DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME INICIAL FECHADO PARA CON- DENADOS INCURSOS NO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006 E A AFASTABILIDADE DE SUA HEDIONDEZ PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)


Pormarianajones- Postado em 31 maio 2019

Autores: 
Arthur Posser Tonetto
Wagner Augusto Hundertmarck Pompéo

https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/revistadireitoemdebate Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Editora Unijuí – Ano XXVII – n. 50 – jul./dez. 2018 – ISSN 2176-6622 p. 3-11

DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME INICIAL FECHADO PARA CON- DENADOS INCURSOS NO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006 E A AFASTABILIDADE DE SUA HEDIONDEZ PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)

http://dx.doi.org/10.21527/2176-6622.2018.50.3-11 Recebido em: 8/8/2017 Aceito em: 1º/6/2018

Arthur Posser Tonetto

Oficial de Artilharia do Exército Brasileiro. Acadêmico do oitavo semestre do curso de Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria (Fadisma). Intercambista do projeto de Intercâmbio Faculdade de Direito de Santa Ma- ria – FADISMA e Universidad Católica Argentina, Facultad Teresa de Ávila – UCA. arthurtonetto@hotmail.com

Wagner Augusto Hundertmarck Pompéo

Bacharel em Direito (Faculdade Metodista de Santa Maria – Fames). Advogado na cidade de Santa Maria – RS. Especialista em Ciências Penais, pós-graduado pelo Instituto de Direito RS, Rede de Ensino LFG e Uniderp-Anhan- guera. Formado Pedagogicamente pelo Programa Especial de Graduação para Formação de Professores para o Ensino Profissional e Tecnológico, no eixo de Direito, Gestão e Negócios, pós-graduado em Gestão Pública, mestre na área de concentração “Direitos Emergentes na Sociedade Global”, com ênfase/linha de pesquisa afeta a “Direitos na Sociedade em Rede” e doutorando em História, na área de concentração “História, pode e cultura” e linha de pesquisa “Cultura, migrações e trabalho” pela Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, na qual é orientado pela Profa. Dra. Gláucia Viera Ramos Konrad. Foi professor em Cursos Preparatórios para as Carreiras Jurídicas Públicas e atualmente é professor nos cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito de Santa Maria – Fadisma. wagner@mmtadvogados.com.br

RESUMO

Quando a Suprema Corte nacional, em 23.2.2006, declarou inconstitucional a impossibilidade de progressão de regime a crimes hediondos e equiparados, houve, necessariamente, a obrigatoriedade de dar nova redação ao § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90. Dessa forma, dificultou-se a progressão de regime aos delitos considerados hediondos, sem, contudo, vedá-la, como previsto originalmente pelo dispositivo legal. Supe- rada essa incongruência, que passou a ser discutida quando do julgamento do habeas corpus 82.959, instaurou-se nova e semelhante cizânia no que diz respeito ao tema. Como forma de esclarecer esta divergência, o presente estudo tem por objeto verificar a (in)constitucionalidade do cumprimento de pena em regime inicial fechado para condenados incursos no §4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, bem como analisar o recente entendimento dado pelo Supremo Tribunal Federal de afastar a hediondez de crimes de tráfico privilegiado, por ocasião entendidos os agentes cumpridores dos requisitos do §4º, artigo 33 da Lei 11.343/2006. Desenvolvido por meio teórico, com ênfase na bibliografia indi- cada e na Constituição Federal de 1988, a pesquisa, como se verá, constitui-se de abordagem dedutiva.

Palavras-chave: (In)constitucionalidade. Crimes hediondos. Relativização e individualização da pena.

REGARDING THE (UN)CONSTITUTIONALITY OF CRIMINAL LAW ENFORCEMENT IN A CLOSED INITIAL REGIME FOR THOSE CONDEMNED INCLUDED IN 4TH PARAGRAPH OF ART. 33 FROM LAW 11.343/2006 AND THE REMOVAL OF ITS HEINOUSNESS BY THE SUPREME FEDERAL COURT

ABSTRACT

On February 23th, 2006, the impossibility of regime progression to heinous and similar crimes was ruled unconstitutional by the Supreme Federal Court. Thus, it became mandatory to redraft the 1st paragraph of art. 2 from public Law no 8.072/90, which hampered the progress of legal regime of heinous crimes, without, however, prohibiting it, as originally foreseen by the legal provision. After overcoming this issue, addressed after the judgment of the habeas corpus 82.959, a new discussion arose. In order to clarify this divergence, the present study aims to verify the (un)constitutionality of criminal law enforcement in a closed initial regime for those condemned included in 4th paragraph of art. 33 from Law 11.343/2006, as well as to analyze the recent understanding of the Supreme Federal Court with regard to removing the heinou- sness of privileged traffic crimes, here understood as the practitioners that meet the requirements set out in the 4th paragraph of art. 33 from Law 11.343/2006, Developed through theoretical analysis, with emphasis in the indicated bibliography and the Federal Constitution of 1988, the present study, as will be seen, is conducted with a deductive approach.

Keywords: (Un)constitutionality. Hideous crimes. Relativization and individualization of the sentence.

SUMÁRIO

1 Introdução. 2 Dos Crimes Hediondos e Equiparados e a Suposta Necessidade de Cumprimento de Pena em Regime Inicial Fechado. 2.1 Os Crimes Hediondos e seus Equiparados. 2.2 A Suposta Necessidade do Cumprimento da Pena em Regime Inicial Fechado. 3 A lei 11.343/2006. Da Redução de Pena do § 4º, do artigo 33, (Des)necessidade de Cumprimento de Pena em Regime Inicial Fechado e a Possibilidade de Pena Restritiva de Direitos. 3.1 Redução de Pena do § 4º, do artigo 33, (des)Necessidade de Cumprimento de Pena em Regime Inicial Fechado e a Possibilidade de Pena Restritiva de Direitos. 4 Do Entendimento do STF de Afastabalidade de Hediondez em Crimes de Tráfico Privilegiado como Elemento Ensejador a Relativização do §2º do artigo 2º da lei 8.072/90. 5 Conclusão. 6 Referências. Editora Unijuí – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Arthur Posser Tonetto – Wagner Augusto Hundertmarck Pompéo 4

1 INTRODUÇÃO

A Lei 8.072 entrou em vigor no ano de 1990 e, alinhada à recente Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, resolveu delimitar por meio deste dispositivo o rol de crimes hediondos, bem como definir as disposições processuais penais e as características de execução da pena. Impondo medidas mais rígidas aos infratores incidentes em tais crimes, tal fato deu-se por acreditar o legislador ser esta a forma mais eficaz de combater a crescente criminalidade presente no país e, por intermédio de um aparato normativo menos brando, reduzir a incidência de delitos descritos na referida lei, bem como de seus assemelhados – crimes de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, a prática de tortura e o terrorismo. Desde que a Lei dos Crimes Hediondos passou a ter validade, discutiu-se sua dissonância com a Carta Magna e o princípio da individualização da pena, tratativa essa que culminou, quase duas décadas depois, com a declaração do Supremo Tribunal Federal de inconstitucionalidade do cumprimento da pena integralmente em regime fechado. A justificativa, para tanto, partia do pressuposto de que quando tal previsão ia de encontro ao princípio supramencionado, além de esbarrar em disposições previstas não só no Código Penal de 1940, como também na Constituição de 1988, não permitindo, pois, a progressão de regime ao condenado, ainda que este apresentasse as condições exigidas pelos dispositivos legais. Uma vez pacificada essa discussão, o presente trabalho reúne por escopo analisar a (in)constitucionalidade da exigência de que o cumprimento de pena se dê em regime inicial fechado para incursos em crimes previstos no § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, bem como analisar, nesses casos, o entendimento da Suprema Corte nacional, que recentemente posicionou-se no sentido de afastar o caráter hediondo de crimes de tráfico privilegiado. Por tráfico privilegiado, não é demais lembrar, entende-se o delito praticado por agente que seja primário, possuidor de bons antecedentes e não se dedique à atividade criminosa. Desenvolvido por meio teórico, com ênfase na bibliografia indicada e na Constituição Federal de 1988, a pesquisa, como se verá, constitui-se de abordagem dedutiva. Para tanto, o trabalho apresentar-se-á estruturado em três tópicos, em que, no primeiro, (1) abordará os (1.1) crimes hediondos e equiparados, bem como (1.2) a previsão de cumprimento de pena em regime inicial fechado. No segundo tópico (2), por sua vez, o objeto passa a ser a (2.1) (des)necessidade de, em crimes de tráfico de entorpecente em que aplicada a redução de pena do § 4º da Lei 11.343/2006, aquele regime inicial mantenha-se como fechado, bem como (2.2) se é possível ou não a aplicação de pena restritiva de direitos em casos tais. Feito isso, o terceiro (3) ocupa-se de evidenciar o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2016 decidiu pela afastabilidade de hediondez em crimes de tráfico privilegiado.

2 DOS CRIMES HEDIONDOS E EQUIPARADOS E A SUPOSTA NECESSIDADE DE CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME INICIAL FECHADO

De nada adianta discorrer a respeito do objetivo principal deste estudo sem, antes, trazer a lume as definições necessárias para que se possa ter o entendimento correto no que tange aos crimes hediondos e equiparados, bem como o aparato normativo acerca desses delitos. Para tanto, inicialmente o presente trabalho prezará por estabelecer a conceituação destas infrações – crimes hediondos e equiparados – além de trazer à tona a suposta necessidade de cumprimento de pena obrigatoriamente em regime inicial fechado por agentes condenados por esse tipo de delitos.

2.1 Os crimes hediondos e seus equiparados

Ainda que a palavra hediondo, quando buscada no dicionário, remeta àquilo que causa horror ou repulsa, e que, em caráter leigo, possa ser definido o crime hediondo como aquele que resulta em profunda consternação por conter requintes de crueldade, aversão e até mesmo indignação social por aludir à barbárie, é necessário que se ressalte que, do ponto de vista legal, por crimes hediondos e seus equiparados compreendem-se aqueles tipos penais assim previamente considerados pela Lei 8.072 de 1990, em seu artigo 1º. Nessa toada, não há margem, sob qualquer hipótese, seja por interpretação do magistrado que conduz o fei- Ano XXVII – nº 50 – jul./dez. 2018 – ISSN 2176-6622 DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME INICIAL FECHADO PARA CONDENADOS INCURSOS NO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006 E A AFASTABILIDADE DE SUA HEDIONDEZ PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) 5 to, muito menos por clamor popular, de que outros tipos de crimes, que não aqueles taxativamente previstos na legislação específica, por mais bárbaros e comoventes que sejam, possam vir a ser concebidos como tais (MONTEIRO, 2015). Referidos inicialmente no inciso XLIII, artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a lei previu a impossibilidade de concessão de fiança, graça ou anistia aos crimes de tráfico de entorpecentes e drogas afins, à prática de tortura, ao terrorismo e àqueles tipificados como crimes hediondos (BRASIL, 1988). Nesta corrente, entrou em vigência, em 1990, a Lei 8.072, no intuito de definir os crimes considerados hediondos, bem como promover as definições processuais penais e as características de cumprimento das penas impostas aos agentes que delinquissem em crimes ora considerados hediondos. Foi intenção do legislador, como será visto posteriormente, estabelecer normas mais rígidas para a execução e cumprimento de penas para crimes hediondos e equiparados, por entender ser o método mais eficaz de proporcionar a diminuição da incidência de tais delitos (MONTEIRO, 2015). Após numerosas propostas que visaram a incluir ou excluir delitos ao rol dos crimes hediondos, tem-se atualmente a seguinte lista de crimes considerados, pelo legislador, como hediondos, à luz da Lei 8.072/90, forte redação do artigo 1º e seu parágrafo único: I – homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que por um só agente, e homicídio qualificado; I-A – lesão corporal de natureza gravíssima ou seguida de morte, quando praticada contra autoridade ou agentes incursos nos artigos 142 e 144 da CF, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional, no exercício da função ou em razão desta, ou ainda contra cônjuge, companheiro ou parente de até terceiro grau, quando em razão da função; II – o latrocínio; III – extorsão qualificada pela morte; IV – extorsão mediante sequestro e na forma qualificada; V – estupro; VI – estupro de vulnerável; VII – epidemia com resultado de morte; VII-B – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produtos com fins terapêuticos ou medicinais; VIII – favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável, e, por fim, o crime de genocídio nos moldes dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei 2.889/56. A isso deve-se acrescentar ainda, que a referida Lei, em consonância à Constituição Federal de 1988, assegura as mesmas condições processuais penais e de execução da pena aos crimes equiparados, de tráfico de entorpecentes e drogas afins, prática de tortura e terrorismo (BRASIL, 1990). Aclarados os crimes considerados hediondos, bem como seus equiparados, cabe agora ressaltar os dispositivos legais que ensejam a necessidade do cumprimento da pena em regime inicial fechado.

2.2 A suposta necessidade do cumprimento da pena em regime inicial fechado

Quando passou a ter vigência, em 1990, a Lei 8.702 definiu, por meio de seu artigo 2º, § 1o , que os agentes incursos em crimes considerados hediondos por este dispositivo, bem como os crimes equiparados, deveriam cumprir a pena em regime integralmente fechado (BRASIL, 1990), contrariando, de maneira escrachada, o princípio constitucional da individualização da pena e ainda a dignidade humana (GONÇALVES, 2016), em uma tentativa precipitada de combater a criminalidade e promover a justiça por meio do justiçamento. Ocorre que, passada mais de uma década e meia da efetivação da Lei 8.072, resolveu a Suprema Corte, quando da discussão do HC 82.959, declarar a inconstitucionalidade de tal medida. Resultado disso foi a promulgação da Lei 11.464, de 2007, que entre outras ações deu nova redação ao referido parágrafo, passando a exigir o início do cumprimento da pena em regime inicial fechado, e não mais sua totalidade. Admitiu-se, ainda, a progressão de regime, quando do cumprimento de 2/5 da pena para apenados primários e 3/5 para condenados reincidentes, fato que, se não mais tornou impossível a possibilidade de cumprimento de pena em regime semiaberto e aberto, ao menos tornou o acesso a tais regimes de cumprimento de pena mais dificultoso aos condenados incursos em crimes hediondos e equiparados (GONÇALVES, 2016). Quando passada essa discussão, e não mais exigido o cumprimento integral da pena em regime fechado, começou a ser questionada a fundamentação da exigência de cumprimento de pena inicialmente em regime fechado. Ora, se pelo princípio da individualização da pena foi declarado constitucional o dispositivo original, pelo mesmo deveria ser a tese que defende a necessidade da nova redação do § 2o , artigo 2º da Lei dos Crimes Hediondos e Equiparados. Editora Unijuí – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Arthur Posser Tonetto – Wagner Augusto Hundertmarck Pompéo 6 Nesse sentido, ainda que a lei não mais tenha sido modificada, o Supremo Tribunal Federal já atestou a inconstitucionalidade, na oportunidade em que julgou o HC 111.840 em 2012, da necessidade de cumprimento de pena em regime inicial fechado, quando da incidência de penas menores de oito anos, mesmo para crimes hediondos e equiparados (GONÇALVES, 2016). Mencionado raciocínio decorre de que, como preceitua o Código Penal de 1940, somente os condenados a penas maiores de oito anos cumprirão em regime inicial fechado, havendo possibilidade de o juiz imputar o regime inicial semiaberto para penas maiores de quatro até oito anos e aberto para os menores ou iguais a quatro anos (BRASIL, 1940). Dessa forma, tem-se que, tratando-se de penas menores de oito anos, a fundamentação do juiz que visa a impor regime de cumprimento inicial fechado a apenado condenado por crime de tráfico de entorpecentes não pode ser pautada exclusivamente no § 2o , artigo 2º da Lei 8.702, mas necessariamente em outros motivos que possam justificar a necessidade dessa drástica medida (MONTEIRO, 2015). Por oportuno, aliás, interessante analisar os termos do voto do ministro Gilmar Mendes, que, em julgamento do HC 106.153, assim manifestou-se: Habeas corpus. 2. Tráfico ilícito de entorpecentes (Lei 6.368/1976). 3. Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Possibilidade. Precedente do Plenário (HC n. 97.256/RS). 4. Fixação do regime inicial aberto. 5. Aplicação do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. Requisitos atendidos. Ordem concedida. O STF já teve a oportunidade, por ocasião da análise do julgamento do HC n. 82.959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, Dje 1º.9.2006, de declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da antiga redação do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, a qual determinava que os condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados deveriam cumprir a pena em regime integralmente fechado. Naquele caso, ficou assentado que essa imposição contraria o princípio constitucional da individualização da pena (CF, art. 5º, XLVI). Pois bem. Sobreveio a Lei n. 11.464/2007 que, ao promover mudanças no já mencionado art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, determinou que a pena agora fosse cumprida no regime inicial fechado. É aqui que faço uma indagação: Esse dispositivo, em sua nova redação, não continuaria a violar o princípio constitucional da individualização da pena? Essa discussão, inclusive, já vem sendo alvo de debates nas instâncias inferiores e nesta Suprema Corte. No ponto, destaco, ainda, à guisa de ilustração, julgado recente proferido pelo próprio STJ que, ao analisar o HC n. 149.807/ SP lá impetrado, concluiu pela inconstitucionalidade desse dispositivo, ao fundamento de que, a despeito das modificações preconizadas pela Lei 11.464/2007, persistiria ainda a ofensa ao princípio constitucional da individualização da pena e, também, da proporcionalidade. No caso concreto, com fundamento nessas considerações, entendo que o disposto na Lei dos Crimes Hediondos (obrigatoriedade de início do cumprimento de pena no regime fechado) há de ser superado. É que o paciente preenche os requisitos previstos no art. 33, § 2º, c, do CP, para o início do cumprimento de pena no regime aberto (BRASIL, 2011). Isto posto, verifica-se que, ainda que a Lei 8.072 continue a exigir o regime inicial fechado para o cumprimento da pena em crimes hediondos e equiparados, em matéria de constitucionalidade o Supremo Tribunal Federal já manifestou-se em contrário. Disso se extrai que, atualmente, é exigindo que as decisões judiciais que venham a determinar o cumprimento das penas em regime inicial fechado não possam mais unicamente amparar-se no artigo 2º, § 2o , da lei supramencionada, devendo, pelo contrário, indicar outras razões legais que motivem essa decisão, uma vez que, assim não o fazendo, estaria configurada violação à Carta Magna, em especial ao princípio da individualização da pena (GONÇALVES, 2016).

3 A LEI 11.343/2006. DA REDUÇÃO DE PENA DO § 4º, DO ARTIGO 33, (DES)NECESSIDADE DE CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME INICIAL FECHADO E A POSSIBILIDADE DE PENA RESTRITIVA DE DIREITOS

Até o momento já se mostrou clara a inconstitucionalidade da obrigatoriedade do cumprimento da pena em regime inicial fechado para apenados condenados a menos de oito anos, conforme já aludido o entendimento do Supremo Tribunal Federal a esse respeito, para crimes hediondos e equiparados. Por conseguinte, faz-se necessário realizar a abordagem da Lei 11.343 de 2006, tida como a Lei Antidrogas que, além de instituir o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, trouxe medidas voltadas à prevenção, reinserção social de usuários e normas para repressão à produção e tráfico de entorpecentes (BRASIL, 2006a), sendo este Ano XXVII – nº 50 – jul./dez. 2018 – ISSN 2176-6622 DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME INICIAL FECHADO PARA CONDENADOS INCURSOS NO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006 E A AFASTABILIDADE DE SUA HEDIONDEZ PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) 7 dispositivo, destarte, sujeito aos procedimentos da Lei 8.072/90, uma vez que os crimes elencados pela Lei Antidrogas são equiparados aos crimes hediondos, havendo então a suposta necessidade do cumprimento de pena em regime inicial fechado, exigência já rechaçada pela Suprema Corte. Profícuo lembrar, dada a vigência da nova lei, naturalmente as Leis 6.368/76 e 10.409/2002 caíram em desuso (GONÇALVES, 2016). Trazendo às vistas o objetivo principal deste trabalho, o de analisar a (in)constitucionalidade da exigência do cumprimento de pena em regime inicial fechado para condenados incursos no § 4º, artigo 33 da Lei 11.343, cabe ressaltar o que, especificamente o legislador resolveu considerar como tráfico de entorpecentes. Pois bem, define o artigo 33, caput, como crime de tráfico ilícito de drogas o agente que: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (BRASIL, 2006a). O incurso em crime de tráfico de droga fica sujeito à pena de 5 a 15 anos de reclusão (BRASIL, 2006a), incorrendo na mesma pena aquele que incidir em ação equiparada (GONÇALVES, 2016), tipificada pelo artigo 33, §1º, agente que “importa, exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda, oferece, fornece, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, matéria-prima, insumo ou produto químico destinado à preparação de drogas” (BRASIL, 2006a).

3.1 Redução de pena do § 4º, do artigo 33, (des)necessidade de cumprimento de pena em regime inicial fechado e a possibilidade de pena restritiva de direitos

Esclarecido o que considerou como tráfico de entorpecentes o legislador, válido dizer, com a inteligência do § 4º, artigo 33 da Lei 11.343 “Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa (BRASIL, 2006a)”. Inicialmente o mesmo dispositivo previa a impossibilidade de conversão da pena para restritiva de direitos, matéria já julgada pelo Supremo e atestada como inconstitucional, permitindo, doravante, a imposição de tais medidas quando da incidência de penas menores de quatro anos, como preceitua o Código Penal (GONÇALVES, 2016). É factível, portanto, à semelhança dos demais crimes hediondos e equiparados, ser perfeitamente cabível a imposição de regime inicial semiaberto ou aberto e até mesmo substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direito, especialmente para condenados incursos no § 4º, artigo 33 da Lei 11.343, uma vez que, em rápido raciocínio lógico, chega-se à conclusão de que, em casos de réu primário, com bons antecedentes e não dedicado ou integrado a atividades ou organizações criminosas, condenado por vender certa quantidade de droga, consequentemente se chegaria à imposição de penas significativamente menores de quatro anos, devido à redução de um sexto a dois terços da pena, havendo possibilidade, portanto, de acordo com os artigo 33, § 2º, letras b e c, bem como o artigo 44, incisos I, II e III, tudo do Código Penal de 1940 (BRASIL, 1940), do cumprimento inicial da pena em regime semiaberto ou aberto ou, ainda, da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, devendo o juiz, nestes casos, julgar a compatibilidade de tal concessão, analisando, por exemplo, a quantidade de droga apreendida, podendo, com o amparo legal essencial, negar os benefícios supracitados (GONÇALVES, 2016). Neste caminho, é interessante trazer o julgamento proferido em sede dos Embargos de Declaração, autos de nº 70044136414, proferido a lavra da 3ª Câmara Crime do TJRS, quando, na oportunidade, ao analisar crime de tráfico de entorpecentes, o relator Exmo. Sr. Dr. Des. Nereu José Giacomolli usou de luzidos argumentos para julgar necessária a relativização do cumprimento em regime fechado: Não desconheço a natureza hedionda atribuída pela Constituição Federal ao crime de tráfico de entorpecentes, bem como que o artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, com a redação que lhe foi dada pela Lei 11.464/07, após a declaração de inconstitucionalidade do regime integral fechado, dispõe deva ser a pena imposta por crimes hediondos e equiparados cumprida em regime inicial fechado. Editora Unijuí – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Arthur Posser Tonetto – Wagner Augusto Hundertmarck Pompéo 8 Não obstante isso, entendo que a previsão da atual redação do artigo 2º,§ 1º, da Lei 8.072/90 não pode ser interpretada de modo desconectado do restante do sistema penal, como se fosse absoluta, independentemente das demais regras e princípios estruturantes do ordenamento jurídico-penal. Aliás, exatamente por isso foi declarada a inconstitucionalidade da sua redação anterior, que de modo desconectado do restante do ordenamento jurídico determinava a imposição obrigatória do regime integral fechado. A previsão de fixação do regime inicial fechado, nos termos do artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, justifica-se na medida em que a Constituição Federal determina um tratamento diferenciado aos delitos hediondos ou equiparados. Isso, porém, não significa que na fixação do regime prisional o magistrado esteja impedido de levar em consideração o disposto no artigo 33 do Código Penal, quando a situação fática verificada no caso concreto permitir o enquadramento. Do contrário, estaríamos diante de nova inconstitucionalidade, dada a impossibilidade de o magistrado adequar o regime prisional às peculiaridades da situação concreta (Princípio da individualização da pena) (RIO GRANDE DO SUL, 2012). Ao que segue, e conclui, ao tratar da possibilidade de pena restritiva de direitos: 8. Considerando a quantidade de pena aplicada – 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão; a primariedade e os bons antecedentes; e a inexistência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, é devido o estabelecimento do regime aberto para o cumprimento da privativa de liberdade e também a substituição da sanção corporal por duas medidas restritivas de direitos. 9. Na aplicação da pena de multa, deve-se guardar proporção com a privativa de liberdade. 10. Na hipótese, após a incidência da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, o Tribunal de origem reduziu a reprimenda em 2/3 (dois terços), diminuindo a pena pecuniária em apenas 1/3 (um terço). 11. Ordem concedida para, de um lado, estabelecer o regime aberto para o cumprimento da privativa de liberdade e substituí-la por prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana; de outro lado, redimensionar a pena pecuniária, de 332 (trezentos e trinta e dois) para 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa. A implementação das restritivas de direitos fica a cargo do Juiz das execuções (RIO GRANDE DO SUL, 2012). Tendo sido trazidos os mais luzidos raciocínios a fim de refutar a obrigatoriedade imposta pelo § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, resta clara a desnecessidade de cumprimento de pena em regime inicial fechado, mesmo para crimes hediondos e seus equiparados, bem como a plausibilidade da possibilidade de penas restritivas de direitos em penas menores de quatro anos. Para tanto, é necessário cumprir, no trecho final deste trabalho, com a análise da (des)necessidade da relativização do § 2º do artigo 2º da mesma lei para condenados incursos em crimes de tráfico privilegiado – § 4º do artigo 33, da Lei Antidrogas –- bem como dar claras ao recente entendimento por parte do STF de afastar a hediondez de crimes de tráfico privilegiado, o que será feito a seguir.

4 DO ENTENDIMENTO DO STF DE AFASTABALIDADE DE HEDIONDEZ EM CRIMES DE TRÁFICO PRIVILEGIADO COMO ELEMENTO ENSEJADOR A RELATIVIZAÇÃO DO §2º DO ARTIGO 2º DA LEI 8.072/90

Cabe salientar, diferente da previsão exposta pelo Código Penal de 1940, que previu o cumprimento de um sexto da pena em regime inicial fechado para haver aptidão à progressão de regime ao semiaberto (BRASIL, 1940), a Lei 8.072 expôs, em seu § 2º, artigo 2º, a necessidade do cumprimento de dois quintos da pena, para réus primários, ou três quintos quando reincidente (BRASIL, 1990). Profícuo lembrar, condenados incursos no § 4º do artigo 33 da Lei 11.343 necessariamente são primários, portanto, obrigados a cumprir ao menos dois quintos da pena para que possam progredir de regime (BRASIL, 2006a). Ocorre que, em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal resolveu que os crimes de tráfico privilegiado, assim previstos no § 4º do artigo 33 da Lei Antidrogas, não mais devem ser considerados hediondos. Em 23 de junho de 2016, por meio do HC 118.533, em clara afronta ao elemento constitucional previsto no inciso XLIII do artigo 5º da Carta Magna, a Suprema Corte declarou, por maioria de votos, a afastabilidade da hediondez dos crimes de tráfico privilegiado. Vale trazer, por ocasião do HC 118.533, trecho do voto da senhora ministra Cármen Lúcia, à época relatora do caso: Ano XXVII – nº 50 – jul./dez. 2018 – ISSN 2176-6622 DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME INICIAL FECHADO PARA CONDENADOS INCURSOS NO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006 E A AFASTABILIDADE DE SUA HEDIONDEZ PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) 9 O tratamento penal dirigido ao delito cometido sob o manto do privilégio apresenta contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa. A própria etiologia do crime privilegiado é incompatível com a natureza hedionda, pois não se pode ter por repulsivo, ignóbil, pavoroso, sórdido e provocador de uma grande indignação moral um delito derivado, brando e menor, cujo cuidado penal visa beneficiar o réu e atender à política pública sobre drogas vigente (BRASIL, 2013b). Manteve-se contra a concessão do habeas corpus, na ocasião, o senhor ministro Edson Fachin, em claro respeito à Constituição Federal: Com o devido respeito, eminente Relatora, a conclusão a que cheguei, sem embargo das razões que foram expostas da Tribuna e também das peças recursais muito bem elaboradas pela Defensoria, não vai ao encontro da conclusão apresentada pela eminente Relatora. A conclusão a que se chega, e que tomo a liberdade de apresentar, é pela não concessão da ordem, tendo em vista que a causa de diminuição não nos parece incompatível com a manutenção do caráter hediondo do crime. E sobre isso, não apenas a quantidade da droga apreendida chama a atenção, que é um elemento quantitativo, mas, em meu modo de ver, a razão da impetração do habeas corpus está na decisão monocrática do Ministro do Superior Tribunal de Justiça. E nessa decisão se assentou que: “A aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, não desnatura o caráter hediondo do crime de tráfico de entorpecentes.” Portanto, atento ao inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, tenho, para mim, que esta decisão deve ser mantida com a não concessão do habeas corpus, sem embargo de ser uma garantia constitucional importantíssima na defesa da liberdade e das garantias individuais, mas, no caso concreto, fico com a jurisprudência anteriormente consolidada do Supremo Tribunal Federal, entre outros, no habeas corpus 118.351 onde, em contraposição do ilustre Ministro-Presidente, nos seguintes termos: “A minorante do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 foi estabelecida não porque o legislador entendeu que a conduta, nos casos em que verificados aspectos favoráveis ao réu, seria menos grave, mas, sim, por razões de política criminal [...].” (BRASIL, 2013b). Anteriormente, semelhante assunto já havia sido objeto de discussão no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, quando defendeu que a minorante prevista no § 4º do artigo 33 não afasta o caráter hediondo do tráfico privilegiado, uma vez que a mudança da pena não a distancia de sua qualidade, no que torna profícuo trazer o entendimento dado pela Corte Superior no REsp 1297936/MS: AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. HEDIONDEZ CARACTERIZADA. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA Nº 1.329.088/RS. QUESTÃO PACIFICADA PELA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. É firme a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006 não implica no afastamento da equiparação existente entre o delito de tráfico ilícito de drogas e os crimes 42 XVIII Revista do CEPEJ hediondos, dado que não há a constituição de novo tipo penal, distinto da figura descrita no caput do mesmo artigo, não sendo, portanto, o “tráfico privilegiado” tipo autônomo. 2. Agravo regimental a que se nega provimento (BRASIL, 2013a). Isto posto, é dever ressaltar, quando da previsão constitucional, em seu inciso XLIII, a Carta Magna não previu diferenças entre o tráfico de entorpecentes e o tráfico privilegiado, sendo lógico, portanto, o tratamento semelhante que deve ser dado a ambos. Logo, por serem equiparados aos crimes hediondos, devem respeitar a progressão de regime prevista no § 2º, artigo 2º da Lei 8.072, devendo o apenado, em casos tais, cumprir ao menos dois quintos da pena para que seja possível a progressão de regime. Por este caminho, sustenta o tradicional doutrinador Guilherme de Souza Nucci, deve ser mantido o entendimento do Tribunal e, portanto, não afastada a natureza hedionda do crime de tráfico privilegiado (NUCCI, 2014). Ora, é necessário esclarecer o equívoco cometido pela Suprema Corte ao afastar a natureza hedionda do crime de tráfico privilegiado. É bem verdade que, em realidade, relativizou o entendimento constitucional que prevê tratamento ao tráfico de entorpecentes equiparado aos crimes hediondos, uma vez que o representante máximo do poder Judiciário não mais entendeu como exigência o cumprimento de dois quintos da pena para apenados incursos em crime de tráfico privilegiado, resolvendo tratar o mesmo como crime co- Editora Unijuí – Revista do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais da Unijuí Arthur Posser Tonetto – Wagner Augusto Hundertmarck Pompéo 10 mum. Deve-se dizer, é uma aberração jurídica tratar como comum um crime que assola todas as vertentes da sociedade brasileira e, ao dar este entendimento, a Suprema Corte relativizar a exigência do cumprimento de dois quintos da pena (MONTEIRO, 2015). Ainda usando os ensinamentos de Nucci, importante lembrar que (...) o art. 5o, XLIII, da Constituição Federal, dispõe que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá- -los, se omitirem.” Esse dispositivo constitucional pode ser avaliado sob dois prismas: extensivo e restritivo. Na ótica extensiva, vislumbra-se que o constituinte, ao inserir no título dos direitos e garantias fundamentais, uma expressa recomendação para que a lei considere determinados tipos de delitos mais graves, tratando-os com maior rigor, teve a preocupação de salvaguardar com evidente zelo certos bens jurídicos, como a vida, a saúde pública, a dignidade humana e sexual, entre outros (NUCCI, 2014, p. 424). Ao findar este tópico, o presente estudo objetiva mostrar que não é competência do STF reescrever a Constituição ou mesmo relativizá-la, porquanto tenha entendido afastar a hediondez do tráfico privilegiado, contrapondo a inteligência da Carta Magna, que prevê o tráfico em si, e não somente determinado tipo de tráfico de drogas. Devido a isso, fica límpido, não se deve relativizar o entendimento dado às regras de progressão de regime nos casos de crimes hediondos e equiparados, uma vez que, ainda que o tráfico privilegiado possua causa de diminuição de pena, sua incidência não altera a natureza ou qualidade do delito (ARAÚJO et al., 2016).

5 CONCLUSÃO

No momento em que é brindada a conclusão deste trabalho, duas são as conclusões dos seus proponentes. A primeira caminha no sentido de que, como bem atestado pela Suprema Corte quando do julgamento do HC 82.959, o legislador, quando afirmou ser obrigatório o cumprimento da pena em regime fechado para condenados incursos em crimes hediondos e seus equiparados, sobrepujou ferozmente os limites constitucionais. Em que pese o HC 82.959 tenha tido vital importância à declaração de inconstitucionalidade de tal medida, resultando na promulgação da Lei 11.464, de 2007, o fato é que passou desapercebido à época uma outra importante problemática. Trata-se da contradição existente entre o artigo 2º, § 1º daquela para com o corpo constitucional, que, entre seus princípios adota como vetores fundamentais em matéria penal a dignidade humana e a individualização da pena, e mesmo o Código Penal e o § 4º do artigo 33 da Lei 11.343 de 2006. Como visto, todavia, por mais que o texto novo não tenha previsto a possibilidade de cumprimento inicial da pena em regime menos gravoso, o Supremo Tribunal Federal, quando da análise do HC 111.840, declarou a inconstitucionalidade de tal exigência. Atualmente, portanto, tem-se que conforme aludido pelo Código Penal, por conta da individualização da pena, o magistrado não deve somente analisar o crime em si, fixando o regime de cumprimento de pena em inicial fechado somente por se tratar de crime de tráfico de entorpecentes, sobretudo na ocasião em que aplicada a redução de pena do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343 de 2006. A segunda, por conseguinte, decorre do fato de a Suprema Corte, em clara tentativa de reescrever a Constituição Federal de 1988, ter resolvido por afastar a natureza hedionda do tráfico privilegiado. Mencionada decisão, por mais que possa fazer coro ao raciocínio antes mencionado, no sentido de que o magistrado não deve somente analisar o crime em si, fixando o regime de cumprimento de pena em inicial fechado somente por se tratar de crime de tráfico de entorpecentes, especialmente quando aplicada a redução de pena do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343 de 2006, é algo que não pode ser aceito como possível. Isso porque, fica entendido, esse afastamento não só seria desnecessário para essa finalidade – afinal de contas a fixação de regime mais brando de cumprimento se justifica, como antes mencionado, por exigência da combinação da própria Constituição Federal, suas regras e princípios, Código Penal e o § 4º do artigo 33 da Lei 11.343 de 2006 – mas também por que essa decisão de afastar a natureza hedionda do tráfico privilegiado viola expressamente a regra contida no artigo 5º, inciso XLIII de nossa Carta Magna. Ano XXVII – nº 50 – jul./dez. 2018 – ISSN 2176-6622 DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO CUMPRIMENTO DE PENA EM REGIME INICIAL FECHADO PARA CONDENADOS INCURSOS NO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI 11.343/2006 E A AFASTABILIDADE DE SUA HEDIONDEZ PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) 11

6 REFERÊNCIAS

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