CRIME ORGANIZADO COMO ATIVIDADE ECONÔMICA


Porjulianapr- Postado em 26 março 2012

Autores: 
Ricardo Antônio Lucas Camargo

 

CRIME ORGANIZADO COMO ATIVIDADE ECONÔMICA

 

Ricardo Antônio Lucas Camargo

 

Doutor em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais

Membro da Fundação Brasileira de Direito Econômico

 

Como se sabe, com sua grande extensão territorial, o Brasil, paradoxalmente, se coloca como um dos que mais problemas com relação à ocupação do solo, tanto urbano quanto rural, apresentam. Joaquim Luís Osório, em relação ao problema da especulação imobiliária em geral, observa: “os governantes, assim como os particulares, têm uma função social a cumprir, como detentores da riqueza pública. Compete-lhes exercer essa missão social de proprietários, dando a melhor aplicação ao patrimônio de que são depositários. Não têm os governantes o direito de conservar áreas imensas sem cultivar, inaproveitadas, quando a humanidade anda em busca de terras para expandir-se. Manter inatividade neste assunto será despertar a cobiça estrangeira, justificar a tentativa de expansão de outros povos apertados na sua área territorial” [op. cit. p. 203]. Francisco Malta Cardozo, ao versar a questão do esgotamento dos recursos do solo, salienta sua estreita ligação com o regime de apropriação da terra: “cuida-se agora de promover a defesa do solo e a recuperação de sua fertilidade. Ora, diz isto respeito aos atos e aos fatos que ocorrem na exploração da terra, interessando, e fundamente, à posse, à propriedade, ao trânsito, aos sistemas de cultura e produção e principalmente ao trabalho rural: matéria de direito rural. Não seria exeqüível nenhum plano de defesa do solo sem normas de uso da terra” [Tratado de Direito Rural. São Paulo: Saraiva, 1953, v. 1, p. 273]. Galeno Lacerda, tratando especificamente das modalidades empregadas para a ocupação do território brasileiro, observa, em relação à colonização, extremando-a da legitimação de posse: “Colonização supõe, efetivamente, o domínio de terra pública, que é então alienada através de título de concessão de lotes. Aí, há uma alienação, há uma transferência de domínio” [Direitos reais. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 216]. No que tange à legitimação de posse, o problema que emergia era justamente o de as terras poderem estar habitadas pelos silvícolas. Nem se diga que se estaria a transplantar um dado da história norte-americana para a realidade brasileira, porquanto é no discurso laudatório feito por Francisco Malta Cardozo que se lê: “a epopéia dos pioneiros norte-americanos, que satisfazendo a ‘fome’ de terras novas e mudando sempre para outras ‘mais novas ainda’ e assim alargando os horizontes da imensa pátria de Lincoln e Jefferson, parece a das bandeiras paulistas, pelos contingentes com que ambos os movimentos contribuíram para a formação social e nacional norte-americana e brasileira” [Tratado de Direito Rural. São Paulo: Saraiva, 1954, v. 2, p. 325]. Octávio Mello Alvarenga recorda: “um trecho do procurador Aurélio Virgílio Veiga Rios, que escreveu sobre os direitos constitucionais dos índios na faixa de fronteira, denuncia interessante (e perigosíssima) deturpação na maneira pela qual os ideólogos da segurança nacional consideram o índio. Para eles, os índios estão excluídos do processo de desenvolvimento da faixa de fronteiras. Ora, se o índio não se inclui entre os ‘catequizáveis’, sua eliminação física tem pouca ou nenhuma importância”[op. cit. p. 228]. Esta visão é bem ilustrada por esta passagem de Ives Gandra da Silva Martins: “os índios civilizados agem nas suas próprias atividades, quase sempre longe das terras dos seus antepassados. Aqueles índios que permanecem nas terras, principalmente na Floresta Amazônica, são os índios de civilização pré-histórica, proibidos de evoluir para se tornarem peças vivas de um mundo selvagem, para gáudio dos ecologistas e antropólogos” [Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000, v. 8, p. 1.124]. Tal discurso, aparentemente preocupado com o desenvolvimento do País, oculta a justificação lançada por Rudolf von Jhering com relação ao direito histórico que os descendentes dos anglo-saxões teriam em proceder ao extermínio dos peles-vermelhas, e que já foi objeto de exame em outra oportunidade. Para que não se diga que se está a localizar apêndice ósseo ponteagudo em cabeça eqüina, observe-se este depoimento transcrito no livro do Professor Paulo de Bessa Antunes: “ao instalar-se num novo sítio dentro da área Yanomami, os garimpeiros vêm primeiro em pequenos grupos. Sendo poucos, sentem-se vulneráveis perante a população indígena. Temendo uma reação negativa dos índios, tentam comprar sua anuência com farta distribuição de bens e comida. Por sua vez, os índios têm pouca ou nenhuma experiência com brancos e tomam esta atitude como expressão de generosidade que se espera de qualquer grupo que quer estabelecer laços de aliança intercomunitária. [...] Num segundo momento, o número de garimpeiros aumenta substancialmente e já não é preciso manter aquela generosidade inicial. Os índios passam de ameaça a estorvo, com suas insistentes demandas pelos bens que passam a receber. Os garimpeiros irritam-se e tentam afasta-los dos garimpos com falsas promessas de presentes futuros e com atitudes impacientes ou agressivas. A essa altura, os índios já começam a sentir uma rápida deterioração em sua saúde e meios de subsistência. Os rios ficam poluídos, a caça foge e muita gente morre em constantes epidemias de malária, gripe etc., desestruturando a vida econômica e social das comunidades. Desse modo, os índios passam a ver os bens e a comida trazida pelos garimpeiros como uma compensação vital e inquestionável, pela destruição causada. Negada tal compensação, cria-se no seu entender uma situação de hostilidade explícita” [Ação civil pública – meio ambiente e terras indígenas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998, p. 157-158]. Neste caso, entende-se o porquê de, nos raros casos de genocídio que a jurisprudência pátria conhece, estar presente, normalmente, a visão do índio como um escolho ao aproveitamento econômico dos recursos naturais [Recurso especial 222.653. Relator: Min. Jorge Scartezzini. RT 786:605], modo de ver que, é bem verdade, não deixa de ser tributário da concepção que se tinha acerca do que caracterizar como pessoa à época do descobrimento, como salienta Alcir Gursen de Miranda: “no conceito da época, as terras eram desabitadas, pois os silvícolas não eram sujeitos de direito – sem civilização não há falar em direito. O fato de os portugueses encontrarem estes naturais nas terras não foi nenhum embaraço ao domínio lusitano, mas apenas algum incidente no exercício da efetiva possessão” [O direito e o índio. Belém: CEJUP, 1994, p. 43]. Que esta mentalidade voltada a considerar o ocupante originário como usurpador não se apagou, ainda, pode-se verificar em Ives Gandra da Silva Martins: “retiram-se do titular do direito todos os seus direitos legítimos para depois transferi-los ao ‘Museu do Índio Vivo’ e para que se torne ele beneficiário da dádiva governamental espoliatória” [op. cit. p. 1.136]. Joaquim Luís Osório, entretanto, mesmo considerando a integração do índio à civilização um serviço a ser prestado a ele, contrapõe-se à tese segundo a qual seria ele usurpador dos legítimos direitos do civilizado: “os índios são os legítimos senhores do território ocupado na América pelos europeus a ferro e fogo. Aos ocidentais pareceu legítima essa ocupação em nome da civilização...as populações indígenas só tinham, entretanto, o crime de achar-se nos primitivos graus dessa civilização que os ocidentais haviam transposto. Basta esses fatos para mostrar a conduta fraternal que devem manter os brasileiros em relação aos indígenas, que não podem ser havidos como inimigos, nem ficar sujeitos às barbarias ou perseguições dos usurpadores de suas terras...” [op. cit. p. 195]. Lembre-se que, constitucionalmente – Constituição Federal, artigo 20 c/c 231 -, as terras dos índios pertencem à União, traduzindo um caso de afetação de uso especial a elas. Como diz José Cretella Júnior, “o pertencerem ao Estado não implica em serem todos os bens públicos de direito pessoal ou real no sentido das leis civis. Muitos desses bens lhe pertencem no sentido de que são por ele administrados no interesse coletivo” [Tratado do domínio público. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 21]. Considerando a lição do mestre paulista, entende-se o asserto do Ministro José Carlos Moreira Alves: “os particulares, em face do Estado ou entre si, serão meros detentores dos bens públicos de uso comum e de uso especial, se o Estado não lhes assegurar o uso privativo sobre parcela do bem público de uma destas categorias” [Posse. Rio de Janeiro: Forense, 1990, v. 2, t. 1, p. 170-171]. O uso especial, no caso, diz com usufruto sobre estas terras que integram o patrimônio da União. Já sob a Constituição de 1967, ensinava Mário Masagão: “quanto às terras ocupadas pelos silvícolas, a estes cabe a posse, como o usufruto, conforme o art. 186 da Constituição do Brasil’ [Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 123]. Como doutrina Lafayette Rodrigues Pereira, “o usufruto pertence à classe dos direitos intransmissíveis: não pode o usufrutuário despojar-se dele para aliena-lo a terceiro por título oneroso ou gratuito” [Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, p. 245]. Se não pode o usufrutuário alienar o usufruto, correta a tese do seguinte aresto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no que considerou presente a disposição de coisa fora do poder de disponibilidade do agente: “ESTELIONATO. ARRENDAMENTO DE TERRAS INDÍGENAS. ART. 171, § 2º, I, CP. 1. As terras indígenas, sendo patrimônio da União, são inalienáveis e indisponíveis, insuscetíveis a exploração de terceiros senão pelos próprios índios, observando as regras estabelecidas pela FUNAI. Arrendamento irregular em favor de terceiro. 2. Os réus tinham plenas condições de conhecer a ilicitude de suas condutas, já que, sendo lideranças indígenas, deveriam ser conhecedores dos limites entre o lícito e o ilícito em se tratando de arrendamento de terras indígenas. Condenação adequada e pena de reclusão bem substituída. Multa mantida, ressalvado o parcelamento. 3. Recurso improvido.” [Apelação Criminal 200104010804400. Relator: Des. Federal Volkmer de Castilho. DJ – seção II – 14-08-2002]. A lição de Galeno Lacerda, neste particular, vale: “nosso Tribunal possui acórdão nesse sentido, da egrégia 2ª Câmara Cível: ‘negócio jurídico ineficaz. A cessão de direitos possessórios feita por quem não é titular desses direitos não é nula, é ineficaz em relação ao titular desses mesmos direitos’ (Revista, vol. 52, p. 275). É a tese de Pontes de Miranda, que podemos aplicar por analogia – ele se refere às alienações ‘a non domino’, às vendas ‘a non domino’ -, às cessões ‘a non domino’, consideradas ineficazes em relação ao legítimo proprietário do bem” [op. cit. p. 217]. Agora, é claro que o simples fato de se reconhecer que o índio merece tutela não implica a negação dos direitos que a mesma Constituição assegura aos demais brasileiros, como observa este aresto do Tribunal Regional Federal da 1ª Região: “INTERDITO PROIBITÓRIO. AMEAÇA DE TURBAÇÃO OU ESBULHO POR INDÍGENAS. LOCALIDADE FORA DE ÁREA INDÍGENA DEMARCADA. 1. Comprovada a ocorrência de incidentes entre índios (etnia kaiapó) e mineradoras, relevadores de ameaça de turbação e esbulho em área cedida para exercício de direitos de lavra, confirma-se a expedição de mandado liminar em interdito proibitório. A tutela constitucional ao índio não se entende aos atos de ameaça de imissão possessória em localidade fora da área demarcada para a sua preservação. 2. Para o interdito proibitório é suficiente a ameaça de turbação ou esbulho. O descumprimento do Decreto n. 65.202/69, no tocante à prévia celebração de acordo entre a empresa mineradora e a Funai, nas concessões de lavras, restringe-se às áreas indígenas e, ainda que pertinente, não prejudica o direito possessório da agravada, enquanto não desconstituída a concessão da lavra.3. Agravo improvido.” [AI 199301068028. Relator: Olindo Menezes. DJ – seção II – 14-04-1998]. Claro que, aqui, se está dizendo que a tese está correta, não se podendo falar acerca da correção da solução no caso concreto tendo em vista que, em matéria de posse, o que pesa são as circunstâncias fácticas reconstituídas nos autos. O mesmo Tribunal, contudo, pareceu olvidar que a posse dos índios se colocava constitucionalmente, já na vigência da Constituição de 1967, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969, como usufruto, tratando, assim, as terras indígenas como bens dominicais da União: “CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONVENIO ENTRE A FUNAI E A PETROBRAS. EXPLORAÇÃO DE PETROLEO EM TERRAS INDIGENAS. AÇÃO POPULAR. ARTIGOS 168, 169 E 198, DA CF/69 E ARTIGOS 20, PARAG. 1, LETRA "F", DA LEI 6001/73 E AINDA ARTIGOS 2, LETRAS A E E, DA LEI 4717/65. 1. Os dispositivos da Lei 6001/73, (Estatuto do Índio) art. 20, parag. 1, letra "f" e 45, que embasaram o ato administrativo (Convênio FUNAI X PETROBRÁS), não afrontavam a CF/69. 2. As terras ocupadas pelos silvícolas incluem-se entre os bens da União e são inalienáveis, nos termos da lei, reservado aos índios o usufruto exclusivo de suas riquezas naturais, bem como de todas as utilidades nelas existentes, (art. 198, da CF/69), exceção feita à pesquisa e lavra do petróleo à vista do monopólio estabelecido em favor da União pelo art. 169, da mesma CF/69. 3. A norma insculpida no art. 198, da CF/69 não afeta a aplicação daquela inserta nos arts. 167 e 168, da mesma Carta Magna. 4. Apelo improvido.”[Apelação Cível 199101139460. relator: Des. Federal Nelson Gomes da Silva. DJ – seção II – 02-08-1993]. O equívoco da tese deste aresto é exposto por Paulo de Bessa Antunes: “as terras indígenas são terras federais e pertencentes ao domínio exclusivo da União. A própria União, entretanto, sofre limitação dos seus direitos de proprietária. Assim é porque o constituinte instituiu um usufruto exclusivo dos índios sobre as riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes” [op. cit. p. 167]. Quer dizer: se o usufruto se oporia até mesmo à União, não se poderia, mesmo, realizar contrato de risco para a exploração de petróleo em terra indígena, sobretudo por conta do impacto ambiental que, efetivamente, é gerado. E, como se sabe, em relação aos contratos de risco, alardeados como o grande instrumento para o desenvolvimento da indústria petrolífera no País no final da década de 70, foi concedida à exploração por empresas transnacionais uma área que somaria a Inglaterra, a Suécia, a Itália, a Suíça, de acordo com o depoimento do Deputado Afonso Arinos de Mello Franco à Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988, na qual não se encontrou petróleo, tendo, entretanto, a PETROBRÁS, obrigada a prospectar petróleo no mar, desenvolvido inclusive tecnologia para tanto. Curiosamente, os mesmos nomes que se armam de nacionalismo contra a disposição contida no artigo 231 da Constituição, aplaudem a abertura indiscriminada da economia para o capital estrangeiro, tachando de xenófobo a quem sustente a necessidade de preservação da soberania econômica nacional. De qualquer sorte, este aresto do mesmo Tribunal, atentando para o correto enquadramento jurídico da situação, reconheceu a oponibilidade do usufruto inclusive à União e, por outro lado, o próprio imperativo de se proceder, com seriedade, à demarcação das terras indígenas: “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. COMUNIDADE INDÍGENA. DEMARCAÇÃO DE TERRA. UNIÃO FEDERAL E FUNAI. RESPONSABILIDADE. INVASÃO DE ÁREA INDÍGENA. 1. Por imperativo constitucional, incumbe à União Federal (FUNAI) a demarcação e proteção das terras tradicionalmente ocupadas pelas comunidades indígenas. 2. Toda a região norte-oriental do Estado de Roraima apresenta vestígios de ocupação imemorial indígena, pelos povos Wapixana, Makuxi e Taurepang, que além de numerosos, mantêm estreitos laços de parentesco, áreas comuns de exploração dos recursos naturais e rituais comuns, conforme reiterados relatos históricos, estudos e pareceres oficiais conhecidos. 3. Apesar da constatação da ocupação indígena, no início da década de 80 a FUNAI, utilizando critérios tecnicamente discutíveis ou até mesmo desconhecidos e despidos de amparo legal, retalhou a região em apreço em dezenas de áreas de dimensões reduzidas, deixando entre elas o espaço livre para o afluxo de ocupantes não índios, intensificado pela construção de estradas com traçado sobre as próprias áreas delimitadas e por outros incentivos oficiais ou semi-oficiais. Este fato atentou contra o modo de vida, a reprodução física e cultural das tribos mencionadas, pois dificultou a manutenção dos laços de parentesco entre as várias malocas, afastou a caça e a pesca e as expôs a numerosos conflitos com posseiros não índios que, a cada embate, acabavam estendendo mais os limites de suas atividades agropecuárias, extrativas e especulativas, não hesitando mesmo em adentrar áreas formalmente delimitadas como indígenas, como na hipótese objeto da presente ação civil pública. 4. A Portaria nº 1226/E, de 21 de maio de 1982, declarou a posse permanente dos índios Wapixana e Macuxi sobre uma aproximada de 6.324 hectares, compreendida nos limites descritos no mesmo ato normativo, a que deu a denominação de área indígena Canauanim. 5. A portaria, baixada de conformidade com o Estatudo do índio (Lei 6.001, de 19.12.73), artigo 17, I, 19 23 e 25; no âmbito das atribuições da FUNAI, conforme a lei que a instituída (Lei 5.371, de 05.12.67) e o respectivo Estatuto, que na ocasião era o Decreto 84.638, de 16.04.80, especialmente os artigos 1º, II, b e 8º, VII; atendeu ao procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas estabelecido pelo Decreto 76.999, de 08.01.76, artigos 2º e seguintes, que determinava o prévio reconhecimento da área demarcada (fls. 146-151). 6. A União se omite e a FUNAI também por omissão de seu poder de polícia permitem que o perímetro interditado seja continuamente invadido por posseiro, com a conseqüência, além de outras, de ir apagando os vestígios da ocupação indígena. 7. Doze anos se passaram desde a edição da Portaria 1226/E, sem que o procedimento administrativo tendente à demarcação tivesse continuidade. Na vigência do Dec. 76.999/76, todo o procedimento era atribuição da FUNAI, culminando com a homologação do Presidente da República. Após a substituição desse diploma regulamentar pelo Decreto 88.118/83 e subseqüentemente pelo Decreto 94.945, de 23.09.87, a demarcação depende de atos administrativos com a participação de representantes de vários órgãos da Administração Federal, cabendo a um Grupo de Trabalho Interministerial apreciar a proposta da FUNAI que, se aprovada, será encaminhada aos Ministros de Estado para declaração de ocupação indígena, mediante portaria interministerial que, em seguida, será submentida à homologação presidencial. 8. Apesar de o artigo 67 do ato das disposições constitucionais transitórias estabelecer que ‘a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição’, nos casos com as características da AI Canauanim, palco de conflitos fundiários, de invasões por posseiros que paulatinamente reduzem suas dimensões e desfiguram os vestígios de ocupação imemorial, o dever de demarcar é prontamente exigível, até porque ele resulta de uma sucessão de atos a cargo de vários órgãos federais, impossíveis de serem executados na véspera de se completar o quinquênio. A ré vem sendo contumaz na inadimplência dessa obrigação, pois a Lei 6.001/73, art. 65, conferiu o mesmo prazo, há muito escoado, para que o Executivo demarcasse a área. 9. Remessa oficial improvida.” [Remessa Ex-Officio 199601087320. Relator: Mário Ribeiro. DJ – seção II – 15-10-1999]. Washington Peluso Albino de Souza confere um elemento precioso para chamar a atenção do juseconomista sobre o tema, ao recordar que a Universidade Federal do Pará “aplica-se à pesquisa sobre a ‘Posse Agroecológica: o Apossamento dos Seringueiros e dos Remanescentes de Quilombo’, buscando a lição dos chamados ‘Povos da Floresta’ portadores da ciência milenar de viver na e da floresta, sem destruí-la, e oferecendo ao atormentado homem atual diante do futuro ambiental os caminhos jurídicos para o desenvolvimento sustentado” [Primeiras linhas de Direito Econômico. 4ª ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 461-462].