Da utilização de licitação guarda-chuva no âmbito dos convênios


Porrayanesantos- Postado em 25 junho 2013

Autores: 
CAVALCANTI, Isabella Silva Oliveira

Introdução

 

O presente artigo tem por escopo analisar a utilização de licitação guarda-chuva para fins de execução de objeto de convênio celebrado por órgãos e entidades da Administração Pública Federal.

 

Para tanto, buscaremos analisar o ordenamento jurídico vigente, mormente a Lei nº 8.666/1993 e as normas específicas sobre convênios, bem como o entendimento correlato do Tribunal de Contas da União.

 

Da licitação “guarda-chuva”

 

A chamada licitação “guarda-chuva” ocorre quando o contratante não descreve adequadamente o objeto da licitação, realizando um procedimento licitatório genérico do qual decorre contrato com objeto amplo, contrariando o disposto no art. 23, § 1º, no art. 54, § 1º, e no art. 55, inciso I, da Lei nº 8.666/1993, ‘in verbis’:

 

Art. 23.  As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:

 

§ 1o  As obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade sem perda da economia de escala.  (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

 

Art. 54.  Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.

 

§ 1o  Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam.

 

Art. 55.  São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:

 

I - o objeto e seus elementos característicos;

 

Trata-se de tema altamente sensível, já que a descrição excessiva pode gerar o direcionamento ou restrição à competitividade no processo licitatório e a descrição superficial conduz à absoluta insegurança acerca do que está a ser contratado, inclusive no que concerne aos custos envolvidos no contrato.

 

Os contratos “guarda-chuva”, provenientes de licitações “guarda-chuva”, têm sido objeto de severas críticas e punições por parte do Tribunal de Contas da União - TCU, conforme se depreende do Acórdão 1663/2005-Plenário, do Acórdão 1263/2007-Plenário, e de outros julgados abaixo mencionados:

 

Identificação: Acórdão 1663/2005 - Plenário

 

Processo: 005.991/2003-1 Visualizar tramitação do processo

 

Ministro Relator: UBIRATAN AGUIAR

 

Publicação: DOU 27/10/2005

 

O Tribunal de Contas da União determinou à Petróleo Brasileiro S/A - Petrobras que adote as seguintes medidas:

 

“9.7.3. abster-se de firmar contratos do tipo "guarda-chuva", ou seja, com objeto amplo e/ou com vários objetos, promovendo os devidos certames licitatórios em quantos itens forem técnica e economicamente viáveis, evitando, com isso, o ocorrido nos Contratos 160.2.226.01-1, firmado com a Construtora Norberto Odebrecht S/A (objeto: serviços de preparação de instalação, instalação, manutenção industrial, projeto básico e de detalhamento) e 160.2.101.02-2, firmado com a empresa UTC Engenharia S/A (objeto: serviços de preparação de instalação, instalação, manutenção industrial, projeto de detalhamento), nos termos da Súmula TCU nº 247”; (item 9.7.3 do Acórdão 1663/2005)

 

Do seu relatório e fundamentação, destacam-se as seguintes passagens:

 

“9.2.1.15. Assim, temos que as 'instalações de plataformas', mesmo considerando a natureza comercial da PETROBRAS, a grande demanda por construções, reformas ou instalações de plataformas, voltadas à extração/processamento de produtos necessários à consecução de sua atividade-fim, ainda assim, o objeto contratado, por sua complexidade, demanda incerta e inassiduidade, não se caracterizaria como contratos típicos de natureza contínua. O que se verifica, ao contrário, é um contrato contendo uma miscelânea de atividades, com graduações variáveis de necessidade, importância e utilização, aplicando-se-lhe, perfeitamente, a denominação conhecida vulgarmente por 'contrato guarda-chuva', por tais peculiaridades de amparo a qualquer situação.

 

9.2.1.16. Essa sistemática de contratação não apresenta fundamentação legal e deve ser evitada. Nesse sentido, cabe determinação à PETROBRAS no sentido de abolir tal prática, parcelando em quantos itens forem técnica e financeiramente viáveis objetos semelhantes a esse contrato.

 

(...)

 

14.2.4. No presente caso, entendemos que esse contrato tem objeto muito semelhante ao contrato analisado no item anterior firmado entre a PETROBRAS e a CONSTRUTORA NORBERTO ODEBRECHT, ou seja, um contrato com vasto e incerto objeto, o qual enquadra-se no notório conceito de 'contrato guarda-chuva'. Entretanto, da mesma forma que tratamos aquela análise, entendemos que, excepcionalmente, o presente contrato pode ser considerado regular quanto à caracterização dos serviços, visto que os mesmos possuem algumas atividades de natureza continuada ou peculiaridades semelhantes. Nesse sentido, não há que se falar em prorrogação em valores superiores ao permitido legalmente. Reiteramos que a análise realizada no item 9.2 cabe para a presente audiência. Nesse sentido, devem ser acatadas as razões de justificativas do responsável.”

 

Identificação: do Acórdão 1263/2007 – Plenário

 

Processo: 019.116/2005-1

 

Ministro-Relator: UBIRATAN AGUIAR

 

Publicação: DOU 29/06/2007

 

O Tribunal de Contas da União determinou à “Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos que só contrate a execução de serviços que estejam com seus objetos adequadamente definidos, nos termos do art. 55, inciso I, da Lei nº 8.666/93, evitando a celebração de contratos do tipo ‘guarda-chuva’, com objetos genéricos, tal como o Contrato nº 10.198/99.”(item 9.8 do Acórdão 1263/2007– Plenário)

 

Do seu relatório e fundamentação, destacam-se as seguintes passagens:

 

“15. É de se salientar ainda que o contrato firmado com supedâneo no inciso XIII do art. 24 da Lei 8.666/93, funcionou como um ‘contrato guarda-chuva’, facultando à entidade a introdução de demandas e serviços, a título de incentivo ao desenvolvimento da instituição de pesquisa e ensino, não diretamente ligados à missão institucional da contratada ou ao objeto pactuado. O resultado é a burla ao procedimento licitatório, contrariando os princípios da legalidade, isonomia, moralidade e impessoalidade, preconizados no inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal e no art. 2º da Lei 8.666/93.’

 

(...)

 

27. Na realidade, o contrato principal era o que usualmente se denomina de ‘contrato guarda-chuva’, apenas as ordens de serviço especificavam exatamente o que deveria ser feito. Essa foi a grande irregularidade, mas que não fez parte da audiência dos responsáveis. Dados os termos genéricos em que o objeto do contrato foi descrito, em muitos casos torna-se difícil avaliar se os objetos das ordens de serviço se enquadravam ou não no escopo do contrato. Entendo que essa questão é de menor relevância e é ate mesmo uma conseqüência da irregularidade maior que, repito, foi a definição genérica do objeto contratual, em descumprimento ao que estabelece o art. 55, inciso I, da Lei nº 8.666/93.”

 

DOU de 20.06.2005, S. 1, p. 122 - o Tribunal de Contas da União determinou à Petroquisa que abstenha-se de firmar contrato com objeto amplo e indefinido, do tipo "guarda-chuva", em observância aos termos do art. 54, § 1º, da Lei nº 8.666/93 (item 9.2.3, Acórdão nº 717/2005-TCU-Plenário).

 

DOU de 27.10.2005, S. 1, p. 289 - o TCU determinou à PETROBRAS que se abstivesse de firmar contratos do tipo "guarda-chuva", ou seja, com objeto amplo e/ou com vários objetos, promovendo os devidos certames licitatórios em quantos itens forem técnica e economicamente viáveis (item 9.7.3, TC-005.991/2003-1, Acórdão n° 1.663/2005-Plenário).

 

DOU de 08.08.2011, S. 1, p.157 - recomendação ao Ministério dos Esportes e, por meio da Casa Civil da Presidência da República, a outros órgãos do Poder Executivo Federal envolvidos na organização da Copa do Mundo de 2014, para que observem as seguintes ações com vistas ao alcance de contratações eficientes e eficazes na área de tecnologia da informação que se fizerem necessárias para subsidiar a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e das Olimpíadas de 2016: (...) e) não realização de contratação com objeto amplo e indefinido, do tipo "guarda-chuva", em observância aos termos do art. 54, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, justificando nos autos do processo licitatório o parcelamento ou não do objeto, levando em consideração a viabilidade técnica e econômica para tal, a necessidade de aproveitar melhor as potencialidades do mercado e a possível ampliação da competitividade do certame, sem perda de economia de escala, conforme disposto nos arts. 8º, 15, inc. IV, e 23, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.666/1993 e na Súmula/TCU nº 247 (item 9.2.5, TC-009.218/2011-4, Acórdão nº 1.996/2011-Plenário).

 

DOU de 01.12.2008, S. 1, ps. 159 e 160 - determinação ao Ministério da Educação que institua ato normativo regulamentando o relacionamento das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) com suas fundações de apoio, de modo que as IFES adotem providências para o cumprimento das seguintes medidas (item 9.2, TC-017.177/2008-2, Acórdão nº 2.731/2008-Plenário), quais sejam: 9.2.5) estabeleçam, com suas fundações de apoio, contratos ou convênios individualizados para cada projeto de parceria a ser firmado, abstendo-se de efetuar, para a cobertura desses projetos, aditivos, apostilas ou instrumentos similares como acessórios a contratos ou convênios genéricos ou do tipo "guarda-chuva", não previstos em lei e também vedados pela Instrução Normativa nº 2/2008, art. 3º, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (item 9.2.5, TC-017.177/2008-2, Acórdão nº 2.731/2008-Plenário).

 

DOU de 18.05.2011, S. 1, p. 151. Ementa: determinação ao SESI/RS para que se abstenha de firmar contrato com objeto amplo e indefinido do tipo "guarda-chuva", em observância ao art. 26 do Regulamento de Licitações e Contratos do SESI e à Sumula/TCU nº 177 (item 9.3.5, TC-020.173/2007-7, Acórdão nº 2.888/2011-2ª Câmara).

 

Decerto, a compulsória e adequada descrição do objeto contratado decorre do princípio constitucional da igualdade e objetiva assegurar que o maior número de interessados efetivamente participem do procedimento, tornando a competição salutar e afastando toda e qualquer possibilidade de favoritismo.

 

Da utilização de licitação guarda-chuva no âmbito de convênios

 

A par das considerações feitas no tópico anterior, a utilização das licitações guarda-chuva sempre foi rotineira, mormente para a execução de objeto de convênio celebrado com órgão ou entidade da Administração Pública Federal.

 

A referida utilização, além de encontrar óbice no art. 23, § 1º, no art. 54, § 1º, e no art. 55, inciso I, também afronta o art. 7º, § 2º, incisos II e III, e o art. 14, todos da Lei nº 8.666/1993. Quanto aos últimos, cumpre transcrevê-lo

 

Art. 7º  As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência:

 

§ 2º  As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:

 

II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;

 

III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma;

 

Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa.

 

Decerto, muitas vezes o órgão ou entidade recebedora de um recurso por meio de convênio o utiliza para contratos já vigentes, provenientes de procedimentos licitatórios em que não tinha sido devidamente previsto o recurso orçamentário necessário para a sua execução. Ou seja: utiliza a verba proveniente de convênio para o pagamento de contrato em execução celebrado sem que houvesse previsão orçamentária suficiente.

 

Sobre o tema, a Portaria Interministerial CGU/MF/MPOG nº 127/2008, que estabelece normas para execução do disposto no Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007, dispõe sobreas normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, e dáoutras providências, era silente, embora os dispositivos da Lei nº 8.666/1993 e, de forma mais específica, os precedentes do Tribunal de Contas da União acima mencionados já fossem suficientes para afastar a sua utilização.

 

A novel Portaria Interministerial CGU/MF/MPOG nº 507/2011, que substituiu a disciplina da Portaria Interministerial CGU/MF/MPOG nº 127/2008 bem normatiza a questão, ao dispor:

 

Art. 35. Os editais de licitação para consecução do objeto conveniado somente poderão ser publicados após a assinatura do respectivo convênio e aprovação do projeto técnico pelo concedente.

 

Parágrafo único. A publicação do extrato do edital de licitação deverá ser feita no Diário Oficial da União, em atendimento ao art. 21, inciso I, da Lei nº 8.666, de 1993, sem prejuízo ao uso de outros veículos de publicidade usualmente utilizados pelo convenente.

 

Art. 36. Poderá ser aceita licitação realizada antes da assinatura do convênio, desde que observadas as seguintes condições:

 

I - que fique demonstrado que a contratação é mais vantajosa para o convenente, se comparada com a realização de uma nova licitação;

 

II - que a licitação tenha seguido as regras estabelecidas na Lei nº 8.666, de 1993, inclusive quanto à obrigatoriedade da existência de previsão de recursos orçamentários que assegurassem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas;

 

III - que o projeto básico, no caso de obras de engenharia, tenha sido elaborado de acordo com o que preceitua a Lei nº 8.666, de 1993;

 

IV - que o objeto da licitação deve guardar compatibilidade com o objeto do convênio, caracterizado no Plano de Trabalho, sendo vedada a utilização de objetos genéricos ou indefinidos; e

 

V - que a empresa vencedora da licitação venha mantendo durante a execução do contrato, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação. (grifamos)

 

          No ponto, registre-se que a possibilidade de ser aplicado o disposto nos arts. 35 e 36 da Portaria Interministerial CGU/MF/MPOG nº 507/2011 a convênios celebrados anteriormente à sua vigência, em face do que estabelece a parte final do seu art. 2º, I, b:

 

Art. 2º Não se aplicam as exigências desta Portaria:

 

I - aos convênios:

 

a)      celebrados anteriormente à data da sua publicação, devendo ser observadas, neste caso, as prescrições normativas vigentes à época da sua celebração, podendo, todavia, se lhes aplicar naquilo que beneficiar a consecução do objeto do convênio; (grifamos)

 

          Dessa forma, atualmente temos dispositivo normativo expresso prevendo que, em regra, os editais de licitação para consecução do objeto conveniado somente poderão ser publicados após a assinatura do respectivo convênio e aprovação do projeto técnico pelo concedente, podendo ser aceita licitação realizada antes da execução do convênio quando presentes os requisitos previstos no art. 36 da Portaria Interministerial CGU/MF/MPOG nº 507/2011, entre eles: a vantajosidade de sua utilização, o cumprimento da obrigatoriedade da existência de previsão de recursos orçamentários e a ausência de objeto genérico ou indefinido.

 

Conclusão

 

          Pelo exposto, a licitação guarda-chuva é uma praxe administrativa que afronta vários dispositivos da Lei nº 8.666/1993, sendo rechaçada pelo Tribunal de Contas da União, e, mais recentemente, sendo afastada sua utilização no âmbito de convênios de forma expressa pela Portaria Interministerial CGU/MF/MPOG nº 507/2011, que regula os convênios, os contratos de repasse e os termos de cooperaçãocelebrados pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal.

 

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