''A Efetivação do Direito a Moradia no Ordenamento Jurídico Brasileiro''


PorLucimara- Postado em 03 maio 2013

Autores: 
Oliveira, Fernando José Vianna

A declaração Universal dos Direitos Humanos, é uma fonte do sistema de proteção internacional dos direitos humanos e do direito a moradia, dispõe da seguinte forma no art. XXV sobre o direito a um padrão de vida adequado:

“Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis”.

Essa declaração significou um marco na história da humanidade, uma vez que trouxe em seu bojo, direitos inerentes a todas as pessoas, e em consenso por diversas nações conjuntamente. Dessa forma, essa declaração, constitui uma evidência de um acordo dos povos no que diz respeito a direitos e valores que são inerentes a pessoa humana, sendo que a Declaração consagra o direito das pessoas à moradia digna.

Vale ressaltar que a Declaração vista como instrumento normativo internacional, sozinha, não tem a força necessária para tornar efetivo aquilo que estabelece como direitos, sendo necessário que se façam avanços no sentido de aperfeiçoar o previsto pela Declaração e a positivação dos direitos nela proclamados pelos Estados.

O direito à moradia ainda é reconhecido como um direito humano em diversas outras declarações e tratados de direitos humanos do qual o Estado Brasileiro é parte, em especial :

No Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, Artigo 11(1) ;

Na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, Artigo 5(e)(iii);

Na Declaração sobre Raça e Preconceito Racial de 1978, Artigo 9(2); na Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1979, Artigo 14(2)(h);

Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, Artigo 27(3); na Declaração sobre Assentamentos Humanos de Vancouver de 1976, Seção III(8) e capítulo II(A.3);

Na Agenda 21 sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, capítulo 7(6) e na Agenda Habitat de 1996.

Assim, o direito humano à moradia enunciado na Carta da ONU foi reforçado por diversos tratados internacionais[1], sendo o mais importante e abrangente, o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966, que eleva o direito a moradia como direito humano fundamental[2].

Em 1991, o Comitê da ONU de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais emitiu o Comentário Geral n.º 413, onde a mesma trata de questões importantes no que diz respeito a interpretação e a efetivação do direito a moradia, considerando a chamada “adequada moradia”, como por exemplo a:

Segurança Jurídica da Posse: todas as pessoas devem possuir um grau de segurança da posse que lhes garanta a proteção legal contra despejos forçados, expropriação, deslocamentos, e outros tipos de ameaças;

Disponibilidade de Serviçose Infra-estrutura: acesso ao fornecimento de água potável, fornecimento de energia, serviços de saneamento e tratamento de resíduos, transporte, iluminação pública;

Localização:moradia adequada significa estar localizada em lugares que permitam acesso às opções de emprego, transporte público eficiente, serviços de saúde, escola, cultura e lazer.

No Brasil, o direito a moradia passou de direito humano, à direito fundamental.

No que diz respeito a positivação desses direitos nos tratados internacionais, em se tratando de direitos sociais, os acordo são obtidos com relativa facilidade, o problema então surge na hora de sua efetivação, uma vez que a denominada segunda geração de direitos fundamentais é caracterizada pela possibilidade do indivíduo de requerer prestações positivas por parte do seu Estado.

O tratamento dado pela nossa constituição ao direito de moradia acaba sendo extraído das normas que tratam sobre direitos fundamentais. Analisando os artigos 5º e 6º da Constituição, essa junção de normas constitucionais, é possível se demonstrar que o direito a moradia está positivado no nosso ordenamento jurídico.

Dessa forma, o principal fundamento para se entender que o direito a moradia é um direito integrante da ordem jurídica brasileira, é pelo fato de que o rol de direitos previstos no art. 5º da Constituição serem exemplificativos e não taxativos, entendimento esse corroborado pelo §2º do referido artigo.

Assim, fica claro pela leitura do referido parágrafo, que além dos direitos listados nos incisos do art. 5º, outros poderão ser extraídos desde que sejam compatíveis com o ordenamento vigente.

Dessa forma, para que esse direito se torne efetivo, o Poder Público deve agir de forma progressiva e efetiva, através da sua atuação nas três esferas, Legislativa, Administrativa e Judiciária, para que realmente esses direitos possam se tornar efetivos para quem deles necessita, é sempre preciso que se diga não somente quais os objetivos a serem alcançados, mas também se diga com que meios esses fins serão atingidos.

No que se refere ao direito a moradia então, temos que numa análise conjunta com o §2º, art. 5º da Constituição, temos que o mesmo está integrado a ordem jurídica brasileira, uma vez que essa norma garante vigência aos direitos e garantias decorrentes dos tratados internacionais do qual o Brasil seja parte.

Assim, a partir dessa fundamentação se pode considerar que a luz dos tratados internacionais sobre os direitos humanos do qual o país é parte, a integração e positivação do direito a moradia no ordenamento jurídico brasileiro com base no §2º do artigo 5º da CF, bem como o art. 6º e o art. 4º também da Constituição.

DA EFETIVIDADE DO DIREITO DE MORADIA

O direito a moradia, é direito integrante do rol dos direitos econômicos, sociais e culturais, e para que tenha eficácia jurídica e social, depende de ações positivas do estado, através da execução de políticas públicas, nesse caso, de políticas da promoção da política urbana e habitacional. Com as constituições atuais, acaba por surgir um significativo número de normas programáticas, referentes principalmente no que diz respeito aos direitos humanos de segunda geração, com vistas a tornar essas normas de um caráter de aplicação imediata.

No que se refere propriamente ao direito a moradia, temos que o Poder Público deve intervir tanto na ordem social como na econômica, adotando políticas públicas que regulem o uso e o desenvolvimento do território urbano, bem como analisar as áreas onde há necessidade de se construir moradias para quem necessita. Não somente em relação aos tratados internacionais de direitos humanos, mas em razão principal da constituição, esses direitos têm eficácia plena, gerando a obrigação imediata do estado em estabelecer as medidas necessárias para efetivar esses direitos, dentre os quais o direito à moradia.

Assim, acaba-se por exigir-se do estado que estabeleça programas e metas habitacionais, visando a concretização do direito a moradia. Se vê então que o estado, enquanto efetivador dos direitos sociais, tem feito sua parte no que diz respeito ao planejamento dos programas de habitação bem como do planejamento urbano, chamados de meios materiais indispensáveis ao cumprimento desses direitos, meios esses que podem ser:

-Adoção de instrumentos financeiros, legais, administrativos para a promoção de uma política habitacional;

-destinação de recursos para a promoção da política habitacional;

-direito de acesso a justiça, mediante ações e processos judiciais eficazes destinados a proteção do direito a moradia;

Todas essas políticas, vão se desenvolver na cidade, onde cada vez mais vivem mais pessoas, fazendo com que elas se tornem pólos de atrações de outras pessoas em todos os estados, acaba então por surgir também o conceito de cidade sustentável, que deve permitir aos seus moradores, garantindo a eles direito individual e difuso a política tanto social quanto urbanística no sentido de garantir o bem-estar de seus habitantes e o desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitação, transporte, lazer e trabalho).

A cidade então também tem como função social, ser o local onde possa se constituir num ambiente de concretização e efetivação do direito a moradia, que é base essencial para que as pessoas possam acessar as outras funções sociais da cidade e ter uma vida digna.

Temos então que negar os efeitos jurídicos às normas constitucionais, as quais estabelecem o direito à moradia bem como oferecem os subsídios para a política urbana, acaba por constituir no fator preponderante para que esses direitos careçam de eficácia. São normas vigentes, mas que tem encontrado sua eficácia limitada, pela atividade do Poder Público em suas três esferas.

Um efeito importante decorrente das normas que definem o direito a moradia terem essa aplicação imediata, é o fato de poderem ser alvo de ações de declaração de inconstitucionalidade que leis podem sofrer, quando tenderem a restringir de alguma forma esse tipo de direito, ou de qualquer forma reduzi-lo.

Creio que essa falta de eficácia se deva por conta da classificação, de normas meramente programáticas, que algumas vezes são atribuídas a essas normas. Acaba então que a falta de eficácia conferida a esses regramentos, acaba por se mostrar, produto da utilização de modelos teóricos inadequados ao objetivo de estender ao máximo a sua aplicação.

Em contraposição a essa visão, há quem diga que o direito à moradia, por estar contemplado no rol dos direitos sociais, não pode ser aplicado diretamente aos casos concretos devido a sua eficácia limitada, o que acabaria fazendo com que a atuação do Poder Público, seja no sentido de atuar como uma diretriz no sentido de implementar políticas a garantir a efetividade do direito fundamental a moradia.

O argumento dessa corrente é a de que certas normas não admitem que os cidadãos as invoquem desde já, uma vez que esses direitos têm mais natureza de expectativas do que de verdadeiros direitos subjetivos.

Assim, entendem que, embora seja tratado como mera expectativa de direito em função da falta de instrumentos e garantias que o protejam, o direito à moradia, vislumbrado no art. 6º da Lei Maior, o mesmo pode se tornar uma possibilidade viável e efetiva, diante do estabelecimento de uma política de desenvolvimento urbano, que tenha como objetivo ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, conforme o exposto no art.182 da Constituição.

Discordantes do pensamento acima mencionado e fazendo referência a esse tópico, é importante mencionar que a constituição já menciona em seu artigo 21, XX da Constituição, que compete privativamente à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. Essas diretrizes vão orientar as políticas públicas urbanas a serem implementadas pela União, Estados e Municípios. A União tem competência privativa para elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social (artigo 21, IX da Constituição).

Já o artigo 23, IX da Constituição, institui a obrigação de que se promova o direito à moradia como sendo de competência comum da União, Estados e Municípios, que deverão estabelecer programas habitacionais, de saneamento e de melhorias urbanas. Já o Estatuto da Cidade estabelece em seu art. 3º as competências da União para a realização da política urbana, que seria:

a) legislar sobre normas gerais de interesse urbanístico;

b) legislar sobre normas para a cooperação entre os diferentes entes da federação, visando o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional;

c) promover programas de construção de moradias e de saneamento básico por iniciativa própria ou em conjunto com Estados e Municípios;

d) instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, habitação, saneamento básico e transportes urbanos; e) elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.

Entendemos que a obrigação constitucional de planejamento e ordenamento de programas habitacionais, entretanto, não significa de forma alguma prover e dar habitação para todos os cidadãos, mas é inevitável que o estado deve assistir aqueles desprovidos de todos os tipos de recursos materiais e que não podem destinar nenhum tipo de recurso para nada que não seja a sua própria sobrevivência senão da compra de seus mantimentos mais básicos.

É inevitável o fato de que o estado deve elaborar planos e programas habitacionais e viabilizar o acesso a moradias populares por preços módicos, mas como já dito, há pessoas, como no caso em comento, que são desprovidas de todos os tipos de recursos, até para sua própria sobrevivência.

Entende-se então que como o estado já tomou providências no sentido de adotar as medidas necessárias para a elaboração dos programas de habitação e ordenamento das cidades, como se pode observar pelos artigos 182 e 183 da Constituição, bem como pela lei 10.257/01 que estabelece o Estatuto das Cidades, lei que estabelece a necessidade de elaboração do Plano Diretor, que deve conter um analise da cidade visando o seu ordenamento social.

Assim, se faz necessário que se parta para a efetiva concretude do direito a moradia, fazendo com que o estado construa habitações populares para a referida comunidade, tendo em vista serem compostas por pessoas desprovidas de quaisquer tipos de recursos, e que não tem a mínima condição de destinar recursos para além de sua própria sobrevivência física.

CONCLUSÃO

Dessa forma, como resultante das normas que definem o direito a moradia possuírem essa aplicação imediata, é porque tem eficácia plena e como já se disse, fazem com que o estado tenha a obrigação positiva de adotar políticas, ações e demais medidas compreendidas e extraídas da Constituição para assegurar e tornar efetivo esse direito, em especial aos que se encontram no estado de pobreza e miséria.

No plano internacional, são admiráveis os progressos em relação ao reconhecimento da moradia adequada como direito humano. Não restam dúvidas significativas quanto à sua fundamentação, tampouco quanto ao seu conteúdo.

No âmbito do Estado brasileiro, a sua existência foi consolidada de modo irrefutável, a partir da reforma constitucional que o introduziu entre os direitos fundamentais sociais.

O direito à moradia não concede aos cidadãos o poder de exigir uma residência do Poder Público, a sua materialização é muito árdua em razão dos custos e à aplicabilidade de suas normas e resolver o direito à moradia não é tarefa nada fácil, vez que não há norma jurídica que o tenha feito, quer em nível constitucional, quer infraconstitucional. Porém, a omissão constitucional não pode ser utilizada como alavanque para inação do Poder Público.

Diante da omissão constitucional não há impossibilidade de que um Poder interfira nos atos dos outros, quando haja prejuízos para a sociedade ou para um cidadão, considerando que o direito a moradia é um direito social e está expresso não só pela Constituição Brasileira em seu art. 6º, como também no Direito Internacional do qual o Brasil é parte, pois se trata de um direito fundamental protegido pela ordem jurídica positiva, cabe ao Estado efetivá-lo, promovendo políticas de proteção deste direito.

A omissão constitucional e a alegação da reserva do possível não podem ser utilizadas como justificativa para inação do Poder Público, o Estado deve agir de alguma forma para concretizar esse direito, é o poder competente para impelir o Estado, é o Judiciário, que diante da omissão estatal, deve agir para forçar o cumprimento das normas estabelecidas na Constituição Federal.

O juiz deverá conceder o direito a moradia, mas não deverá descrever os instrumentos utilizados pelo poder público para efetivar esses direitos, uma vez que não compete ao magistrado substituir o legislador para determinar a forma de gerência do Estado, pois há o limite estabelecido pelo respeito à tripartição dos poderes, que recomendam que as políticas públicas sejam implementadas prioritariamente pelo Legislativo e pelo Executivo e a possibilidade de concretização judicial dos direitos econômicos, sociais e culturais

Contudo, na sentença ficará expresso um prazo determinado e a obrigatoriedade do Poder Público a designar e implementar, paulatinamente, segundo as possibilidades de cada Estado e de acordo com os recursos disponíveis, um programa abrangente e coordenado para progressivamente efetivar o direito ao acesso a uma moradia apropriada, respeitando as necessidades do cidadão em conformidade com a dignidade da pessoa humana as pessoas que estão morando em lugares em situação miserável.

Ressaltando que o programa não deve ter caráter provisório, em razão dos gastos desnecessários que se teria com tais obras, onerando o poder público. O programa a ser implementado deve de ser permanente para os indivíduos desprovidos de quaisque recursos.

 

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