Contrato de Leasing x CDC


Porbarbara_montibeller- Postado em 27 junho 2012

Autores: 
BRIGAGÃO, Paula Naves.

Sumário. Introdução. (1.1) : Dignidade Humana X CDC; 1.2) Venda extrajudicial do bem em Contrato de Leasing e Responsabilização Civil, 1.3) Dignidade Humana X CDC, 1.4) Responsabilidades distintas e CDC, 1.5) Conclusão, 1.6) Bibliografia.

Palavras- Chaves: Consumidor, Contraditório, Dignidade Humana e Contrato de Leasing.

 

Resumo: O presente trabalho versa sobre o Direito ao Contraditório que não fora exercido, de maneira ampla, nos contratos de leasing; que nada mais são que contratos consumeristas, devendo-se, pois, respeito aos Direitos da Personalidade do Consumidor, sob pecha de nulidade absoluta dos atos praticados, sem a prévia ciência da contraparte. Pincela a autora as responsabilidades diferenciadas do Banco de Dados e do Fornecedor do bem, abusos de direito em campos distintos, com causas peculiares, que não se confundem.


 

Introdução.

O nome da pessoa natural denota muito mais que um sinal de identificação da mesma no seio social, ultrapassa o Direito de Propriedade ou as Questões de Estado, é, pois, um Direito da Personalidade amparado por Lei (art. 11 do Código Civil) e que integra, em sentido amplo, o conceito de honra do indivíduo perante os seus semelhantes. Nome e honra não são sinônimos, mas os conceitos se entrelaçam num dado momento, ao ponto de se dizer que um homem honrado é aquele que tem um nome a zelar. Nome sujo no mercado é ainda pior que não ter nome!  Ambos (nome e honra) estão abarcarcados pela pirâmide maior, qual seja: a dignidade da pessoa humana.

1.1)            Dignidade Humana X CDC.

É cediço que o conceito de dignidade da pessoa humana é fluido e se aplica a todos os ramos do Direito e entre os ramos do Direito e suas vicissitudes. Assim, nas relações privadas entre os particulares, por força da eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, vinculando não somente os poderes públicos, mas os particulares entre si em suas relações; dentre outras, consumeristas, há que se aplicar o princípio em comento para que se possa aferir o real significado da palavra Justiça.

Ensina-nos Simone Hegele Bolson: “No âmbito das relações de consumo podem ocorrer violações à dignidade da pessoa humana, principalmente quando tais violações ferem os direitos de personalidade, tais como a honra, o nome, a intimidade, a integridade físico – psíquica e a imagem dos consumidores” [1] – grifos nossos!

Assim, quem contrai um empréstimo, financia um veículo automotor, enfim, quem se coloca em uma situação de devedor, por si só, não é menos digno porque é devedor; afinal são as relações entre credores e devedores que dão a engrenagem necessária ao mercado de consumo e movimentam, com alta lucratividade, o mercado de capitais.

1.2)            Venda extrajudicial do bem em contrato de leasing e responsabilização civil.

Ser devedor ou ser credor é assumir papéis que, por vezes, se invertem, a depender do caso concreto. Logo, a título de exemplo, o sujeito é devedor porque financiou um veículo automotor. Em contrapartida, a financiadora do veículo automotor, titular do crédito, é devedora de transparência, informação e cooperação (deveres laterais anexos.).

Esses são deveres e princípios, por assim dizer, comezinhos de hermenêutica que devem ser respeitados, para se dizer o mínimo, em toda e qualquer relação contratual que seja pautada pela boa-fé objetiva. A violação a esses deveres anexos é o que se convencionou denominar de violação positiva do contrato ou adimplemento ruim.

O Código de Defesa do Consumidor é incompatível com obrigações ou contraprestações, por assim dizer, que lesam direta ou indiretamente a boa-fé ou a equidade.  Assim, relações contratuais que, por via transversa, burlam o Código de Defesa do Consumidor implicam fraude à lei. Esse é o exemplo mais cristalino do instituto.

Ora, em contrato de leasing com venda extrajudicial do bem, em havendo venda por preço menor o devedor deve ser imediatamente avisado, por um preço maior também. O Direito de ser informado está inerente e vai além, abarca, inclusive, o momento pretérito de venda do bem. Sim, é direito do devedor o de ser previamente informado da data do leilão para que dele possa estar presente e, assim, exercer o seu direito de defesa e ter a chance de obter o bem para si, purgar a mora pelo preço em que está o bem sendo ofertado. Tem, pois, o devedor, o direito de purgar a mora.

Se o bem é leiloado e o fato sequer é comunicado ao consumidor, nem antes do leilão, nem durante e nem após, se o consumidor não foi informado e não pôde exercer o seu direito de defesa há que se concluir que o contrato, por via transversa, afrontou o Código de Defesa do Consumidor e está sendo utilizado como instrumento de fraude à lei, já que o próprio contrato garante ao consumidor o acesso a informação do valor de sua dívida ou de seu crédito. 

Trata-se de um princípio de hermenêutica: Aonde existe a mesma razão existe o mesmo Direito. Os contratos de leasing e CDC são regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, como quaisquer outros.  Os juros pactuados correrão da data do aviso do débito gerado por sua venda extrajudicial. Logo, se não houve aviso, seja por escrito, seja por forma verbal, ou por uma terceira forma, inventada pelas partes (fofoca), se não houve aviso de qualquer espécie, não houve juros: nem andando quanto menos correndo. É princípio da ordem econômica a defesa do consumidor! Não há nem que se falar em desequilíbrio contratual porque não houve um equilíbrio inicial que possa ter dado margem a um desequilíbrio posterior. Do contrário, haverá um enriquecimento sem causa de uma das partes e, em conseqüência, o empobrecimento da outra.

Não fomos nós que inventamos isso. Foi o próprio legislador quem nos ensinou dessa maneira. É o que preceitua o art. 2º, parágrafo 3º, do Decreto-Lei nº 911/69. Decreto esse ratificado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores: Alienação Fiduciária – venda extrajudicial do bem – direito do consumidor de ser previamente comunicado: “A venda do bem apreendido pode ser feita extrajudicialmente, a critério do credor, nos termos do art. 2º, parágrafo 3º, do DL 911/69, a fim de que possa acompanhar a venda e exercer eventual defesa de seus interesses”. (STJ, Resp 209410/MG DJU 14/02/2000, p. 39, Rel. Min. Ruy Rosado Aguiar, J, 9/11/1999, 4ª T./ REVJUR, v.8, p.72).

Logo, se a venda extrajudicial do bem não fora sequer comunicada, sequer há provas de que tenha a mesma, de fato, ocorrido e, em tendo ocorrido, sem ciência prévia ou posterior do devedor, tem-se aí nulidade de pleno direito, por cerceamento ostensivo aos princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa (art.5º, LV; CRFB).

Dessa forma, sendo a venda nula, nula é cobrança que dela decorre, sem falar que, se de tal cobrança surgiu a negativação do nome do consumidor em cadastro de inadimplentes, nula, pois, será a negativação, por abuso de direito. (art. 187 do CC) em diálogo de fontes com o Código do Consumidor (art. 6º, III, CDC). Incide, pois, uma nulidade em cascata. Sujar o nome do devedor sem informá-lo é chamá-lo de consumidor apenas no nome retirando-lhe toda e qualquer dignidade a ele inerente.

1.3)            Responsabilidades distintas e CDC.

Deve-se, pois, fazer uma distinção importante sobre as obrigações de cada qual. A instituição financeira não tinha o dever de comunicar ao devedor que o seu nome estava sendo negativado. Essa atribuição compete ao órgão que administra o banco de dados, qual seja, o SPC. A Instituição Financeira detinha o dever jurídico de informar ao consumidor de que o veículo seria leiloado na data estipulada por ela e também, já que leiloado sem aviso, pelo valor que fora vendido e o saldo restante. Já o Banco de dados  ( SPC) detém o dever jurídico de comunicação prévia da dívida gerada.

A notificação por escrito ao devedor não é favor do credor. É direito do devedor. Assim, reza o art. 43 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Ensina-nos Leonardo de Medeiros Garcia: “Quando não solicitada pelo consumidor, à abertura de cadastro, ficha, registro de dados pessoais e de consumo deverá por escrito lhe ser comunicada, uma vez que o aviso ou comunicação de abertura de cadastro ou inscrição é obrigatório pelo sistema consumerista”. [2]

Ademais, no que tange a responsabilização civil do banco de dados, a sonegação de informação e notificação hábil ao devedor, é causa de dano gravíssimo, nos termos da Súmula 359, do Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos: “Cabe ao órgão mantenedor do cadastro de proteção ao crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição”.

1.4)            Conclusão.

À vista do que fora dito, não existe ampla defesa sem contraditório e vice e versa. Os direitos à informação e à reação são bem mais que simples direitos que consubstanciam princípios, mas vetores do sistema jurídico, seja funcionando nos contratos de leasing, seja funcionando nos demais contratos consumeristas. Não importa, pois, o rótulo que se dê, se a substância é única.

Em assim sendo, é nula de pleno direito qualquer cláusula que macule ditos princípios, sob pena de fraude à Lei de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078790) e burla ao ordenamento jurídico como um todo.

1.5)            Bibliografia.

AGUIAR JR., Ruy Rosado de. A boa fé na relação de consumo. Revista Direito do Consumidor 14/20.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de defesa do Consumidor. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Notas:

[1] BOLSON, Simone Hegele. O princípio da dignidade da pessoa humana, relações de consumo e o dano moral ao consumidor. RT. 46/289.

[2] GARCIA; Leonardo de Medeiros, Direito do Consumidor, 3ª edição, Editora Impetus.