Da constitucionalidade do artigo 74, I, da Lei nº 8.213/91


Porwilliammoura- Postado em 27 maio 2013

Autores: 
BRASILEIRO, Flávia Ayres de Morais e Silva

 

Somente cabe ao Legislador regulamentar acerca da data de início do benefício, de modo que acolhimento de pretensões judiciais de concessão do benefício de pensão por morte desde o óbito independentemente da observância do prazo do requerimento administrativo implicaria inaceitável intromissão do Judiciário.

 

A finalidade precípua da Previdência Social, nos termos do artigo 201, inciso I, da Constituição Federal, é dar cobertura nos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada, conforme in verbis:

 

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

No caso do evento “morte”, o benefício é a pensão por morte, que na forma da redação original da Lei nº 8.213, de 1991, era devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecesse, a contar da data do óbito ou da decisão judicial, no caso de morte presumida.

Com a Lei nº 9.528, de 1997, a redação do art. 74 da Lei nº 8.213, de 1991, passou a vigorar com a seguinte redação:

 

“Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:

 

I – do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;

II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;

III – da decisão judicial, no caso de morte presumida.”

 

Assim, a lei não autoriza a conversão automática de benefício eventualmente percebido (ou que teria direito) pelo instituidor em pensão por morte, exigindo requerimento do benefício por parte dos dependentes do segurado falecido.

 

Lembre-se que a alteração do referido artigo foi proposta por ocasião da reedição da Medida Provisória n° 1.523-12, de 25.09.97, com o intuito de se evitar fraudes que ocorriam quando do registro do óbito, principalmente do trabalhador rural.

 

Isso porque, normalmente, no meio rural, diante das dificuldades ou falta de informação, a família do de cujus perde o prazo para registrar o óbito, necessitando socorrer ao Judiciário para tal fim.

 

Como o procedimento de justificação de óbito não exige provas materiais contundentes, geralmente sendo instruído tão-somente com base em depoimentos testemunhais, comumente, declarava-se que o óbito ocorreu há muito tempo, às vezes em períodos superiores a um ano, com o intuito de se receber pensão retroativamente, já que a lei estabelecia que o benefício era devido a contar da data do óbito.

 

Para coibir essa fraude, o legislador estabeleceu aludido prazo para estimular o registro próximo à real data do óbito, agindo conforme seu poder regulamentar, pautado pelos princípios emanados da Constituição.

 

Assim, o estabelecimento de prazo para que o benefício possa retroagir à data do óbito, nos termos do artigo 74, inciso I, da Lei nº. 8213/91, é constitucional, tendo em vista que a regulamentação legal da data do  início do benefício conforme prazo do requerimento está dentro do poder de conformação do legislador, nos moldes traçados pela Constituição Federal.

 

Não se desconhece que, em alguns casos, em razões de ordem burocrática ou logística (muitas vezes residem em locais não atendidos por agência do INSS), até mesmo por envolver na maioria das vezes pessoas humildes, o dependente não consegue efetivar o requerimento do benefício dentro do prazo de 30 dias.

 

Justamente para evitar prejudicar os dependentes nessa situação, tramita o Projeto de Lei nº. 466/2003, o qual pretende ampliar o prazo previsto no artigo 74, inciso I, da Lei nº. 8213/91 para 90 dias, o que reforça a constitucionalidade a possibilidade tanto do estabelecimento de prazo para fixar o início do benefício no caso de pensão por morte como de qual prazo consiste, até mesmo diante dos princípios básicos que regem a Previdência Social.

 

Logo, o Poder Legislativo está procurando contornar essa situação com o elastecimento do prazo, cabendo tão-somente a esse Poder referida tarefa. Querer sempre que o benefício retroaja à data do óbito independentemente da data do requerimento é deixar ao bel prazer dos dependentes e estimular à fraude, nos moldes já mencionado, o que certamente representará um rombo no Orçamento Público.

 

A Constituição Federal, em seu artigo 201, inciso I, é bastante clara que os benefícios da Previdência Social deverá observar critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e que serão concedidos NOS TERMOS DA LEI.

 

Ou seja, há necessidade de previsão do benefício em lei para a sua concessão, até mesmo para se estabelecer seus norteamentos: início do benefício, renda mensal início, se há possibilidade de acúmulo com outros benefícios, etc.

 

O processo legislativo obedece à garantia elencada no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, tanto em sua dimensão substantiva como processual, devendo se atentar para os princípios constitucionais, especialmente quando impor restrição a um direito ou garantia fundamental e sempre se levando em consideração a adequação, a necessidade e a proporcionalidade.

 

Verifica-se que o legislador escolheu um meio idôneo e adequado para limitar o direito ao benefício da pensão por morte (estabelecimento de prazo para que o benefício retroaja à data do óbito); esse meio se tornou necessário para fins de evitar a aludida fraude da “indústria do atestado de óbito”, tornando-se indispensável para manter o direito do benefício; é proporcional (proibição do excesso) visto que a restrição foi a mínima possível (tão-somente a fixação de um prazo mínimo para os dependentes efetuarem o requerimento, não afetam o direito do benefício em si, já que sempre permanecerá o direito independentemente da data do requerimento).

 

Frisa-se, assim que somente cabe ao Legislador legislar/regulamentar acerca da data de início do benefício, de modo que acolhimento de pretensões judiciais de concessão do benefício de pensão por morte desde o óbito independentemente da observância do prazo do requerimento administrativo, sob o argumento de inconstitucionalidade do artigo 74, inciso I, da Lei nº. 8213/91, implicaria inaceitável intromissão do Judiciário em matéria de competência legislativa, já que cabe ao Legislador fixar os parâmetros necessários para a concessão do benefício, dentro os quais se destaca o início da data de concessão.

 

Sob o mesmo fundamento (impossibilidade de o magistrado substituir-se ao legislador), o STF editou a Súmula 339, a qual, embora trate de matéria diversa, cristalizou o entendimento segundo o qual é vedado ao juiz legislar positivamente: “Súmula nº 339 - Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa,..”.

 

Evidente, portanto, que não cabe ao Poder Judiciário estabelecer qual a data de início de um benefício previdenciário, sob pena de afronta ao princípio constitucional da Separação dos Poderes.




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