DIREITO ECONÔMICO E CRISE DO NEOLIBERALISMO DE REGULAÇÃO: POR UMA REAFIRMAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Leonardo Alves Corrêa

 

DIREITO ECONÔMICO E CRISE DO NEOLIBERALISMO DE REGULAÇÃO:

POR UMA REAFIRMAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL

 

 

Leonardo Alves Corrêa

 

Advogado, membro do Conselho Curador da FBDE

Mestrando em Direito Público pela PUC Minas

 

O mundo assiste atônito um verdadeiro colapso no sistema financeiro capitalista. Trata-se da maior crise no sistema capitalista desde 1929. Não se trata – como insistem alguns resistentes integrantes da malhada de Fridmam – de uma “crise de confiança” no sistema financeiro. Muito menos de um desfio moral dos players responsáveis pela condução da jogatina do mercado financeiro globalizado. Trata-se de uma crise de um modelo de Estado, uma crise de compreensão das funções institucionais do Estado e do Mercado, enfim, de uma crise de concepção e projeto de uma ordem econômica fundada em um liberalismo de regulação.

Na Fundação Brasileira de Direito Econômico (FBDE) – instituição de pesquisa, sem fins lucrativos, fundada em 1972, que possui como objetivo promover estudos, trabalhos, pesquisas na área do Direito Econômico – realizamos algumas discussões sobre a atual crise do mercado financeiro e sua repercussão no desenvolvimento de nossa disciplina. Afinal, quais instrumentos jurídicos o Direito Econômico pode oferecer na tentativa de superação da atual crise do capitalismo?

É verdade, porém, que o atual colapso do mercado financeiro tem sua origem na implementação de um projeto político de desmantelamento do Estado Regulamentador – Estado Empresário – na década de 80 e “brilhantemente” conduzido pela dupla Thatcher- Reagan. A receita da “reforma do Estado”, por sua vez, logo seria apropriada e aplicada em terras brasilis a partir da década de 90; projeto este iniciado pelo Presidente Collor e aprofundado na era Fernando Henrique Cardoso. No âmbito normativo, o Plano Nacional Desestatização (lei 8.031/90 e, posteriormente, a lei 9.491/97) possui, dentre seus objetivos, “reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público” (art. 1º,I).

No plano ideológico, os últimos trinta anos foram marcados por práticas discursivas que insistiam em naturalizar instituições sociais, por meio de qualificações absolutamente desleais do ponto de vista acadêmico/científico. Assim, o Estado – como agente interventor na economia - seria “naturalmente” lento, ineficaz, corrupto. O Mercado, por sua vez, eficiente, ágil e o único capaz de responder aos ditames de uma economia globalizada. Um breve olhar sobre a História da formação do Estado Nacional e do capitalismo, entretanto, seria suficiente para perceber que Estado/Mercado são duas faces de uma mesma moeda.

O Direito Econômico – ramo do Direito que possui como objeto o tratamento jurídico da política econômica – foi reduzido apenas ao estudo das regras e princípios sobre antitruste (direito da concorrência) ou a discussão técnica sobre o regime jurídico das Agencias de Regulação (denominado de “direito administrativo econômico”). Obviamente, não negamos a grande relevância acadêmica de tais estudos. O equívoco, entretanto, foi considerar, a priori, inconstitucional ou ilegítimo o manejo de instrumentos jurídicos de intervenção do Estado no domínio econômico, tal como a estatização. Entretanto, há alguns meses, a Meca do Capitalismo viu-se obrigada a lançar mão de tais mecanismos para nacionalizar e assumir o controle de instituições financeiras.

O Presidente Lula, em sua última viagem ao velho Continente afirmou: "A atual crise financeira constitui uma extraordinária oportunidade para que possamos refletir sobre os erros e para criar uma nova ordem mundial na qual o ser humano, o trabalhador, o desenvolvimento e a produção cultural, científica e tecnológica sejam o verdadeiro motivo da economia e não a especulação financeira".

A resposta do Presidente, portanto, passa pela reafirmação do Direito Econômico enquanto disciplina capaz de oferecer – por meio de seu objeto, a política econômica - a concretização de uma ordem econômica justa e solidária nos termos do artigo 170 da Constituição Econômica. Este é o principal objetivo do Direito Econômico. Um Direito Econômico que, do ponto de vista epistemológico, seja capaz de analisar o “fato econômico” em sua integralidade com a produção, circulação, distribuição e consumo, ou seja, todo o ciclo econômico. Este é o Direito Econômico defendido historicamente pela Fundação Brasileira de Direito Econômico.

Entretanto, uma ordem econômica que tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, não será implementada pelo Estado Neoliberal de Regulação. Do ponto de vista jurídico, é imprescindível resgatar o instituto da intervenção no domínio econômico como uma técnica; como instrumento pelo qual o Estado deve lançar mão para a concretização da ordem econômica constitucional. Todavia, a intervenção do Estado na economia pode ser legal (regulada formalmente pelo Direito Econômico), mas ilegítima. Portanto, a legitimidade da intervenção, em um Estado Regulamentador Democrático, estará atrelada ao “grau de desobstrução institucional” do espaço público e da efetiva democratização dos processos de decisão da política econômica.

O paraíso prometido por Hayek não vingou. O Marcado não se mostrou capaz de promover, com eficiência e racionalidade, a auto-regulação de suas atividades. O Estado – antes ineficiente e corrupto – é conclamado a intervir, por meio de políticas econômicas, na produção, circulação, repartição e consumo. O atual momento é pela reafirmação da ordem econômica constitucional e a concreção do projeto político-jurídico instituído pelo Poder Constituinte Originário de 1988.