A decisão do STF sobre a união estável homoafetiva: breve comentário


PorPedro Duarte- Postado em 27 abril 2012

Autores: 
Rodrigo Lychowski

                   O artigo versa sobre o julgamento da ADI no. 4.227 e a ADPF no. 132 pelo Supremo Tribunal Federal, o qual reconheceu através de votação unânime, a união estável homoafetiva, ou seja, entre pessoas do mesmo sexo.

 

A decisão do STF sobre a união estável homoafetiva: breve comentário

 

Análise crítica da decisão do STF que reconheceu recentemente, por unanimidade de votos, a união estável formada por pessoas do mesmo sexo.

Por Rodrigo Lychowski

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar conjuntamente a ADI no. 4.227 e a ADPF no. 132, reconheceu, através de votação unânime, a união estável homoafetiva, ou seja, entre pessoas do mesmo sexo.

Os argumentos utilizados pelo STF foram diversos, mas dois destacam-se. O primeiro é o de que não reconhecer tal união estável homoafetiva importaria numa postura discriminatória, em relação à preferência sexual das pessoas, o que é vedado pela Carta Magna (artigo 3o, inciso IV).

Outro fundamento chave utilizado foi o de dar uma interpretação ampla ao artigo 226 §3o. da CF/88, que resultou no entendimento de que, quando a CF/88 disse que a união estável é formada entre homem e mulher, a Lei Maior não disse que a união estável é apenas formada entre homem e mulher, o que possibilitaria assim admitir outro tipo de união estável.

Como consequência dessa decisão proferida pelo Excelso Pretório, com efeito vinculante, deve ser dada interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.

Assim, quando o dispositivo em comento do Código Civil estabelece que é reconhecida como “ entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher” (grifamos), doravante tal união estável deve ser admitida também entre duas pessoa do mesmo sexo.

Não obstante a boa acolhida que a decisão do STF recebeu da mídia, e de parcela da opinião pública brasileira, ousamos tecer – de forma breve e concisa – algumas críticas a essa decisão.  

Mas, antes de mais nada, é importante ressaltar que qualquer pessoa, por ser dotada de dignidade humana – fundamento da República Federativa do Brasil (artigo 1o, inciso III) – deve ser respeitada e não pode sofrer qualquer espécie de preconceito ou discriminação, seja qual for sua preferência sexual.

É inadmissível, por conseguinte, que alguém que seja homossexual seja vítima de preconceito, perseguições, agressões, e, o que pior, assassinato!

E daí a importância da atuação engajada de organizações não governamentais como a AVAAZ que lutam, através da coleta de milhões de assinaturas pela internet, para que leis cruéis, e abomináveis sejam abolidas, como por exemplo a de Uganda, que pretende condenar à morte homossexuais.

Estabelecida a premissa da dignidade humana de todas as pessoas que optam por serem gays, lésbicas ou transexuais, passemos às breves críticas à decisão do STF.

A interpretação ampla dada pelo STF ao §3o. do artigo 226 da Carta Magna de 1988 não nos parece, data vênia, em harmonia com a Lei Maior.
A hermenêutica jurídica nos ensina que qualquer norma jurídica deve ser interpretada com amplitude, ou seja, de forma literal, lógica, sistemática, teleológica e histórica.

No julgamento dessa decisão, o Supremo entendeu – invocando o princípio da dignidade da pessoa humana – que o artigo 226 §3o. do texto constitucional admite outras formas  de entidade familiar, porquanto na redação de tal dispositivo não está expresso que a união estável é apenas formada entre homem e mulher.

Não concordamos com tal interpretação, porque ao estabelecer que “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento (grifos nossos), o legislador constituinte originário quis deixar claro, o que ele considera como união estável, a saber, a que é  formada por homem e mulher. E não poderia ser diferente porque só existe complementariedade entre um homem e um mulher. Uma complementariedade que existe em todas as dimensões: sexual, psicológica, … e que possibilita a propagação da espécie humana. O conceito constitucional de união estável, portanto, não contraria o princípio da dignidade humana.

Por outro lado, o  § 4o. do mesmo artigo estabelece que “entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes” (grifos nossos), ao passo que logo a seguir , o § 5o. dispõe que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Ora, salta os olhos, através de uma interpretação literal, lógica, sistemática, teleológica e histórica, que o legislador constituinte apenas quis considerar como união estável àquela formada entre homem e mulher, aceitando ainda como entidade familiar àquela formada por um pai e seu filho, ou pela mãe e seu filho, mais em momento algum, a CF/88 mencionou a união entre pessoas do mesmo sexo.

Diante de isso, parece-nos claro que a intenção do constituinte originário foi a de não reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo.

Caso não assim o fosse – só para argumentar – o citado artigo 226 &3o. poderia ter sido alterado por Emenda Constitucional, a fim de reconhecer também a união estável entre pessoas do mesmo sexo, o que, contudo, não ocorreu. Aliás, o capítulo VIII da CF/88  –  no qual está inserido o artigo 226 §3o e demais parágrafos -  foi alterado pela  EC no. 65/2010, mas tão somente para alterar a denominação do capítulo, que passou a se chamar “DA FAMÍLIA, DA CRIANÇA, DO ADOLESCENTE, DO JOVEM E DO IDOSO”.

Se o texto original e atual da Carta Magna de 1988 reconhece a união estável entre homem e mulher, e se todos os métodos interpretativos nos levam a conclusão de que somente é considerada – e tutelada pelo Estado- a união estável entre homem e mulher, será que a decisão do Excelso Pretório de reconhecer a união estável para casais do mesmo sexo está em conformidade com o texto constitucional? 

Será que o STF pode decidir de forma contrária a um conceito que está em vigor na CF/88  há 22 (vinte de dois) anos?  Não foi competência exclusiva da Assembleia Nacional Constituinte legislar e definir o que é considerado como união estável? E não cabe também exclusivamente ao Congresso Nacional alterar, se assim o desejar, qualquer dispositivo constitucional por meio de Emenda Constitucional?

Uma preocupação inevitável também surge. Após o reconhecimento dessa união estável homoafetiva, certamente surgirão desdobramentos. Afinal, o mesmo artigo 226 §3o. do  ordenamento constitucional é categórico ao dizer que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento.

Uma última indagação se faz necessária e paira no ar. Por que o mesmo Excelso Pretório, no julgamento da Lei de ficha limpa, optou, por maioria, em aplicar a literalidade do artigo 16 da CF/88,  sem recorrer aos outros fundamentos e princípios, mas adotou critério distinto ao reconhecer a união homoafetiva, invocando, de forma enfática, fundamentos e princípios, sem se ater ao que está estabelecido de forma específica no dispositivo que trata da união estável (art. 226 §3o.)?

 Não teria o Colendo STF adotado, data máxima vênia, dois pesos e duas medidas?

AnexoTamanho
a_decisao_do_stf_sobre_a_uniao_estavel_homoafetiva.docx18.34 KB