Eficácia dos Direitos Fundamentais


Porbarbara_montibeller- Postado em 26 abril 2012

Autores: 
SAVAZZONI, Simone de Alcantara.

1. INTRODUÇAO

1.1. Direitos Fundamentais - ordem subjetiva e objetiva

Na ordem normativa constitucional os direitos fundamentais são, ao mesmo tempo, valores subjetivos e objetivos.

Em outras palavras, no plano subjetivo os direitos fundamentais atuam como garantias da liberdade individual e são concebidos, originariamente, como direitos subjetivos públicos, ou seja, são direitos do cidadão em face do Estado. Desta forma, é correto concluir que os direitos fundamentais obrigam a todos os Poderes do Estado, seja o Legislativo, Executivo ou Judiciário, nos planos federal, estadual ou municipal.

Já no plano objetivo, os direitos fundamentais assumem uma dimensão institucional, a partir da qual se verifica que o seu conteúdo deve ser observado para a consecução dos fins e valores constitucionalmente proclamados.

Historicamente a evolução deu-se, à medida que o Estado liberal evoluiu para formas de Estado Social de Direito, os direitos fundamentais deixaram de ser meros limites ao exercício do poder político, ou seja, garantias negativas dos interesses individuais, para transformar-se em um conjunto de valores diretivos da ação positiva dos poderes públicos, de modo que os direitos fundamentais passaram a incidir em todos os setores do ordenamento jurídico e, portanto, também no âmbito das relações entre particulares.

Ponto nodal é discutir a intensidade com que esses direitos e garantias fundamentais interferem nas relações privadas, e, bem assim, sua eficácia, amplitude e profundidade na ordem jurídica infraconstitucional.

1.2. Vinculação Legislativa, Executiva e Judicial aos direitos fundamentais

A atividade legislativa é vinculada aos direitos fundamentais à medida que o legislador é obrigado a respeitar estritamente os limites estabelecidos pela Constituição , no caso de imposição de restrições a direitos, com também esta compelido a editar normas indispensáveis à concretização de inúmeros direitos fundamentais, especialmente daqueles direitos dotados de âmbito de proteção com conteúdo estritamente normativo.

Sob o ponto de vista da ordem jurídica objetiva, os direitos fundamentais obrigam o legislador a atuar no sentido de concretizá-los nas relações privadas, com o escopo de evitar que valores básicos protegidos por esses direitos possam ser atingidos por entidades ou pessoas não submetidas diretamente ao regime dos direitos fundamentais.

No que tange à vinculação do Executivo, é inquestionável que os direitos fundamentais vinculam os órgãos do Executivo, integrantes da administração direta e indireta, no exercício de toda atividade pública.

De outro lado, cabe ao Judiciário não só o dever de guardar estrita observância e obediência aos chamados direitos fundamentais de caráter judicial, mas também o de assegurar a efetiva aplicação dos direitos fundamentais, seja nas relações entre os particulares e o Poder Público, seja nas relações entre particulares.

2. TEORIAS DA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1. Teoria da Eficácia Mediata, Indireta ou Horizontal

Para os adeptos desta teoria, os valores constitucionais, incorporados nas normas consagradoras de direitos fundamentais, aplicam-se ao direito privado por meio das cláusulas gerais oferecidas pela legislação civil, que devem ser interpretadas conforme seus ditames.

Consoante leciona DANIEL SARMENTO "teoria da eficácia mediata nega a possibilidade de aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas porque, segundo seus adeptos, esta incidência acabaria exterminando a autonomia da vontade, e desfigurando o Direito Privado, ao convertê-lo numa mera concretização do Direito Constitucional ". [ 1 ]

Segundo a teoria da eficácia indireta cabe ao legislador mediar a aplicação dos direitos fundamentais aos particulares, sem descuidar da tutela da autonomia da vontade, de modo a estabelecer uma disciplina das relações privadas que se revele compatível com os valores constitucionais.

Além disto, cabe ao Judiciário o dever de preencher as cláusulas indeterminadas criadas pelo legislador, para aplicar normas privadas em compatibilidade com os preceitos fundamentais.

Para esta corrente, a força jurídica dos preceitos constitucionais no âmbito das relações entre particulares incide apenas mediatamente, por meio dos princípios e das normas próprias do direito privado, vez que os direitos fundamentais servem apenas para princípios para interpretação das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados, suscetíveis de concretização ou preenchimento (colmatação) de lacunas.

Justifica-se a aplicação mediata para assegurar a proteção constitucional da autonomia privada, o que pressupõe a possibilidade dos indivíduos renunciarem a direitos fundamentais no âmbito das relações privadas.

2.2. Teoria da eficácia Imediata, Direita ou Vertical

Os adeptos desta teoria justificam a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas com base na constatação de que os perigos que espreitam os direitos fundamentais, no mundo contemporâneo, não provêm apenas do Estado, mas também dos poderes sociais e de terceiros em geral.

Ressalte-se que não se trata de uma doutrina radical, vez que não se nega a necessidade de ponderar o direito fundamental em jogo com a autonomia privada dos particulares envolvidos no caso, ou seja, essa teoria está longe de pregar a desconsideração da liberdade individual nas relações jurídicas privadas, como asseveram alguns.

Para esta corrente justifica-se a eficácia direta dos direitos fundamentais na esfera privada, sobretudo nos casos em que a dignidade da pessoa humana estiver sob ameaça ou diante de uma ingerência indevida na esfera da intimidade pessoal.

Sendo assim, considera-se a eficácia horizontal direta como um mecanismo essencial de correção de desigualdades sociais.

3. DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS

Os direitos fundamentais não possuem a finalidade de solucionar diretamente os conflitos de direito privado, mas devem ser aplicados através de meios colocados à disposição pelo próprio ordenamento jurídico.

Observe-se que os direitos fundamentais, na qualidade de princípios constitucionais, e por força do princípio da unidade do ordenamento jurídico devem ser aplicados relativamente a toda ordem jurídica, inclusive privada. Desta forma, devem ser aplicados nas relações manifestamente desiguais que se estabelecem entre os indivíduos e os detentores do poder social.

A garantia de observância dos direitos fundamentais é necessária para se proteger os particulares contra atos atentatórios a esses direitos oriundos de outros indivíduos ou entidades particulares. Neste aspecto os direitos fundamentais serão aplicados nas relações entre particulares em geral, pautadas, em princípio, pela igualdade.

3.1. Direitos Fundamentais na ordem jurídica brasileira

Observe-se que, entre nós, ao ser atribuído aos direitos fundamentais a condição de cláusula pétrea (art. 60, § 4º) pretendeu o constituinte explicitar o especial significado objetivo dos direitos fundamentais, como elementos da ordem jurídica objetiva.

Os direitos fundamentais são essenciais não só ao Estado Democrático, como por exemplo, liberdade de opinião, liberdade de reunião, como também para o Estado de Direito que é a vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais. [ 2 ]

No intuito de exemplificar melhor a incidência dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, no ordenamento jurídico nacional, abaixo serão transcritos casos para verificar o entendimento majoritário do nosso Pretório Excelso.

O Recurso Extraordinário nº 161.274-3, cujo relator foi o eminente Ministro Carlos Velloso, foi interposto por trabalhador brasileiro empregado, de empresa estrangeira de aviação (Air France). Ao recorrente, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos funcionários, simplesmente por não ser de nacionalidade francesa. O STF entendeu que era caso de ofensa ao princípio da igualdade (CF , 1988 , art. , caput), pois qualquer discriminação que se baseie em atributo ou qualidade do indivíduo, como o sexo, a raça, ou a nacionalidade, é inconstitucional, pois a lei só pode conceder tratamento específico, vantajoso ou desvantajoso se houver traços e circunstâncias peculiarizadoras de uma categoria de indivíduos e se, além disso, houver adequação racional entre o elemento diferencial e o regime dispensado aos que se inserem na categoria diferenciada.

Pode-se perceber que o Poder Judiciário determinou que os direitos fundamentais (no caso, o princípio da igualdade) incidissem diretamente em relações privadas. O Recurso Extraordinário foi conhecido e provido e concluiu que "iguais foram tratados desigualmente, o que é ofensivo ao princípio isonômico que a Constituição consagra e que é inerente ao regime democrático e a república ".

O segundo caso é o Recurso Extraordinário no 158.215-4, do Rio Grande do Sul, cujo relator foi o Ministro Março Aurélio. Os recorrentes impetraram recurso contra a Cooperativa São Luiz Ltda. em virtude da exclusão deles do quadro de associados, sem que houvesse o devido processo legal e o direito de ampla defesa. O fundamento do recurso provido pelos Ministros foi o descumprimento do disposto no inc. LV, art. , da Constituição Federal que prevê:"aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes ".

O Supremo entendeu que para a exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância do devido processo legal, viabilizando o exercício amplo da defesa, além da observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa, que foi descumprido. E, no caso em questão os recorrentes haviam sido excluídos do quadro de associados da cooperativa em caráter punitivo sem a devida oportunidade de defesa.

Destarte, em conformidade com o posicionamento da maioria dos Ministros: "fulmino o ato da assembléia da Recorrida que implicou a exclusão dos Recorrentes do respectivo quadro social, reintegrando-os, assim, com os consectários pertinentes e que estão previstos no Estatuto da Recorrida"

Esses precedentes evidenciam a orientação jurisprudencial do STF, Guardião da Constituição , que sempre prima pelo efetivo cumprimento dos direitos fundamentais e de qualquer outro preceito constitucional, inclusive nas relações entre particulares.

4. CONCLUSAO

Trata-se de uma questão delicada que esta longe de alcançar contornos exatos e, portanto, deve ser compreendida e aplicada com diplomacia quando houver colidência entre direitos fundamentais de diversos titulares.

Conclui-se, portanto, que os direitos fundamentais representam verdadeiros princípios do ordenamento jurídico, vez que contêm um direito constitucional objetivo que vincula todos os ramos do ordenamento jurídico, emanando diretrizes e regras de interpretação e, também, possuem um poder de regulação de toda ordem jurídica, da qual emanam diretamente direitos subjetivos privados dos indivíduos.

Por fim, é imperioso observar a necessidade da criação de soluções diferenciadas para harmonizar a tutela de tais direitos com a proteção da autonomia privada e com os princípios fundamentais da ordem civil. Pois, em outras palavras, não se pode sacrificar o núcleo irredutível da autonomia pessoal em razão da extensão dos direitos fundamentais no campo privado.

Por derradeiro, podemos concluir que é notório que os direitos fundamentais penetraram nas relações privadas e subsistem dúvidas apenas em relação à forma e à extensão desta incidência.

1. SARMENTO. Daniel. Vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil . Salvador :JusPodivm, 2007, p. 121-182.

2. DO VALE, André Rufino. "Constituição e Direito privado: algumas considerações sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas ". Revista de Direito Público - v. 1, n. 6, out/dez 2004, p. 94/122.

BIBLIOGRAFIA

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição . 7ª ed. Coimbra: Almedina, 2003.

DO VALE, André Rufino. Constituição e Direito privado: algumas considerações sobre a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas . Revista de Direito Público - v. 1, n. 6, out/dez 2004, p. 94-122.

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1998.

PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas relações jurídicas entre particulares . Rio de Janeiro : Renovar, 2006, p. 119-192.

SARMENTO, Daniel. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos de uma teoria. (251/314). In SAMPAIO, José Adércio Leite (org). Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2003.

SARMENTO, Daniel. Vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no Brasil . Salvador : JusPodivm, 2007, p. 121-182.

TEPEDINO, Gustavo. A incorporação dos direitos fundamentais pelo ordenamento jurídico brasileiro: sua eficácia nas relações jurídico privadas . Revista Ajuris - v. 32, nº 100, dez /2005, Porto Alegre, p. 153-167.