação das formas de constituição do ente familiar e a consagração do princípio da igualdade de tratamento de todos os filhos, hoje respeitados em sua dignidade de pessoa humana, independente de sua origem familiar .

Acolhendo a regra de absoluta igualdade entre os filhos, dispõe o artigo 1.834 do atual Código que “os descendentes da mesma classe têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes”. Note-se que o legislador utilizou impropriamente o termo “classe”, que é aplicável genericamente a todos os descendentes, quando pretendia referir-se aos descendentes do mesmo “grau”, dentro daquela classe, assim havendo que se entender o preceito.

Em comentarios ao supracitado artigo, Rodrigues(2005, p. 198), assinala que:

 

Apesar da linguagem um tanto confusa, mencionando ‘os descendentes da mesma classe’, quando os descendentes já integram a mesma classe – aliás, a 1ª classe dos sucessíveis -, o art. 1.834 vem reafirmar que estão suprimidas todas as normas que vigoraram no passado, e que estabeleciam distinções odiosas entre os descendentes, desnivelando os filhos, conforme a origem da filiação.

 

 

Em elucidativa análise do dispositivo legal, o que se quis dizer é que os descendentes têm os mesmos direitos à sucessão de seus ascendentes. Até por imperativo constitucional (art. 227, § 6º), os descendentes não podem ficar discriminados, por qualquer razão, seja pela natureza da filiação, seja pelo sexo ou progenitura. Nem pela circunstância de ser biológico ou civil o parentesco. Todos têm o mesmo e igual direito hereditário, sendo a paridade total e completa. A única preferência que se admite é a que se baseia no grau de parentesco: os em grau mais próximo excluem os mais remotos, salvo o direito de representação (CC, art. 1.833).

Como retrotranscrito, havia restrição, na redação primitiva do Código Civil de 1916, quanto ao direito do filho natural reconhecido na constância do casamento, uma vez que só lhe cabia a metade da cota atribuída em herança ao filho legítimo. Mas a disposição veio a ser revogada pela Lei do Divórcio, em 1977, permitindo que se aplicasse, no plano da sucessão pelos descendentes, a plena igualdade de direitos entre filhos legítimos ou ilegítimos.

Essa equiparação restou consagrada pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 6º, com expressa vedação de qualquer tratamento discriminatório aos filhos pela sua origem.

 Com o novo Código Civil, pacifica-se de vez a questão, pois nada mais se refere quanto à natureza da filiação no plano sucessório, de modo que os descendentes do falecido gozam de plena igualdade para todos os efeitos jurídicos, sem que possam ser distinguidos no direito de herança..

Apesar de a própria Constituição proibir qualquer tipo de discriminação entre os filhos, o artigo 1841 estabelece in verbis: "Concorrendo à herança do falecido irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar."

Esta distinção é questionada frente à Constituição Federal, antes mesmo da aprovação do Novo Código Civil. Isoladamente, se posiciona Ericson(2001, p. 56) que:

 

A distinção que o Código Civil faz em relação aos irmãos bilaterais e os unilaterais, pára os efeitos de sucessão, atenta contra o princípio da igualdade que a vigente Carta Constitucional lhes consagra ao equiparar para todos os efeitos, as diversas formas de filiação.

 

No entanto, persiste o entendimento de que em sendo a divisão da herança entre irmãos germanos e irmãos unilaterais esta deverá ser desigual. Caso contrário, aí sim, estar-se-ia a ferir o princípio da igualdade.

Porém, Rabello (2001, p. 68) afirma que:

 

Ora, não se pode igualar os desiguais, irmãos unilaterais nunca serão como os bilaterais ou germanos.Não se esta aqui a dividir a herança de seus pais, caso em que perfeitamente aplicável o princípio da igualdade entre todos os filhos, não importando a origem da filiação. Todos são considerados filhos, dividindo-se igualmente a herança entre eles.

 

Deve-se antes de mais nada lembrar que, neste caso, a distinção é feita, pois trata-se de sucessão de colaterais, e não de descendentes.

A explicação da constitucionalidade de tal distinção é trazida de forma inafastável por Hironaka(2003, 254):

 

Entende a lei que seria injusto que um irmão unilateral recebesse a mesma quantia que um irmão bilateral, e isso pode ser explicado por uma ficção que estaria implícita no raciocínio legal, segundo a qual a herança teria passado, meio pelo meio, aos ascendentes do defunto. Ato contínuo, a morte dos ascendentes faria transmitir o acervo recebido aos descendentes de cada qual. Assim, o irmão bilateral receberia uma quota de seu pai, outra de sua mãe, ao passo que o irmão unilateral receberia uma única quota, advinda ou de seu pai, se este o genitor comum, ou de sua mãe, se irmãos unilaterais a matere

 

À época do Código Civil de 1916 diversas eram as classificações quanto a origem da filiação, que se baseavam na concepção dos filhos provenientes das relações conjugais ou extraconjugais. Neste contexto, o § 6º do art. 227 da CF/88 implica numa única resposta à pergunta sobre a categoria dos filhos.

 Assim, a lei reconhece apenas duas categorias, na análise do assunto filiação, isto é, aqueles que são filhos, e aqueles que não o são. De tal maneira que, em face da proibição constitucional no que se refere às designações discriminatórias, perde completamente o sentido, sob o prisma do Direito, os adjetivos legítimos, legitimados, ilegítimos, incestuosos, adulterinos, naturais, adotivos e espúrios. 

Reconhece a ordem constitucional, a ampla igualdade entre os filhos, quer os biológicos, havidos na relação do casamento ou não, quer os não-biológicos, que integram a categoria dos adotivos.

Neste diapasão, consagra o atual Diploma Civilista, com fulcro no artigo 1.596 a 1.629, todos são apenas filhos, uns havidos fora do casamento, outros em sua constância, mas com iguais direitos e qualificações. Indubitavelmente, foi um grande passo que a sociedade brasileira conseguiu realizar, visto que o legislador transformou a visão primeiramente do conceito de família tão limitado e defasado pelo transcorrer do tempo chegando a capitular o Direito Sucessório com igualdade entre os descendentes pertencentes a mesma classe.

 

4.3 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

 

Com maior ou menor respaldo e marcados pela ideologia de sua época, a produção jurídica civilista no Brasil esteve introduzida por normas e valores de cunho patrimonialista, distante do direito Constitucional, onde o direito privado ocupada o cerne das relações jurídicas em geral.

A concepção patrimonialista das relações civis, cultuada historicamente, é incompatível com os valores fundados hoje, com a centralidade da dignidade da pessoa humana, adotado pelas Constituições modernas, inclusive pela brasileira (artigo 1º, III). A tendência civilista atual é no sentido de repor a pessoa humana como centro do direito civil, passando o patrimônio ao papel de coadjuvante, nem sempre necessário.

Ao que concerne às relações entre o direito constitucional e do direito civil, tem-se que, Segundo Barroso (2008), a primeira fase é compreendida como Mundos apartados. A Revolução Francesa é um marco tanto paro o direito constitucional quanto para o direito civil, dando a cada um o seu objeto, sendo estes, a Constituição escrita e o Código Napoleônico, respectivamente ao direito constitucional e ao direito civil.

Ambos integravam mundos apartados, que não se comunicavam onde a Constituição era a Carta política, que servia de referencia para as relações entre o Estado e o cidadão enquanto o código civil era o documento jurídico que regia as relações entre particulares, ou como se costumava dizer, era a Constituição do direito privado.  O papel da Constituição era limitado.

Já o direito civil era herdeiro da tradição milenar do direito romano. O Código Civil napoleônico realizava adequadamente o ideal burguês de proteção da propriedade e da liberdade de contratar, dando segurança jurídica aos protagonistas do novo regime, do regime liberal: o proprietário e o contratante.

Posteriormente, numa segunda fase tem-se a Publicização do Direito Privado que compreende o processo de crescente intervenção estatal, especialmente no âmbito legislativo, característica do Estado Social do Século XX. Tem-se a redução do espaço de autonomia privada, para a garantia da tutela jurídica dos mais fracos.

Em fim, a terceira fase caracterizadora da relação entre o direito Constitucional e o direto civil, compreende a fase da Constitucionalização do Direito Civil. Esta fase é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passou a atuar como filtro axiológico pelo qual se lê o direito civil.

Normas jurídicas que conservaram muitas vezes o mesmo relato passam a ser interpretadas à luz de princípios e regras como: o fim da supremacia do marido no casamento, a plena igualdade entre os filhos, a função social da propriedade e do contrato, dentre outros. Dois desenvolvimentos doutrinários merecem destaque nessa fase em curso:

O fenômeno da Constitucionalização do Direito Civil tem respaldo em dois contextos, tais como, a centralidade da dignidade da pessoa humana - que operou uma repersonalização e uma despatrimonialização do direito civil, por sua ênfase em valores existências e no espírito, nas condições materiais mínimas de sobrevivência, tanto na dimensão da integridade física quanto psíquica – e na Aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas.

            Quanto a vertente da Aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas,  desenvolveram-se duas grandes teorias: a da aplicação indireta e mediata, por intermédio do legislador e das clausulas abertas nega a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, e a teoria da aplicação direta e imediata, de aceitação majoritária, a qual defende que os direitos fundamentais devem ser aplicados diretamente nas relações entre os particulares, independentemente da intermediação do legislador infraconstitucional, pois parte da premissa de que as violações aos direitos fundamentais não vêm apenas do Estado, mas de toda a sociedade, por isso, possuem eficácia erga omnes.

            Neste ponto vale ressaltar o posicionamento presente na obra de Mendes (2006, p.123) indicando que:

 

Em verdade, nem todos, mas uma série de direitos fundamentais destinam-se não apenas a garantir os direitos de liberdade em face do Estado, mas também a estabelecer as bases essenciais da vida social. Isso significa que disposições relacionadas com os direitos fundamentais devem ter aplicação direta nas relações privadas entre os indivíduos. Assim, os acordos de direito privado, os negócios e atos jurídicos não podem contrariar aquilo que se convencionou chamar ordem básica ou ordem pública.

 

           

Os adeptos desta corrente, a citar Daniel Sarmento (2006, p. 128) sustentam que para proteger a autonomia da vontade deve-se proceder a uma ponderação de interesses, a qual num Estado Democrático de Direito, deve ser feita a priori pelo legislador, mas caso haja omissão por parte deste, cabe ao próprio juiz, diante de casos concretos, solucionar os conflitos.por via de uma ponderação caso a caso entre o principio da autonomia e o direito fundamental em jogo.

             

4.4 ACONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO DOS FILHOS (ART 227, § 6 DA CF/88)

 

Como fora anteriormente citado em linhas anteriores, o direito moderno tem abandonado a tradição patrimonialista do direito civil e cultuando as tendências de repersonalização. Nas palavras de Carvalho (2003, p 58), “A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis, é a condição primeira de adequação do direito à realidade e aos fundamentos constitucionais”.

Esta tendência representa que a Constituição atua como ápice conformador da elaboração e aplicação da legislação civil, cujos fundamentos de sua validade jurídica devem ser extraídos do texto Constitucional.  Com o princípio da dignidade da pessoa humana, o conceito de filiação e o seu tratamento ganham novo eixo.

É nesse contexto que "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação" (artigo 227, § 6º, da Constituição).

Assim, não há mais espaço para a dicotomia entre filhos legítimos e ilegítimos: fala-se, agora, em filhos havidos ou não fora do casamento. Da mesma forma, não se distingue filho natural e civil (adotivo).

Em suma, encontram-se na Constituição brasileira vários fundamentos do estado de filiação geral, que não se resume à filiação biológica, quais sejam, todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º);A adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);A comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); não é relevante a origem ou a existência de outro pai (genitor);O direito à convivência familiar, e não a origem genética, constitui prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, caput);Impõe-se a todos os membros da família o dever de solidariedade uns com os outros, dos pais para os filhos, dos filhos para os pais, e todos com relação aos idosos (arts. 229 e 230).

O Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, plasmado na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, § 6º, e repetido no Código Civil de 2002, nos artigos 1.596 a 1.629, e, ainda, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana, iguala a condição dos filhos havidos ou da relação do casamento, ou por adoção, não mais admitindo-se qualquer diferenciação entre os mesmos.

O princípio da dignidade da pessoa humana prevaleceu sobre qualquer proteção à unidade familiar, à célula considerada imaculável por diversos motivos, a exemplo da doutrina religiosa e dos costumes. Não ser reconhecido como filho atingia de forma direta a própria identidade do ser humano, no sentido de referência familiar, retirando do indivíduo sua cidadania.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Diante do exposto vê-se claramente toda evolução acerca do Direito Sucessório conferido aos filhos sob a tutela jurisdicional brasileira, perpassando primeiro pela necessidade de esclarecer que tal direito surgiu no seio das famílias romanas, chegando até o progresso alcançado pelo ordenamento Constitucional brasileiro, sempre em consonância com as ideologias e valores da época, assim, releva o fato dessa modalidade de sucessão assumir diferentes nuances ao longo da sua trajetória.

Em linhas gerais, sob o aspecto do direito à Sucessão, o tratamento do sistema do Código de 1916 ao discriminar os filhos havidos fora do casamento, tratados como ilegítimos (naturais, adulterinos ou incestuosos) não era inspirado na proteção de suas pessoas, mas do patrimônio familiar. Leis que salvaguardavam os preceitos inerentes a dignidade da pessoa humana, tais como a Lei 883/49, permitia todos os casos de dissolução da sociedade conjugal, a Lei 6.515/77 ( Lei do Divórcio) e a Lei 7.841/89 que revogou a norma impeditiva de reconhecimento dos filhos espúrios vão introduzir mudanças significativas na concepção cultuada no diploma de 1916.

Com o novo Código Civil, pacifica-se de vez a questão, pois nada mais se refere quanto à natureza da filiação no plano sucessório, de modo que os descendentes do falecido gozam de plena igualdade para todos os efeitos jurídicos, sem que possam ser distinguidos no direito de herança..

            Com o advento da Constituição de Federal de 1988, precisamente no artigo 227, § 6°, fica consagrada a absoluta igualdade entre todos os filhos, não mais permitindo à anacrônica distinção entre filiação legítima e ilegítima.  Prescreve o citado dispositivo constitucional que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas por quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.

Por fim, constata-se que não há mais tratamento discriminatório entre os filhos independentemente de sua origem, pois é pautada nos preceitos basilares inerentes a dignidade da pessoa humana que esse ordenamento se norteou e conferiu a igualdade entre os filhos. Diante desta premissa, estabelecer critérios sucessórios quanto a origem da filiação constituiu, indubitavelmente, empecilho significativo na construção de uma legislação sucessória pautada nos corolários de uma jurisdição democrática.

Vale ressaltar, na via sucessória, que o tratamento do sistema do Código de 1916 ao discriminar os filhos havidos fora do casamento era pautada na visão patrimonialista, que hoje se encontra totalmente superada, voltando-se a legislação civilista contemporânea para a tendência da repersonalização, onde a Constituição Federal atua como ápice norteador da elaboração e aplicação da legislação civil, cujo corolário é a proteção da dignidade da pessoa humana.

 

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