''A Constituição Federal e o meio ambiente''


PorLucimara- Postado em 03 maio 2013

Autores: 
Tolemei, Lucas Britto

A tutela constitucional ao bem jurídico ambiental.

 

A Constituição Federal de 1988 revelou a importância que a sociedade, Estado e os instrumentos jurídicos devem ter quando se está diante de um bem jurídico ambiental. Segundo Celso Antonio Paduco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, esta preocupação está evidenciada, pois, os constituintes partiram da seguinte premissa, “proteger o meio ambiente, em ultima análise, significa proteger a própria preservação da espécie humana”.(FIORILLO, p.73, 1999).

Preliminarmente, cabe salientar que apenas em 1960, o Brasil começou realmente a se preocupar com os problemas ambientais, porém, o primeiro grande passo para a proteção ambiental ocorreu em 1970, quando o país participou da 1ª grande conferência sobre o meio ambiente, realizada em Estocolmo em 1972. Nesta década, teve início a atuação mais incisiva da relação do Estado e da sociedade, para buscar uma racionalização da exploração ambiental, pois, foi justamente nesta fase que o Governo brasileiro incentivou o crescimento industrial visando ocupar espaço no cenário internacional, entre os países desenvolvido. Exemplo claro disso foi a imigração para a Amazônia, com o fulcro de ocupação e exploração dos recursos naturais. Ademais, nesta década ocorreu a instalação de indústrias poluentes no país. Assim, o próprio Estado, a sociedade – movimentos ambientalistas, ao contrario senso, iniciou, juntamente com ambientalista. Buscava-se uma conscientização publica para a preservação ambiental. Na década de 80, influenciado pela criação de um direito ambiental internacional o Brasil, promulgou Leis de extrema importância para a tutela do Meio Ambiente. Uma delas é a Lei nº 6.938/81, que até hoje compõe o nosso Ordenamento Jurídico, que trata, entre outra situações, da responsabilidade civil por ato lesivo ao meio ambiente, criando instrumentos de preservação do dano. Nesta fase, o Estado Brasileiro já contava com Organizações não-governamentais, instituições científicas, engajados não só na fiscalização do meio ambiente, como em buscar alternativas para a adequada exploração dos recursos ambientais [1].

Pressões sociais e econômicas internas e externas, na década de 80, culminaram na Promulgação, em 05 de outubro de 1988, da Carta Magna, que tratou o tema com extrema relevância.

Como afirma, em sua obra, Fernanda Luiza Fontoura de Medeiros:

A partir da década de 80, as disposições legais referentes à proteção ambiental apresentaram maior fôlego, culminando na Constituição Federal de 1988, que dedicou um capítulo inteiro ao tema. A Lei nº 6.803, de 1980, veio normatizar o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição. Em 1981, podemos destacar a Lei nº 6.902, que cria áreas de proteção ambiental e as estações ecológicas, além do advento da Lei nº 6.938, que disciplinou e instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, adotando princípios e regras estabelecidas pela Carta resultante da Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, em 1972.(MEDEIROS, 2004, pág.60).

Portanto, a constitucionalização da proteção ambiental no Brasil é muito recente e embrionária, se levarmos em conta os 500 anos da história. Verifica-se que, são somente 17 anos de proteção prevista na Lei maior. A Constituição Federal de 1988 dispensou um Capítulo inteiro a proteção do meio ambiente, o capítulo VI do Título VIII, com o artigo 225, seus parágrafos e incisos.

Em momento oportuno ira ser analisado, de forma mais aguçada, o que determina os preceitos contidos no artigo 225 da Constituição Federal, e também, todas aquelas que se relacionam com a poluição, dano ambiental e a responsabilidade civil do degradador ambiental. Salienta-se que os preceitos relativos ao meio ambiente não estão adstritos ao artigo 225, supra referido, mas também, a outros, como a norma referente ao artigo 170, a qual descreve que a ordem econômica brasileira, e, seu desenvolvimento, deve, necessariamente, respeitar o meio ambiente, senão vejamos:

Artigo 170, caput: a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observando os seguintes princípios:

VI defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. (BRASIL, 2004).

O preceito acima apontado teve sua redação dada pela emenda constitucional nº 42, de 19/12/2003, porém, antes desta EC, já havia a previsão neste mesmo inciso, o qual revelava a preocupação de ter como um dos princípios gerais da atividade econômica à defesa do meio ambiente.

Cristiane Derani, em sua obra, citando a brilhante doutrina alemã de Rolf Stober, assim preleciona:

A necessidade de assegurar a base natural da vida (natureza) coloca novos matizes na política econômica. É, na verdade, o grande desafio das políticas econômicas. A obviedade da necessidade de uma relação sustentável entre o desenvolvimento industrial e meio ambiente é exatamente a mesma da irreversibilidade da dependência da sociedade moderna dos seus avanços técnicos e industriais. Assim, qualquer política econômica deve zelar por um desenvolvimento da atividade econômica e de todo seu instrumental tecnológico ajustado coma conservação dos recursos naturais e com uma melhora efetiva da qualidade de vida da população. (DERANI, 1997, p. 239).

O princípio contido no inciso IV, do artigo 170 da carta magna, revela a necessidade de haver um desenvolvimento econômico compatível com o meio ambiente, mantendo-o ecologicamente equilibrado, gerando, dessa forma, o desenvolvimento e o uso sustentável dos recursos naturais, neutralizando o crescimento econômico, e, o mercado de consumo, com a qualidade de vida e do meio ecológico em que o indivíduo se encontra inserido. Destarte, torna-se evidente a estreita relação entre a economia e o meio ambiente, e, portanto, tem como conseqüência o caráter econômico do direito ambiental. Assim, o desenvolvimento econômico, fundado na sustentabilidade dos recursos naturais, torna-se um tema de grande relevância para a atual conjuntura sócio-econômico.

Os desafios ligados simultaneamente à proteção dos recursos naturais e à manutenção da qualidade de vida das populações estão associados à implementação de um modelo de desenvolvimento, com condições mínimas, mas de sustentabilidade. Ou seja, faz-se necessário o reconhecimento de que uma série de valores e atitudes são sustentáveis, ao passo que outros são claramente insustentáveis – não necessariamente para que o indivíduo, em sua lógica própria, mas para a natureza e a sociedade, atual e futura. Vários estudiosos da questão ambiental defendem o estabelecimento de uma sociedade sustentável que incorpore o uso racional e criterioso dos recursos naturais, em sintonia com a melhoria da qualidade de vida. Essa posição, inevitavelmente, impõe a redefinição das relações homem –natureza, já que esse conceito pressupõe o reconhecimento de limites à intervenção econômica e a adoção de uma conduta mais equilibrada diante da natureza, uma vez que cada indivíduo (país ou sociedade), ao adotar seu estilo de vida, torna-se co-responsável pelos impactos que produz sobre o ambiente. [2]

José Afonso da Silva, trata do tema em sua obra Direito Constitucional Ambiental, conceituando, inclusive o que seria o desenvolvimento sustentável, da seguinte forma:

São dois valores aparentemente em conflito que a Constituição de 1988 alberga e quer que se realizem no interesse do bem estar e da boa qualidade de vida dos brasileiros. Antes dela, a Lei 6938, de 31/08/1981 (arts. 1º e 4º), já havia enfrentado o tema, pondo corretamente, como o principal objetivo a ser conseguido pela Política Nacional do meio ambiente, a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico. A conciliação dos dois valores consiste, assim, nos termos deste dispositivo, na promoção do chamadodesenvolvimento sustentável, que consiste na exploração equilibrada dos recursos naturais, nos limites da satisfação das necessidades do bem-estar da presente geração, assim como de sua conservação no interesse das gerações futuras. (SILVA, 1995, p. 7-8).

Não obstante, como dito em linhas atrás, há na Carta Magna um capítulo próprio que tutela o meio ambiente, trata-se do Capítulo VI do Título VIII, que é composto somente pelo artigo 225 [3], possuindo 6 parágrafos e incisos, sendo este o enfoque maior deste capítulo. Mesmo fora do Título especifico que trata dos direitos fundamentais, não há mais divergência, nem da doutrina, nem mesmo no âmbito Jurisprudencial, de que a proteção do meio ambiente, é, irrefutavelmente, um direito e um dever fundamental da pessoa humana, consagrado na ordem constitucional brasileira. Assim, coaduna a nobre doutrina do Professor Paulo Bessa Antunes: “a fruição de um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado foi erigida em direito fundamental pela ordem jurídica vigente”(ANTUNES, 2004, p. 62).

Com efeito, a expressão direitos fundamentais aplica-se à aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera constitucional de cada Estado de Direito. Portanto, em que pese à existência de inúmeros conceitos, de diversos autores caracterizando e individualizando o significado da expressão direitos fundamentais, há uma inclinação favorável ao conceito de Sarlet, onde, direitos fundamentais são:

‘(...) todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade no sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal (...)’ [4].

Portanto, como dito acima, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, é um bem jurídico essencial à boa qualidade de vida, e, de uso comum do povo. Ainda há, no caput do artigo 225, a determinação de que a responsabilidade de defender e preservar o meio ambiente é, do Poder Publico, e, da coletividade estabelecendo, assim, a divisão dessa responsabilidade ambiental entre as gerações presentes e as que estão por vir.

O parágrafo 2º, do artigo 225 [5], da Constituição Federal, estabelece que qualquer que explore os recursos ambientais devem, necessariamente, reparar o que foi degradado, em conformidade com a solução técnica exigida pelo órgão competente. O Parágrafo 3º[6], juntamente com a Lei 6.938/81 (que será analisada em subseção própria), estabeleceram a responsabilidade objetiva do poluidor pelos danos ambientais, independentemente de culpa.

A respeitada doutrinadora Annelise Monteiro Steigleder, com maestria leciona:

A responsabilidade civil pelo dano ambiental, instituída pelo artigo 14 § 1º, da Lei 6.938/81, encontra o seu fundamento axiológico na própria constituição federal, a qual incide diretamente sobre as relações privadas, e passa ater uma função especifica: servir a relação do dano ambiental autônomo, protegendo-se a qualidade dos ecossistemas, independentemente de qualquer utilidade humana direta e de regimes de apropriações públicos e privados. Esta percepção é extraída do fatos de os parágrafos segundo e terceiro do artigo 225 tratarem de responsabilidade pelo dano ambiental logo após o reconhecimento da importância do direito em causa. Cuida-se, então, de perceber que a responsabilidade ambiental pelo dano ambiental possui uma função social que ultrapassa as finalidades punitiva, preventiva e preparatória, normalmente atribuídas ao instituto. (STEIGLEDER, 2004,p.177).

Destarte, a responsabilidade civil ambiental, como se depreende do que foi acima exposto, está prevista constitucionalmente, e, será tratada num capítulo próprio.

Não se pode deixar de retratar, que, quando se esta diante ao direito ao meio ambiente, quer-se simplesmente colocar que esse direito, em verdade, é pressuposto de exercício lógico dos demais direitos do homem, vez que, em sendo o direito à vida o objeto do direito ambiental, somente aqueles que possuírem vida, e, mais ainda, vida com qualidade e saúde, é que terão condições de exercitarem os demais direitos, nestes compreendidos os direitos sociais, da personalidade e políticos do ser humano [7].

Portanto, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, está intimamente ligado um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 1ºda Constituição federal, qual seja, a dignidade da pessoa humana (inciso III). Ademais, o direito ao meio ambiente equilibrado, também condiciona a livre iniciativa, previsto no mesmo artigo, inciso IV, pois este direito, somente será tutelado pelo ordenamento jurídico, se estiver em conformidade com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Coadunando com esse entendimento, Celso Antonio Paduco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, citando o professor os mestres Canotilho e Vital Moreira, prelecionam:

‘A defesa do meio ambiente pode justificar restrições a outros direitos constitucionalmente protegidos. Assim, por exemplo, a liberdade de construção, que muitas vezes se considera inerente ao direito de propriedade, é hoje configurada como liberdade de construção potencial, nas quais se incluem as normas de proteção ao meio ambiente’.(FIORILLO, p. 32-33, 1999).

O próprio direito à igualdade, previsto no artigo 5º,caput, da constituição Federal, é prejudicado quando não se tem um meio ambiente ecologicamente equilibrado, pois, só quem tem o poder econômico é que se permite o uso de um ambiente ecologicamente equilibrado com a sadia qualidade de vida. O mesmo se aplica com relação ao direito social de habitação, previsto no artigo 6ªda Constituição Federal, quando por uma deficiência da política urbana, por exemplo, não existam espaços habitáveis que ofereçam qualidade de vida para mais de 25 milhões de brasileiros, pertencentes ao grupo dos miseráveis [8].

Antes de finalizar o capítulo, cabe demonstrar a classificação que a doutrina realizou acerca dos direitos fundamentais, levando-se em conta a ordem cronológica e os acontecimentos sociais ocorridos ao longo da história, como as Revoluções Francesas e Industrial, desencadeadas nos fins dos séculos XVIII e XIX.

Dessa forma, Alexandre de Morais, citando o Autor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, traz a seguinte classificação:

Modernamente, a doutrina apresenta-nos a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passam a ser constitucionalmente reconhecidos. (...) por fim, modernamente, protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade ou fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos(...). Conclui Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ‘a primeira geração seria as dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, complementaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade’. (MORAIS, p. 57-58, 2001).

Dessa maneira, torna-se evidenciado a importância dada pelo legislador ao direito ambiental, sendo esse direito de vital importância para à concretização e eficácia social do princípio da dignidade da pessoa humana, preceito norteador de todo o Ordenamento Jurídico brasileiro.

 

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