Desporto: aspectos fundamentais e a livre circulação dos desportistas no âmbito comunitário


Pormarina.cordeiro- Postado em 20 junho 2012

Autores: 
SOUZA, Vitor Luiz Orsi de

Diante da produção normativa em matéria de desporto pelas federações e clubes dos Estados-membros da União Europeia, muitas vezes se acaba invadindo a esfera comunitária, ferindo o princípio da livre circulação dos trabalhadores.

SUMÁRIO: Introdução. 1. Histórico do desporto. 2. Noção de desporto. 3. Noção de desportista. 4. Contrato de trabalho desportivo. 5. Desporto e atualidade. 5.1 Desporto como fenômeno social. 5.2 Desporto como fenômeno econômico. 5.3 Desporto como fenômeno jurídico: direito desportivo. 6. Desporto na União Européia. 7. Liberdade de circulação dos desportistas na União Européia. 8. Caso Bosman: o divisor de águas. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA


Introdução[1]

Diante do atual contexto em que o desporto se encontra inserido, como um fenômeno da indústria cultural, em que pessoas, povos e países se unem em prol de uma competição, consideramos que seria importante trazer à baila alguns pontos relevantes deste produto da globalização.

Para tanto, abordamos os aspectos sociais, econômicos e jurídicos do desporto na atual conjuntura, identificando que o desporto é um remédio para muitas patologias das sociedades modernas[2].

Além disso, traçamos a evolução do desporto no âmbito da União Européia, verificando a sua construção normativa e as suas ações de encorajamento, ou de soft law (resoluções, recomentações, declarações, programas de ação, conclusões, códigos de conduta, comunicados etc) em prol de uma conciliação econômica, popular, pedagógica, social e cultural do desporto no âmbito do espaço único.

Ademais, tratamos de toda problemática que envolvia a liberdade de circulação dos desportistas no âmbito da União Européia, tendo comentado o acórdão Bosman que delineou os limites e alcance do princípio da livre circulação dos trabalhadores.

 

Ainda, não poderíamos deixar de analisar os assuntos comentados acima, sem antes investigar a evolução histórica do desporto, com o intuito de estabelecer um paralelo entre os objetivos e finalidades do passado com o presente.

Estudar-se-á, ainda, o conceito de desporto para que possamos identificar o que vem a ser a prática desportiva e consequentemente, o papel a ser desempenhado por um desportista.

Por fim, salientaremos o caráter especial do contrato de trabalho do desportista, na medida em que este nos dias atuais possui inúmeras peculiaridades, dada a curta carreira de um jogador etc.


1. Histórico do desporto

Resumidamente, o homem está interligado ao desporto, ou melhor, à atividade desportiva, desde os seus primórdios. Há registros da “prática do desporto” desde 2.700 a. C. pelos egípcios, quando era, na verdade, realizado com fins religiosos, de defesa pessoal e como prática e treinamento militar, com o intuito de demonstrar o potencial e a superiorioridade de um povo perante outro.

Neste sentido, foi somente na Grécia antiga que a prática desportiva ocupou um lugar de destaque na sociedade, na medida em que deixou o campo estritamente militar e passou a ser considerada importante para a destreza física, educação e, sobretudo, como forma de aprimorar o desenvolvimento individual, cultural e social dos indivíduos. Nesta época é que surgiram os Jogos Olímpicos[3].

Após um grande lapso temporal e tendo em vista a proliferação do cristianismo, que pregava a purificação da alma ao invés do corpo, o desporto entrou numa fase de declínio. Somente após o surgimento do humanismo (séculos XVI e XVII) é que ele retomou a sua trajetória de crescimento e de proliferação.

Sendo assim, foi só com a regulamentação do desporto pela Inglaterra, no século XIX, que se iniciou a fase desportiva da era moderna[4]. Com esta padronização das regras, houve a internacionalização dessa prática.

No entanto, a primeira metade do século passado, foi marcado por duas Guerras Mundiais (1914/1918 e 1939/1945), pela  Revolução Comunista (1917) e pela quebra da Bolsa de Nova Iorque (1929), as quais prejudicaram o avanço da prática desportiva em nível mundial, deixando-a estagnada até os idos de 1950. É nesse período que o desporto principia a fase do ideário olímpico, iniciando a profissionalização dos atletas e alertando os governos para as responsabilidades que possuem para a democratização do desporto para todas as camadas sociais[5].

Em decorrência desta longa e árdua caminhada, as décadas que se seguiram foram importantes para que o desporto deixasse de ser uma mera atividade recreativa para ser, em contrapartida, um espetáculo – uma companhia artística[6] (mercantilista), em que atletas se tornam astros e as partidas se transformam em shows[7].

Tudo isto, só foi possível com o auxílio da mídia que mobilizou o público para determinada apresentação e conseguiu movimentar este novo segmento econômico, em que grandes empresas disputam locais e minutos em favor da divulgação de suas marcas e produtos, fazendo, enfim,  do desporto, uma mercadoria da indústria cultural[8].


2. Noção de desporto

Desporto[9] significa, nos moldes do dicionário: “exercício físico praticado de forma metódica, individualmente ou em grupo e com diversos objetivos (competição, recreação, terapia, etc); divertimento; recreio”[10].

Do exposto, não conseguimos retirar grandes conclusões do que venha a ser exatamente desporto, pois não será com uma simples frase que conseguiremos definir um instituto tão complexo, abrangente e em constante mutação.

A par disso, devemos salientar a abordagem feita neste assunto pelo distinto Mestre André Dinis de Carvalho, o qual salienta que tal problemática já foi objeto de grandes discussões, sendo uma das mais importantes, o 1.° Congresso Internacional de Direito Desportivo, realizado na Itália em 1968, em que se discutiu sobre a conceituação do tema deste trabalho[11].

Neste sentido, muito foi acrescentado e pensado, sendo o Professor Gallardo, da Universidade de Madri, o que se encorajou e considerou que desporto significa:

“ação física e atividade intelectual sistemática organizada, e direta à iniciação, ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento das condições físicas e intelectuais de uma pessoa”.

Corroborando com tal definição, temos também a noção advinda da Carta Européia do Desporto, definindo no artigo 2.° o desporto como sendo:

“(…) todas as formas de atividades físicas que, através de uma participação organizada ou não, têm por objetivo a expressão ou o melhoramento da condição física e psíquica, o desenvolvimento das relações sociais ou a obtenção de resultados na competição a todos os níveis”[12].

Enfim, todas as conceituações aqui elencadas seguem o mesmo rumo, ou seja, consideram o desporto como sendo uma atividade física ou intelectual praticada individulamente ou em grupo com o intuito de requintar o intelecto e o físico[13].

Porém, de uma forma detalhada e muito bem elaborada, caracterizou o Dr. Ignacio Granado Hijelmo o desporto da seguinte forma:

“(…) um sistema dividido em seis partes, a saber: um sistema humano, um sistema físico, um sistema agônico, um sistema lúdico, um sistema plural e finalmente um sistema jurídico”[14].

Será um sistema humano, pelo fato do homem praticar a atividade desportiva por si só, as quais são decididas desde a sua “essência psico-somática”. Neste particular o autor salienta que a atividade que não for “psico-somática” não será considerada um desporto, citando como exemplos, a luta de galos, corridas de touros, columbofilia, radiomodelismo, aeromodelismo, body-jumping etc. Salienta o autor que tais atividades são denominadas filosoficamente como atos do homem, mas não atos humanos.

Nesta esteira, considera o autor o desporto como uma atividade física quando esta se cinge com o potencial corporal de seu corpo, como “sujeito do seu próprio soma”. Excluído ficou, portanto, o xadrez como desporto.

Será um sistema agônico, tendo em vista ser a prática desportiva uma atividade em que existe uma tensão que só se exterioriza na sua prática e se traduz num combate para consigo mesmo ou contra o seu concorrente. Com efeito, será considerado como um sistema lúdico, como o próprio nome já nos revela, por ser uma atividade que se faz por prazer e não com outro intuito. Porém, há controvérsias nesta classificação, pois considerar o desporto como mero jogo, não corresponderá com a atual realidade, pois vemos que o desporto dos nossos tempos, além de ser um jogo e um trabalho, é um negócio.

Ainda, a referida prática é um sistema jurídico, tendo em conta a sua formalização, uma vez que o desporto pressupõe um conjunto de atividades regulamentadas[15].

Entretanto, em consonância com a noção de desporto aqui estudada, pudemos observar a suas peculiaridades e dificuldades na sua conceituação, o que é bem salientado por Mario Sanino, o qual considera este contratempo, vez que o conceito de desporto se refere a: “vicissitudes várias e heterogêneas, dificilmente catalogáveis”[16].

Dada as peculiaridades do conceito e diante dos objetivos do presente estudo, abdicar-se-á da formulação de um conceito único do desporto.


3. Noção de desportista

Desportista, na acepção do termo, significa aquele que: “pratica ou se interessa por desporto; que aceita e obedece às regras do jogo; que manifesta desportivismo; pessoa que pratica desporto”[17].

Feita esta primeira introdução, deve-se salientar desde já que o desportista pode praticar a sua profissão de três formas distintas, a saber: nível amador, semi-profissional e profissional.

Dentro do nível amador, podemos dividí-lo ainda em outros dois grupos: desportistas substancialmente amadores e os formalmente amadores. Os primeiros são tidos como aqueles que exercem a sua atividade sem qualquer retorno financeiro. Estes praticam o desporto por mero prazer (ou “amor”) e para o seu bem-estar. Quanto aos segundos, são aqueles que recebem bolsas de estudo para a prática desportiva ou são aqueles que são reembolsados pelas despesas efetivamente realizadas para determinada partida[18].

Os desportistas semi-profissionais são aqueles que praticam o desporto como uma forma de “estágio”, que jogam na categoria juvenil dos clubes. São atletas que possuem entre 14 e 18 anos. Completando a maioridade, os mesmos passam para a categoria profissional, modificando conseqüentemente o seu contrato de trabalho.

Já os desportistas profissionais, superada a fase passada em que a prática desportiva era considerada por uma atividade lúdica, e por isso mesmo, nada de remuneração recebiam os desportistas, foi se modelando e se adequando para o contexto atual, em que o praticante é plenamente reconhecido como profissional e a sua atividade laboral, desde que sejam preenchidos os seguintes requisitos cumulativamente: a subordinação, o profissionalismo e a continuidade[19].

Preenchidos estes requisitos, caracterizado estará o desportista como um profissional (um trabalhador)[20], sendo a sua relação de trabalho formalizada por um contrato de trabalho desportivo – o qual será estudado pormenorizadamente no tópico seguinte.

Ainda, no que tange ao profissionalismo, há controvérsias em denominar como desportistas profissionais os treinadores e técnicos dos times.

Uns alegam que:  “(…) os treinadores colaboram na prática desportiva e o trabalho que prestam apresenta muitas semelhanças com o dos desportistas profissionais (…)”[21], apresentando certa similitude a prestação de trabalho feita pelo treinador em relação ao desportista profissional.

Porém, outros consideram que:

“(…) na relação que vincula técnicos e treinadores com clubes, não concorrem os pressupostos que caracterizam a relação especial dos desportistas profissionais (…) Ao contrário, deve-se enquadrá-la dentro da relação laboral comum (…)”[22].

Enfim, devemos reforçar que para nós o desportista profissional é somente aquele que não se limita a trabalhar, mas pratica a atividade física do desporto (joga), isto é, aquele que enfrenta o dia-a-dia dos treinos e dos jogos com o intuito de auferir remuneração. Consideramos ainda, que o desportista é aquele que trabalha jogando e joga trabalhando[23].

Como luva à mão considera o Dr. João Leal Amado que, no tocante ao desportista profissional: “(…) trata-se de um trabalhador, mas de um trabalhador sui generis! A relação de trabalho do praticante desportivo é uma relação eivada de particularidades, é uma relação especial, peculiar, atípica, singular (…)”[24].


4. Contrato de trabalho desportivo

Feitos os devidos comentários anteriores passaremos agora à análise do contrato de trabalho desportivo, sobre o qual:

 “ninguém, ou quase ninguém, ousava ligar prática desportiva e contrato de trabalho, hoje todos, ou quase todos, efetuam (ou, no mínimo, aceitam) tal ligação – o desportista pode ser sujeito, e o desporto objeto, de um genuíno contrato de trabalho”[25] [26].

Nestes moldes, podemos verificar que o contrato de trabalho desportivo é, por muitos, considerado um contrato especial ou “sui generis”, dadas as suas especificidades.

Corriqueiramente, num contrato de trabalho desportivo encontraremos cláusulas de natureza laboral, civil e comercial, em função das peculiaridades da profissão. Num contrato de trabalho desportivo, costuma-se incluir cláusulas atinentes ao direito de imagem, publicidade, patrocínio, normas de conduta e até mesmo cláusulas que invadem a esfera de intimidade e da liberdade do profissional[27].

Porém, não podemos deixar de esquecer que para caracterizar o respectivo contrato de trabalho, como qualquer outro, deverá haver os elementos essencias de quaisquer contratos de trabalho. Como elementos essenciais, podemos indicar a prestação de trabalho, em que o trabalhador terá uma obrigação de fazer, que se consubstancia na realização de uma atividade laboral[28]; uma retribuição, sendo uma obrigação do empregador de efetuar o pagamento do salário do empregado – prestação retributiva[29] e subordinação jurídica, a qual cabe ao empregador programar, organizar, dirigir e fiscalizar a atividade do trabalhador[30].

Além disso, o contrato de trabalho desportivo é sempre a termo[31], tendo em vista a natureza da profissão. Elucida João Leal Amado, afirmando que diante: “de uma profissão de desgaste rápido, que requer um apuro físico e uma condição atlética apenas compatíveis com a juventude (a prática desportiva profissional, como é sabido, poderá iniciar-se pouco antes dos 18-20 anos e raramente irá muito além dos 30 anos de idade)”[32].

Por outro lado, o fundamento mais plausível para que o contrato desportivo seja à prazo determinado seria a necessidade de se evitar uma:

 “(…) ‘guerra sem quartel’ entre os clubes/empregadores, numa concorrência desenfreada entre estes (movida sobretudo, pelos clubes mais poderosos àqueles que o são menos), numa espécie de player-raiding contínuo que seria extremamente nefasto para a regularidade e o bom andamento das competições e, em última análise, para o sucesso da indústria do desporto profissional: acelerar-se-ia o processo de concentração dos melhores praticantes nas equipes de maiores recursos financeiros, com o consequente aumento do desequilíbrio competitivo, desincentivar-se-ia o trabalho de formação de jovens desportistas, etc”[33].

Portanto, verificamos a necessidade do prazo determinado nos contratos de trabalho dos deportistas, como meio garantidor de um regular e justo campeonato, na medida em que se evita que a concorrência dos grandes clubes interfira no bom andamento das competições, como também para regular o mercado de trabalho desportivo.

Com efeito, devemos salientar que nem todos os desportos são passíveis de formalização num contrato de trabalho. Há casos, como no tênis, golfe etc, em que o contrato efetivado é o de prestação de serviços, devido à individualidade do desporto praticado sem ter relação laboral com uma equipe ou clube determinado. Ao contrário disso, será um contrato de trabalho os desportos de equipe, dentre os mais comuns se encontram o futebol, o handball, o vôlei e o basquete. Estes sempre se vincularão com um contrato contrato de trabalho, pois os deportistas praticantes dos desportos coletivos dependem de outros atletas e de um clube (empregador) para que possam efetivar/desenvolver o seu trabalho[34].

 

5. Desporto e atualidade

Na mesma linha de raciocínio que foi até aqui desenvolvido, verificamos que o desporto passou logo de um simples passatempo para ser considerado uma atividade econômica muito rentável e de primeiro plano.

Para tanto, basta termos em conta os orçamentos dos grandes times de futebol da atualidade[35], das equipes de Fórmula Um, da rentabilidade advinda das loterias desportivas, quanto também das tarifas publicitárias cobradas pelos clubes ou pelas redes de televisão para divulgar determinado produto ou marca ou transmitir determinado torneio.

Neste compasso, verificamos que o desporto toca, direta ou indiretamente, setores tão diferentes como a educação, a imprensa[36], o audiovisual, as apostas ou as infra-estruturas[37].

Bem reflete esta realidade a ponderação feita pelo Professor Álvaro Melo Filho de que:

“o desporto é uma atividade que impregna a cultura moderna e ávida quotidiana como um dos pontos de referência e convergência do modus vivendi do brasileiro. Como atividade, o desporto tem uma complexa natureza, pois é paixão para os espectadores, divertimento para os que praticam como lazer, profissão para os que disputam como competição, negócio para os particulares que o exploram e obrigação/investimento para o Estado”[38].

Sendo assim, em que pese a afirmação do respectivo autor ser muito pertinente, devemos refletir que esta realidade que ele prega não é só restrita ao povo brasileiro, mas, muito pelo contrário, extensiva aos demais povos do mundo.

Prova disso são os dados da pesquisa que a FIFA (Federação Internacional do Futebol) realizou no ano de 2001, na qual se constatou que aproximadamente 240 milhões de pessoas praticam o futebol por todo o mundo regularmente[39].

Derradeiramente, cabe aqui referir que hoje o desporto, além de de possuir as característica aqui elencadas, é um meio de diplomacia internacional, visto que ele se insere no centro da vida internacional.

Nesta esteira, vale citar Pierre Milza, que afirma que o desporto na atualidade é:

“Fenômeno de massa, extenso nos nossos dias à escala do planeta, atravessando por todas as ideologias do século, indicador do ‘poder’ e do ‘declínio’ das nações, ora revelador ora manipulador do sentimento público, integrado em estratégias ofensivas e defensivas dos Estados, substitutos da guerra e instrumento da diplomacia, o desporto está no centro da vida internacional (…)”[40].

5.1 Desporto como fenômeno social

No tocante ao desporto ser hoje um dos grandes propulsores da economia capitalista em que vivemos, ele se mantém como importante elo entre o Estado e o povo.

Isto é verificado quando o Estado utiliza o desporto como instrumento de promoção de determinada ideologia política, como autopromoção em nível internacional[41], como elemento de paz[42], como meio para conquistar prestígio e orgulho nacional[43].

Enfim, o desporto possui uma característica única de convergir ideologias e interesses completamente antagônicos em uma convivência pacífica e harmoniosa. Prova disso, seria a união de países que historicamente sempre foram rivais, mas que, mesmo assim, se unem em prol de um torneio ou de um campeonato, na busca de uma vitória pacífica.

A essas peculiaridades, o desporto contribui sobremaneira para a inserção e integração social, incentivando os intercâmbios culturais e criando empregos[44].

Contudo, não podemos deixar de esquecer que o desporto, conforme bem salientou Álvaro Melo Filho, está inserido em várias vertentes estruturais da sociedade. Podemos notar a sua presença no âmbito cultural/educacional[45], no político, no da saúde. Diante disso, concluiu o referido autor:

“(…) Vale dizer, a vida institucional do desporto já não pode andar indiferente aos homens e à própria Constituição do país, na medida em que o desporto, tábua de fatos sociais altamente valorizados, não se revela apenas como movimento social de massa, mas também como uma contínua manifestação da vida cultural, atuando na atmosfera social da Nação e integrando a vida de seu povo, como parte inseparável dos programas de desenvolvimento educacional, social e de saúde”[46].

5.2 Desporto como fenômeno econômico

Refletindo o desporto como fenômeno econômico, podemos destacar que ele é um dos grandes canalizadores de investimentos e de geração de lucros.

Isto só é possível tendo em conta a sua profissionalização e o papel desempenhado pela mídia, levando o desporto para dentro da casa de milhões de telespectadores[47].

Podemos considerar que estes dois fatores foram o estopim para que a indústria do entretenimento, à qual o desporto está estritamente ligado, saltasse economicamente.

Tal fato pode ser atestado pelos dados estatísticos que confirmam nossa posição. Atualmente a indústria desportiva movimenta no mundo algo em torno de US$ 1 trilhão ao ano.

Nos EUA a indústria do esporte gera US$ 613 bilhões por ano, representando 6,7% do PIB (é a primeira indústria do país, à frente da indústria automobilística). No Brasil, esta indústria movimenta US$ 31 bilhões anuais e representa 3,3% do PIB. Na União Européia, esta indústria movimenta algo semelhante aos EUA[48].

Corroborando com as anteriores assertivas, faz sentido a afirmação do Dr. João Leal Amado de que “o desporto constitui nos dias atuais uma atividade econômica de considerável relevo”. Completa afirmando que:

“Todos falam – uns com entusiasmo, outros com resignação, outros com revolta - na imparável comercialização do desporto, na crescente submissão deste à implacavável lógica do capital, na inexorável empresarialização, mercantilização e mediatização do fenômeno desportivo, no consumadíssimo casamento entre desporto e capitalismo, com o consequente nascimento de uma autêntica indústria capitalista do desporto, etc ”[49].

Não podemos, portanto, olvidar que estamos vivendo a era do “sport business”[50] [51].

Todavia, devemos ficar atentos e tomar certas medidas para que o desporto não perca suas iniciais características – social e educativa, em prol da lógica do mercado, pois se isso acontecer estará o desporto perdendo o seu encanto e o seu fim[52].

5.3 Desporto como fenômeno jurídico: direito desportivo

Como já restou analisado, o aumento da popularidade do desporto, a sua internacionalização e o seu desenvolvimento sem precedentes na dimensão econômica, fez com que alguns considerassem o último século como sendo o “século do desporto”.

Diante desta realidade, muitos problemas, tendo em vista esta desenfreada evolução, foram e vão surgindo.

Em vista disso, para haver um certo controle das regras do desporto, sem que este perdesse a sua peculiar magia, houve pela Inglaterra no início do século passado a sistematização de certos jogos populares para que estes fossem praticados por quaisquer pessoas, em qualquer local do mundo. Assim, a partir da institucionalização das regras de várias modalidades desportivas, podemos afirmar que nascia o direito desportivo.

Hoje, o direito desportivo é mais um ramo do direito, em que há uma confluência das normas de direito público (estaduais ou supra-estaduais – comunitárias) com as normas do direito privado (regulamentos elaborados pelas entidades, clubes e federaçãoes desportivas).

Com efeito, como bem salienta o  Dr. João Leal Amado:

“O estreitamento das relações entre direito (estadual) e desporto revela-se, aliás, como facilmente se compreenderá, uma consequência inevitável do processo de profissionalização e comercialização a que este último foi, e continua a ser, submetido”[53].

Com feições de conclusão, vale ponderar que: “comercialização + mediatização + profissionalização = juridificação”[54].


 6. Desporto na União Européia

Segundo dados da Comissão Européia de 1999, até os anos 50 o desporto europeu estava em fase embrionária, na medida em que ele estava associado às equipes e aos representantes nacionais. Neste sentido, somente as equipes e os indivíduos que representavam o seu país é que participavam das competições internacionais. Como exemplo, podemos citar o Campeonato Mundial de Futebol realizado em 1930.

Logo depois, após a Segunda Guerra Mundial, o desporto europeu começou a dar os primeiros passos para a era moderna, pois, a partir de então os países europeus perceberam a importância da prática desportiva como veículo de promoção e manutenção da paz.

Neste compasso, foi só em 1954 que os clubes europeus iniciaram as primeiras competições entre si, por meio da fundação da UEFA (União das Confederações de Futebol Européias)[55], a qual contribuiu muito para o aumento da popularidade do desporto – futebol.

Analisando isso, com a formação da Comunidade Econômica Européia (1957), em que se tem o início de um longo processo de integração do povo europeu, nenhuma ação específica no âmbito do desporto foi feita. Somente em 1997, com a assinatura do Tratado de Amsterdã, é que o desporto teve algum tratamento, quando ele foi referenciado na Declaração relativa ao Desporto[56] anexa ao respectivo Tratado. Porém, o desporto nesta oportunidade só foi referenciado com uma natureza meramente programática e política[57], mas que pode ser considerado o embrião de uma futura política desportiva na União Européia[58] [59].

Além desses relatos, não podemos deixar de citar a importância do Relatório Adonino de 1985, o qual sensibilizou o cidadão europeu da sua pertença à Comunidade através do desporto, introduzindo-se programas e manifestações de cunho desportivo. Ainda, a Declaração de Amsterdã, o Relatório Helsínque e a Declaração do Conselho Europeu de Nice contribuíram muito para mudança da ótica do conceito tradicional do desporto como um meio de intervenção a outras políticas, sublinhado-se sobremaneira a função social do desporto e o seu papel como meio aplicador de uma política comunitária.

Nos dias de hoje, diante do crescente debate sobre a integração específica do desporto no direito comunitário, o mesmo tem sido pauta em muitas conferências e objeto de muitos relatórios. Além disso, o desporto só é considerado como tal no âmbito comunitário, quando este possuir natureza econômica, nos moldes do artigo 2.° do Tratado da UE[60].

Cumpre observar, então, que o desporto se tornou um “meio de transcender a diversidade das nações, das culturas e regimes, oferecendo um meio de encontro entre países e entre homens, exercendo assim um papel de integração” [61], nos moldes do acentuado no Documento-quadro que discutiu a especificidade do desporto em 2000 em Lille[62].

No entanto, o desporto mereceu destaque na futura Constituição Européia, nos artigos I-17 e no III-282, passando este a constar de uma competência complementar da União Européia, a qual deverá impulsionar  as políticas atinentes ao mesmo, tudo em benefício de uma aprimorada integração dos povos, em benefício da consolidação da cidadania européia.

Ocorre que esta nova competência inserida na futura Constituição Européia apenas delimita o papel da União em apoiar, coordenar e complementar a legislação desportiva dos Estados-membros, nada além disso. Não caberá à União neste compasso, intervir na esfera de competência dos Estados-membros para que estes harmonizem as suas legislações.

Em conformidade com isto, não podemos deixar de referir que o desporto possa representar um meio de realizar plenamente a cidadania européia, pois a migração dos desportistas para outro Estado-membro em busca de um ideal ou de melhoria das condições financeiras e sociais, sem quaisquer entraves ou discriminações, demonstra a importância do compromisso da União Européia em garantir o direito de livremente circular e trabalhar no espaço europeu de integração.

Porém, não poderíamos deixar de citar que diante da produção normativa em matéria de desporto pelas federações e clubes dos Estados-membros, muitas vezes se acaba invadindo a esfera comunitária, ferindo o princípio da livre circulação dos trabalhadores, uma vez que estas entidades acabam por regulamentar o acesso de um jogador a um clube que se encontra em Estado-membro diverso do mesmo, impedindo e inviabilizando o seu acesso ao emprego - o que será melhor desenvolvido no tópico seguinte.

7. Liberdade de circulação dos desportistas na União Européia

É bem verdade que a produção normativa em matéria desportiva feita pelas entidades[63] responsáveis pela organização desportiva, muitas vezes delimita e condiciona a prática desportiva (trabalho) de um profissional com regras que obstaculizam a sua livre circulação, mantendo-o, muitas vezes, num “cárcere”.

Tendo em vista esta diversidade normativa em matéria desportiva e as suas conseqüências desastrosas para os trabalhadores, foi crucial para a evolução da livre circulação, o Regulamento 1612/1968[64] do Conselho Europeu que, no artigo 1.°[65], conceituou e delimitou a livre circulação dos trabalhadores.

Ademais, de muita valia foi a definição de trabalhador assalariado no sentido que é atribuído pelo artigo 39 do Tratado, pela prática jurisprudencial que considera que o mesmo engloba todos os sujeitos que, seja com que denominação for, se encontrem cobertos pelo sistema de segurança social do Estado em que estejam.

Com efeito, papel fundamental para esta evolução cumpriram os acórdãos Bosman, Deliège e Lehtonen, que, genericamente, lutaram contra as federações e clubes a que estavam vinculados, tendo em conta as violações que estavam sendo praticadas por estas entidades em matéria de circulação dos trabalhadores.

Afinal, a liberdade de circulação dos trabalhadores (desportistas no caso) constitui um dos direitos fundamentais da cidadania européia, na medida em que este supõe uma total dissolução do conceito de “nacionalidade”, tal como o mercado comum exige[66]. E, como tal, é faculdade de um nacional de um Estado-membro (ou outro país que esteja incluído no regime comunitário de liberdade de circulação[67]), poder invocar o artigo 39[68] do Tratado da União Européia, quando se tenha deslocado para outro Estado-membro.

 

Logo, quaisquer trabalhadores da União Européia gozam da liberdade de circulação, não podendo experimentar nenhuma diferença de tratamento no que diz respeito ao acesso ao emprego ou às condições de trabalho, bem como à proteção social em relação aos nacionais do Estado-membro para o qual se deslocou[69], sendo corolário do princípio da igualdade de tratamento[70] disposto no artigo 12 e formalizado nos artigos 39 e 42 do Tratado da União Européia.

Nesta esteira, vale referir a conclusão de Francisco Liberal Fernandes, o qual expressa que:

“Decorre, de uma forma inequívoca, dos acórdãos Kraus, de 31.3.93, e Gebhard de 30.11.95, o entendimento de que o art. 39.° do Tratado (…) é incompátivel com qualquer medida nacional suscetível de entravar, tornar menos atraente ou desencorajar, ainda que potencialmente, os trabalhadores migrantes a exercer o direito de livre circulação, mesmo que a respectiva previsão ou aplicação se processe sem distinção de nacionalidade”[71].

Portanto, a partir deste entendimento e do aproveitamento da decisão do Tribunal de Justiça nesta matéria, verificamos que o cidadão comunitário que desejar exercer a sua profissão em outro Estado-membro estará apadrinhado pelas normas comunitárias[72] que lhe asseguram a livre circulação e igualdade entre os cidadãos nacionais do Estado onde ele for exercer a sua profissão.

Concernente à relação entre o princípio da liberdade de circulação dos trabalhadores e o da igualdade, verificamos que ambos se completam e se complementam, pois, conforme bem salienta André Dinis de Carvalho, a exclusão de qualquer discriminação[73] não é mais do que um meio privilegiado para favorecer a livre circulação de pessoas e mercadorias[74]


8. Caso Bosman: o divisor de águas

Imperioso, desde o início frisar, que, nos termos que já salientamos anteriormente, o acórdão Bosman[75] foi o marco de uma nova era para o futebol profissional como também para os demais desportos, na medida em que o Tribunal de Justiça das Comunidades, ao decidir a demanda, acabou por retirar todos os obstáculos que eram postos pelas entidades reguladoras do futebol, dando oportunidade para que os atletas profissionais tenham a total liberdade de circulação, fazendo jus ao preceituado no Tratado da União Européia.

Para um melhor e pormenorizado entendimento, iremos elencar os principais fatos e argumentos que foram elaborados pelas partes e pelo Tribunal de Justiça para o proferimento deste célebre e histórico acórdão.

Primeiramente, devemos salientar que o belga Jean-Marc Bosman, jogador profissional de futebol, em demanda perante a sua jurisdição nacional, invocou o direito comunitário a seu favor, alegando que as regras de transferência de jogadores e a limitação de estrangeiros em clubes nacionais praticadas pela Associação Belga de Futebol (URBSFA), a Confederação Européia de Futebol (UEFA) e pela Federação Internacional do Futebol (FIFA) seriam incompátiveis com o disposto nos artigos 48, 85 e 86 (atuais artigos 39, 81 e 82) do Tratado.

Nesta esteira, Bosman era vinculado ao Royal club liégeois S.A. (RC), clube belga de primeira divisão. No entanto, seu contrato com este clube expirou em 30 de Junho de 1990 e o mesmo propôs ao jogador um novo contrato, mas oferecendo ao mesmo o valor mínimo estabelecido pela URBSFA.

Descontente com tal proposta, o jogador foi inscrito na lista de tranferências, tendo sido contratado pelo clube francês de segunda divisão, o SA d’économie mixte sportive du littoral de Dunkerque (Dunquerque) em 30 de Julho de 1990.

Ocorre que, para a formalização da transferência e a contratação do jogador, o clube interessado no mesmo deveria pagar uma indenização de transferência ao seu antigo clube empregador – o que é chamado de pagamento pelo “passe” do jogador.

Com efeito, o Dunquerque manifestou interesse na transferência do jogador e logo foi negociar com o RC. Porém, esse, duvidando da capacidade financeira do Dunquerque em termos de pagamento do preço acordado para a tranferência do jogador e a respectiva indenização (passe), o RC não concluiu as negociações, não solicitando junto à URBSFA o documento indispensável para a sua transferência.

Bosman, entretanto, ficou impossibilitado de exercer sua profissão, pois não estava vinculado e nem podia estar a nenhum clube.

Inconformado com tal situação, o atleta intentou uma ação junto ao Tribunal de Première Instance de Liège contra seu ex-time RC Liège, pleiteando uma indenização, correspondente ao valor dos seus sálarios que receberia pelo clube francês, caso fosse transferido.

O Tribunal de Liège acatou parcialmente o pedido, condenando o clube belga ao pagamento de uma quantia inferior ao postulado pelo atleta. No entanto, apesar da vitória, o jogador acabou por sofrer um boicote da parte de todos os clubes europeus que poderiam contratá-lo.

Não satisfeito, em sede de recurso, Bosman voltou-se contra a UEFA, demandando esta entidade para acabar com a aplicação das regras de transferência e as cláusulas de nacionalidade, pois estas obstavam a sua livre circulação no âmbito comunitário.

Vale frisar, que as cláusulas de nacionalidade que mencionava era o sistema “3+2”, em que limitava os jogadores estrangeiros por clube europeu. Este sistema previa o limite dos clubes de alinhar para uma partida o máximo de três jogadores estrangeiros acrescido dois jogadores “assimilados”, sendo estes aqueles que tenham jogado no país por um período ininterrupto de cinco anos, dos quais três anos desses cinco, o mesmo deveria ter jogado nas camadas jovens - juniores.

No entanto, o Tribunal belga ao efetuar o reenvio prejudicial ao TJ/CE, acerca da interpretação dos artigos invocados, questionando se um clube de futebol poderia exigir e receber o pagamento de um montante em dinheiro pela contratação (passe), por um novo clube empregador, de um dos seus jogadores cujo contrato tenha chegado ao seu termo e se as associações ou federações desportivas nacionais e internacionais poderiam prever, nas respectivas regulamentações, normas limitativas do acesso dos jogadores estrangeiros cidadãos da Comunidade Européia às competições que organizavam.

Com efeito, o Tribunal de Justiça das Comunidades, respondeu negativamente estas duas questões, asseverando que a aplicação das disposições relativas à livre circulação dos trabalhadores não requer seja o empregador denominado empresa, sendo necessário apenas a existência de uma relação de trabalho; que as regras de transferência de jogadores diz respeito não apenas às relações entre clubes, mas também aos jogadores, pois reflete em na sua condição de emprego, sobretudo no acesso ao trabalho; que a atividade desportiva enquadra-se como econômica, na acepção do (então) artigo 2.° do Tratado, bastando para tal que um jogador profissional ou semi-profissional de futebol exerça uma atividade assalariada ou efetue prestações de serviços mediante retribuição; que a liberdade de associação deve ser respeitada, todavia, não será necessário para tal proteção, sejam necessárias impor regras que entravem outras liberdades protegidas pela Comunidade (liberdade de circulação dos trabalhadores e a não-discriminação em razão da nacionalidade).

Por outro lado, devemos ressaltar que o Tribunal não se manifestou sobre a aplicação sobre dos artigos 85 e 86 (atuais 81 e 82) relativos à concorrência, afirmando que tal não seria necessário, uma vez que as regras relativas à limitação do número de estrangeiros (sendo uma prática concertada) e as indenizações de transferência foram definitivamente abolidas pelo Tratado, logo também abolidas no mercado de trabalho desportivo comunitário[76].

Em suma, o Tribunal de Justiça das Comunidades decidiu a demanda em três pontos fundamentais:

1-                                                “O artigo 48.° do Tratado CEE opõe-se à aplicação das regras adotadas por associações desportivas nos termos das quais um jogador profissional de futebol nacional de um Estado-membro, no termo do contrato que o vincula a um clube, só pode ser contratado por um clube de outro Estado-membro se este último clube pagar ao clube de origem uma indenização de transferência, de formação ou de promoção.

2-                                                O art. 48.° do Tratado CEE opõe-se à aplicação das regras adotadas por associações desportistas nos termos das quais, nos encontro por elas organizados, os clubes de futebol apenas podem fazer alinhar um número limitado de jogadores profissionais nacionais de outros Estados-membros.

3-                                               O efeito direto do art. 48.° do Tratado CEE não pode ser invocado em apoio de reivindicações relativas a uma indenização de transferência, de formação, ou de promoção que, na data do presente acórdão, já tenha sido paga ou seja devida em execução de uma obrigação nascida antes desta data, exceto se, antes desta data, já tiver sido proposta ação judicial ou apresentada reclamação equivalente nos termos do direito nacional aplicável”.

Contudo, a partir do decidido neste acórdão, em 5 de Março de 2001, a FIFA, UEFA e a Comissão Européia reuniram-se para negociar sobre o sistema de transferências. Não se tratou de suprimir nem de substituir o sistema de transferências, mas pretendeu-se apenas melhorá-lo, a fim de garantir a sua compatibilidade com o direito comunitário, com o princípio da livre circulação dos trabalhadores e com o direito da concorrência[77], na ânsia de se alcançar um “mercado comum desportivo”.

Conclusão

Diante do narrado, verificou-se que o desporto está estritamente ligado cultural e economicamente com a sociedade.

Verificou-se também, que a indústria do entretenimento, a qual o desporto está vinculado tem crescido vertiginosamente, sendo um grande componente econômico de um país.

Para tanto, não podemos deixar que o desporto, diante desta nova realidade, perca a sua originalidade e suas funções, de ser um componente cultural, social, educativo, lúdico e saudável, para abrir espaço a cruel lógica econômico-financeira da indústria do espetáculo.

Esta realidade está presente em todos os desportos, mas principalmente no mundo do futebol de alta competição, em que o elevado número de clubes e patrocinadores, acabam por influenciar e contribuir para a deterioração da imagem a que o desporto sempre esteve vinculada.

Ao longo do estudo, porém, verificamos que o desporto vive em constante mutação. Ele é sinônimo de cultura, de progresso, de saúde, de educação, de fraternidade ao mesmo tempo em que é sinônimo de industrialização e modernização.

Vale salientar, ainda, que o desporto não pode e nem deve ficar a mercê de grandes grupos e de federeções desportivas que limitam e obstam a liberdade de um jogador, sob o pretexto de manter a regras do campeonato.

Contudo, observamos que o TJ/CE diante do acórdão Bosman, expôs a sua posição de supressão à quaisquer limitações a livre circulação dos desportistas na União Européia, uma vez que adotando este tipo de postura estará fazendo jus a idéia de cidadania.

Importa comentar que todos os países-membros da UE reconhecem a importância do desporto e as suas especificidades. Porém, muitos abordam o tema de forma descontínua e reativa, concedendo um lugar residual na agenda de políticas públicas -  o que é uma pena.

Exemplo deste tipo de atuação, emana das próprias instituições européias, que ao adotarem medidas e políticas no âmbito desportivo, acabam por fazer através da adoção inúmeros conceitos jurídicos indeterminados, como sendo seus objetivos: “contribuir”, “favorecer”, “apoiar”, “complementar”, “fomentar”, “reforçar” ou “relançar”.

Ocorre que, não será através deste tipo de abordagem e através de regulamentos, resoluções, recomendações, declarações, programas de ação, conclusões, códigos de conduta, comunicados etc, que a União Européia conseguirá atingir um modelo ideal do desporto.

Somente com um política conjunta entre os Estados-membros, adotando uma verdadeira política desportiva no âmbito de seus territórios é que se deixará de lado o atual modelo de “euro-desporto incolor e inodoro[78]” em prol de um igualitário e uniforme modelo europeu do desporto.


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Notas

[1] Ressalta-se que o presente estudo foi desenvolvido em português (brasileiro), tendo em vista a nacionalidade de seu autor, bem como, para se evitar eventuais erros na escrita do português ocidental.

[2] José Manuel Constantino, (Re) pensar o desporto, in O Desporto para além do óbvio, Lisboa, 2004, p. 55.

[3] Neste particular, de acordo com H. L. Nixon, Sport and the Social Organisation, Bobbs-Merril: Indianápolis, 1971, p. 55 apud André Dinis de Carvalho, Da Liberdade de Circulação dos Desportista na União Européia, Coimbra Editora: Lisboa, 2004, p. 18, nota 4: “o início do desporto profissional ocorreu igualmente na Grécia, em 514 a.C., quando Solón decretou que todo ateniense que conseguisse uma vitória nos Jogos Olímpicos receberia 500 drachmae – o equivalente a 100 oxen”.

[4] Marlucio Luna, Cinco mil anos de história, in Empresa Municipal de Multimeios (Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro-Brasil), disponível em: (http://www.multirio.rj.gov.br/seculo21/). Acessado em 20 de Maio de 2005.

[5] Marlucio Luna, Op. cit.

[6] Idem.

[7] Sob um ponto de vista muito interessante, destaca Andrew Blake. The BodyLanguage: The meaning of Modern Sport. London: Lawrence & Wishart, 1996 apud Gilmar Mascarenhas de Jesus, À Gerografia dos esportes: uma introdução, in Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales da Universidade de Barcelona, disponível em: (http://www.ub.es/geocrit/sn-35.htm). Acesso em 12 de Junho de 2005, que: “o fascínio despertado despertado pelo espetáculo esportivo decorre da sua imprevisibilidade, o que difere das demais experiências de entretenimento cultural como teatro, música, dança, filmes, etc, eventos que são cuidadosamente ensaiados e amiúde fielmente executados. E certo que peças teatrais e shows musicais permitem certo grau de improviso, mas nada comparado ao grau de imponderabilidade de um evento desportivo”.

[8] Prova disso são os dados do futebol, em que para a próxima Copa do Mundo (2006) na Alemanha já foram vendidas todas as quotas e publicidade, sendo elas 15 (adidas, Anheuser-Busch, Avaya, Coca-Cola, Continental, Deutsche Telekom, Emirates, Fujifilm, Gillette, Hyundai, MasterCard, McDonald’s, Philips, Toshiba e Yahoo!) e sob o valor de U$ 40 milhões cada uma, segundo dados da FIFA em: (http://fifaworldcup.yahoo.com/06/es/partners.html).

[9] A palavra desporto deriva, segundo o João Melo Franco e Herlander Antunes Martins, Dicionário de Conceitos e Princípios Jurídicos (na doutrina e na jurisprudência), 2.ª Ed., Coimbra: Almedina, 1988, p. 296, “da expressão ‘estar de portu’, a qual provém da linguagem dos marinheiros do Mediterrâneo, que, à sua vida laboriosa e arriscada no mar, contrapunham as delícias da conversação e do jogo no porto. Como no desporto se enquadram jogos violentos, necessário se torna apurar se as leis ínsitas naqueles jogos violentos e, inclusivamente, as lesões delas resultantes podem constituir infracções criminais, ou são actos que se justificam. (Asúa, Tratado de Derecho Penal, 2.ª ed., IV-727)”

[10] Obra coletiva, Dicionário da Língua Portuguesa 2004, Porto Editora: Porto, 2004, p. 528.

[11] André Dinis de Carvalho, Da Liberdade de Circulação dos Desportista na União Européia, Coimbra Editora: Lisboa, 2004, p. 22.

[12] Carta Européia do Desporto diponível em: (http://www.idesporto.pt/DATA/DOCS/LEGISLACAO/doc120.pdf).

[13] Numa visão ampla e muito bem elaborada, considera João Lyra Filho, Introdução ao Direito Desportivo, Rio de Janeiro: Pongetti,  1952, p. 111, que o desporto e a sua prática englobam elementos essenciais à formação humana: “(…) na ordem física, o revigoramento dos músculos, a coordenação muscular, o acréscimo de força, o aumento da habilidade e da agilidade, a maior energia física e nervosa. Na ordem mental, a atenção pelo julgamento, pelo raciocínio, pela imaginação, pela decisão, pela criação. Na ordem moral, a obediência às regras do jogo, o sangue frio, a coragem, a firmeza, a resistência, a calma, a perseverança, a paciência, a resignação. Na ordem social, enfim, o reconhecimento do justo, a satisfação do instinto gregário, o desenvolvimento da interação, o espiríto de serviço, de associação, de cooperação, a solidariedade”.

[14] André Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 24, nota 22.

[15] André Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 25, nota 22.

[16] Idem, p. 23, nota 19.

[17] Obra coletiva, Dicionário…, p. 528..

[18] André Dinis de Carvalho, Op. Cit., p.48, nota 51.

[19] C. M. Contreras apud André Dinis de Carvalho, Op. Cit., p. 45, nota 48.

[20] Salienta João Leal Amado, Vinculação versus liberdade, O Processo de Constituição e Extinção da Relação Laboral do Praticante Desportivo, Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 145, que: “O praticante desportivo estabelece, pois, um vínculo jurídico-laboral com a sua entidade empregadora (tipicamente, o clube desportivo); mas o praticante estabelece também um vínculo jurídico-desportivo com a respectiva federação desportiva”

[21] Remedios Roqueta Buj, Deportistas, entrenadores y técnicos deportivos, 9, 1998, pp. 46/48 apud André Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 52, nota 58.

[22] Fernando Pérez-Espinosa Sánches, Consideraciones críticas sobre la ampliación jurisprudencial del concepto de deportista profesional a entrenadores e técnicos: Ámbito de aplicación del R.D. 1006/1985, de 26 de junio, por el que se regula la relación laboral especial de los deportistas profesionales, Estudios del Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social en homenaje al Profesor Juan Antonio Sagardoy Bengoechea, Vol. I, Revista de la Faculdad de Derecho de la Universidad Complutense, Madrid, 1999, p. 418 apud André Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 53, nota 58.

[23] Georges Magnane, Sociologie du Sport, Gallimard, Paris, 1964 apud Leal Amado, Vinculação…, p. 77, nota 139.

[24] Leal Amado, Vinculação…, p. 61.

[25] Idem, O contrato de trabalho do praticante desportivo (sumário), in Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra: Almedina, 2001, pp. 471/472.

[26] Ver Jorge Leite, Direito do Trabalho, Vol. II, Serviço de Textos da Universidade de Coimbra: Coimbra, 2004, p. 29, em que dá a noção precisa do contrato de trabalho, nos termos seguintes: “O contrato de trabalho – mecanismo (…) de acesso ao emprego dependente – analisa-se num acordo por meio do qual um trabalhador se obriga, contra uma retribuição, a prestar uma atividade laboral a um ou vários empregadores”. Ainda, salienta a noção clássica de contrato de trabalho sendo este contrato: “(…) como uma relação patrimonial de troca entre cujos termos – a prestação de atividade e o pagamento de uma retribuição – se verifica um nexo causal”.

[27] Exemplo disso, são cláusulas que proíbem os jogadores de manterem relações sexuais nas vésperas de jogos etc.

[28] Jorge Leite, Direito do Trabalho…, p. 30.

[29] Idem, p. 32.

[30] Ibidem.

[31] Nesta mesma linha ressaltou Conceição Gomes, O direito e o futebol: uma ordem jurídica sem espírito desportivos?, in Revista Crítica de Ciências Sociais, n.° 21, 1986, p. 80, que o contrato de trabalho desportivos “é por natureza um contrato a prazo não convertível em contrato de prestação permanente”.

[32] Leal Amado, Vinculação…, pp. 102/103.

[33] Leal Amado, Vinculação…, p. 111.

[34] Exceção a esta regra é o exemplo citado pelo Mestre André Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 64, nota 84, em que salienta que os pilotos de automóveis, especialmente os de Fórmula Um, são vinculados por contrato de trabalho, na medida em que são subordinados até o ponto de extravasar a liberdade e privacidade. Estes contratos de trabalhos possuem cláusulas que estabelecem tipos de alimentação que os pilotos devem ter, horas de sono diárias etc.

[35] Exemplo disso, podemos citar a arrecadação da Primeria Liga de Futebol da Inglaterra, que na temporada de 1999/00 faturou cerca de US$ 1 bilhão, conforme Eduardo Carlezzo, Direito Desportivo Empresarial, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2004, p. 7.

[36] Só no Campeonato brasileiro de 2003 de futebol, os clubes obtiveram 1627 horas de transmissões ao vivo na televisão, conforme informações obtidas no site: (http://esporte.uol.com.br/reportagens/especial_68.jhtm).

[37] No que tange à infra-estrutura, vale citar o investimento feito pela Alemanha, nas vésperas de sediar a Copa do Mundo de 2006, que já gastou seis (6) bilhões de euros na construção e reforma de seus estádios e espera lucrar quatro (4) bilhões de euros, nos termos que foi anunciado no seguinte site: (http://esporte.uol.com.br/reportagens/especial_104.jhtm) em 13 de Junho de 2005.

[38] Álvaro Melo Filho, O Desporto na ordem jurídico-constitucional brasileira, São Paulo: Malheiros, 1995, p. 38.

		[39] Destes dados, informou ainda a FIFA que: 1 em cada 25 habitantes do planeta praticam o futebol como esporte. A pesquisa revelou que os Estados Unidos são o país com maior quantidade de praticantes (18 milhões), seguido por Indonésia (10 milhões), México (7,4 milhões), China (7,2 milhões), Brasil (7 milhões) e Alemanha (6,3 milhões) etc. Além disso, salientou que na América do Norte, 8,4% da população jogam futebol. Na Europa, o índice é de 6,7%, na América do Sul  são 6,5%. Destaca também que no mundo existem mais de 1,5 milhão de times, sendo a maioria amadores. Quanto ao futebol feminino, 20 milhões de mulheres praticam o esporte, das quais 80% têm idade inferior a 20 anos, o que prova o crescimento da modalidade. Para realizar o levantamento, a Fifa enviou questionários para todas as 204 federações, tendo obtido resposta de 80% dos questionários enviados.

[40] “Phénomène de masse, étendu de nos jours à l’échelle de la planète, traversé par toutes les ideologies du siècle, indicateur de la ‘puissance’ et du ‘declin’ des nations, tantôt révélateur tantôt manipulateur du sentiment public, integré aux stratégies offensives ou défensives des États, substituts de la guerre et instrument de la diplomatie, le sport est au centre de la vie internationale (…)”, Sport et Relations Internationales em Relations Internationales, n.° 38, été 1984, p. 156 apud Alexandre Mestre, Desporto para além do óbvio, Lisboa, 2004, p. 44.

[41] A par disso seguem alguns exemplos dados por Jean-Phillippe Dubey, La libre circulation des sportifs en Europe, Staempfil Editions, Berne, Bruylant, Bruxelles, 2000 apud Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 87, nota 134, nos termos seguinte: “1) O General De Gaulle qualificou os maus resultados da delegação francesa aos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, como uma ‘vergonha nacional’. 2) Por ocasião do Campeonato do Mundo de futebol de 1974, o presidente do Zaire endereçou aos jogadores da equipe nacional um telegrama redigido nestes termos: ‘Ganhem ou morram’. 3) Antes da queda do Muro de Berlim, as nações de leste serviam-se do desporto como um meio de afirmar a superioridade do seu sistema político; cada vitória era utilizada politicamente para glorificar o socialismo. 4) O boicote desportivo é um meio de pressão internacional: desde a instauração do regime do apartheid, a África do Sul foi excluída do Movimento Olímpico e só foi reintegrada recentemente, depois de Nelson Mandela ter se tornado presidente do país e que o regime de segregação social foi oficialmente abolido. Em 1980, os Estados Unidos boicotaram os Jogos Olímpicos de Moscou para protestar contra a invasão do Afeganistão pelas tropas soviéticas: em resposta, os Estados dos países de Leste boicotaram os Jogos Olímpicos de Los Angeles em 1984 (…)”.

[42] Podemos citar os Jogos Olímpicos de Helsínque de 1952, que marcaram o regresso da então URSS e dos países do bloco socialista ao concerto desportivo das nações, num período que existiam Stalin e a Guerra Fria. Como exemplo mais atual, poderemos citar a unificação das seleções da Coréia do Sul e do Norte em prol do Copa do Mundo de Futebol de 2002 que teve sua sede na Coréia do Sul.

[43] Salienta Alexandre Mestre, Diplomacia desportiva internacional, in Centro de Investigação e Análise em Relações Internacionais, disponível em (http://www.ciari.org/investigacao/diplomacia_desportiva_internacional.pdf). Acessado em 23 de Maio de 2005, que “(…) o desporto funciona como barômetro da evolução de uma nação e das suas relações com os outros, como índice da vitalidade e auto-estima de um povo”.

[44] Prova disso são os quase 2 milhões de empregos criados pelo desporto nas mais diversas áreas na União Européia, segundo dados da própria Comissão das Comunidades Européias, no Relatório da Comissão ao Conselho Europeu (Relatório Helsínquia sobre o Desporto), disponível em: (http://europa.eu.int/eur-lex/lex/LexUriServ/site/pt/com/1999/com1999_064...). No Brasil, o desporto emprega mais de 300 mil pessoas

[45] O âmbito educacional da atividade desportiva foi salientado no documento-quadro preparado para o IX Fórum Europeu do Desporto, disponível em: (http://europa.eu.int/comm/sport/action_sports/dialogue/forum2000/forum20...), alertando que esta constitui um excelente instrumento para equilibrar a formação e o desenvolvimento humano do indivíduo qualquer que seja a sua idade.

O âmbito cultural também foi ressaltado, na medida em que o desporto permite melhor enraizar-se num território, melhor conhecê-lo e nele se integrar e melhor proteger o meio ambiente. Enfim, o desporto é um distinto modo de vida.

[46] Melo Filho, O Desporto …, p. 38.

[47] O direito de televisionamento é considerado o grande motor para a subsistência do desporto. Só no Brasil podemos afirmar que o valor pago pelas emissoras de TV para transmitir o Campeonato Brasileiro de futebol de 2001 foi de U$ 80 milhões. Já o ano de 2004 ultrapassou o valor de U$ 240 milhões, segundo dados coletados por Eduardo Carlezzo, Direito Desportivo…, p. 7.

[48] Dados estatísticos retirados do site: (http://www.arenasports.com.br/industriadoesporte.asp) em 10 de Junho de 2005.

[49] João Leal Amado, Vinculação…, pp. 81/82.

[50] Idem, p. 82.

[51] Vale citar a manifestação do Conselho de Estado Espanhol, in Memoria del año 1991, REDD, n.° 2, 1993, p. 265 apud Leal Amado, Op. cit., p. 30: “o desporto já não é só exercício físico entendido como jogo ou um espetáculo catalizador de paixões e de rivalidades contidas; é um produto de consumo, uma adequada utilização do ócio, um meio fantástico de publicidade, uma fonte de saúde e de emprego, um modo de vestir, um grande negócio e um instrumento de poder. Ignorar estes fatos é ignorar o mundo em que vivemos”.

[52] Tendo em vista esta situação, a Comissão das Comunidades Européias elaborou um relatório para o Conselho Europeu (Relatório Helsínquia sobre o desporto), disponível em: (http://europa.eu.int/eur-lex/lex/LexUriServ/site/pt/com/1999/com1999_064...), em que salientou a necessidade de se conciliar a dimensão econômica do desporto com a sua dimensão popular, pedagógica, social e cultural.

[53] João Leal Amado, Vinculação…, p. 27.

[54] Idem.

[55] Para maiores e detalhadas informações, consultar: (http://www.uefa.com/).

[56] Declaração n.° 29 anexa ao Tratado de Amsterdã, relativa ao desporto ressaltava que: “A Conferência salienta o significado social do desporto, em especial o seu papel na formação da identidade e na aproximação das pessoas. A Conferência convida, por isso, os órgãos e instituições da União Europeia a ouvir as associações desportivas, sempre que se coloquem importantes questões relacionadas com o mundo do desporto. Neste contexto, deverá ter-se especialmente em conta as características particulares do desporto amador”. O texto pode ser consultado também em: (http://europa.eu.int/eur-lex/lex/pt/treaties/dat/11997M/htm/11997M.html#...).

[57] Alexandre Miguel Mestre, Desporto e União Européia: uma parceria conflituante?, Lisboa : Almedina, 2004, p. 25.

[58] Idem, p. 26.

[59] Paralelamente à evolução do desporto no âmbito europeu, não podemos deixar de citar a contribuição dada pelo COI (Cômite Olímpico Internacional) em 1980, abolindo a distinção entre o desporto amador e o desporto profissional como requisito para participar nos Jogos Olímpicos, abrindo uma grande oportunidade para que todos os atletas alcançassem o sonho da medalha olímpica. Ademais, a permissão do COI para que os jogos tivessem patrocinadores, deixou margem para a maciça entrada do investimento empresarial como meio de subsidiar/financiar o desporto. Somado a isto, a televisão estatal perdeu o seu monopólio na maioria dos países da Europa Ocidental (nos termos do “Modelo Europeu do Desporto”, a venda dos direitos televisivos e patrocínios são responsáveis de 65% a 85% do financiamento das manifestações desportivas).

[60] Este entendimento emanado pelo TJ/CE em vários acórdãos demonstra que só as atividades desportivas lucrativas é que tem a tutela do direito comunitário. Mas isto possui uma plausível explicação, que foi salientada por Emiliano García Coso, Nicolás de La Plata Caballero, Una reflexión crítica sobre la actividad económica en el deporte y su problemática frente a las normas comunitarias de competencia, RJD, Aranzadi, 2000, pp. 97 e seguintes apud Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 115, nota 194, os quais salientam que dada a ausência de qualquer disposição nos Tratados fundadores da União Européia que fizessem referência ao desporto, não restou outra alternativa ao TJ/CE se não a interpretação extensiva de outras normas, atribuindo assim argumentos que caracterizavam o desporto como uma questão eminentemente econômica.

[61] Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 77.

[62] Vale a pena consultar este Documento-quadro que discutiu a especificidade do desporto por ocasião do Fórum Europeu do desporto que decorreu em Lille em 26 e 27 de outubro de 2000 no seguinte link: (http://europa.eu.int/comm/sport/action_sports/dialogue/forum2000/forum20...).

[63] Devemos entender por entidades privadas do âmbito desportivo, como sendo: autoridades desportivas federais, pelo sistema escolar e universitário, pelas administrações públicas ou ainda por organizações profissionais.

[64] Devemos salientar que, a partir de 30 de Abril de 2004, os artigos 10 e 11 do respectivo Regulamento serão suprimidos, tendo em vista a entrada em vigor da Diretiva 2004/38/CE de 29 de Abril relativa à livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados-membros.

[65] “Os nacionais de um Estado-membro, independentemente do local da sua residência, têm o direito de aceder a uma actividade assalariada e de a exercer no território de outro Estado-membro, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais deste Estado”.

[66] Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 95.

[67] O artigo 39/UE é também estendido para: Armênia, Azerbaijão, Bielo-Rússia, Bulgária, Geórgia, Kazaquistão, Kyrgistão, Moldávia, Romênia, Rússia, Eslovênia, Eslováquia, Ucrânia e Uzbequistão na Europa, e, Marrocos e Tunísia na África.

[68] “1.A livre circulação dos trabalhadores fica assegurada na Comunidade.

2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados-Membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.

3. A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, o direito de: a) Responder a ofertas de emprego efectivamente feitas; b) Deslocar-se livremente, para o efeito, no território dos Estados-Membros; c) Residir num dos Estados-Membros a fim de nele exercer uma actividade laboral, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais; d) Permanecer no território de um Estado-Membro depois de nele ter exercido uma actividade laboral, nas condições que serão objecto de regulamentos de execução a estabelecer pela Comissão.

4. O disposto no presente artigo não é aplicável aos empregos na administração pública”.

[69] Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 97.

[70] Considera Ricardo Frega Naiva, Contrato de Trabajo Deportivo, Ciudad Argentina, Buenos Aires, 1999, p.73 apud Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 98, nota 160, que: “este princípio de igualdade, que é reflexo da livre circulação dos trabalhadores, possui um caráter absoluto, é de aplicação direta e pode exigir-se perante os tribunais nacionais”.

[71] Francisco Liberal Fernandes, Liberdade de Circulação dos Trabalhadores na Comunidade Européia, Coimbra: Coimbra Editora, 2002, pp. 106-112.

[72] A norma que garante esta equiparação dos estatutos jurídico-laborais entre os Estados-membros é o Regulamento do Conselho n.° 1612/1968, o qual pode ser consultado no link: (http://europa.eu.int/eur-lex/lex/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:3196...).

[73] Vale referir a posição de Alexia Gardin, Anne-Lise Zabel, Les discriminations raciales au travail, Revue de Jurisprudence Sociale, 2003, n.° 2, pp. 87 e seguintes apud Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 99, nota 161 de que: “etimologicamente, discriminar é apenas distinguir, fazer uma separação. Na linguagem corrente, contudo, discriminar tem um conteúdo negativo, tal como na linguagem jurídica. Os comportamentos discriminatórios não se restringem, de modo algum, ao emprego, mas sobretudo ao nível de emprego que têm mais impacto, sendo um vetor importante de integração e de reconhecimento social. Permite a incorporação na sociedade e na economia de um país. Há ainda que se fazer a distinção entre discriminação (ou aberta) e discriminação indireta (ou coberta)”: assim, K. Leanerts, L’égalité de traitement en droit communautarie – Un principe unique aux apparences multiples, CDE, 1991, pp. 3 e seguintes e p. 12, refere que: “existe discriminação direta quando uma determinada regulamentação comunitária ou nacional aplica um critério de distinção proibido ou submete casos diferentes a uma regulamentação formalmente idêntica. Existe discriminação indireta quando, mesmo que não se aplique qualquer critério proibido, uma regulamentação nacional ou comunitária aplique outros critérios de distinção, em que os efeitos são idênticos, ou pelo menos análogos, àqueles a quem aproveita a aplicação do critério de distinção proibido, ou ainda mesmo que nenhuma regulamentação nacional ou comunitária estabeleça uma distinção puramente formal em casos diferentes, mas que lhe aplique, na realidade, tratamento idêntico”. Para uma melhor compreensão sobre o princípio da igualdade a não discriminação, consultar Jorge Leite, O Princípio da igualdade entre homens e mulheres no direito português, in Compilação de elementos para uma consulta …………… entre a igualdade de remuneração entre mulheres e homens, Coimbra: CIDE Editora, 2004, que salienta que: “(…) Para se poder qualificar uma conduta como discriminatória, não é necessária a intenção discriminatória, bastando que seja o seu resultado (…)“ e, a par disso, “a discriminação suscita, porém, um juízo mais grave, mais severo. Afinal, ela é mais do que uma mera desigualdade; é uma desigualdade odienta, chocante”.

[74] Dinis de Carvalho, Op. cit., p. 99.

[75] Acórdão do TJ/CE de 15 de Dezembro de 1995, em que figuraram URBSFA contra Jean-Marc Bosman e outros e UEFA contra Jean-Marc Bosman, sob n.° C-415/93.

[76] Dinis de Caravalho, Op. cit., p. 215.

[77] Nos termos do informativo da União Européia, disponível em (http://europa.eu.int/scadplus/leg/pt/lvb/l35002.htm), basicamente este acordo permitiu “assegurar a estabilidade dos contratos entre os jogadores e os clubes, por forma a proteger, simultaneamente, os interesses dos clubes, dos jogadores e do público. Ainda, o princípio da livre circulação dos futebolistas é inteiramente salvaguardado, embora se possa justificar a instauração de certas medidas (fixação de uma duração mínima e máxima dos contratos e a criação de um sistema de compensação das sanções), face a imperativos específicos ao futebol (necesidade de garantir a equidade das competições, a estabilidade das equipes, etc)”.

[78] Alexande Miguel Mestre, O Desporto na Constituição Européia: o fim do “Dilema de Hamlet”, Lisboa: Almedina, 2004, p. 174.