"A consciência jurídica em ação. Critérios paras as mudanças, reformas e aplicação da lei "


Porgiovaniecco- Postado em 25 setembro 2012

Autores: 
BOEHM, Lucinda.
FERNANDES, Tycho Brahe.

 

 

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo proceder uma análise do que seja a consciência jurídica, bem como perquirir quais são os critérios postos à disposição do político jurídico para promover as mudanças, reformas e para aplicação da lei, dentro dos parâmetros aceitáveis do justo e do útil, nos termos expressos pela sociedade onde esta lei será aplicada.

1.1.Da Consciência

Assim, antes de qualquer outra análise, é mister saber o que vem a ser a expressão consciência, para se chegar posteriormente a um conceito de consciência jurídica.
No dizer de Nunes Rodrigues (1995:135), sob o enfoque psicológico, consciência é o "Conhecimento que a alma tem de sua existência, suas faculdades, seus fenômenos e suas tendências", enquanto que sob o prisma filosófico seria o "Conhecimento do espreito relativamente a si mesmo, a suas ações, boas ou más", sendo que a este último enunciado acrescenta Pedro Nunes (1992:252): "Conhecimento que alguém tem de uma verdade, pelo sentimento ou julgamento interior". Por seu turno, ensina Cretella Júnior (1977:191) que seria o "Momento interior e indevassável do intelecto humano".
A consciência, enquanto este conhecimento interior, tanto pode ser uma consciência psicológica, quanto moral, social ou jurídica.
Assim, tem-se que a consciência pode ser algo individual de cada pessoa - consciência individual - ou algo pertencente a um grupo - consciência coletiva -, sendo esta última tratada por Soibelman (1983:87) como os "Conhecimentos e valores de que têm consciência todos os membros do grupo. Estado coletivo de sentimentos, reações e opiniões, que corresponde a situações da mesma natureza se considerados singularmente os membros que constituem a coletividade. Para o grande sociólogo francês Durkheim, a consciência coletiva seria uma realidade objetiva, superior e diferente das consciências individuais. Alma coletiva. Conjunto de representações, idéias, crenças e ideais de uma sociedade. Sem a comunicação das consciência seria impossível a vida social. Valores aceitos pela coletividade".
Assim, pode-se concluir que consciência, seja o conhecimento que tem-se de si próprio quanto aos fatos da vida que dizem respeito aos indivíduos, enquanto que consciência coletiva, seriam os juízos de opinião que um determinado povo ou sociedade forma sobre um fato ou assunto.

Da Consciência Jurídica

 

Visto o que seja a consciência já se pode tentar chegar a um conceito do que seja a consciência jurídica.
Advirta-se apenas que também aqui ter-se-á uma consciência jurídica individual e uma coletiva.
A primeira é bem tratada por Cesar Pasold (1996:53) quando a define como sendo "a noção clara, precisa, exata, dos direitos e dos deveres que o indivíduo deve ter, assumindo-os e praticando-os consigo mesmo, com seus semelhantes e com a sociedade."

Já a segunda, é tratada por Jayme de Altavila, citado por Soares de Oliveira (1981:29), que afirma que "a consciência jurídica do mundo assemelha-se a uma árvore ciclópica e milenária, de cujos galhos nodosos rebentam os densos ramos e, deles, a floração dos direitos. Quando em vez as flores legais emurchecem sob o implacável calor do tempo e a ventania evolucionista e revolucionária, oriunda das carências sociais, agita as ramagens a as faz rolar para o solo poroso, onde são transformadas em adubo e absorvidas pelas raízes poderosas e insaciáveis".
No dizer de Alf Ross (1970:357), corroborando a afirmação de realimentação de suas idéias, a consciência jurídica "es una actitud desinteresada de aprobación o desaprobación frente a una norma social" afirmando após que "En cierta medida, la conciencia jurídica está determinada por el proprio orden jurídico existente, y, a sua vez, ejerce influencia sobre este último".
Na realidade, para referido autor (1970:358), a consciência jurídica é um fato psíquico como outro qualquer, produto de um jogo de forças que inclui poderosos interesses de grupos, instintos primitivos e idéias tradicionais, mágicas e religiosas, mudando conforme as condições da comunidade e sua própria evolução.
Nos ensina Ferreira de Melo (1994:127) que a consciência jurídica, junto com a consciência moral, da qual a primeira é espécie da segunda como gênero, é "o resultado de um processo adaptativo do homem a seu universo cultural", afirmando ainda que "toda a comunidade detêm uma série de experiências acumuladas, tradições culturais e alocuções de valores capazes de formar a sua consciência jurídica".
O que dá a juridicidade àquela consciência é a noção do justo ou do injusto, do útil ou do inútil que integra os costumes e as experiências vividas por uma dada sociedade.
Na realidade, a consciência jurídica nada mais é do que um fenômeno em constante evolução, que absorve da sociedade, as experiências sociais vivenciadas pelo grupo, e os processa devolvendo-as ao mesmo em forma de novos conceitos que são vividos e absorvidos pelo grupo, adaptando-se cada vez a novos juízos introduzidos, permitindo a permanente oxigenação das idéias do grupo.

2. DA CONSCIÊNCIA JURÍDICA EM AÇÃO

Tendo como parâmetro a feliz afirmação de Ferreira de Melo (1994:114) de que "A Política Jurídica, vale insistir, tem sua preocupação básica não com o direito vigente mas com o direito desejado", pode-se afirmar que a consciência jurídica tem importante relevo na realização de um Direito que seja prenhe de normas justas e úteis à sociedade e não aquelas produzidas em gabinetes sem janelas onde seu elaborar, nem de longe, "vê" os desejos da sociedade.
Assim, para que uma norma já posta tenha justificada sua vigência ou, seja proposta sua correção ou até mesmo sua revogação, é necessário que a mesma seja analisada sob o critério da utilidade social do seu conteúdo e de ser justa ou injusta.
Embora tratando a questão com outra terminologia, Miguel Reale (1984:92-101) dá interessante enfoque ao assunto. Nomeando a consciência jurídica de representação jurídica afirma que a mesma seria um jogo imperceptível e quase infinito de circunstâncias que fazem nascer na sociedade certas exigências de justiça não positivadas mas que, estão no limiar da objetividade recebendo obrigatoriedade em razão dos valores que representam, com maior carga de valor quanto maior for o senso de justo que representam.
Estas representações jurídicas geralmente precedem as normas jurídicas positivadas, sendo as representações jurídicas "elemento material" daquelas, refletindo a atitude de adesão ou de repulsa do grupo em relação aos fatos que surgem na vida dele, levando em conta os fatores de ordem econômica, estética, religiosa ou moral, os quais serão importantes no momento da positivação das normas que valerão para todos.
As representações jurídicas, para Reale, representam dados da experiência jurídica, embora não sejam normas de Direito Positivo, são "regras de Direito em esboço", mas que não podem ser confundidas com as "exigências de um Direito ideal", uma vez que aquelas podem não representar uma perfeição de ordem ética, nem tampouco uma evolução em relação a norma posta, não representando sempre um Direito melhor, mas sim "o direito que se quer".
Assim, as representações jurídicas se assemelham à consciência jurídica, sendo necessário estudar-se a existência de critérios para saber como, e se efetivamente, a consciência jurídica e as representações jurídicas ajudam na positivação do desejo da norma justa.
A análise de tal critério, se é que o mesmo existe, ou pode ser explicitado, é o que se verá a seguir.

Dos Critérios para as mudanças, reformas e aplicação da lei

Inicialmente é de se esclarecer que em nenhum manual foi estabelecido qual ou quais os critérios que devem ser utilizados pelo Político Jurídico para apontar a norma desejada pela sociedade.
Poucos foram os autores que se preocuparam com o assunto, sendo de fundamental importância os ensinamentos de Ross (1970:356-361) que estabeleceu três postulados fundamentais quanto ao papel da consciência jurídica na política jurídica.
Diz inicialmente o autor que a consciência jurídica do político jurídico não deve ser considerada como medida de correção de uma norma. Isto não é difícil de explicar, até porque, o político jurídico, tem que estar preparado para auscultar os anseios e necessidades da sociedade, para sentir o que o grupo social interessado deseja da norma, para que ela seja aquela que regulará algum tema cuja completude o sistema não atingiu, preenchendo sua lacuna, ou modificará aquela que não mais está sendo considerada como útil ou justa pela sociedade.
Logo, se o político jurídico tiver apenas sua consciência jurídica como medida para a elaboração inicial ou modificadora de uma norma, poderá fazer com que esta já nasça divorciada do que a consciência jurídica coletiva considera como útil ou justo, ensejando desde logo a necessidade de sua reavaliação.
O segundo postulado é aquele que prevê que a consciência jurídica predominante nos círculos governamentais não deve fazer parte dos pressupostos impessoais de atitude do político jurídico.
Tal postulado é facilmente justificável, até porque, como bem esclarece o autor em análise, à semelhança dos cientistas naturais, o político jurídico deve aceitar as atitudes políticas de fato, existentes nos círculos oficiais, como hipóteses.
Tais atitudes são matéria-prima que deve ser trabalhada e examinada, para verificar-se se estão adequadas à realidade ou se necessitam ser corrigidas à luz de um conhecimento científico apropriado.
Diz Heller (1968:270) que uma capitulação, sem resistência da consciência jurídica ante o poder estatal, levará fatalmente ao aniquilamento do homem como personalidade moral. Continuando, afirma que em um povo nunca pode reinar pleno acordo sobre o conteúdo e aplicação dos princípios jurídicos vigentes. E é indissolúvel porque tanto o Estado como os indivíduos se vêem forçados a viver no meio desta relação de tensão entre direito positivo e consciência jurídica.
A consciência jurídica não deve ser vista apenas como uma força motivadora, mas como uma força indicadora das necessidades sociais. É a síntese de diferentes fatores e fenômenos sociais, de fatores de origem psíquica, ou histórica, de interesse de grupos, da tradição, da cultura de um povo, das crenças, da religião e da norma positivada. Não expressa, não comunga e não deve deter-se ante a consciência jurídica que comanda as manifestações dos poderes constituídos. Se assim fosse, haveria somente a linguagem do poder, inteiramente aviltadas as manifestações da sociedade.
A consciência jurídica acolhe a consciência moral do indivíduo, código de valores resultantes da atitude persuasiva do ambiente e inculcado na criança desde o seu nascimento.
Mas, a consciência jurídica não pode ser aceita apenas, como uma força motivadora, persuasiva, irracional, porque ela é a expressão do amálgama dos fatores já referidos. Estes fatores que expressam a realidade social, retiram da consciência jurídica a condição de simples força motivadora, emocional e irracional, que não pode ser justificada prática e utilitariamente.
A consciência jurídica serve como indicadora das necessidades sociais e atua como legitimadora das normas a serem elaboradas. Respeitar essa opinião é a forma mais avançada de governo pelo povo (Heller:1968-215).
É ainda Heller quem diz (1968-218-219), que o povo exprime os seus desejos através da opinião pública, uma das fontes da consciência jurídica, mas depende inteiramente do Estado para pô-la em prática.
Embora a consciência jurídica atue como a expressão das necessidades sociais, como um indicador, não deve ser aceita incondicionalmente, como verdade revelada, tal qual manifestação divina. Deve ser sempre seguida de uma análise racional dos seus interesses, de sua utilidade, do seu padrão de justiça e também dos efeitos das medidas legislativas em discussão. Como diz Ross, devem ser feitas as considerações práticas, ou, a análise racional de sua utilidade.
Ainda no conceito de Ross, ocorrendo um confronto entre a consciência jurídica e o racional, uma teria que eliminar a outra. O que ocorre na prática, ainda segundo Ross, é que a consciência jurídica acaba cedendo às considerações de ordem prática.
Por fim, o terceiro postulado enuncia que a consciência jurídica predominante na comunidade deve ser tomada como um fator espiritual do qual depende a viabilidade de uma reforma jurídica.
Novamente fica evidenciada a recomendação ao legislador para que não dê, arbitrariamente, força a uma norma, mas que considere, no trabalho de elaboração de sua proposição, as fontes predominantes na sociedade, onde se sobressai a consciência jurídica.
Neste caso, a consciência jurídica é considerada como uma circunstância fática e não como uma motivação, isto é, a consciência jurídica está fundamentada em crenças: não se considera a consciência jurídica mas apenas os seus efeitos.
A lei que não acata a expressão da consciência jurídica provavelmente não será observada ou, o será de má vontade, causando insatisfação e sem o efeito almejado pelo legislador.
Esclareça-se, que a consciência jurídica popular não tem força para modificar uma proposta legislativa, mas pode dar origem a um argumento contra o referido projeto. Uma lei que vai contra a consciência jurídica popular não terá eficácia, podendo causar um efeito indesejável quanto ao respeito geral da lei.
Estas mesmas considerações, aplicam-se àquelas situações em que ocorrem fatos que não chegam a ferir os interesses ou direitos alheios mas são contra os princípios morais predominantes, como o homossexualismo, as relações extramatrimoniais.
São consideradas atitudes antinaturais em termos religiosos ou para uma moral dogmática, a própria consciência moral do indivíduo é punição suficiente como castigo.
O castigo, normalmente, visa proteger o outro, a indignação do outro, visa satisfazer o seu desejo de castigar aqueles que causaram a indignação, a vergonha.
Nos exemplos mencionados, se se fizer um balanço das considerações práticas, deve-se confrontar o sentimento de indignação, o direito à liberdade de pensamento e de ação.
Em outras palavras, os homens deve ser livres para realizar tudo aquilo que não diz respeito aos demais, ainda que estes considerem os atos pecaminosos.
Esta é a essência do Princípio da Tolerância.
A emancipação do jugo da intolerância religiosa e moral, ainda segundo Ross, é o caminho da felicidade.

3. CONCLUSÃO

Na verdade, se a consciência jurídica não for efetivamente o que é desejável pela sociedade para a qual a norma se destina, encontrar-se-á grande dificuldade de adesão a esta norma, sendo necessária a utilização de meios coercivos para sua aplicação, fato que deve ser evitado, o tanto quanto possível pelo político jurídico ao participar de uma modificação legislativa.
Afora os problemas já apontados, pode-se enfrentar a questão da ausência de considerações práticas quanto ao assunto em debate. Tal ausência pode ser dar por inúmeros motivos, como v g, não interessar diretamente ao mundo jurídico ou, conhecimento insuficiente das relações sociais para formar uma opinião sobre as conseqüências das possíveis soluções, impossibilitando-se uma escolha racional justificada.
Quando tal ocorre é necessário recorrer às tradições arraigadas na consciência jurídica popular, sem com isto se dizer, que o direito não deve evoluir, mas, como aquele que advoga mudanças, tem a obrigação de provar sua utilidade, as instituições fundamentais devem ser aceitas como fatos culturais.
Esclarece-se ainda, que as tradições, bem como a consciência jurídica mudam com o tempo, seja pelo desenvolvimento técnico, seja pelas mudanças nas atitudes morais, mas, é mister ter em consideração que, em qualquer situação, essa consciência jurídica deverá ser sempre a estrela polar a guiar o político jurídico em busca de uma lei justa e útil.
A consciência jurídica é elemento de fundamental importância para o político do direito, seja para detectar as lacunas da lei que precisam ser preenchidas, seja para sentir a necessidade de adaptação de lei já existente, aos novos conceitos técnicos e sociais.
O político do direito jamais deverá levar em consideração, nas reformulações necessárias sua própria consciência jurídica, ou àquela dominante nos meios políticos, mas sempre a consciência política social.

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http://www.pesquisedireito.com/artigos/penal/acjeacmal