Direitos autorais, criatividade e liberdades na cibercultura
Direitos autorais, criatividade e liberdades na cibercultura
Alexandre Henrique Tavares Saldanha
Grupo de estudos de Direitos autorais, criatividade e liberdades na Cibercultura da UFPE
RESUMO: O exercício das liberdades civis é considerado direito fundamental, garantido em cartas constitucionais e documentos internacionais de direitos humanos. Porém, apesar de seu caráter absoluto, os direitos às liberdades são sistematicamente limitados. Em outros termos, o mesmo sistema jurídico que garante as liberdades, cria limites legais para seu exercício. Tais limites são reflexos de um contexto cultural e também de uma
situação de tempo específica. No que diz respeito às liberdades de manifestação, seja de expressar algo, de criar, de manifestar um dom artístico etc., um de seus limites estão nas regras de tutela dos direitos de autor, na forma como estes direitos são legalmente previstos e postos em prática. Com o desenvolvimento da cibercultura, em um contexto denominado sociedade da informação, as regras tradicionais de direitos autorais requerem novas leituras, tendo como fundamento novas exigências sociais decorrentes de novos comportamentos. Assim, na cibercultura as liberdades fundamentais de manifestação são redimensionadas, provocando reação no sistema de proteção aos direitos de autor, e até mesmo na concepção do que seja autor e autoria.
INTRODUÇÃO
As tecnologias da informação sempre provocam diversos impactos nos comportamentos sociais, na produção econômica, no sistema legal e em praticamente quaisquer setores do convívio humano. Seja o surgimento da imprensa, do telefone ou do mais recente modelo de smartphones, qualquer tecnologia que se torne patê do comportamento humano irá provocar reações em diversos setores deste comportamento. No que diz respeito ao Direito, são diversas também as conseqüências do desenvolvimento tecnológico na forma como algumas regras e princípios são interpretados e aplicados, provocando reações também na criação de “novos” direitos para novos tempos, ou novas exigências humanas.
A cibercultura, como característica da cultura do século XXI em termos genéricos, passou a representar uma expressão que resume o contexto contemporâneo de relacionamento hiperdimensionado entre homem e tecnologias digitais, gerando novos hábitos, novas demandas sociais, novas formas de consumir bens e culturas etc.
Daí a necessidade de analisar quais são os impactos desta característica cultural de uma era no desenvolvimento do sistema jurídico. Em tempos de inclusão digital, rede hiperconectada de computadores pessoais, compartilhamentos digitais e microprocessadores realmente “micros” completamente portáveis, a produção e o acesso à informação adquire uma nova proporção, pois os mecanismos e
oportunidades propícios a acessar e produzir informações, bem como para comunicar e ser comunicado, estão amplamente disponíveis. Com a devida inclusão digital, todos poderão acessar informações antes restritas a alguns meios, ou poderão produzir informações, o que estaria anteriormente reservado a determinadas categorias profissionais e classes sociais. Com essa ampla e, quase, irrestrita gama de possibilidades de comunicações, a internet e a cultura digital permitem que cada indivíduo exerça sua liberdade de manifestação, lançando suas
opiniões em ambiente virtual, expresse suas opções artísticas, informe e obtenha informações, crie e divulgue algo, tais como histórias, ilustrações e músicas. Em qualquer dessas dimensões das liberdades em ambiente virtual reside uma série de problemas legais. Este grupo de estudo foca na análise de problemas relacionados com a última dessas possibilidades de livre manifestação, a de criar algo que esteja afim e que se sinta vocacionado.
A liberdade de expressão proporcionada pelas práticas cibernéticas recebe diversos tipos de supressão, seja pelos direitos civis (danos morais e à imagem, por exemplo), pelos direitos penais (a exemplo dos crimes contra a honra), pelos fundamentais previstos na constituição (como a privacidade) e outros.
O problema adotado como marco de pesquisa envolve o exercício da criatividade em ambiente virtual e seus limites legais, pois questões de propriedade intelectual podem inibir o ato de criar e assim tolher uma liberdade fundamental da pessoa.
Analisa-se também a adequação dos modelos legais de direitos autorais para tempos de cultura de compartilhamento, de convergência, de participação etc., uma vez que a questão não é simplesmente levantar a bandeira da quebra de direitos autorais, ou de patentes, ou abertura total da informação e criação, já que isso envolve interesses econômicos imediatos e necessários.
A hipótese é a de se analisar novos modelos de negócio e gestão de direitos autorais que melhor se adéqüe à cibercultura, equilibrando a satisfação de liberdades fundamentais para a personalidade humana com a satisfação de pretensões econômicas. Então, o grupo de pesquisa propõe uma discussão sobre a supressão provocada pelos direitos autorais sobre a liberdade de expressão proporcionada pelos mecanismos da internet.
A hipótese trabalhada é a de que o modelo tradicional de direitos autorais, previsto nas regras de direitos autorais, não é adequado para ser aplicado em situações que envolvam novos comportamentos típicos da cibercultura, principalmente aqueles que estão associados a liberdades fundamentais garantidas tanto em plano constitucional, quanto em instrumentos de proteção a direitos humanos.
OBJETIVOS:
O objetivo geral da pesquisa desenvolvida pelo grupo de estudos é analisar como as liberdades fundamentais são exercidas no contexto da cibercultura e como as regras tradicionais de direitos autorais podem servir como uma barreira para o exercício de diversos atos de livre manifestação. A hipótese não é defender uma extinção total ou parcial de direitos autorais, mas sim uma adaptação destes a novos modelos, a novos contextos culturais. Por ser considerado direito fundamental, é necessário que o direito de criar, ou participar de uma criação, não seja tolhido. Isso em tempos de cultura de participação e convergência redimensiona o conceito de autor e autoria, exigindo novas formas legais.
Os objetivos específicos da pesquisa passam por analisar os diversos aspectos das liberdades de expressão, focando na liberdade de criar. Na verdade, um dos objetivos é identificar a criatividade como um direito fundamental da personalidade. Outro objetivo é analisar se as regras tradicionais de direitos autorais chegam a realmente inibir de alguma forma atos de exercício de criatividade, representando assim um limite
sistemático a um dos direitos humanos. Ainda, analisa-se a relação da criatividade no contexto da cibercultura para, enfim, analisar se novos modelos de tutela de direitos autorais servem melhor à criatividade, bem como às demais liberdades fundamentais.
TEMA:
A pesquisa versa sobre os impactos da cibercultura na regulamentação dos direitos autorais, sobre a compatibilidade dos modelos legais de direitos de autor frente a novas exigências e comportamentos sociais típicos da sociedade da informação, focando na questão do exercício de liberdades fundamentais, previstas em textos constitucionais e cartas de direitos humanos, tais como a liberdade de expressão e de criação artístico-cultural.
MÉTODO:
A pesquisa parte inicialmente de pesquisa bibliográfica sobre direitos autorais e cibercultura. Depois, os temas das liberdades são estudados em sua perspectiva teórica. Após isso, a pesquisa se volta para exemplos reais em que liberdades foram suprimidas por regras de direitos de autor, mediante pesquisa jurisprudencial e também leitura de livros que narram situações reais. Documentários e demais materiais sobre criatividade, economia criativa e contextos culturais diferentes são também analisados. Ao fim, pesquisa-se casos reais em que regras de direitos de autor foram interpretadas sob a ótica dos direitos fundamentais, encerrando com uma análise sobre novas formas de licenças de obras e como estas impulsionam a liberdade fundamental de criação.
RESULTADOS:
Pensar em novas regras de direitos autorais, ou reinterpretações delas, é possível pois já há, em primeiro lugar, diversos precedentes judiciais cujos fundamentos se baseiam numa leitura dos direitos de autor sob o parâmetro dos direitos fundamentais, ou humanos.
Quanto a novos modelos, ou instrumentos, que permitam uma melhor adequação de tais direitos à cibercultura e às liberdades fundamentais, a pesquisa também identifica a viabilidade, pois existem diversos instrumentos juridicamente permitidos que trabalham com novas tutelas da propriedade intelectual, tais como os softwares livres e as licenças do creative commons. A pesquisa volta-se agora à possibilidade destes dois exemplos, ou a lógica por trás deles, tornarem-se a regra geral, a postura oficial e não a exceção.
CONCLUSÃO:
O grupo de estudo vem atingindo resultados teóricos no sentido de concluir algumas das análises propostas como objetivos específicos.
Há, com certa maturidade, o entendimento de que a criatividade é algo inerente ao desenvolvimento digno da personalidade humana, e assim existe um direito fundamental de exercer liberdade de criação, podendo criar, podendo participar de empreendimentos criativos em colaboração. Além disso, atualmente existe todo um segmento econômico que prioriza a criatividade como elemento de
sucesso, qual seja, a economia criativa, o que leva ao fato de tal ofício humano não se adéqua a restrições indevidas ou supressões infundadas. O grupo de estudos já consegue identificar que a economia criativa não é uma tendência, mas sim uma realidade produtiva que gera desenvolvimento. Assim como a liberdade associada à criatividade, as demais liberdades associadas às manifestações humanas são tratadas como fundamentais, em qualquer análise científica ou análise de tratamento jurisprudencial. Os estudos do grupo, na situação em que se encontram, analisam os efeitos que todas elas sofrem dos comportamentos típicos da chamada cibercultura, com foco na relação entre restrições de direitos autorais e exercício da criatividade. Casos analisados envolvendo artistas que adotaram novas estratégias de negócio com novas licenças de direitos autorais (free software e creative commons) já permitem um entendimento mais maduro de que é possível reinterpretar regras tradicionais da propriedade intelectual, satisfazendo não somente direitos humanos garantidos como também satisfazendo interesses econômicos justos. Ainda há muito a ser analisado, principalmente envolvendo outras liberdades de manifestação e regras de incentivo à cultura, mas já há indícios de resultados almejados. É possível novas regras de direitos de autor não extremistas, que impulsionem a atividade econômico-empresarial, sem prejudicar direitos fundamentais da personalidade.
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