Dez anos de Lei de Responsabilidade Fiscal. A experiência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo


Porrafael- Postado em 01 novembro 2011

Autores: 
TOLEDO JR., Flavio Corrêa de
ROSSI, Sérgio Ciquera

Dez anos de Lei de Responsabilidade Fiscal.

A experiência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo

1.Apresentação

No intento de combater o déficit orçamentário e, dele conseqüente, a dívida governamental, a Lei Complementar nº 101, de 2000 veio apresentar conjunto de limites e condições para a gestão do dinheiro público; seu desrespeito acarreta, em muitos casos, sanções administrativas e penais, aqui suprida lacuna do direito financeiro pátrio, especialmente a da Lei nº 4.320, de 1964, cuja revogação parece hoje estar em vias de se consumar.

Evidente que sem o concurso fiscalizatório dos Tribunais de Contas, duvidosa seria a eficácia daquela disciplina fiscal, nisso considerando os arraigados vícios prevalecentes na Administração Fazendária, sobretudo os fictícios planos orçamentários; a criação de despesa sem suporte de caixa; o forte aumento de gasto em período eleitoral; a falta da repartição, por Poder, do limite da despesa de pessoal; a não-limitação da despesa em momento de queda da receita, entre tantos outros desacertos.

Assim, vital a participação do controle externo; a outra instância de controle, a interna, padece de severa dificuldade operacional; para ela inexiste regramento infraconstitucional dispondo sobre a escolha de seus membros, sua objetiva área de atuação, os produtos a serem alcançados e, principalmente, as garantias funcionais para os que militam nesse nível internalizado de controle.

Tal limitação se agiganta em municípios de pequeno porte; 95% do conglomerado nacional. Apontando irregularidades, o controlador interno fica em situação delicada junto ao denunciado, agente político que, no mais das vezes, é pessoa de forte influência na comunidade local. Omitindo-se na denúncia, poderá esse funcionário responder solidariamente pelo desvio fiscal (art. 74, § 1º da CF).

Contudo, há aqui de se lembrar que, ora em tramitação no Congresso Nacional, o Projeto de Lei de Qualidade Fiscal prevê relevantes atribuições para o sistema de controle interno e, desde que aprovada tal intenção legal, estará solvida boa parte das sobreditas dificuldades operativas.

De qualquer modo e tendo em mira suas atribuições constitucionais e a experiência técnica de seus recursos humanos, as Cortes de Contas afiguram-se como as melhores guardiãs da Lei de Responsabilidade Fiscal. Reforça isso o fato de a Lei de Crimes Fiscais determinar àquelas Casas o processamento e o julgamento de relevantes transgressões fiscais, a resultar pesada multa pessoal ao gestor; nada menos que 30% de seus vencimentos anuais (art. 5º).

Nessa lide, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – TCESP - ao qual se jurisdicionam o Governo do Estado e 644 municípios – não vem medindo esforços para a resolutividade do novo direito financeiro.

Com efeito, logo em junho de 2000, lançou-se aqui manual básico, explicando, de forma didática, todos os comandos da LRF. Esse trabalho foi largamente consultado em vários endereços eletrônicos, sendo depois reproduzido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, entidade que, à época, articulava, em nível nacional, a divulgação da então nova lei complementar.

Em seguida, promoveu o TCESP, nestes dez anos de LRF, mais de 500 encontros pedagógicos com agentes políticos e servidores das entidades jurisdicionadas.

Ainda, foi criado o Sistema de Auditoria Eletrônica do Estado de São Paulo, o AUDESP, que, todo mês, capta números orçamentários dos jurisdicionados e, se for o caso, alerta, de imediato, os gestores quanto a riscos fiscais como superação de 90% dos limites da despesa laboral e dívida consolidada; iminência de déficit orçamentário anual; queda da receita a demandar contingenciamento do gasto; projeção de déficit previdenciário; falta de dinheiro para despesas assumidas nos oito derradeiros meses do mandato.

Nos trabalhos de campo, realizados, todo ano, em cada um dos 644 municípios paulistas, a Auditoria confirma, "in loco", aqueles números eletronicamente remetidos.

Desse esforço fiscalizatório, tem-se que, no intervalo de sete anos, entre 2001 e 2008, o resultado orçamentário dos municípios paulistas transformou-se de um déficit global, em 2001, de R$ 298,608 milhões (1,51% da receita) para um superávit global, em 2008, de R$ 2.780,116 milhões (5,15% da receita).

E, convém dizer que, em muitos casos individuais, o déficit orçamentário está sendo bancado pela sobra líquida de caixa do ano anterior, ou seja, mediante superávit financeiro absolutamente descompromissado.

Nesse rumo e naquele mesmo lapso 2001-2008, a municipal dívida fundada e flutuante caiu de 16,28% para 9,83% da receita corrente líquida.

Se, em 2001, 27 municípios do Estado superavam o limite da despesa laboral, em 2008, apenas dois deles incorriam nesse desvio fiscal.

No âmbito do Governo do Estado de São Paulo, o superávit primário de 2008 (R$ 5,534 bilhões) foi 244,37% maior que o havido no ano de 2.000 (R$ 1,607 bilhões).

Ainda na Administração Estadual, a despesa de pessoal registrou declínio de 58,09% (2000) para 47,32% da receita corrente líquida (2008).

Feitas essas considerações, o presente artigo passa a comentar a atuação do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo em três aspectos basilares de responsabilidade fiscal: o estímulo ao bom planejamento orçamentário; o enfrentamento do déficit orçamentário e à conseqüente redução da dívida de curto e longo prazos; a adequada apuração da despesa de pessoal.


2.O Estímulo ao Bom Planejamento Orçamentário

Não planejar significa gastar mal o dinheiro público; em prioridades imediatistas, de conveniência, que à frente vão surgindo.

Quantos empréstimos, onerosos, precisaram ser feitos por falta de planificação de caixa? Quantas obras foram iniciadas e, depois, paralisadas, por ausência de recursos financeiros? Quanto déficit se fez por superestimativa da receita orçamentária? Quantos projetos se frustraram por não-articulação programática com outros empreendimentos governamentais? Quantos servidores foram admitidos em setores que nada tinham a ver com as reais prioridades da Administração?

Afora essas questões que justificam, à farta, a necessidade do planejamento orçamentário, nunca é demais recordar que a Lei de Responsabilidade Fiscal se assenta em duas pilastras básicas: a transparência fiscal e o planejamento no uso do dinheiro público (art. 1º, § 1º).

Antes de editado aquele direito, o plano plurianual (PPA), a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e a lei orçamentária anual (LOA) eram autênticas peças de ficção; reproduziam modelos franqueados por instituições públicas ou empresas de assessoria. Quer tivesse mil ou um milhão de habitantes, os Municípios, sobretudo esses, contavam com programas e metas absurdamente semelhantes. Enfim, o planejamento se apresentava para atender, somente na forma, aos dispositivos constitucionais.

Respaldado em pressuposto elementar da Lei de Responsabilidade Fiscal, tem feito o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – TCESP as seguintes recomendações ao Estado e aos municípios:

- os programas governamentais devem ser melhor previstos na lei orçamentária, evitando-se a constatada abertura de elevado valor de créditos suplementares, a evidenciar mau planejamento e, afronta a escopo basilar de responsabilidade fiscal.

- a lei de diretrizes orçamentárias deve prescrever critérios para limitação de empenho e subvenção de entidades do terceiro setor (art. 4º da LRF).

- na lei de diretrizes orçamentárias, o anexo de prioridades deve estabelecer, por programa de governo, as metas de admissão de pessoal, cumprindo a especificidade dita no art. 169, § 1º, II da Constituição.

- originadas em audiências públicas sobre o projeto de lei orçamentária (art. 48, LRF), as respectivas dotações devem estar claramente identificadas no orçamento anual, sob forma de específicas Atividades e Projetos.

- a lei orçamentária anual deve prever metas físicas para todos os programas de governo.

- a lei orçamentária anual deve limitar a autorização prévia de créditos suplementares à inflação esperada para o ano seguinte; aqui, é de se notar que elevados percentuais desvirtuam a vontade legislativa, posto que a abertura do crédito dá-se por ato exclusivo do Chefe do Poder Executivo; ao demais, essas taxas alentadas abrem porta para o déficit orçamentário.

- a Lei Orçamentária Anual precisa detalhar o gasto até o nível do elemento,conferindo maior transparência ao processo orçamentário (art. 15 da Lei nº. 4.320, de 1964)..

- a Lei Orçamentária Anual deve abranger todas as entidades públicas do Município (Administração direta, autarquias, fundações, estatais dependentes), atendendo ao constitucional princípio da unidade do orçamento (art. 165, § 5º, I da CF).

Também, em sua lide pedagógica, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo publicou, em abril de 2010, o seguinte Comunicado a todo o público jurisdicionado:

COMUNICADO SDG nº.14 , de 2010

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo alerta que, em face do atual processo de elaboração da lei de diretrizes orçamentárias – LDO, devem os jurisdicionados atentar para o que segue:

1.A lei de diretrizes orçamentárias há de estabelecer critérios para repasse financeiro a entidades do terceiro setor, podendo ainda explicitar, em anexo próprio, o nome desses beneficiários. É o que se vê no art. 4º, I, "f" c.c. art. 26, ambos da Lei de Responsabilidade Fiscal.

2.Em vista do fundamental princípio da transparência fiscal, aquelas condições não podem apresentar-se genéricas.

3.Assim, há de haver certo detalhamento que iniba a má utilização do dinheiro público. Cabem, assim, critérios que ora se exemplificam: a) certificação da entidade junto ao respectivo conselho municipal; b) o beneficiário deve aplicar, nas atividades-fim, ao menos 80% de sua receita total; c) manifestação prévia e expressa do setor técnico e da assessoria jurídica do governo concedente; d) declaração de funcionamento regular, emitida por duas autoridades de outro nível de governo; e) vedação para entidades cujos dirigentes sejam também agentes políticos do governo concedente.

4.Tendo em mira os dispositivos mencionados no item 1, a lei de diretrizes orçamentárias há de também enunciar critérios para ajuda financeira a entidades da Administração indireta do mesmo nível de governo.

5.Destinados a autarquias, fundações, empresas públicas ou sociedades de economia mista, as transferências monetárias do ente central devem, portanto, submeter-se a condições ditas na LDO, às quais, em nível de exemplo, podem assentar-se em metas operacionais a ser cumpridas por aquelas entidades subvencionadas.

6.Para atender ao art. 45 da Lei de Responsabilidade Fiscal, deve o Poder Executivo, em anexo próprio da LDO, mostrar que as obras em andamento disporão de suficiente dotação no próximo orçamento. Do contrário, a Administração justificará, naquele anexo, a paralisação ou o retardamento do projeto.

7.Caso ainda exista dívida líquida de curto prazo (déficit financeiro), deve o anexo de metas fiscais propor superávit orçamentário para liquidar, ainda que progressivamente, aquele passivo de curta exigibilidade (art. 4º, § 1º da LRF).

8.A lei de diretrizes orçamentárias deve prescrever objetivos critérios para limitação da despesa, caso haja queda na arrecadação prevista (art. 4º, I, "b", da Lei de Responsabilidade Fiscal).

9.Para atender à especificidade dita no art. 169, § 1º, II da Constituição, a lei de diretrizes orçamentárias deve autorizar, no específico programa do anexo de metas e prioridades, a criação de cargos, empregos ou funções, a concessão de qualquer vantagem ou aumento remuneratório, bem como a admissão ou contratação de pessoal.

10.No escopo de possibilitar o controle do art. 73, VI, "b" e VII da Lei Eleitoral, deve a LDO prever que os gastos de propaganda e publicidade oficial componham específica atividade programática.

SDG, 20 de abril de 2010

SÉRGIO CIQUERA ROSSI

SECRETÁRIO DIRETOR GERAL

De mais a mais, na análise de avenças contratuais de maior vulto, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, nas hipóteses cabíveis, vê irregular a ausência das cautelas requeridas no art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal, quais sejam: a) a estimativa trienal de impacto financeiro-orçamentário; b) a declaração do ordenador de despesa quanto a adequação com os três planos orçamentários: PPA, LDO e LOA.

Nesse contexto, faz assegurar o órgão do controle externo que, nos futuros ajustes, o ente estatal mostre, de forma inequívoca, que os projetos de expansão governamental estejam previstos nos três instrumentos orçamentários, sendo isso eficiente antídoto contra o planejamento fictício, sem compromisso com a realidade, feito apenas para atender à lei.

Com efeito, a falta dos sobreditos procedimentos do art. 16 faz com que a despesa seja tida não autorizada, irregular e lesiva ao patrimônio público (art. 15 da LRF), havendo, em face disso, tipificação penal (art. 359-D da Lei de Crimes Fiscais: "Ordenação de despesa não autorizada por lei – reclusão de 1 a 4 anos").

Diferente do que preconiza respeitável linha de entendimento, defendemos nós que "não é qualquer aumento de gasto público que precisa submeter-se ao ritual administrativo do art. 16 da LRF. Livres dessas cautelas estão as despesas corriqueiras, habituais, relacionadas, apenas e tão-somente, à operação e manutenção dos serviços preexistentes e que nada tenham a ver com criação, expansão ou aperfeiçoamento da ação governamental". (in: "Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada Artigo por Artigo"; 3ª. edição; Ed. NDJ; São Paulo).

Em tal controvérsia e no dizer do Prof. Carlos Pinto Coelho Motta, "uma conclusão interpretativa de grande consistência – confirmada finalmente pelo Tribunal de Contas da União – atribui apenas às despesas relacionadas com projetos o cumprimento dos requisitos dos art. 16 e 17. Despesas pertinentes a atividades estariam deles dispensadas. E, de fato, o TCU, pondo fim ao debate, definiu taxativamente que: "as despesas rotineiras da Administração Pública, já previstas no orçamento, destinadas à manutenção das ações governamentais preexistentes, prescindem da estimativa do impacto orçamentário-financeiro de que trata o art. 16, I da Lei de Responsabilidade Fiscal" (in artigo "Dez Anos da Lei de Responsabilidade Fiscal: repercussões nas licitações e contratos públicos"; Fórum de Contratação e Gestão Pública; Editora Fórum; janeiro de 2010).

Outra polêmica na dicção do art. 16 alcança os que entendem que erguer um prédio público, por um exemplo uma escola, é ação que dispensa os procedimentos em questão, desde que o gasto esteja previsto, de forma sustentada, na lei orçamentária. Dito de outra maneira, não haveria aqui aumento do dispêndio governamental.

Equivocada tal interpretação; as futuras despesas solicitarão, sim, majoração no nível atual do orçamento. É dessa forma, pois o exemplificado prédio escolar demandará, por óbvio, futuros custos de operação e manutenção (professores, pessoal de apoio pedagógico, servidores administrativos, materiais, serviços de reparos e vigilância, entre tantos outros).

Na criação, expansão ou aperfeiçoamento há casos de fronteira, que ensejam esforço de interpretação. Por exemplo, pavimentar rua de terra tipifica uma nova ação de governo; eis aqui um projeto; já o recapeamento de rua já antes asfaltada é simples e habitual manutenção de um próprio antes instalado; não há aqui criação de nova despesa pública; eis aqui uma atividade.


3.O Enfrentamento do Déficit Orçamentário e da conseqüente Dívida de Curto Prazo

Há de ressaltar que mesmo antes da LRF e depois que, em 1994, a moeda nacional se estabilizou, o Tribunal Paulista de Contas passou a combater, sistematicamente, o déficit orçamentário dos municípios jurisdicionados, emitindo-lhes, conforme o caso, parecer desfavorável por afronta à planificação financeira dos art. 47 a 50 da Lei nº 4.320, de 1964.

Assim, no caso paulista, os Municípios, à época da edição da LRF, já antes refreavam seus déficits orçamentários, dispondo, por isso, de menor estoque de dívida líquida de curto prazo (déficit financeiro).

De todo modo, há de ser enfatizar que ante a dificuldade de obter empréstimos de longo prazo, boa parte dos Municípios - paulistas ou de todo o Brasil - ainda recorrem a artificiosa manobra para financiar seu déficit: asuperestimativa da receita, quer na elaboração anual do orçamento, quer na abertura, ao longo da execução, de créditos adicionais.

Apesar desse artifício estar hoje dificultado pelo obrigatório instituto da limitação de empenho (art. 9º da LRF), malgrado isso, ainda subsiste tal mazela na administração fazendária.

Em resumo, ainda se faz despesa sem amparo financeiro, gerando os déficits de execução orçamentária e, a partir deles, os Restos a Pagar sem cobertura de caixa.

Na medida em que a Administração, nos anos subseqüentes, reitera o déficit orçamentário, em tal contexto de reincidência, os descobertos Restos a Pagar vão-se engrandecendo na dívida de curto prazo ou, em linguagem da contabilidade pública, aumentam o déficit financeiro.

Assim, a maior objeção fiscal do Município não é a dívida consolidada, de longo prazo, mas, sim, o endividamento de curto prazo, para o qual, paradoxalmente, não se opõe qualquer limite fiscal.

Vem daí que os resultados primário e nominal não são tão importantes na avaliação fiscal de grande parte dos Municípios, financiados que são, em boa parte, por fornecedores que não recebem, pontualmente, seus créditos (Restos a Pagar descobertos), não sendo daí lastreados pelo objeto central daqueles dois resultados fiscais: os empréstimos e financiamentos concedidos por bancos e outras instituições financeiras.

Em verdade, aqueles produtos fiscais são muito relevantes para o ente que mais capta recursos da sociedade: a União, nisso também considerado que todos os Estados-membros e grandes Municípios tiveram suas dívidas refinanciadas por aquele nível de governo; isso em período imediatamente anterior à promulgação do código de responsabilidade fiscal.

Assim, para o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, em cada ano civil, o resultado entre receitas arrecadadas e despesas empenhadas é o mais importante na avaliação financeira das esferas locais de governo. Põe-se aqui o resultado bruto da execução orçamentária.

De mais a mais, por meio desse resultado orçamentário se analisa o nível de variação da dívida que mais pesa nas finanças municipais: a de curto prazo.

Em outros termos, a sobra financeira gerada pelo superávit orçamentário reduz a dívida líquida de curto prazo. Em sentido contrário, o déficit orçamentário aumenta, mais ainda, essa pendência de curta exigibilidade.

Tendo em mira que o objetivo nuclear de responsabilidade fiscal induz superávits orçamentários para a redução da dívida pública, escorado nesse pressuposto, o TCESP recusa déficits orçamentários, mesmo os de baixa monta; isso, desde que carregue o Município considerável estoque de dívida líquida de curta exigibilidade (déficit financeiro).

Reforça esse juízo desfavorável o fato de o Prefeito, ao longo do exercício, ter sido alertado sobre o déficit que se avizinhava e, nem assim, adotar políticas de limitação da despesa não-obrigatória (art. 9º da LRF).

Com efeito,a partir da análise dos mensais relatórios fiscais, a Corte Paulista de Contas, mediante o já antes comentado Sistema AUDESP, alerta, automaticamente, os gestores quando a arrecadação não vem se comportando tal qual esperado, situação a já demandar a limitação de dotação e de movimentação financeira (art. 59, § 1º, I da LRF).

Todavia, um déficit orçamentário pode ser absolutamente lícito, desde que amparado no superávit financeiro do exercício anterior. É bem a isso o que se refere o art. 43, § 1º, I, da Lei n.º 4.320, de 1964.

Afinal, diferente dos que se perfilam na iniciativa privada, não cabe à Administração acumular capitais financeiros, ou seja, ante uma sobra monetária absolutamente descompromissada, deve o gestor provocar um déficit orçamentário para utilizar aquele excedente de caixa. É dessa forma posto que, no exercício corrente, tal sobra financeira não mais se recepciona como receita orçamentária.

Em assim sendo, resta claro que fundamental é a correta apuração do resultado de execução orçamentária. Em tal lide, a Auditoria do TCESP, não raro, vem procedendo a retificações nos balanços orçamentário e financeiro, baseadas nos seguintes pressupostos:

a)Haja vista o art. 71, I e II da Constituição, o TCESP aprecia, uma a uma, as entidades públicas do Município, fazendo juízo individual sobre Prefeituras, autarquias, fundações e empresas estatais. Nesse passo, os balanços orçamentário e financeiro da Administração direta devem conter, apenas e tão-somente, os números da Prefeitura e Câmara.

b)A despeito do art. 38 da Lei nº. 4.320, o cancelamento de Restos a Pagar não deve gerar, em contrapartida, uma receita orçamentária fictícia, escritural, de "papel"; tal fato deve ser escriturado independentemente da execução orçamentária (vide Manual da Receita da Secretaria do Tesouro Nacional).

c)Mesmo que líquida e certa, não pode ser orçamentariamente contabilizada a receita que ainda não virou dinheiro no caixa do Município. Por isso, laboram em erro certas Portarias STN ao contrariar o regime de caixa da receita (art. 35, I da Lei nº. 4.320, de 1964)

d)Em face da Portaria Interministerial nº. 163, de 2001, meros repasses a autarquias, fundações e empresas dependentes não mais oneram a despesa orçamentária da Prefeitura. De outro lado, essa ajuda financeira representa efetiva saída de dinheiro; uma redução da receita arrecadada pela Prefeitura. Diante disso, essas transferências devem somar-se, em ajuste aditivo, à despesa orçamentária da Administração direta do Município.

e)Tendo em vista o regime de competência da despesa e a norma do prévio empenho, não se pode empenhar despesas de pessoal de dezembro no início do ano seguinte (art. 35, II c.c. art. 60 da Lei n,º 4.320, de 1964).

3.1 – A dívida de curto prazo do último ano de mandato – a dicção do polêmico art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal

Em linhas anteriores, já se viu que a predominante dívida do Município é a de curto prazo, composta, no mais das vezes, por Restos a Pagar sem cobertura monetária.

De seu turno, o art. 42 da Lei nº 101/00 impede que despesas dos últimos oito meses do mandato sejam transmitidas, sem lastro de caixa, para o futuro gestor político.

Tormentosa tem sido a leitura de tal dispositivo; defendem alguns que cada Poder estatal deve, ao final da gestão, suprir financeiramente todo o estoque de Restos a Pagar, novo ou antigo, nisso recomendando descabidos cancelamentos de empenhos já liquidados, bem assim de Restos a Pagar também processados, prática essa que distorce balanços contábeis e contraria direito líquido e certo do credor.

Outra proposta inconveniente é a de transferir Restos a Pagar para o passivo de longo de prazo: o permanente. O equívoco é porque tais débitos são de curtíssima exigibilidade; nada têm de longo prazo, além de já não mais dependerem de autorização legislativa para pagamento, ao contrário do que é indispensável para os débitos do passivo permanente (art. 105, § 3º e 4º da Lei nº. 4.320, de 1964).

Diferente, entende o TCESP que o art. 42 da LRF é regra que alcança, exclusivamente, os dois últimos quadrimestres de cada mandato. De outro modo, não há meios de o administrador público atender a despesas desse lapso temporal e mais o estoque de Restos a Pagar incorrido antes da vigência da LRF; do contrário, as gestões haveriam de produzir superávits orçamentários em nível equivalente à herança negativa que proveio da sobredita época anterior, progresso esse que, objetivamente, não se impõe em norma geral de direito financeiro.

Naturalmente, os tais antigos débitos já devem ter sido todos pagos, mas, até mesmo por isso, os mais recentes Restos a Pagar podem ainda não contar com disponibilidade monetária.

Nesse passo, o controle do art. 42 é assim realizado no TCESP:

Para o primeiro período (posição em 30 de abril do último ano de mandato)

Empenhos a Pagar e Restos a Pagar (liquidados)

(-) Disponibilidades de Caixa (Caixa e Bancos)

(+) Reservas financeiras do regime próprio de previdência e valores atrelados a retenções extra-orçamentárias.

(=) Dívida Líquida de Curto Prazo em 30 de abril

Para o segundo período (posição em 31 de dezembro do último ano do mandato)

Restos a Pagar (liquidados)

(-) Disponibilidades de Caixa

(+) Reservas financeiras do regime próprio de previdência e valores atrelados a retenções extra-orçamentárias

(=) Dívida Líquida de Curto Prazo em 31 de dezembro

Desde que a dívida líquida de 31.12 seja maior que a de 30.4, claro está que, nos tais oito meses, houve compromisso de despesa sem cobertura de caixa. Eis o não-atendimento ao art. 42 da LRF, que, por si só, aqui enseja parecer desfavorável às contas do Chefe do Poder Executivo. Bem por isso, em anos eleitorais, cresce muito a recusa de contas de Prefeitos, sem embargo de remessa dos autos ao Ministério Público, por tipificação do art. 359-C do Código Penal.

Ao revés e em situação de queda da tal dívida, resta patente que, naqueles oito meses, as despesas assumidas contaram todas com disponibilidade de caixa. Eis o cumprimento do art. 42 da LRF.

Feitas essas considerações e ao contrário da dicção esposada por alguns estudiosos da matéria, entendemos nós que o sobredito cálculo alcança a despesa empenhada e liquidada naqueles dois quadrimestres e, não, o gasto que será executado apenas nos anos seguintes. De fato, um dos principais consultores na discussão legislativa do projeto de LRF, o hoje Auditor do TCU, Prof. Wéder de Oliveira, assim sustenta: "se estivermos falando de obra plurianual, ou seja, que deva ser objeto de alocação de recursos em mais de um orçamento anual, o Prefeito não estará obrigado a prover recursos financeiros para pagar a parcela da obra que será executada com dotação do orçamento seguinte" (in: "O artigo 42, a assunção de obrigações no final de mandato e a inscrição em Restos a Pagar". Brasília, 2000, disponível no site www.federativo.bndes.gov.br).

Confirma essa nossa tese o Projeto de Lei de Qualidade Fiscal:

Art. 74. Para efeito do disposto no art. 42 da Lei Complementar no101, de 2000, considera-se contraída a obrigação no momento da formalização do contrato administrativo ou instrumento congênere.

Parágrafo único. No caso de despesas relativas à prestação de serviços já existentes e destinados à manutenção da administração pública, consideram-se compromissadas apenas as prestações cujos pagamentos devam ser realizados no exercício financeiro, observado o cronograma pactuado.


4.O enfrentamento da dívida de longo curso – precatórios judiciais e parcelamento da dívida previdenciária.

Em linhas anteriores, já se falou que o entrave fiscal do Município ainda reside na dívida de curto prazo, ou seja, o chamado déficit de caixa (financeiro), para o qual o novo ordenamento fiscal não impõe limites; só o faz para o endividamento de longo prazo (120% da receita corrente líquida).

De outra parte e malgrado sua menor participação, há, sim, dívida de longo curso (consolidada) no passivo de grande parte das Comunas, integrada, de forma majoritária, por dívida confessada junto ao INSS e fundos que localmente operam regimes de previdência e, também, por precatórios vencidos e não-pagos ou em fase de quitação parcelada.

Quanto às pendências judiciais e obviamente antes da Emenda Constitucional nº 62, de 2009, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, após vários avisos aos jurisdicionados, passou a recusar contas que, em cada ano civil, não pagam 100% do valor do último mapa orçamentário do Tribunal de Justiça (precatórios novos) e mais 10% do saldo constituído em anos anteriores.

Atendidas as sobreditas parcelas, o Município estará satisfazendo à norma constitucional (art. 100, § 1º) e a basilar escopo de responsabilidade fiscal: a redução progressiva da dívida governamental.

Nessa trilha, falha relevante para o TCESP é a de não contabilizar precatórios antigos; vencidos e não pagos. Eis aqui um dos chamados "esqueletos fiscais", ou seja, a ocultação de passivo que distorce resultados patrimoniais e o basilar princípio da evidenciação contábil (art. 83 da Lei nº. 4.320, de 1964).

No caso, não é demais lembrar que, segundo normas internacionais de auditoria, a falta de fidedignidade dos balanços, é desacerto que, por si só, enseja o parecer desfavorável.

Também, aqui se recomenda que deve a Contabilidade abrir subconta específica no escopo de os precatórios não se agregarem, de forma indistinta, em itens genéricos e de baixa transparência dos balanços, como, por exemplo, "Restos a Pagar" ou "Obrigações de Longo Prazo".

Quanto ao outro passivo que muito pesa na dívida consolidada municipal, não poderíamos deixar de comentar o endividamento previdenciário.

Quer destinada ao órgão municipal que administra o regime próprio de previdência, quer dirigida ao Instituto Nacional de Previdência Social – INSS, a falta de repasse das quotas patronais e funcionais aumenta, consideravelmente, a dívida municipal; compromete futuros orçamentos e, a agenda de programas governamentais, sem embargo de resultar várias e muitas sanções aos Municípios e, no caso do não-recolhimento da parcela dos segurados, tipifica crime de apropriação indébita (Lei nº. 9.983, de 2000).

Por tais motivos, eis aqui mais um motivo para o parecer desfavorável do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo: o não-recolhimento previdenciário ao INSS ou aos regimes próprios de previdência.


5.O adequado cálculo da despesa de pessoal

Inova a Lei de Responsabilidade Fiscal ao prescrever que o limite e o controle do gasto laboral dêem-se no círculo restrito de cada Poder estatal; que os Tribunais de Contas alertem o Chefe de Poder quando tal despesa supera 90% do limite; que haja um freio prudencial, cautelar, para o dispêndio com recursos humanos e também que, no cálculo de tal dispêndio, haja agregação dos contratos de terceirização que substituam mão-de-obra

O teto percentual do Executivo também comporta as entidades da Administração indireta. Dito de outra maneira, não há limites específicos para autarquias, fundações ou estatais dependentes. Assim, pode uma autarquia estar gastando, com pessoal, 98% de sua receita, desde que, na consolidação de todo o Poder Executivo, o percentual situe-se abaixo dos 54% (Município) ou 49% (Estado), incidentes ambos sobre a receita corrente líquida.

Verificado excessos por parte daquelas entidades descentralizadas, sugere o Tribunal Paulista de Contas que, na melhor norma própria de direito financeiro: alei de diretrizes orçamentárias, a esfera de governo oponha limites específicos ao dispêndio laboral de autarquias, fundações e estatais dependentes.

Ainda, para o TCESP, despesa de pessoal não deve nunca ser vista em números absolutos, nominais, monetários, mas, sim, como uma relação percentual havida em 12 meses, figurando, no numerador, o montante do gasto laboral; no denominador, a receita corrente líquida (DP/RCL).

Nesse cenário, não há de se falar em despesa de pessoal de um mês, de três ou seis meses, mas, tão-só, de doze meses. E nem poderia ser de outra forma, vez que a base de comparação – a receita corrente líquida – é também um consolidado de doze meses.

Em tal linha de entendimento, a vedação para aumentar despesa de pessoal nos últimos 180 dias do mandato, essa regra fiscal é aqui vista em nível percentual. Por isso, no exame do art. 21, parágrafo único da LRF, aumentar gasto de pessoal é o mesmo que incrementar seu percentual frente à taxa verificada no mês-base da comparação: junhodo último ano da gestão. Assim, se houver, naquele período de vedação, aumento na base do cálculo – a receita corrente líquida – poderá haver proporcional engrandecimento da despesa laboral, sem que nisso haja transgressão à regra fiscal.

Não obstante essa tese e à vista das oscilações autônomas na folha de pagamento e na receita, por medida de cautela, recomenda o TCESP que, naqueles últimos 180 dias, um inevitável aumento da despesa laboral seja compensado, de pronto, com cortes em outras rubricas de pessoal (ex.: contratação temporária de motoristas de ambulância compensada pelo corte, parcial ou total, de horas extras, de gratificações, entre outras possibilidades).

De sua parte, o art. 18 da LRF bem detalha despesas tidas de pessoal. São os vencimentos, os proventos da inatividade (aposentadorias e pensões), os subsídios dos que exercem mandatos eletivos, as vantagens funcionais, as horas extras, bem como os encargos sociais (INSS, FGTS, PASEP e os recolhimentos patronais ao regime próprio de previdência).

Nessa trilha, sobredita norma detalha, à exaustão, as espécies remuneratórias; contudo, menção não fez às categorias indenizatórias. Nessa condição, o auxílio-moradia, o vale-refeição, as diárias, a cesta básica, o vale-transporte, tudo isso não se agrega à remuneração, escapando, portanto, dos limites fiscais da despesa de pessoal. De fato, sobre tais vantagens não incide o Imposto de Renda.

De outra parte, o PASEP é aqui visto como encargo social, apesar de onerar a receita e, não, a folha de pagamento. É assim, pois malgrado as alterações da vigente Constituição, o PASEP continua beneficiando o servidor público: o que ganha menos de dois salários mínimos e o involuntariamente demitido (art. 239 da CF). Assim, a finalidade do recurso evidencia sua natureza: o de uma obrigação patronal voltada, em boa parte, à previdência social (outro quinhão do PASEP financia o seguro-desemprego). Além do mais, o Tribunal Superior do Trabalho acolhe a exegese de que o PIS/PASEP é uma obrigação patronal de natureza trabalhista.

No cálculo do dispêndio com o fator trabalho, a LRF enfatiza o regime de competência da despesa (art. 18, § 2º). Em suma, o gasto passa a ser apurado, contabilizado, quando efetivamente liquidado (mês trabalhado), independentemente da data em que se consumará o pagamento. Ante tal quadro, não se justifica empenhar (e, contabilizar) a folha salarial no ano vindouro, só porque nesse haveria o efetivo desembolso de caixa. Tal manobra visa melhorar, artificiosamente, o resultado da execução orçamentária e, em ano eleitoral, esquivar-se dos rigores do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para retificar tal impropriedade, nosso relatório de auditoria prevê o ajuste no campo da despesa, anotando-se, contudo, que, ano seguinte, o tal gasto seria subtraído do Balanço Orçamentário, porquanto uma mesma despesa não pode nunca onerar dois exercícios financeiros.

Antes já se disse: inova a LRF ao embutir, tal qual despesa de pessoal, os contratos de terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de servidores governamentais (art. 18, § 1º). Nessa aferição, há de se ver: as contratações que visam produto determinado, certo, acabado, sem que para isso haja qualquer relação funcional, de subordinação, com a Administração, não se enquadram tais avenças nessa inovação da disciplina financeira, ou seja, continuam não sendo despesa de pessoal. Está-se aqui falando da terceirização de todo o serviço; não apenas da mão-de-obra, situação na qual o Poder Público delega ao particular encargo inequivocamente definido, sendo o empregado uma questão afeta, única e tão-somente, à esfera jurídica do particular, não interferindo, diretamente, no mundo administrativo.

Enfim, por tudo o que se disse neste artigo, haveremos de festejar a Lei de Responsabilidade Fiscal no seu 10º ano de vida.