Diante da Constituição Brasileira, à ratificação de uma Convenção Internacional deve prevalecer o Princípio da Segurança Nacional?


Porvinicius.pj- Postado em 18 novembro 2011

Autores: 
LIMA, Marcos Aurélio Carregosa

O trabalho inclina estabelecer a visão pátria à ratificação dos Tratados Internacionais, embasado, sobretudo no Tratado de Ottawa, assinado pelo Brasil no ano de 1997 e ratificado em 1999, cujo cumprimento fora estruturado através da Lei nº 10.300 de 31 de outubro de 2001, prevendo pena de reclusão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos, além de multa em casos de inobservâncias.

Necessário ressaltar que o Tratado de Ottawa tem o cerne de erradicar a fabricação, uso e vendas de minas antipessoal, legado deixado pelos conflitos armados contemporâneos, por considerá-las extremamente perigosas, sobretudo porque permanecem ativas anos a fio para opô-las contra os adversários de determinadas áreas, no entanto caindo no esquecimento daqueles que as implantam ocasionam irreparáveis danos a todos, inclusive aos aliados.

Como produtor de minas antipessoal àquela época, o Brasil declarou que possuía significativo estoque, o qual destruiria até 2002, à exceção dos necessários para o treinamento das Forças Armadas quão seriam utilizados até 2009.

Neste prisma, para chegarmos a um termo é salutar abeberarmos do ensinamento do artigo 1º, I, da Carta Brasileira de 1988, o Princípio da Soberania Nacional, que reza a nação ser livre e independente para respeitar as decisões que lhes sejam mais favoráveis, instituindo fundamento à estruturação do Estado Democrático de Direito, além do inciso III do artigo supra, pronunciando ser também capital o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, valoração máxima que sintetiza todos os direitos vitais ao homem e pressuposto à existência de outros princípios.

Soberania, portanto, faz menção à segurança e autodeterminação do País, perante a qual sublinha o professor José Francisco Rezek:

Identificamos o Estado quando seu governo – ao contrário do que se sucede com tais circunscrições - não se subordina a qualquer autoridade que lhe seja superior, não reconhece em última análise, nenhum poder maior de que dependam a definição e o exercício de suas competências... (REZEK, 2008, pg., 224)

 Já a dignidade da pessoa humana, referencia princípio relativo ao regime político e sobre o tema, aduz Carlos Roberto Husek:

De qualquer modo o campo de aplicação é amplo, revelando-se na vida das pessoas em geral no que concerne à inviolabilidade do direito à vida, à plenitude, à proteção contra quaisquer atos ou fatos que possam por em perigo a pessoa, quer por aspecto orgânico, quer no aspecto individual, espiritual, quer no aspecto eminentemente social, provendo o Estado e quaisquer organizações sociais o bem estar do indivíduo nos mais variados aspectos. (HUSEK, 2008, pg. 35)

Frente ao exposto, observa-se que ambos os princípios possuem a mesma força normativa, de natureza constitucional e basilar à formação do povo brasileiro.

 Sobre as minas antipessoal, vale mensurar que o Brasil apesar do Exército informar que destruiu seu estoque desde 2002, em 2004 foram encontrados resquícios no Rio de Janeiro, assim mesmo, sob parâmetros controversos ele entrou no cenário anti-minas com vistas a prestar solidariedade à universalização das pretensões globais enviando militares para ajudar na desminagem de outros países.

 Com efeito, diante das relações internacionais a Constituição Federal de 1988, no artigo 4º, inciso I, determina a independência nacional à tomada de decisões, prevendo exclusividade normativa às suas ratificações; enfatiza também no inciso II, do retro mencionado artigo o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, reconhecendo-os como intrínseco ao direito natural.

De tal modo, perante o Tratado de Ottawa, o questionamento perdurou: deve prevalecer a segurança nacional com a utilização das minas antipessoal, visto consistir numa das modalidades de táticas guerrilheiras em conflitos, ou resguardar a vida de milhares de inocentes, cujas ambições consistem simplesmente no instinto de sobrevivência?

 Em detrimento, as Organizações Não Governamentais (ONGS), estabeleceram papel de destaque na elaboração deste Tratado, visto de início determinados atores internacionais de peso opor-se à sua elaboração que vislumbrava por termo às minas antipessoal.

Sob o enfoque da morte de inocentes e das profundas conseqüências aos sobreviventes, representantes da política humanitária atestavam que o uso dessa tática guerrilheira não determinava vitória em nenhum conflito, pelo contrário, mutilava muitos civis, inclusive coligados, sobremaneira, possuía como agravante a ausência de normas impositivas à sua retirada, noutro ângulo, críticos de países membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, asseveravam que a extinção das minas traria enfraquecimento ao poderio militar e conseqüentemente à soberania nacional, a exemplo de tal entendimento, os Estados Unidos, China, Rússia etc.

Tomando corpo as indagações, os grupos de apoio aos direitos humanos internacionais sustentaram que fabricação desregrada era oriunda do baixo custo, disponibilidade fácil e não tinha a finalidade de atender às garantias de soberania do Estado, mas, mormente focava políticas intimidatórias, pois uma área afetada por tal mecanismo inviabiliza seu tráfego e as pessoas ali residentes são obrigadas a migrar por causa da saúde física e psicológica, abaladas em face da morte ou do dilaceramento corporal.

Sobre os pontos positivos e negativos que podem emergir durante uma convenção, com fulgor, acrescenta Gustavo Oliveira Vieira:

Ainda que seja complicado mensurar a implementação de uma Convenção, pela série de implicações que se tem a pretensão de englobar, é prioritário analisar os efeitos da sua aplicação, na medida da disponibilidade dos dados, para que de fato possamos identificar seu relativo “sucesso” ou “fracasso” dos referidos esforços. (VIEIRA, 2006.p.49)

Como solução do conflito entre a produção de minas voltada à segurança nacional e a prevalência dos direitos humanos, entra em cena a inteligência do Princípio da Proporcionalidade, configurado na ponderação, razoabilidade das iniciativas, de forma que traga ao resultado final determinado equilíbrio e não ofenda totalmente valores imprescindíveis à manutenção da harmonia na comunidade interna e externa.

Em comento, o Tribunal Constitucional alemão deliberou da seguinte forma o Princípio da Proporcionalidade:

O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; é necessário quando o legislador não poderia ter escolhido outro meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse da maneira menos sensível o direito fundamental.[1]

Durante quatorze meses o processo se estendeu, obrigando os países a tomarem posição, sendo finalmente aprovado em 03 de dezembro de 1997, quando os Estados Unidos se comprometeram em não produzir, comercializar ou utilizar as minas terrestres, elaborando para tanto legislação criminal.

Incumbe avivar que através de esforços comuns entre Atores Internacionais de Direito Público e Organizações Não Governamentais, houve maior agilidade e efetividade às mudanças necessárias, restando configurada a possibilidade destes últimos, criarem temas à agenda e conduzir esforços de emergência para os governos proporcionarem soluções aos pleitos numa governança global solidária; isto porque as ONGS formam representações populares a serem ouvidas, sem, contudo terem direitos a votos, trazendo como resultado derradeiro o sobrepesamento dos valores mais importantes para o feito.

No tocante ao conflito de princípios no plano internacional, doutrina brilhantemente o professor Bruno Ypes Pereira: “Recentemente houve um ajuste subjetivo entre os Estados para elevar à condição de princípio geral a proteção à vida humana e à propriedade contra atos terroristas.” (PEREIRA, 2007, p. 41 e 42).

Sobre o Tratado de Ottawa, sobrelevou o Direito Humanitário, numa visão globalizada dos interesses dos povos em prejuízo da ótica egocêntrica de alguns países, perpassando de uma simples regulamentação para um marco na erradicação deste dito sistema de defesa.

Por fim, faz salutar certificar que o Brasil apesar de positivar o imperativo da soberania nacional às tomadas de decisões, deixa evidente que perante os Tratados Internacionais, deve elevar como premissa às suas ratificações, o consagrado na Declaração Universal dos Direitos humanos em 1948 – a dignidade da pessoa humana - dispositivo do qual é signatário e sobressalta aos interesses de defesa pátrios, face ser condição sem a qual, é posto em dúvida o respeito aos nacionais e internacionais que compõem a política humanitária mundial, por conseguinte, crucial à mantença do Estado Democrático de Direito brasileiro.

 


REFERÊNCIAS

ANGHER, Anne Joyce. Organização.Vade Mecum Acadêmico de Direito. -8ª ed. – São Paulo; Rideel, 2009.

GUEDES, Pedro Dumans. Do Princípio da Proporcionalidade como meio apto à solução dos conflitos entre as normas de direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 438, 18 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5698>. Acesso em: 09 de outubro de 2009.

HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. 8ª Ed. – São Paulo: LTR, 2008.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20ªed. – São Paulo: Atlas, 2006.

PEREIRA, Bruno Ypes. Curso de Direito Internacional Público. -2ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2007.

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso elementar. -11ª Ed. Ver. E atual. -São Paulo: Saraiva, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. -29ª ed. rev. e atual. –São Paulo: Malheeiros Editores LTDA, 2007.

VIEIRA, Gustavo Oliveira. Inovações em Direito Internacional. Um Estudo de Caso a Partir do Tratado de Ottawa. –Santa Cruz do Sul; EDUNISC, 2006.

Disponível em: http://www.comunidadesegura.org/pt-br/node/23211. Acesso em 09 de novembro de 2009.

 


Nota:  [1] Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5698>. Acesso em: 09 de novembro de 2009.