Das Garantias Constitucionais: Motivação das Decisões


Porbarbara_montibeller- Postado em 17 abril 2012

Autores: 
KRIEGER, Mauricio Antonacci

Introdução

         O princípio da motivação das decisões judiciais está previsto em nossa Lei Maior como uma garantia constitucional, além de ter previsão em artigos do Código de Processo Civil Brasileiro. A motivação das decisões está relacionada de modo direto com outras garantias constitucionais, como o princípio do contraditório e da ampla defesa; do devido processo legal e da publicidade, dentre outros.

            O presente estudo busca reunir os aspectos mais relevantes a respeito do tema, tendo sempre que analisar os casos concretos para se chegar à conclusão se a decisão respeitou os requisitos presentes na lei, ou se é passível de ser decretada a nulidade dos referidos atos.

O Princípio da Motivação das Decisões Judiciais

Está expresso no artigo 93, IX da Constituição Federal que:

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;...[1]

            Ao analisarmos a letra da lei, podemos concluir que não é apenas a sentença e o acórdão que deverão ser fundamentados, mas sim todas as decisões proferidas pelos juízes. Isto deve-se ao fato de que a Constituição Federal de 1988 deve prevalecer sobre as demais legislações. E a Lei Maior não se refere apenas às sentenças e acórdãos, e sim às decisões. O artigo 458 do CPC reza que:

São requisitos essenciais da sentença: I- o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II- os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III- o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeteram.[1]

E o art. 165 também do CPC complementa: "As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso."[1]

 

Conforme leciona Misael Montenegro Filho toda a decisão judicial deve ser fundamentada dando às partes envolvidas a oportunidade de entender os motivos daquela decisão e poder, se for o caso impugnar através de recurso para cada caso. Se isso não for respeitado, a parte poderá oferecer embargos declaratórios para que o juiz se manifeste sobre sua omissão. Deve, pois, ser fundamentada a decisão judicial, que é gênero, do qual são espécies a sentença, o acórdão e as decisões interlocutórias, estas mesmo que de maneira concisa.[2]

            O autor completa o entendimento aduzindo o seguinte:

Todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, dando-se especial enfoque às de natureza interlocutória, sobrelevando ressaltar as liminares deferidas em medidas cautelares, mandados de segurança, possessórias e ações civis públicas, além das antecipações de tutela.[2]

            A motivação das decisões significa que o juiz deverá mostrar às partes e aos demais interessados como se convenceu, para chegar àquela conclusão. Deve de maneira clara e objetiva demonstrar o porquê agiu de tal maneira decidindo em favor de uma das partes e contrário à outra, não bastando mencionar, por exemplo, que o autor tem razão e a ação é procedente porque de acordo com as provas dos autos fica evidente que o réu cometeu ato ilícito. De acordo com Nelson Nery Júnior:

Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de sua decisão. Não se consideram “substancialmente” fundamentadas as decisões que afirmam “segundo os documentos e testemunhas ouvidas no processo, o autor tem razão, motivo por que julgou procedente o pedido”. Essa decisão é nula porque lhe faltou fundamentação.[3]

            Ora, parece claro que o juiz ao fazer o relatório deve mencionar os fatos relevantes e importantes para a solução do litígio, ou seja, aqueles fatos que realmente irão influenciar no seu convencimento. É errado pensar que no relatório o juiz menciona que o autor entrou com uma demanda que foi contestada pelo réu, e que no dia tal foi realizada audiência de instrução, etc. O juiz não deve mencionar os atos processuais e sim os fatos e provas que levaram a tomar determinada decisão em um sentido em detrimento de outra, que na verdade influenciaram na sua motivação para fundamentar. Marcus Vinícius Rios Gonçalves assevera que:

A motivação deve manter estreito vínculo com o relatório e, principalmente, com o dispositivo. Devem ser apreciadas pelo juiz as razões, de fato e de direito, trazidas pelas partes e mencionadas no relatório. Ao examiná-las, o juiz deverá extrair, com coerência, a conclusão contida no dispositivo.[4]

            Para Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina existem várias razões para a obrigatoriedade de motivação das decisões, sendo uma delas que não seja a decisão de forma arbitrária. Claro que existe o chamado livre convencimento do magistrado, mas deve ser este, um livre convencimento motivado.[5]

            Nesse mesmo sentido é a lição de Antônio Cláudio da Costa Machado que analisa o art. 458, II do CPC com o seguinte comentário:

 

O fundamento ou motivação da sentença - requisito diretamente ligado ao princípio do livre convencimento (art. 131) - é exigido pelo sistema processual por três razões: a) a sentença é ato de vontade do Estado que deve traduzir justiça e não arbítrio, de sorte que deve convencer não só as partes envolvidas, mas também a opinião pública; b) a exigência de motivação, por si só, assegura o exame criterioso dos fatos e do direito pelo juiz; c) somente por meio do conhecimento da motivação da sentença é possível ao tribunal julgá-la justa ou injusta, certa ou errada, por força do recurso da parte vencida.[6]

            Sob esse prisma a falta de motivação resultaria em sérios problemas, primeiro ofenderia o princípio do contraditório, pois a parte derrotada na decisão não teria como elaborar um possível recurso para instância superior, visto que não está claro o motivo que seu pedido ou sua defesa foi rejeitado pelo juiz. Segundo ofenderia o princípio da publicidade, já que todos tem o direito de ter acesso às decisões judiciais (salvo exceções, como as decisões de segredo de justiça). Além disso, dificultaria o próprio Tribunal ad quem, que julgaria o recurso da parte vencida, isto porque, o órgão colegiado, assim como os demais interessados não saberia os motivos daquela decisão e assim não poderia dizer se está justa ou não.

            Como bem argumentam os juristas Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira:

A exigência da motivação das decisões judiciais tem dupla função. Primeiramente, fala-se numa função endoprocessual, segundo a qual a fundamentação permite, que as partes, conhecendo as razões que formaram o convencimento do magistrado, possam saber se foi feita uma análise apurada da causa, a fim de controlar a decisão por meio dos recursos cabíveis, bem como para que os juízes de hierarquia superior tenham subsídios para reformar ou manter essa decisão. (...) Fala-se ainda numa função exoprocessual ou extraprocessual, pela qual a fundamentação viabiliza o controle da decisão do magistrado pela via difusa da democracia participativa, exercida pelo povo em cujo o nome a sentença é pronunciada. Não se pode esquecer que o magistrado exerce parcela de poder que lhe é atribuído (o poder jurisdicional), mas que pertence, por força do parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal, ao povo.[7]

            Em se tratando do referido tema envolvendo a motivação das decisões judiciais Sérgio Gilberto Porto e Daniel Ustárroz citam o importante posicionamento do Professor Michele Taruffo. Para Taruffo a justiça de uma decisão pode ser medida a partir de três balizas, das quais chama de multifuncionalidade da motivação. A primeira se refere à valoração das provas, onde é feita a apreciação pelo processo judicial dos fatos controvertidos; a segunda é um critério de hermenêutica, pela avaliação judicial do melhor direito a ser interpretado e aplicado no caso concreto; e por fim a possibilidade que as partes tenham tido de influenciar a decisão judicial.[8]

            A falta de motivação das decisões importa em nulidade. Para Rogério Lauria Tucci a falta de motivação em uma sentença acarreta a sua nulidade, bem como se faltar o relatório. No que tange à falta do dispositivo que é o terceiro requisito de uma sentença, acarretaria a sua inexistência. A ausência de motivação gera a nulidade, pois resulta em não-composição da lide, deixando o processo de atingir a sua finalidade.[9]

            Brilhante é a doutrina de Nelson Nery Júnior ao ressaltar a sanção pela não observância do princípio:

Caso não sejam obedecidas as normas do art. 93, n. IX e X, da CF, a falta de motivação das decisões jurisdicionais e administrativas do Poder Judiciário acarreta a pena de nulidade a essas decisões, cominação que vem expressamente designada no texto constitucional. Interessante observar que normalmente a Constituição Federal não contém norma sancionadora, sendo simplesmente descritiva e principiológica, afirmando direitos e impondo deveres. Mas a falta de motivação é vício de tamanha gravidade, que o legislador constituinte, abandonando a técnica de elaboração da Constituição, cominou no próprio texto constitucional a pena de nulidade.[3]

            Observa-se, como se referiu o autor que não são apenas as decisões judiciais que devem ser motivadas, e sim também as decisões administrativas dos tribunais conforme o inciso X do art. 93 da Constituição Federal de 1988.

Conclusão

         Com a abordagem realizada acerca da motivação das decisões judiciais, conclui-se que para se ter uma decisão justa, o juiz deve respeitar as garantias constitucionais elencadas na Constituição Federal. Por respeito ao contraditório, visto que a parte vencida deverá recorrer, o juiz deve mencionar os motivos que levaram ao seu convencimento, além de facilitar o julgamento na instância superior e dar direito ao público em geral entender as causas da decisão.

            A falta da motivação das decisões importa, sem dúvida alguma, em sua nulidade, pois, o processo deixou de atingir seu desiderato.

Referências

1 Míni Código Saraiva. Processo Civil. Constituição Federal e Legislação Complementar. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

2 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2006. v.1. p.64-7.

3 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.175-6.

4 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v.2. p.4.

5 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à Nova Sistemática do Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p.35.

6 MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. Artigo por Artigo, Parágrafo por Parágrafo. 4.ed. Barueri/SP: Manole, 2004. p.605.

7 DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 5.ed. Salvador: Podivm, 2010. v.2. p.290.

8 PORTO, Sérgio Gilberto; USTÁRROZ, Daniel. Lições de Direitos Fundamentais no Processo Civil. O conteúdo Processual da Constituição Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p.67-8.

9 TUCCI, Rogério Lauria. Curso de Direito Processual Civil. Processo de Conhecimento. São Paulo: Saraiva, 1989. v.III. p.47.

Muito bom o texto