Contribuição ética das escolas de magistratura


Porrayanesantos- Postado em 10 julho 2013

Autores: 
SÁ, Fábio Gustavo Alves de

I – INTRODUÇÃO

 

O Estado atribui aos magistrados a louvável missão de administrar a Justiça. Tal função é de extrema importância e magnitude para a sociedade, de maneira que é necessário ao juiz independência, probidade e amplo conhecimento cultural, legal, doutrinário e jurisprudencial para que possa aplicar, a cada caso concreto, a correspondente norma que o solucione com eficácia e, principalmente, com Justiça.

 

Diante da grandeza da busca pelo justo, é imprescindível uma conduta ética por parte dos magistrados, os quais no desempenho de suas atividades, devem atentar para os princípios impostos pela ética profissional. Em uma sociedade onde é grande a preocupação com a prestação jurisdicional, o juiz deve sempre atuar com nobreza de caráter, elevação moral, imparcialidade, independência, sabedoria e elevada cultura jurídica.

 

Apesar dos magistrados não possuírem um Código de Ética específico para o desempenho de suas funções, há mandamentos éticos inspiradores de suas condutas dispersos pela doutrina, na Lei Orgânica da Magistratura Nacional e na própria Constituição Federal. Afinal, é sempre preciso a manutenção da conduta ética no processo jurisdicional e nas relações entre todos àqueles envolvidos numa estrutura cooperatória para a realização da Justiça. Não nos parece que os esforços devam centrar-se e muito menos esgotar-se na formulação de um código de Ética e de Deontologia judiciárias e na concentração numa disciplina na formação dessa matéria.

 

Mesmo que, porventura, se considere pragmaticamente útil aquela elaboração, parece-nos dever ter-se o cuidado de não lhe imprimir um caráter estático e de "cartilha", mas antes tê-la como mera base de reflexão.

 

Deve, em nosso entender, recorrer-se à Constituição da República, às Convenções, Declarações e Recomendações internacionais sobre os Direitos do Homem e o exercício do poder judicial, à Lei Orgânica dos Tribunais, aos estatutos profissionais de Magistrados, Advogados e Funcionários de Justiça, e ao conjunto do sistema jurídico, em especial aos princípios e normas processuais.

 

Ainda que possa ser útil um ou outro momento de exclusivo tratamento específico do tema, inclinamo-nos para a manifesta vantagem de uma abordagem transversal, abrangendo todas as matérias da formação do juiz, tendo como tema permanente a análise ética da intervenção do Magistrado.

 

Com vistas a essa necessidade ética de formação do magistrado nascem as Escolas de Formação dos magistrados, que terminaram por se conhecer pelo nome de Escolas de Magistratura, que, não olvidando o seu caráter pedagógico, dá grande ênfase na formação do juiz ético que tem como base de suas atitudes o reflexo que esta tomará na sociedade, levando sempre em conta, ao tomar suas decisões, o bem coletivo.

 

É nesse sentido que serão a seguir analisados diversos pontos referentes à Ética na Magistratura, os quais não se esgotam em si, configurando-se somente como uma análise sobre os aspectos mais relevantes de tão vasta  e importante matéria.

 

II - DIREITO, MORAL E ÉTICA

 

É de se lembrar que desde os primórdios da civilização, quando o homem resolveu se sedentarizar, surgindo assim a sociedade e consequentemente o Direito, que se vem preocupando, ou senão,  vivenciando-se, o problema ético. Aos que negam essa acertiva deve-se fazer lembrar que a ética é condição primeira para o exercício pleno de um direito e que sem esta não se cogitaria a existência do Direito em sua essência. Mesmo sem se dar conta os homens primitivos utilizavam e valiam-se das normas éticas em suas relações até mesmo na determinação dos mais fortes ou na escolha de seu líder.

 

As normas éticas não trazem em seu corpo apenas um juízo de valor sobre os comportamentos humanos, mas culminam na escolha de uma diretriz considerada obrigatória numa comunidade. Miguel Reale acredita que a norma ética “expressa um valor, ao qual se liga uma sanção, isto é, uma forma de garantir-se a conduta que, em função daquele juízo, é declarada permitida, determinada ou proibida.”.(Miguel Reale, 1996). Nesse contexto a ética e o Direito muito se assemelham. As características principais de um, encontram-se no outro. A ética e o Direito são heterônomos, exigem uma bilateralidade atributiva e, principalmente, possuem o poder de coação, o que lhes garante a sua aplicabilidade.

 

Cabe ainda, neste mesmo tópico acentuarmos as diferenças, muitas vezes desconsideradas, entre o Direito e a Moral. Não se pode confundir esses conceitos, mas também não podemos separá-los por completo. Uma grande virtude que o cientista do Direito deve ter é exatamente a de conseguir não confundir os institutos jurídicos sem, contudo, separá-los.

 

Para que esse estudo seja melhor assimilado torna-se mister recordarmos a Teoria do Mínimo Ético do filósofo Inglês Jeremias Bentham, que consiste na afirmativa de que o Direito representa apenas o mínimo de moral declarado obrigatório para que uma sociedade possa sobreviver. Para os seguidores dessa doutrina “tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico”. Verifica-se porém que nem tudo que se observa no mundo do ser corresponde ao certame declarado na expressão transcrita. Existem tutelas jurídicas que não são morais, que se alteradas fossem, nada acarretariam ao mundo da moral. Contate-se, se o legislador resolvesse alterar o prazo prescricional de um título de crédito, qual seria a correlação que se faria entre essa nova lei editada e o mundo da moral? Nada se veria de novo no mundo da moral. Tal atitude do legislador não seria discutida na seara moral pois essa determinação é puramente de ordem pragmática para o regulamento das ações sociais, mas nem por isso, ou seja, por não influir no mundo da moral, este ato deixa de ser jurídico, gerando assim conseqüências no mundo jurídico e devendo ser cumprida pelos seus destinatários.

 

O Direito e a Moral não se confundem pois esta encontra-se no mundo da conduta espontânea humana e nunca no mundo do dever ser. O ato moralmente respaldado pressupõe a adesão espiritual do indivíduo, onde jamais poderia ser forçado a realizá-la, diferenciando-se do direito que por natureza é cogente! Dentre as características essenciais do direito, quais sejam, heteronomia, coercibilidade, atributividade e bilateralidade a moral só guarda semelhança com o direito nessa última característica, já que não existe moral unilateral.

 

Concluindo esse raciocínio a ética e o direito guardam entre si semelhanças sensíveis, enquanto que a moral se distancia deles por não poder esta ser compulsória no labor humano.

 

III - A QUESTÃO DO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO

 

Em estudo monográfico acerca da educação jurídica brasileira, Roberto Wanderley Nogueira, em palavras irretocáveis disse que:

 

 “a formação acadêmica do Juiz brasileiro, dentre outros profissionais da área do conhecimento jurídico, vem sendo inserida num regime de deficiências estruturais de amplo espectro que provém de uma concepção hodierna amesquinhada para as Escolas e Cursos Oficiais de Direito. João Maurício Adeodato alinhava, pelo menos, cinco fatores de redução da "excelência" universitária para o ensino jurídico no país: o baixo nível do corpo docente, o baixo nível do corpo discente, a proliferação do mercantilismo, a remuneração aviltante e a carência de infra-estrutura material ajustável às atividades de ensino, pesquisa e extensão.” (Roberto Wanderley Nogueira, 1999)

 

Concluindo esse pensamento ele alega que:

 

 “sempre será necessário para a correta realização do jurídico que haja lei compatível com a realidade que ela visa disciplinar e pessoal qualificado o bastante para dar-lhe, técnica e eticamente, o enredo aplicativo programado no momento de sua edição. Para tanto será sempre necessário que o ensino jurídico se processe em meio a um ambiente de discussões críticas, no qual o potencial de cada um de seus agentes, seja docente, seja discente, habite continuamente de forma a encontrar motivações à criatividade, à liberdade que eleva o espírito científico para o alto, livrando o homem do seu cativeiro diante dos próprios desejos e paixões.” (Roberto Wanderley Nogueira, 1999)

 

É bem verdade que as questões por ele suscitadas são reais e visíveis a todos os que desfrutam das ciências jurídicas como fonte do saber. Com essas dificuldades enfrentadas hoje pelo propenso estudioso do Direito, é de fácil constatação que amesquinham-se os profissionais do direito e ainda mais, coloca-se a ética e o direito em um plano bem inferior, desprezando-se esses institutos para que agora o indivíduo seja valorizado com vistas apenas a sua capacidade de aquinhoar capital e acumular bens materiais.

 

As faculdades não são mais criteriosas em instituir vagas ou em criar cursos jurídicos. A ilusão de que o curso de direito traz retorno pecuniário imediato faz com que a procura por esse tipo de ensino aumente e o baixo custo em manter tal curso permite que as instituições que promovem a educação jurídica os crie, gerando um processo de banalização do profissional em direito, lançando em um mercado já saturado profissionais que nem sequer mereciam tal título.

 

Muitas instituições de ensino não se preocupam com a formação ética dos seus componentes, e tampouco idealizam um estilo de magistério que crie em seus discípulos um instinto científico de produção mutante aperfeiçoada. Centros de ensinos jurídicos não podem simplesmente escusar-se de sua função ética de formação do caráter jurídico para simplesmente tornarem-se fábricas de bacharéis fúteis, despreparados e sem conteúdo jurídico. Todavia, adverte Franco Montoro:

 

"A formação jurídica não se confunde com o simples conhecimento de leis vigentes, para a sua aplicação mecânica aos casos concretos. Essa formação legalista pode convir à figura ridícula de um João das Regras, decorador de textos e autômato na sua aplicação. A formação jurídica, objetivo fundamental do ensino do Direito, é outra coisa". (André Franco Montoro, 1995)

 

Com isso ele passa a necessidade e preocupação do caráter ético-científico que devem as entidades de ensino jurídico esculpir em seus alunos. Assim, constitui razoável certeza científica que um ensino jurídico mal conduzido e pior ainda assimilado, repercute miseravelmente no exercício das profissões de igual natureza, quer sejam de ministério privado ou ainda oficiais.

 

É dentro desse contexto que nasce a preocupação com o ensino jurídico no Brasil. A constituinte tentou amenizar esses problemas prevendo a instituição de “cursos oficiais de preparação e aperfeiçoamento da magistratura”.

 

IV – CONTRIBUIÇÃO ÉTICA DAS ESCOLAS DE MAGISTRATURA

 

Com esse quadro problemático e preocupante apresentado pelo sistema educacional que formara os magistrados à época, a Constituinte de 1988 se preocupou em reverter tal situação e para isto imputou na Constituição Federal o art. 93, IV que determina criação de Lei Complementar que contenha previsão de cursos oficiais de preparação e aperfeiçoamento de magistrados como requisitos para ingresso e promoção na carreira.

 

É desse dispositivo que advém as já conhecidas escolas de magistratura que tem como objetivo primordial o aperfeiçoamento técnico do juiz e dos outros profissionais jurídicos, dando relevo importante nas suas atividades ao estudo da ética do magistrado.

 

Com essa previsão legal surgiu a Escola Nacional da Magistratura que é órgão da AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros. Em breve histórico extraído do site da Escola Nacional de Magistratura vimos que:

 

 “compreende-se esse fato devido a circunstâncias históricas. O trabalho de formação de juízes iniciou-se entre nós por iniciativa pioneira da AJURIS - Associação de Juízes do Rio Grande do Sul, que criou a Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul. Esta passou a ser conveniada com o Tribunal de Justiça do estado, encarregando-se, por incumbência deste, da preparação aos concursos e da formação inicial e em continuação dos magistrados.

 

Outros estados e segmentos da justiça de âmbito federal criaram suas escolas da magistratura, permanecendo a dicotomia entre escolas pertencentes aos tribunais e escolas ligadas às associações de magistrados conveniadas aos tribunais.

 

Nesse contexto surgiu a Escola nacional da Magistratura, criada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, também há décadas. Essa criação por associação seguiu o criativo modelo inicial gaúcho. Tornou-se a Escola Nacional da Magistratura a única entidade em torno da qual as diversas escolas estaduais, trabalhistas, federais e militares passaram a reunir-se para análise de questões comuns, disseminação de programas e descobertas de novos rumos.” ( www.amb.com.br/enm/).

 

As escolas de magistratura de um modo geral têm um modo peculiar de guiar o pensamento dos seus alunos, que tem a ética como base para tal orientação. A Ética na função judicial corresponde a uma exigência do pensamento contemporâneo. Assistimos no nosso tempo ao renascer do pensamento ético e à valorização da aplicação judiciária do Direito. Este reforço da importância da aplicação judiciária do Direito tem, como sabem, diversas expressões, entre elas as diretrizes postas aos juízes na orientação de seus atos e decisões. A Ética contemporânea, ligada à limitação aos poderes e à livre tarefa das transformações do agir, surge como uma ciência da liberdade e da responsabilidade da pessoa, essenciais à sua dignidade.

 

Dignidade que, em nossos dias, tem uma relevantíssima afirmação ao nível dos direitos humanos que, iluminados por esse novo sentido da Ética, modela o Direito do nosso tempo. A questão da Ética profissional dos responsáveis pela aplicação judiciária do Direito, designadamente do Magistrado, assume, pois, uma grande delicadeza, não podendo reduzir-se a uma simples deontologia, enquanto Ética aplicada que se limite à formulação de regras de conduta estáticas, não radicadas em exigentes e contínuas análises reflexivas de valores, em harmonia com as mutações constantes do nosso tempo.

 

A idéia do justo só se completa hoje a um outro nível: o da aplicação da norma no exercício do julgamento em situação onde o justo não é apenas o bom ou o legal mas o eqüitativo, ou seja, a idéia do justo só se completa no plano da aplicação concreta.

 

Perfila-se claramente a exigência de um profissionalismo forte, a partir da institucionalização sistemática da seleção e da formação inicial e permanente. Formação fundada em estruturas abertas, de espírito não corporatizante, que estimulem o fluxo livre de idéias e a participação das entidades mais representativas das Magistraturas e dos outros agentes judiciários, bem como do mundo do saber, da cultura, da política, do social.

 

É assim que as Escolas de Magistratura comprometidas com o seu fim social, que é o tornar a função judicante mais ética, instiga o aperfeiçoamento e prática do nosso finalmente hoje vivido Estado Democrático de Direito, orientando e alimentando os seus freqüentadores com questões pragmáticas que procuram interagir ética e justiça com escopo lógico e claro de condição intrínseca do bem viver social.

 

Apesar dessa visão ética do ensino nas Escolas de Magistratura, existem críticas a respeito das atividades magisteriais dessas entidades. Uma delas é feita por Roberto Wanderley Nogueira, pois para ele:

 

 “os professores-juízes, inclusive, podem sofrer, teoricamente, medidas disciplinares em face de "procedimento incorreto" decorrente de uma transmissão de saber que se considere heterodoxa (Direito Alternativo, por exemplo) ou, pelo menos, "não recomendável" do ponto de vista da política corporativa em vigor. Como dito acima, não há liberdade de ensino, ainda que o ensino pretenda ser exclusivamente profissional. Da mesma maneira como os Tribunais postulam plena liberdade de atuação (combatendo com tenacidade a instituição do Controle Externo da Magistratura) e é justo que assim seja no que se trata da perspectiva jurisdicional própria (liberdade de julgar, idéia naturalmente excluída do Controle Externo), também as Escolas de Magistratura deveriam, pelo que são concebidas a realizar, se tornar libertas do jugo funcional dos Tribunais aos quais pertencem. Não há compatibilidade entre esse vínculo jurídico hierárquico e as atividades que tais Escolas desenvolvem, ensino jurídico de terceiro grau na modalidade profissionalizante. Sobre isso, é forçoso reconhecer que a atual concepção das Escolas de Magistratura pode sofrer exame de inconstitucionalidade, haja vista a disciplina prevista no comando do artigo 206, inciso II, da Constituição Federal, apoiando o princípio da "liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”. (Roberto Wanderley Nogueira, 1999)

 

Não endossamos a inteligente articulação do nobre colega tendo em vista essa  vinculação compulsória de certos preceitos, ou proibição de alterabilidade no pensamento vigente, irem de encontro ao próprio espírito do instituto, já que em sua previsão incorpora-se a atividade fundamental de crescimento intelectual e aprimoramento doutrinário do direito. Algo estático e imposto de forma contínua, como interpretou-se do trecho acima transcrito, faz com que o direito torne-se algo que não evolui e sendo assim fugiria da lógica jurídica hodierna, não tendo assim fito para nascerem tais tipo de instituições de ensino jurídico.

 

As escolas de magistratura atuais buscam formação que privilegie a componente ética enquanto essência do exercício da função, garantindo a qualidade da preparação técnica, afinando a capacidade de comunicação positiva com advogados e demais participantes judiciários, cidadãos e comunidade em geral. Formação que reforce o sentido de responsabilidade e abranja a preocupação da projeção social e humana da intervenção judiciária.

 

Esta espécie de formação permite que, no processo reflexivo de formandos e formadores, surja clara a consciência da estreita relação da qualidade da seleção e da formação com questões vitais para a função das Magistraturas. E ainda os objetivos resultam claros: formação do Magistrado como personalidade independente, responsável, culta, com espírito de serviço e de solidariedade, aberta à cultura e à vida.

 

A metodologia da formação neste domínio deve centrar-se sobre o estudo, a reflexão e a discussão das referidas leis e princípios e das suas aplicações práticas, numa perspectiva judiciária, portanto de preferência abordando as questões de Ética e de Deontologia na sua variedade e complexidade, a partir da análise de casos reais paradigmáticos da intervenção do Magistrado e a propósito de todos eles.

 

Essas são as diretrizes tomadas atualmente pelas escolas no intuito de formar uma consciência ética em seus alunos tendo portanto o seu caráter de aperfeiçoamento e de inovação atingido êxito, formando magistrados com uma consciência ética imprescindível no juiz contemporâneo.

 

V – O JUIZ ÉTICO

 

O célebre discurso de Maurice Aydalot e Jacques Charpentier citado por Wanderley Ribeiro, antevendo o Magistrado da Nova Era já trás em si uma consciência da necessidade de modificar a magistratura, pois:

 

"Não é proibido sonhar com o juiz do futuro: - cavalheiresco, hábil para sondar o coração humano enamorado da Ciência e da Justiça, ao mesmo tempo que insensível às vaidades do cargo; arguto para descobrir as espertezas dos poderosos do dinheiro; informado das técnicas do mundo moderno, no ritmo desta era nuclear, onde as distâncias se apagam e as fronteiras se destroem, onde, enfim, as diferenças entre os homens logo serão simples e amargas lembranças do passado." (Wanderley Ribeiro, 2002)

 

O juiz perfeito provavelmente atuará em nosso futuro se for posto em prática as diretrizes que as escolas de magistraturas estão se dispondo a seguir e a passar a seus discípulos. É esse o fim dessas entidades de ensino. É o sonho em se ter o juiz perfeito que move o ensino especializado e é assim que ao juiz cabe dizer o Direito. E para que ele possa dizer o Direito, deve possuir alguns deveres éticos, conforme Nalini, tais como: presteza, coragem, estudo permanente, freqüência a cursos de atualização, residir na comarca,  desinteresse, dedicação exclusiva, abstenção política.

 

Afirma J. de Albuquerque Rocha citado por Manfredo Oliveira Apud Pinheiro et alii:

 

“A jurisdição é justamente a instância que realiza a função de interpretar e aplicar, coativamente, as normas jurídicas de modo terminal, garantindo a certeza e a segurança jurídicas, valores imprescindíveis à estabilidade social', ou seja, ele é um poder, cuja função específica é interpretar e aplicar o direito em vista de sua efetivação na vida humana. (...) o juiz é um servidor público, situado numa carreira administrativa organizada em graus e classes a que correspondem diferentes salários e vantagens. Sua ascensão funcional se dá através de promoções na base de apreciações dos membros dos tribunais das diferentes justiças com exceção das promoções por antigüidade. Este procedimento põe o juiz sob a dependência administrativa dos tribunais, o que pode diminuir, sensivelmente, sua autonomia na interpretação da lei e da realidade social, dada sua submissão ao controle dos órgãos mais elevados na estrutura organizacional. Este modelo de organização pode levá-lo ao carreirismo ou, por medo, ao conformismo em relação às orientações vindas de cima.” (Wanderley Ribeiro, 2002)

 

O que se almeja hodiernamente é exatamente um juiz que esteja a serviço, um juiz que não ocupe apenas um cargo, mas desempenhe uma missão. Um juiz sem prerrogativas e vantagens pessoais. O oposto disso: um juiz que carregue nos ombros um fardo, mas que carregue um fardo com alegria porque vocacionado para serviço dos seus semelhantes, para o serviço do bem público. Um juiz que seja um misto de juiz e poeta, não com o sentido pejorativo que se desse a essa fusão. Um juiz menos técnico e mais ético. A tábua de valores de uma comunidade, de um povo, não está apenas na lei. A lei como instrumento de limitação do poder é, sem dúvida, um avanço da cultura humana. É justamente a limitação do poder pela lei que caracteriza o Estado de Direito. Mas a tábua de valores de uma comunidade, de um povo, não está apenas na lei. Está sobretudo no estofo moral dos aplicadores da lei. Não há arquitetura política, sistema de freios do poder, concepção de instâncias superpostas a permitir a utilização de recursos contra despachos e sentenças, não há enfim engenharia processual e judiciária que assegure a um povo tranqüilidade e justiça se os juízes forem corruptos, preguiçosos, egoístas, estreitos, sem abertura para o social, ciosos apenas de seus privilégios e de suas vaidades.

 

Sintetizando os deveres éticos do juiz ideal, no processo, citar-se-á Nalini: "(...) o juiz deve procurar manter a imparcialidade, empenhar-se na busca da verdade real, zelar pelo efetivo cumprimento dos prazos e atuar, enfim, com devotamento".

 

VI – CONCLUSÕES

 

É inconcebível atualmente a atuação nas ciências jurídicas desvinculadas de uma atitude ética sólida e espontânea. A ética tomou proporções que deve-se ao grande avanço cultural que a humanidade tem experimentado a curto prazo.

 

Se tomarmos a história dos tempos cristãos como base, em duzentos anos avançamos mais do que se viu nos outros mil e oitocentos. O desenrolar das ciências e o princípio da socialidade e o da eticidade, hoje corolários no nosso novo Código Civil que entrará em vigor em Janeiro de 2003, mostram essa preocupação com o ético, com a boa fé depositada nos componentes da sociedade dentre tantos outros institutos que só tem sua magnitude reconhecida quando interpretados à luz dos ensinamentos éticos.

 

Somados a isso deve ser preocupação primordial a formação de juízes comprometidos com o bem estar social e com a  ética. Não se pretende menosprezar os outros ensinamentos, mas o que quer se passar é exatamente a importância que a ética vem exercendo em nosso tempos. Como já dito não se concebe o direito justo, que deve ser o objetivo de todos, sem que para sua realização não esteja ligada diretamente uma decisão ética, seja ela simples ou mais elaborada.

 

É em um contexto de desestruturação educacional que surgem as escolas de magistratura, que desempenham o seu papel de integrar a ética com a justiça. Já sabia-se que não seria de uma hora para outra que os problemas a que elas vieram propostas a resolver seriam solucionadas. É um processo lento e gradativo que, aos poucos, essas instituições estão conseguindo vencer sem maiores obstáculos, haja vista a sempre presente aspiração de se fazer com que a ética esteja presentes nas ações humanas como condição precípua.

 

O fim das escolas são a formação e manutenção dos juízes éticos que são os que espelham suas decisões e atos em ensinamentos que zelem pela ordem social, pelo Estado Democrático de Direito e acima de tudo seja um indivíduo humilde e desvencilhado das vaidades humanas que florescem da posição social que ocupam.

 

Dentre os objetivos a serem encarados, nesse intuito, estão a reciclagem técnica e ética. A reciclagem técnica já amplamente difundida, dada a grande proliferação de seminários e cursos de aperfeiçoamento; a reciclagem ética, vertente essa mais incipiente, seria constituída por uma profunda reengenharia ética que poderia contribuir para que o juiz se aproximasse do ideal do juiz justo, compreendendo e alcançado o anseio sociedade por um juiz mais eqüitativo, pois o destino do juiz neste milênio e nos próximos é liberar-se dos contornos de um agente estatal escravizado à letra da lei, para imbuir-se da consciência de seu papel social; enfim um agente desperto para o valor da solidariedade, a utilizar-se do processo como instrumento de realização da dignidade humana e de perpetuação da justiça.

 

Deste modo, como indispensável à administração da Justiça, o Juiz ao pôr em prática seu saber aliado aos preceitos éticos, estará não apenas cumprindo o seu papel com dignidade, honestidade, presteza e desenvoltura, mas contribuindo para a consecução de uma sociedade mais democrática, porque fundamentada na Ética, Justiça e no Direito.

 

VII - BIBLIOGRAFIA

 

1-) BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Lições de Filosofia do Direito. São Paulo. Ícone Editora, 1995.

 

2-) CAPPELLETTI, Mauro et alii. Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Acesso à Justiça. São Paulo. Sérgio Fabris Editor, 1988.

 

3-) ESCOLA NACIONAL DA MAGISTRATURA: www.amb.com.br/enm.

 

4-) MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. São Paulo. Editora TR. 1995.

 

5-) NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. São Paulo. Editora RT. 2000.

 

6-) NALINI, José Renato. O Juiz e o Acesso à Justiça. São Paulo. Editora RT. 1999.

 

7-) NOGUEIRA, Roberto Wanderley. O juiz e o problema das escolas de direito no brasil: uma abordagem sociológica. Monografia de Doutorado, 1999. In O Magistrado: www.omagistrado.com.br, 12 de Junho de 2002.

 

8-) OLIVEIRA, Marcus Vinícius Amorim. Garantias da Magistratura. In Jus Navegandi: www.jusnavegandi.com.br, 12 de Junho de 2002.

 

9-) REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo. Editora Saraiva. 1996.

 

10-) RIBEIRO, Wanderley. ética, justiça e direito: trinômio para uma sociedade mais democrática. In Neófito:www.neofito.com.br/artigos/art02/etica8.htm, 15 de Junho de 2002.

 

11-) SILVA, Octacílio Paula. Ética do Magistrado à luz do direito comparado. São Paulo. Editora RT, 1994.

 

 

 

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