Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e agrobusiness


Pormarina.cordeiro- Postado em 16 abril 2012

Autores: 
ARAÚJO, José Carlos Evangelista

Instituiu-se um único órgão governamental com poderes para autorizar pesquisas, projetos e atividades e liberar o uso comercial de OGM e derivados no Brasil.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A Origem da CTNBio no Âmbito da Ordem Jurídica Brasileira. 3. Os Bastidores da Tramitação da Nova Lei de Biossegurança em torno do Caráter Vinculativo atribuído às Decisões da CTNBio. 4. A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio – segundo a Lei 11.105/05: 4.1. Órgão do Ministério da Ciência e da Tecnologia, de composição colegiada multidisciplinar, e de caráter consultivo e deliberativo; 4.2. Competência Normativa atribuída à CTNBio; 4.3. Avaliação de risco e nível de biossegurança e expedição de Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB); 4.4. Competência para Expedir Decisões Técnicas, Fundamentação das Decisões tomadas pela CTNBio e Publicidade dos seus Atos; 4.5. CTNBio, tutela do meio ambiente e a natureza jurídica do seu parecer técnico; 4.6. Composição e requisitos subjetivos para indicação dos membros da CTNBio; 4.7. Representações governamentais das comunidades científicas e da sociedade civil; 4.8. A estrutura de funcionamento da CTNBio; 4.9. Quorum para instalação das reuniões e para deliberação do colegiado. 5. Inconstitucionalidades Observadas no Âmbito do capítulo 3º da Lei 11.105/05: 5.1. Afronta ao princípio federativo; 5.2. Prerrogativas do Estado Federal e licenciamento ambiental; 5.3. Da inobservância do princípio da precaução em razão da dispensa do estudo prévio de impacto ambiental. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.


1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo a análise e interpretação do cap. III da Lei 11.105/05 (nova Lei de biossegurança), aprovada pelo Congresso Nacional em 24 de março de 2005.

O estudo está dividido em quatro partes principais, sendo que na primeira delas, procurou-se identificar a origem histórica da CTNBio (objeto central dos dispositivos ora sob análise) no contexto da ordem jurídica brasileira. Buscou-se ressaltar as contradições e ambigüidades que marcaram o seu nascimento do ponto de vista normativo, assinalada por inconstitucionalidades formais subjetivas, vetos e ilegalidades.

Nesse processo, chamou-nos a atenção a obsessão de alguns segmentos dos Poderes Executivo e Legislativo, preocupados em atender o grande pleito das corporações transnacionais, ligadas à biotecnologia no país: a instituição de um único órgão governamental, com poderes vinculantes sobre toda a Administração Pública nacional para autorizar pesquisas, projetos e atividades e liberar o uso comercial de OGM e derivados no Brasil. Chegou-se, com esse intuito, ao extremo de autorizar-se tal prerrogativa por meio de um simples decreto expedido a pretexto de regular-se a Lei 8.974/95 (nossa primeira Lei de biossegurança).

Na segunda parte deste trabalho, procurou-se descrever a evolução da crise desencadeada pelo questionamento judicial dos poderes atribuídos à CTNBio, por meio do Decreto 1.754/95, bem como pela pressão - de produtores rurais e governadores - sobre o Poder Executivo, para que este encontrasse uma saída capaz de preservar os interesses econômicos daqueles que, ilicitamente, contrabandearam e plantaram sementes de soja transgênica.

Tais escaramuças político-legislativas (marcadas pela edição de várias MP’s "de ocasião") acabaram permitindo às forças pró-transgênicos no país convencerem o governo e o Congresso acerca da necessidade de se editar uma nova Lei de biossegurança, por meio da qual estas questões fossem reguladas de tal forma a afastar ao máximo a possibilidade de questionamento jurídico acerca do alcance e da legalidade dos dispositivos introduzidos com o objetivo de se garantir ampla discricionariedade decisional à CTNBio.

Pretendeu-se demonstrar como, ao longo desse processo, as várias correntes de opinião foram se postando e organizando suas alianças, bem como as contradições e ambigüidades de um governo composto por grupos e facções representativos de todos os interesses em conflito - resultando em verdadeira esquizofrenia administrativa e legislativa.

Ao final deste movimento, constatou-se a vitória do lobby pró-transgênicos no âmbito do Congresso Nacional, com a edição de uma nova Lei de biossegurança, que acentuou de forma ainda mais radical os poderes atribuídos à CTNBio, em detrimento de todo o sistema nacional de proteção ao meio ambiente.

Na terceira parte do texto, passou-se a uma interpretação jurídico-dogmática dos principais dispositivos do capítulo III da Lei 11.105/05, analisando-se detalhadamente os aspectos referentes à sua composição, competências, estrutura organizativa e procedimental. Buscou-se também apontar algumas de suas contradições, ambigüidades e insuficiências, bem como alguns acertos pontuais.

Já na quarta e última parte, abordaram-se as inúmeras inconstitucionalidades identificadas ao longo dos dispositivos do capítulo III da Lei 11.105/05. Discutiram-se as aludidas inconstitucionalidades em bloco, identificando duas violações fundamentais: 1) a inobservância em relação ao disposto no art. 23 caput, inciso VI, que prevê a atribuição de uma competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para "proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas" - manifestação por excelência do princípio federativo, desrespeitado pela lei, na medida em que obriga os Estados e Municípios a se sujeitarem às determinações da CTNBio (órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia pertencente ao Poder Executivo da União); 2) desrespeito ao art. 225, caput, § 1º, e inciso IV da CF/88 que, ao estabelecer que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações", instituiu aquilo que Canotilho denominou por "justiça intergeracional", incumbindo ao Poder Público (em todas as suas instâncias e dimensões político-administrativas) o poder-dever de "exigir, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade".

Dispositivos introduzidos no art. 10, caput e § único, e art. 14, incisos IV, VIII, XX, e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, e 6º, da Lei 11.105/05, violam de forma expressa tais mandamentos constitucionais (sob o pretexto de regulamentá-los), em flagrante desrespeito aos princípios democrático (dispensa de audiências públicas), da precaução (dispensa a critério da CTNBio da realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental) e da publicidade (publicação parcial e resumida ["extratos"] dos pareceres técnicos deliberativos emitidos pela CTNBio).

Buscou-se, através deste singelo trabalho, oferecer alguma contribuição para o debate acerca destas questões, de extraordinária relevância para a sociedade brasileira. Isto porque não afetam apenas nossos interesses contemporâneos, mas os de todos aqueles que em um futuro não muito longínquo serão diretamente beneficiados ou punidos pelas conseqüências das escolhas que estamos a fazer no presente.


2. A ORIGEM DA CTNBio NO ÂMBITO DA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA:

O capítulo III da Lei 11.105/05 trata da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio.

Desde os primórdios das discussões no Congresso Nacional acerca de uma legislação que regulamentasse aspectos ligados à biossegurança no país – e que culminou na edição da Lei 8.974/95 -, aventou-se sobre a conveniência de se constituir uma comissão na qual estivessem representados todos os órgãos da União envolvidos na questão, além de representantes da comunidade científica no país.

Tratar-se-ia de uma comissão de alto nível, formada por técnicos e cientistas de indiscutível competência e representatividade, com a função de assessoramento, para análise e aprovação de eventos relacionados com engenharia genética, organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados.

Buscava-se, pois, reconhecer a importância política e econômica que o tema vinha conquistando em âmbito global e os complexos desdobramentos que o desenvolvimento dessa matriz tecnológica poderia implicar para a humanidade em geral, e para a nossa sociedade em particular.

No entanto, no âmbito puramente normativo, a implementação de tal comissão não se deu sem grandes sobressaltos. Uma vez aprovada no Congresso Nacional a Lei 8.974/95, resolveu o Presidente da República, vetar o artigo que instituía a CTNBio sob o argumento de que se havia incorrido em inconstitucionalidade formal subjetiva - na medida em que a propositura de lei que implica na criação de cargos públicos é de iniciativa do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, "a", da CF/88), e o referido projeto de lei, teve origem no Congresso Nacional.

Gerou-se então uma situação paradoxal: inúmeros dispositivos da supracitada lei faziam referência explícita à CTNBio, conferindo a essa instância um papel de grande destaque para a obtenção dos propósitos que justificaram a edição da norma.

Todavia, em decorrência do veto presidencial, foi suprimido exatamente o trecho que a instituía como órgão técnico de assessoramento.

Recriou-se então uma figura jurídica relativamente recorrente em nossa história legislativa, algo que poderíamos alegoricamente denominar por uma norma "mula-sem-cabeça".

Tal situação, por esdrúxula, acabou ocasionando algo ainda mais bizarro: decidiu o Presidente da República, por intermédio do Decreto 1.754/95, ao regulamentar a Lei 8.974/95, re-introduzir os dispositivos anteriormente vetados, instituindo, na prática, a famigerada figura do decreto autônomo, por meio do qual passou a regulamentar diretamente – sem autorização legislativa – o art. 225, § 1º, V, da CF/88.

Chegou-se assim a um resultado deveras heterodoxo. Buscou-se corrigir uma inconstitucionalidade inserindo-se outra. Posteriormente, o Presidente da República tentou dar trato à bola, editando a MP 2.137/00, reeditada com alterações pela MP 2.191/01, na tentativa de minimizar o deslize preteritamente cometido.

Mas assim não ocorreu. Quando da edição da MP 2.137/00, o seu art. 1º – A, estabelecia que "fica criada, no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia, a CTNBio, instância colegiada multidisciplinar, com a finalidade de prestar apoio técnico consultivo e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança".

Nesses termos, fica patente que o parecer técnico conclusivo formulado pela CTNBio seria meramente opinativo, na medida em que originário de um órgão técnico consultivo, destituído de competência para expedir registros.

Entretanto, qual não foi a surpresa dos demais órgãos governamentais envolvidos na questão e de instituições representativas da sociedade civil voltadas para a defesa do meio ambiente quando, em reedições posteriores, a MP alterou a redação do § 1º do art. 7º da Lei 8.974/95, para estabelecer que "o parecer técnico prévio conclusivo da CNTBio vincula os demais órgãos da Administração, quanto aos aspectos de biossegurança do OGM por ela analisados, preservadas as competências dos órgãos de fiscalização de estabelecer exigências e procedimentos adicionais específicos às suas respectivas áreas de competência legal".

Ora, concebida com o objetivo de estabelecer uma instância de alto nível para a defesa dos interesses da sociedade, na tutela de bens indisponíveis, como a vida, a saúde e, sobretudo, o meio ambiente – para a presente e para as futuras gerações -, seria até compreensivo a atribuição de um efeito vinculante ao parecer prévio da CTNBio quando seu conteúdo fosse negativo.

Ou seja, todas as vezes que, por razões de segurança em matéria de OGM e derivados, se indeferisse a pesquisa ou a comercialização de tais agentes, os Ministérios e demais órgãos da administração pública estariam necessariamente impossibilitados de seguir adiante na avaliação desses produtos, projetos ou atividades.

Por ser prévio, o parecer, quando negativo, fixaria de saída a inexistência ou inobservância de aspectos ou procedimentos tidos como imprescindíveis para se seguir na avaliação e subseqüente autorização e registro pelos órgãos estatais competentes.

Porém, ao determinar-se que tal parecer vincularia também os casos de liberação, impedindo os demais órgãos da administração pública de se manifestarem sobre aspectos de biossegurança relativos à sua área de competência, suprimindo-se inclusive a competência comum constitucionalmente conferida pela CF/88 aos demais entes da federação para protegerem o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (art. 23, VI, da CF/88), transpareceu para a comunidade em geral, para os formadores de opinião e entidades representativas da sociedade civil que a real motivação de tal inovação residia, exclusivamente, no atendimento de um antigo pleito das empresas de biotecnologia: a instituição de um único órgão de deliberação sobre OGM no país.

"A primeira tese defendida, com vigor, pelas empresas de biotecnologia, e com apoio do Ministério da Agricultura (não importa de qual governo), pretende estabelecer um único órgão de deliberação sobre OGMs no país, para que seus pareceres conclusivos e decisões tenham efeito vinculante sobre todos os órgãos da Administração Federal ou Estadual, inclusive quanto a eventual dispensa de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA)". [01]

Neste ponto ficou clara a existência de um profundo conflito de interesses que opõe, de um lado, os movimentos ambientalistas e de defesa do consumidor, apoiados por diversos órgãos governamentais tradicionalmente alinhados com preocupações preservacionistas (como o Ministério do Meio Ambiente) e, de outro, órgãos governamentais como o Ministério da Agricultura e um seleto grupo de corporações transnacionais, que atuam globalmente em regime de oligopólio no âmbito do chamado complexo agro-industrial (CAI), e que no país, têm como sua mais ilustre representante a empresa norte-americana Monsanto. [02]

O complexo agro-industrial [03] é um dos grandes beneficiados no âmbito do mercado mundial da chamada "revolução tecno-científica".

Sua gênese se deu em meados dos anos 70, quando uma singular combinação de novas tecnologias, boa parte delas desenvolvidas no contexto da corrida armamentista, travada durante a chamada "guerra-fria" - tais como, a informática, a automação e a biotecnologia associada à produção de novos materiais - combinaram-se, para produzir um verdadeiro salto de qualidade no âmbito da produção econômica mundial.

Em meio aos desequilíbrios provocados pela crise do petróleo, o sistema produtivo global serviu-se dessa nova dinâmica tecnológica para iniciar a transição de uma sociedade industrial para uma nova forma de organização da produção e do consumo, que vêm sendo designada por sociedade pós-industrial ou "sociedade informacional". [04]

Enquanto a produtividade no interior da sociedade industrial teria sido marcada por um paradigma "quantitativo", cuja característica principal foi a busca permanente pela redução do tempo de trabalho necessário para se produzir uma dada mercadoria (aquilo que Marx denominou por "mais-valia"), no âmbito da sociedade pós-industrial, tal paradigma tornou-se "qualitativo", representado pelo uso intensivo do conhecimento na produção, voltada para a "inovação permanente dos produtos".

O processo de acumulação de capital governa-se agora pela capacidade para "sucatear" hoje, a inovação introduzida no mercado ontem. Aquilo que Shumpeter, já no início do século XX, havia previsto sob a designação de "destruição criativa".

Se este princípio vale para as três matrizes tecnológicas acima referidas, no ramo da biotecnologia [05] ela possui um significado especial: aqui o desejo do capital para realizar-se no mercado com o máximo de rapidez, atropelando-se, sucessivamente, pela introdução de inovações formuladas a partir da manipulação de matéria orgânica por meio da engenharia genética, com a produção de organismos geneticamente modificados (OGM) e seus derivados, colide com o legítimo interesse da sociedade em se proteger contra as perniciosas e imprevisíveis conseqüências que poderão advir da liberação, no meio ambiente, desses novos agentes.

Isto porque os mesmos não foram ainda devidamente expostos a processos de verificação de sua segurança e conveniência, em flagrante desrespeito ao "princípio da precaução" – viga mestra de todo o direito ambiental internacional, desde a Conferência a Conferência de Estocolmo em 1972, e recentemente (11/09/2003) reafirmado pelo Protocolo de Cartagena.

Diante da constatação deste conflito entre sociedade civil (não apenas no Brasil, mas em âmbito mundial) e grandes corporações transnacionais articuladas em torno do complexo agro-industrial, caberia, em princípio, ao Estado, mediar tal litígio, defendendo de forma ampla os interesses da sociedade.

Estes interesses, por sua vez, passariam tanto pela defesa do meio ambiente, preservando-o para o presente e para as futuras gerações (art. 225, caput, da CF/88), quanto pelo investimento científico e tecnológico indispensável para o desenvolvimento sócio-econômico da sociedade brasileira, preservando-a de uma indesejável defasagem tecnológica capaz de nos marginalizar ainda mais no âmbito da chamada divisão internacional do trabalho - como também, de uma perversa dependência tecnológica em relação às grandes corporações econômicas, que possuem os seus centros de decisão e interesse localizados no exterior.

Nesses termos, a configuração normativa da CTNBio possui indiscutível importância, na medida em que aponta o sentido em que a correlação de forças no campo dos poderes Executivo e Legislativo se afirmam.

Ao mesmo tempo, sinalizam para a sociedade civil os novos desdobramentos de sua luta de resistência contra a imposição dos interesses econômicos, em detrimento dos imperativos da preservação ambiental, no bojo do Poder Judiciário, que escudado na Constituição, também vem se transformando em todo o mundo, na mais importante trincheira nesta verdadeira guerra pela soberania ambiental no planeta.

"A intensidade dessa polêmica e o amplo espectro dos interesses difusos e privados aí presentes, as evidentes dificuldades e tropeços das autoridades públicas na condução dos processos decisórios e a freqüente transposição da disputa para o campo legal, por outro lado, vêm suscitando uma reflexão teórica que forçosamente transcende o campo disciplinar das ciências naturais, como a genética e a biologia molecular, para repercutir no campo do Direito, das Ciências Sociais e da Filosofia. Em torno da temática dos transgênicos, da biossegurança e da biotecnologia, instaura-se um fecundo debate multidisciplinar sobre paradigmas científicos, direitos ambientais, direitos do consumidor, ética e democracia, questionando-se e remanejando-se os papéis que devem assumir a comunidade científica, o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil na Era Tecnológica [...] São muitos os casos em que a polêmica referente à liberação de transgêncios para cultivo e consumo acaba nas barras dos tribunais. A França, alguns anos depois de haver sido a responsável pelo pedido de liberação de um tipo de milho transgênico na União Européia, apela para a Corte Suprema, desejosa de furtar-se à obrigação de aceitar a sua comercialização em seu território. Nos EUA, o processo movido por uma ampla coalizão de entidades civis contra a FDA (Food and Drugs Agency), acusada de descumprir suas obrigações legais de examinar a segurança dos alimentos transgênicos, já resultou em liberação de extensa documentação do órgão, por ordem judicial. Há processos judiciais em andamento em todos os continentes e todos movidos por entidades da sociedade civil. Alguns deles, com apoio dos seus Ministérios Públicos". [06]

Ou seja, a análise e interpretação do capítulo III, da Lei 11.105/05, deve reconhecer a extrema complexidade política que atuou como pano de fundo no processo de elaboração da norma, atentando para os diversos conflitos de interesses que nela se expressaram, e também às diversas contradições entre os entes responsáveis pelo exercício do poder político-estatal, no âmbito do sistema de freios e contra-pesos e da divisão territorial do poder político, típicos do Estado Federal.

Por isso, antes mesmo de iniciarmos o trabalho de interpretação dogmático-normativo da referida norma, entendemos oportuna uma breve recuperação histórica do processo político-legislativo que caracterizou a revogação da Lei 8.974/95 pela norma ora em vigor.

3. OS BASTIDORES DA TRAMITAÇÃO DA NOVA LEI DE BIOSSEGURANÇA EM TORNO DO CARÁTER VINCULATIVO ATRIBUÍDO ÀS DECISÕES DA CTNBio

Há uma questão que parece difícil de ser respondida: porque o Congresso Nacional precisou elaborar uma nova Lei de biossegurança, quando se tinha uma em vigor, aprovada há menos de uma década, e em relação à qual, a atual que a revogou, não inovou no âmbito da proteção que se procurava instituir?

Talvez possamos começar a encontrar a resposta em meados de 2003, ainda no início do primeiro governo Lula, quando da extraordinária pressão efetuada pelo governador do Rio Grande do Sul, à frente das associações de produtores rurais do estado, e tendo como companheiro de viagem o ministro da agricultura, Roberto Rodrigues.

Tratava-se de resolver o problema criado em torno da colheita e venda de soja transgênica, plantada ilicitamente pelos ruralistas gaúchos, que exigiam sua "legalização".

À frente do problema colocou-se o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, que demonstrando inequívoca disposição centralizadora, organizou em torno de sua pasta uma comissão composta por nove ministérios.

Após a apresentação e discussão de inúmeras propostas – tais como a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta, no qual aqueles que plantaram soja transgênica ilegalmente se comprometiam a não mais o fazê-lo em desconformidade com a legislação em vigor e, tendo como contrapartida, a garantia de que o Estado adquiriria a produção, destinando-a para uso como ração animal, ou exportando-a para países nos quais inexistia restrição aos transgênicos -, optou-se, estranhamente, pela edição da Medida Provisória n. 113/03 (posteriormente convertida na Lei 10.688/03), por meio da qual se liberou a colheita e a comercialização daquela safra, no âmbito do território nacional – restringindo-se apenas a sua comercialização na forma de sementes, e exigindo-se a sua devida rotulagem.

 

Entretanto, o que mais chamou a atenção neste momento, foi o flagrante desrespeito a uma decisão da justiça, proibindo a comercialização de alimentos transgênicos em face da ausência de normas de segurança e rotulagem, a serem expedidas pela própria CTNBio, em total violação ao princípio da independência dos Poderes da República e da soberania das decisões judiciais pelos Poderes Executivo (que editou a MP – 113/03) e Legislativo (que converteu a MP na Lei 10.688/03), a pretexto de salvaguardar os interesses de um grupo de infratores da ordem jurídica.

"A 1ª. MP dos transgênicos, como ela ficou sendo chamada, desrespeitou claramente a sentença judicial de 1ª. instância do juiz Antônio Prudente, que proibia distribuição para consumo de alimentos transgênicos até que a própria CTNBio criasse normas para avaliação da segurança dos alimentos e rotulagem. Embora não tenha feito o mesmo em relação à parte da sentença que proibia o plantio sem prévio estudo de impacto ambiental – já que a MP autorizava a colheita mas não o plantio – é evidente que a MP perdoava um crime ambiental cometido em sã consciência por centenas de agricultores gaúchos que resolveram contrabandear e plantar soja transgênica, em vez de utilizar as variedades tradicionais disponíveis no mercado. O argumento publicamente apresentado para tal perdão era o fato de que essas centenas de agricultores enfrentariam a ruína, caso não pudessem vender suas safras. Nos bastidores do governo, no entanto, se dizia que melhor seria mudar a lei do que desmoralizar o Estado, pois esse não teria condições de fazer cumprir a lei em um Rio Grande do Sul praticamente sublevado". [07]

Todavia, durante o processo de tramitação da MP 113/03, deputados favoráveis à adoção indiscriminada dos transgênicos ameaçaram o governo com a proposição de emendas por meio das quais se autorizaria de vez o plantio e a colheita de soja transgênica.

Sem disposição para enfrentar tais interesses e, ao mesmo tempo, disposta a retardar uma confrontação interna ao governo com segmentos articulados em torno dos ministérios da saúde e do meio ambiente, a Casa Civil engendrou uma negociação em que se comprometeu a enviar à Câmara, no prazo de um mês, um novo projeto de lei sobre biossegurança – em contrapartida à aprovação da MP em sua versão original.

Assim, nas palavras de Marijane Lisboa, "num passe de mágica, se enterrava em vida uma lei que nunca foi revogada e se iniciava a lenda de que na ausência de legislação específica o país necessitava com urgência regulamentar a questão dos transgênicos".

Neste momento, contudo, os movimentos sociais e ambientalistas chegaram a ter um lampejo de esperança com relação a uma possível mudança de postura do governo, recentemente eleito com forte apoio da sociedade civil organizada, não obstante a decepção inicial, marcada por recuos acentuados na questão ambiental (mesmo quando comparados com o governo anterior), e pela suspeita de que a cúpula do poder, em sua essência, nutria uma concepção favorável aos transgênicos - expressão de sua conduta burocrática e oportunista, pautada em uma percepção "deslumbrada" da ciência, da tecnologia e do desenvolvimento econômico.

Nesta moldura, as reivindicações ambientalistas certamente pareciam coisa romântica, pouco prática, ou mesmo ignorante.

Ao identificá-los (os líderes governistas) como portadores de uma visão reducionista da política, e economicista da história, muitas lideranças ambientalistas começaram a desconfiar de que a nomenklatura petista havia decidido abandoná-las, em razão de novas alianças, mais adequadas à nova realidade de "quem tem responsabilidades com toda a sociedade, precisando ampliar suas bases políticas para se garantir a governabilidade".

Mas então, por um momento, o governo pareceu se abrir. O grupo de trabalho formado por representantes dos ministérios começou a se reunir e a ouvir as propostas dos representantes da sociedade civil, e, apesar de o prazo estabelecido pela Casa Civil para discussão ser exíguo, avançou-se rumo a um projeto apoiado pela maioria absoluta dos representantes ministeriais e pelo conjunto das entidades representativas da sociedade civil.

No entanto, logo em seguida, nova decepção. Tudo se modificou quando se tentou resolver a questão do caráter vinculante dos pareceres técnicos da CTNBio. Neste ponto, a polarização se acentuou e o governo não hesitou em escolher o lado de quem deveria tomar. E não foi o da sociedade civil e dos movimentos ambientalistas. Os velhos aliados perderiam mais uma...

"O mesmo grupo de representantes dos ministérios começa a trabalhar na sua nova tarefa, realizando reuniões quase diárias, pressionado pela Casa Civil a elaborar o projeto de lei dentro do exíguo prazo de 30 dias. A Casa Civil organizou um ciclo de debates no Congresso para ouvir a sociedade civil e incorporar suas demandas. Embora esvaziado e sem repercussão na mídia, é importante citar esse evento, pois foi a única oportunidade que os movimentos sociais preocupados com um uso seguro de transgêncios tiveram de fazer chegar suas opiniões aos assessores da Casa Civil, já que nunca, durante os 17 meses do governo Lula, as entidades ambientalistas, de consumidores e cientistas independentes conseguiram ser recebidas pelo ministro José Dirceu ou pelo próprio Presidente da República. Mas como era de se esperar, apesar do trabalho intenso, não foi possível ao grupo de representantes dos ministérios chegar a um acordo sobre o futuro projeto de lei. Embora tenha havido consenso em relação a vários aspectos secundários, os ministérios divergiram quanto ao caráter vinculante do parecer da CTNBio, e portanto, quanto a quais instancias administrativas caberia dar a palavra final com relação à liberação de transgênicos para uso comercial e de saúde". [08]

Afastadas as entidades representativas da sociedade organizada, decepcionadas com a condução do processo pela Casa Civil, a discussão permaneceu intra-muros, entre os representantes dos diversos ministérios.

Além da questão do caráter vinculante atribuído ao parecer técnico da CTNBio, outro ponto de discordância se dava em torno do poder concedido à CTNBio, para dispensar o licenciamento ambiental e o estudo de impacto ambiental.

Insistiu-se nessa proposta mesmo em face do argumento que, concentradas todas essas atribuições nas mãos da CTNBio, o próprio CONAMA, como órgão centralizador da política nacional de meio ambiente, e o IBAMA, enquanto principal órgão gestor dos processos de licenciamento ambiental, ficariam esvaziados, passando a terem função meramente protocolar.

Ademais, neste momento, depois de mais de oito anos de funcionamento, inclusive sob o governo Lula, já era bastante conhecido o perfil da maioria dos conselheiros da CTNBio - tida pela grande maioria dos ambientas como pró-transgênicos "puro-sangue", composta basicamente por pessoas ligadas à área de biotecnologia, e não de biossegurança.

Não por acaso, a comissão foi acondicionada junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia, cabendo a este ministro escolher seus representantes a partir de listas tríplices facilmente "negociáveis", privilegiando-se para a sua indicação entidades "confiáveis".

A trajetória da CTNBio até então não deixava dúvidas quanto à sua parcialidade. E no que concerne às entidades que em seu interior tentaram algum tipo de intervenção como o IDEC, ou conselheiros que procuraram fazer valer o seu direito de opinião, como os representantes dos Ministérios do Meio Ambiente e da Saúde, logo se percebiam em flagrante minoria, tendo que optar entre se retirar ou resignar-se à mera figuração.

Ao final das contas, foi enviado ao Presidente da República duas propostas, uma apoiada por oito ministérios, defendendo parecer não-vinculante, e outra, apoiada por dois ministérios, defendendo o parecer vinculante.

Não obstante, segundo informações de bastidores, relatadas por Marijane Lisboa, a Casa Civil, fortemente influenciada pelo Ministro Gushiken, elaborou proposta definitiva, que concedia à CTNBio o parecer vinculante.

Essa postura teria gerado uma revolta generalizada entre os representantes dos demais ministérios, com ameaça de renúncia de ministros, o que acabou por forçar um acordo no âmbito do PT, em que se optou por enviar para à Câmara uma proposta que contemplava os representantes da maioria dos ministérios (parecer não-vinculante).

Mas ao que parece, tal procedimento não passou de uma manobra astuciosa da Casa Civil. Isto porque, na Câmara, o líder do governo no Congresso, deputado Aldo Rebelo, re-introduziu no seu relatório, a proposta de parecer vinculante, além de criar uma nova instância, denominada Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), composto por 11 ministros, sob a presidência da Casa Civil, como última instância em matéria relativa ao uso comercial de transgênicos, assumindo ainda a função de Câmara Recursal em caso de divergências entre a CTNBio e quaisquer dos órgãos de registro e fiscalização dos respectivos ministérios, ou entre a primeira e alguma agência executiva como o IBAMA ou a ANVISA. Os que discordassem da CTNBio, teriam 30 dias, contados a partir da publicação do parecer, para recorrer ao CNBS.

Foi também nesse momento, que o lobby pró-transgênico demonstrou um extraordinário senso de oportunidade (ou talvez atitude oportunista, diriam seus adversários), quando, por intermédio do relator, incluiu no Projeto de Lei, o regramento de matéria totalmente estranha à biossegurança: a regulamentação de pesquisas com células-tronco.

A introdução deste assunto, de natureza ética e de alta carga emocional, envolvendo questões religiosas e mobilizando as expectativas de milhares de portadores de deficiência, funcionou como verdadeira cortina de fumaça, desviando a atenção da mídia e de boa parte da opinião pública do verdadeiro epicentro da questão: a normatização e a fiscalização de produtos, pesquisas, e atividades envolvendo segurança em torno de OGMs e seus derivados.

Depois de aprovado na Câmara, o projeto foi enviado ao Senado, onde recebeu a relatoria do Senador Osmar Dias, reconhecido pelos ambientalistas como entusiasta da liberalização da comercialização de produtos transgênicos.

Tratou o Senador de ampliar ainda mais os poderes da CTNBio, vedou ao IBAMA solicitação de quaisquer outras informações do requerente a partir do momento em que a CTNBio, por seu parecer fundamentado, libere para a comercialização um determinado OGM.

Além disso, transferiu do IBAMA para a CTNBio a prerrogativa para decidir acerca da conveniência de se solicitar o licenciamento ambiental, decidindo sobre a necessidade de realização de estudo prévio de impacto ambiental. As mencionadas modificações foram finalmente aprovadas com o PL, convertendo-se na Lei 11.105/05.

Como se verifica pelo exposto nesta rápida retrospectiva, independentemente do conteúdo normativo específico da Lei 11.105/05, que a seguir discutiremos, e cujos desdobramentos jurídicos podem ser distintos daqueles elementos que politicamente motivaram a elaboração da norma, o texto ao final aprovado ilustra uma clara vitória dos interesses ligados às grandes corporações transnacionais do setor de biotecnologia e seus aliados domésticos.

Representou também, a contrário senso, uma derrota política significativa dos setores mobilizados da sociedade civil que até então haviam constituído uma aliança histórica com as forças políticas que conduziram o atual governo ao poder.

Os interesses das corporações transnacionais, associados aos segmentos internos beneficiados pelo agronegócio, forjaram um bloco extremamente compacto e influente de interesses, e acabaram por cooptar todas as forças políticas que, em tese, poderiam opor algum tipo de resistência às suas pretensões, chegando até mesmo ao ponto de renegar seus aliados históricos.

"Ora, essa situação merece uma análise mais apurada. Por que governos democráticos e com bases populares como o governo do FHC e do Lula não querem discutir a questão dos transgênicos com a sociedade? Ou, melhor ainda, por que esses dois governos, sua base aliada e também a sua oposição, à revelia de todo o bom senso administrativo querem retirar das agências executivas, e em particular do IBAMA, a competência para avaliar a segurança ambiental e de saúde e entrega-las a uma ‘panelinha’ de cientistas, sem vínculos empregatícios com a coisa pública? Não será porque por detrás do IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente antevêem aqueles mesmos movimentos sociais que eles insistem em afastar do debate? [09]

A resposta às indagações da pesquisadora só podem ser afirmativas. Mas, ainda assim, fica a inquietação: por quê?

Ao que tudo indica, os motivos dessa conduta ocultam-se por detrás do enfraquecimento estrutural do próprio Estado nacional diante do "rolo-compressor" do processo de globalização.

As corporações transnacionais, ao imporem por meio dos grandes comitês que em nível mundial representam seus interesses (tais como a OMC, o FMI, o Banco Mundial, dentre outros), às sociedades periféricas, a adoção de uma pauta de liberalização financeiro-comercial e de desregulamentação da atividade econômica, fizeram com que tais Estados renunciassem a parte das suas já exíguas margens de manobra, por meio das quais poderiam promover políticas pró-ativas de desenvolvimento nacional.

Sendo assim, o modelo de desenvolvimento dependente e associado aos centros hegemônicos do capitalismo mundial, que marcou a história de muitas sociedades da periferia do capitalismo – sobretudo na América Latina –, parece se reproduzir ao infinito.

A adoção voluntária e entusiasmada do receituário neoliberal por muitos governos de centro esquerda ao longo da década de 90, abriu fendas ainda mais profundas, acentuando a fragilidade financeira dessas sociedades diante do humor dos mercados sempre instáveis.

Nesse sentido, mesmo agrupamentos políticos que se notabilizaram ao longo de sua história por um combate aguerrido a todas as manifestações de políticas imperialistas, e que sempre propugnaram por um projeto de desenvolvimento autônomo, que colocava na pauta do dia a emancipação dos secularmente excluídos, ao chegarem ao poder, perceberam que podiam muito pouco – ou quase nada.

Passaram, por conseguinte, a se contentar com políticas assistencialistas, "meia-sola", agrados pirotécnicos à população em geral, que não raro descambam para a demagogia e o populismo.

Ao mesmo tempo em que tentam agradar as "velhas bases" com puro jogo de cena, abrindo os palácios aos pobres (mas não as portas da verdadeira cidadania), esses grupos, outrora aguerridos defensores dos interesses populares e de uma ética republicana de perfil quase franciscano, são obrigados a ceder ao jogo da realpolitik, agarrando-se ao poder pelo poder, montando aparelhos, verdadeiros bunkers dentro do Estado, inebriados por uma percepção paranóica da realidade e deslumbrada do exercício do poder.

Então, a pretexto de garantir-se a tal "governabilidade" e perpetuarem-se no poder, procuraram tirar vantagem das práticas que, até então, abominavam, entregando-se ao jogo fácil da ação fisiológica-clientelista (procurando cooptar antigas lideranças populares atando-as aos favores do Estado), e por meio do rateio patrimonialista da coisa pública entre as diversas facções político-partidárias que se propõe a alugar aos ocupantes do poder o seu apoio.

Nesse contexto, imaginando-se a todo instante vítimas das intrigas e armadilhas dos antigos ocupantes da maquina estatal, não admitindo perdê-la depois de tantos anos de sacrifício, os novos administradores do poder estatal procurarão também limitar ao máximo os seus adversários, evitando confrontar-se com os mais poderosos (sobretudo aqueles oriundos do exterior), adulando-os, cedendo às suas demandas, e, se for o caso, até fazendo "negócios" com eles.

O enfraquecimento estrutural do Estado, a ausência de um efetivo projeto de desenvolvimento nacional, capaz de resgatar o desejo de soberania e de emancipação, adaptado às circunstâncias criadas pela nova divisão internacional do trabalho, talhadas pela revolução tecnocientífica e pela globalização, criam as condições para a imposição, sem limites, dos interesses das grandes corporações transnacionais e para um Estado de corrupção permanente [10], na periferia do modo de produção capitalista.

Este quadro político talvez acabe por obrigar a sociedade civil e as demais instâncias estatais não cooptadas pelos interesses econômicos hoje hegemônicos, a concentrar seus esforços na defesa do meio ambiente, mobilizando diretamente a sociedade, esclarecendo-a acerca dos riscos contidos na forma pela qual os Poderes Executivo e Legislativo vêm tratando a matéria e recorrendo ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. Isto porque o meio ambiente, no âmbito da ordem constitucional brasileira, é um direito fundamental de natureza singular e deve ser tutelado não apenas em favor das gerações presentes, mas também das futuras. Como já afirmamos, trata-se daquilo que Canotilho denominou por "justiça intergeracional".

"O sujeito relevante já não é apenas a pessoa ou grupos de pessoas. Passa a ser também o ‘sujeito geração’. Na verdade, os comportamentos ecológica e ambientalmente relevantes da geração atual condicionam e comprometem as condições de vida das gerações futuras. Trata-se de uma idéia que, como se sabe, tem sido arquitetada sobretudo desde o Relatório Bruntland de 1987 sobre o chamado desenvolvimento sustentado [...] A responsabilidade de todas as forças sociais – a chamada shared responsability – aponta precisamente para a descoberta de critérios de delimitação desta responsabilidade que não ponham em causa, apesar de tudo, a dimensão subjetiva dos direitos. No plano concreto deste trabalho, isso significa que o recorte de um dever fundamental ecológico, em nome da justiça intergeracional, pode implicar a tomada em consideração do ambiente no balanceamento de direito, acentuado-se os ‘momentos de dever’ até agora desprezados na dogmática jurídica". [11]

No âmbito dos modernos "Estados Sociais de Direito", o Poder Judiciário deve interpretar e aplicar a ordem jurídica nos termos estabelecidos pela Lei Fundamental, pelo "contrato social", constituído na forma de uma Constituição rígida, que estabelecendo a sua supremacia, limita a pretensão político-administrativa das chamadas "maiorias de circunstância".

O princípio da supremacia da constituição implica, pois, uma exegese cuidadosa das inovações infraconstitucionais introduzidas pelo legislador ordinário, interpretando-as sempre à luz dos princípios e valores basilares que constituem a ordem jurídica nacional, evitando supressões ilegítimas por parte das maiorias sobre as minorias – fundados no princípio da proibição de retrocesso, aplicados especialmente aos direitos econômico, cultural e social, nos quais o direito ao meio ambiente equilibrado está inscrito.

E mais ainda, a natureza intergeracional dos direitos fundamentais ambientais, confere aos princípios e valores que os instituem, um caráter dinâmico que obriga às Cortes Constitucionais apreciá-los em consideração com as condições concretas de cada momento histórico, mas sempre à luz do porvir, sem nunca se descuidar, por exemplo, das cautelas inspiradas em um outro princípio fundamental para a correta compreensão da questão ambiental, e ao qual voltaremos mais adiante: o princípio da precaução.

"As normas-fim e normas-tarefas ambientalmente relevantes são normas constitucionais impositivas. Por isso impõe ao legislador e a outras entidades (autonomias locais) o dever de adotar medidas de proteção adequadas à proteção do ambiente. Mas não apenas isso. A doutrina salienta que as normas-fim ecológicas e ambientais constitucionalmente consagradas têm um caráter dinâmico que implica uma permanente atualização e aperfeiçoamento dos instrumentos jurídicos destinados à proteção do ambiente perante os novos perigos de agressões ecológicas [...] a Constituição proíbe através de normas-fim ou de normas-tarefas, o retrocesso ecológico? Por outras palavras: haverá aqui uma proibição constitucional de retrocesso ecológico-ambiental? A interrogação, limitada ao ambiente, transporta grande dose de ambigüidade. O retrocesso ecológico-ambiental refere-se à situação global ecológica ou aos bens ecológicos concretamente considerados? O agravamento da situação ecológica global parece ser o critério básico, pois só assim é possível proceder em alguns casos à ponderação ou balanceamento de bens. No entanto, relativamente aos recursos é possível uma maior e melhor concretização sobre o ponto de vista da operacionalização do princípio da proibição do retrocesso ecológico. A água, os solos, a fauna, a flora, não podem ver aumentar o ‘grau de esgotamento’ como limite jurídico-constitucional da liberdade de conformação dos poderes públicos (atenção à possibilidade de regeneração, atenção ao dano)." [12]

 

4. A COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA – CTNBio – SEGUNDO À LEI 11.105/05

Como já foi dito anteriormente, o processo de interpretação/aplicação de um determinado instrumento normativo, dificilmente coincidirá em sua integridade com os desejos – muitas vezes inconfessáveis – que motivaram o legislador no momento de sua edição.

Afinal de contas, tais momentos são sempre expressões fugidias de correlação de forças muitas vezes circunstanciais, que devem ser integradas em uma moldura na qual se busca uma estabilização, relativamente duradoura, de uma determinada ordem jurídico-estatal.

Sendo assim, as normas jurídicas (sobretudo de hierarquia infraconstitucional) só encontrarão o seu efetivo campo de intervenção a partir do instante em que, existentes, válidas e eficazes, sejam integradas à ordem constitucional em razão de sua supremacia.

Nesse sentido, poderíamos dizer que as leis e demais atos normativos são como filhos, que os pais colocam no mundo e que, por mais que se esforcem em pré-determinar o seu sentido e destino, pouco podem fazer, porque estes adquirem uma dinâmica própria em contato com a realidade (fática e normativa) que os circunda.

Por isso, embora se reconheça muita sabedoria na velha descrição realizada por Ferdinand Lassalle [13], acerca da natureza sociológica de uma determinada Constituição (sempre condicionada pelos "fatores reais de poder"), não podemos também nos esquecer da oportuna correção feita à sua tese por outro compatriota, Konrad Hesse, [14] ao destacar a chamada "força normativa dos textos constitucionais".

Será, pois, com base na força normativa da ordem constitucional, de suas regras, princípios e valores, e sem descuidar das fronteiras inescapáveis do texto validamente editado pelo legislador ordinário, que procuraremos analisar e interpretar a seguir os dispositivos constantes do Capítulo III da Lei 11.105/05, que instituem e definem a competência, a composição e a forma de funcionamento da CTNBio.

 

Ao fazê-lo, deixaremos para um tópico específico, o comentário acerca dos dispositivos da lei em análise por nós considerados como inconstitucionais.

4.1. Órgão do Ministério da Ciência e da Tecnologia, de composição colegiada multidisciplinar, e de caráter consultivo e deliberativo

De conformidade com o estabelecido pelo art. 10, caput, da Lei 11.105/05, a CTNBio constitui-se em um órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), compondo-se uma por um colegiado com perfil multidisciplinar, e possuindo funções de caráter consultivo e deliberativo.

Cuida-se, portanto, de uma instância destituída de personalidade jurídica, integrando a organização político-administrativa da União.

De início, chama a atenção o fato de atribuir-se a um órgão subalterno, que poderíamos designar como de 2º ou 3º escalão, um conjunto tão significativo de atribuições, com repercussões sociais, políticas e econômicas de alto vulto.

Poder-se-ia inclusive argumentar a respeito da conveniência de entregar-se esse conjunto de atribuições a uma instância política e administrativamente mais robusta e autônoma, conferindo-lhe a forma jurídica de uma autarquia ou de uma agência.

No entanto, desde a sua constituição, por intermédio do Decreto 1.754/95, esteve a CTNBio subordinada jurídica, política e fisicamente ao MCT.

Este é, aliás, um outro ponto que causa certa inquietude e desconforto. Afinal de contas, porque o MCT? Muitas respostas parecem admissíveis.

Uma primeira talvez devesse ser buscada na maneira pela qual os ministérios têm sido utilizados na última década, como forma de composição de governo, com vistas à formação de maiorias parlamentares, sendo necessário designar a cada um deles alguma "jóia da coroa", para torná-lo atraente, enquanto moeda de troca quando das composições entre partidos e facções.

Por esse mesmo motivo, talvez não fosse conveniente subordinar a Comissão ao Ministério da Saúde, visto que, por já comportar um orçamento fabuloso, e ser de grande visibilidade político-social, não precisaria de mais esse adendo.

Outra possível justificativa, de certa forma decorrente da primeira, leva em consideração a acomodação de interesses, normalmente antagônicos, que os dois últimos governos realizaram entre os ministérios da agricultura - tradicionalmente entregue a representantes do setor ruralista, de perfil político conservador, intimamente vinculados ao agronegócio e, portanto, umbilicalmente ligado ao complexo agroindustrial -, e do meio ambiente - que na última década procurou acomodar interesses ligados aos movimentos sociais ambientalistas, com perfil ideológico acentuado à esquerda, e críticos contundentes do complexo agroindustrial.

Nesta perspectiva, situar a CTNBio (o mais importante órgão do sistema nacional de biossegurança, independentemente do alcance dado a alguns dos dispositivos atributivos de sua competência agora e outrora questionados) no âmbito do MCT, pode ter sido uma maneira de arbitrar politicamente essas duas vertentes, que têm coexistido no plano governamental ao longo dos últimos dez anos.

E por fim, poder-se-ia delegar tal opção simplesmente à concepção política e filosoficamente dominante junto ao campo majoritário dos dois últimos governos, que foca a questão dos organismos geneticamente modificados como um aspecto essencialmente econômico, ligado à capacitação tecnológica de nosso setor produtivo, e que portanto, deve antes de mais nada ser apoiado e desenvolvido - não situando o assunto como uma questão propriamente de segurança.

"O próprio fato de que a CTNBio esteja institucionalmente sob a égide do Ministério da Ciência e Tecnologia confirma a visão idílica de nossas autoridades sobre a engenharia genética. A biossegurança não é entendida como uma questão de segurança da vida – meio ambiente e saúde – como o seu nome diz, mas como sinônimo de biotecnologia, uma questão de tecnologia, antes de tudo. Assim, se alguns cuidados mínimos são recomendados, bastaria um exame sumário por parte dos cientistas especialistas em biotecnologia, ou seja, de gente que valorize o suficiente essa tecnologia para não se deixar deter por considerações religiosas ou emocionais." [15]

De fato, acreditamos que a resposta esteja na combinação de todas estas possibilidades. Sendo assim, como o próprio termo indica, a CTNBio é um "órgão", que enquanto tal não vive sozinho, dependendo em tudo, do ponto de vista de sua estrutura e logística, do MCT.

Quanto à composição colegiada, de perfil multidisciplinar, é inequivocamente a mais adequada para este tipo de instância. Por reunir em seu interior representantes e estudiosos de diversas áreas da administração e do conhecimento, cujas competências encontram-se necessariamente intrincadas no âmbito da questão ambiental, que é por sua própria natureza complexa, interligada, rizomática, e cuja compreensão e desenvolvimento requer uma leitura necessariamente holística.

Dessa forma, a multidisciplinariedade tende a fazer aflorar aspectos importantes que talvez fossem negligenciados, caso abandonados aos especialistas de uma única área do conhecimento e da administração pública. Suscita, portanto, o debate e a reflexão a partir de uma noção de conjunto.

A estrutura colegiada por sua vez, tem por intuito forçar a busca por soluções consensuais, por meio do auto-arbitramento de interesses e expectativas, na esperança de se limitarem às possibilidades de o órgão vir a assumir uma feição excessivamente corporativista – o que infelizmente, por si só, não consegue fazer.

O caráter consultivo da CTNBio, expresso no caput do art. 10 da lei, é novamente reafirmado e qualificado no bojo do parágrafo único desse dispositivo, quando se afirma que: "A CTNBio deverá acompanhar o desenvolvimento e o processo técnico e científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia, bioética e afins, com o objetivo de aumentar sua capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente". (grifo nosso).

O parágrafo único do aludido dispositivo qualifica as duas funções ora analisadas: a) em sua função consultiva, deve a CTNBio acompanhar a evolução do conhecimento científico e tecnológico nas áreas ali designadas, conferindo atenção especial aos mecanismos de segurança e aos possíveis efeitos colaterais constatados em relação à pesquisa, desenvolvimento, produção/comercialização e descarte/liberação de OGMs e derivados; b) em sua função normativa, deve a CTNBio servir-se de todos esses conhecimentos para atingir-se o objetivo fundamental de sua criação: aumentar a sua capacitação para a proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do meio ambiente.

Ou seja, a CTNBio não pode ter como preocupação fundamental a rápida e célere aprovação de atividades e projetos de pesquisa, e sobretudo, a liberação comercial de OGMs, com vistas a evitar constrangimentos econômicos às grandes corporações que atuam na área de biotecnologia e têm pressa no retorno dos seus investimentos – como é o que parece que vêm acontecendo desde a criação da Comissão.

O objetivo, o foco da CTNBio, deve ser capacitar-se para proteger bens de natureza ambiental, como está expressamente previsto na lei que a institui.

Portanto, toda medida tomada pela Comissão, sobretudo quando no exercício de suas atribuições deliberativas (como na liberação de OGMs para comercialização), que demonstrar fortes indícios de orientação diversa desse objetivo normativamente imposto, será passível de questionamento judicial através dos mecanismos processuais postos à disposição da sociedade pelo ordenamento jurídico vigente, cabendo ao Poder Judiciário, nestes casos, invadir a discricionariedade administrativa por evidente desvio de finalidade.

"A CTNBio não tem personalidade jurídica, não sendo autarquia, fundação, empresa pública ou agência. Ela integra a pessoa jurídica da União. A multidisciplinaridade significa que a Comissão se caracteriza pela diversidade de conhecimentos e de disciplinas referentes à biossegurança, não podendo haver predominância ou exclusividade de uma só disciplina. As atribuições consultivas e deliberativas coexistem nesse colegiado. À CTNBio é dada a tarefa de acompanhar o desenvolvimento e o progresso técnico e científico nas áreas de biossegurança, biotecnologia e bioética (art. 10, parágrafo único). Uma coisa é capacitação nessas áreas, e outra é ter competência para estabelecer normas nessas mesmas áreas, sendo que, a competêencia não se presume. A lei não deu competência à CTNBio para normatizar nas matérias de biotecnologia e bioética, a não ser que tenham vínculo direto com a engenharia genética". [16]

4.2. Competência Normativa atribuída à CTNBio

A Lei 11.105/05 fixa as competências da CTNBio em seu art. 14, e incisos (I à XXIII). Dentre as competências ali previstas, as elencadas nos incisos I, II, XVI, e XXIII, possuem natureza normativa.

A natureza jurídica dessa competência é evidentemente regulamentar, infra-legal, idêntica àquela conferida ao Poder Executivo de uma maneira geral e que é por este exercida por meio de decretos – não obstante no caso da CTNBio, por expressa disposição da lei, o ato normativo em questão tenha a denominação de "resolução" (XVI).

No entanto, tais resoluções assemelham-se mais ao conceito de delegação legislativa, como por exemplo, aquela estabelecida pelo art. 36 da Lei 6368/76 (Lei de tóxicos), que remete ao Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia – órgão do Ministério da Saúde – a competência para expedir resoluções por meio das quais se definem quais são as substâncias consideradas entorpecentes ou capazes de determinar dependência física ou psíquica – ressalvada a possibilidade de algumas delas serem especificadas diretamente em lei.

Portanto, a competência normativa delegada pela Lei 11.105/05 à CTNBio deve ser interpretada restritivamente, sujeitando-se estritamente às bitolas fixadas pela lei que a instituiu e pelo plexo legal responsável pela normatização das áreas de saúde, agricultura, meio ambiente, ciência e tecnologia - além, obviamente, das regras e princípios fixados pela CF/88.

Nesse contexto, o inciso I, do art. 14 da lei, confere à Comissão competência para estabelecer normas referentes às "pesquisas" com OGM e derivados; no inciso II do mesmo dispositivo legal, estabelece-se a competência para normatizar as "atividades" e "projetos" relacionados a OGM e derivados.

Práticas de pesquisa seriam todas aquelas que envolvam a manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante e que se destinem à observação in loco, produção, alteração, transferência, aplicação de OGM e derivados. Já na categoria de atividades, poderíamos enquadrar condutas tais como: o cultivo, o transporte, a importação, a exportação, o armazenamento, a comercialização, a liberação no meio ambiente e o descarte de OGM e derivados. E por último, na categoria projetos, entendemos estarem compreendidas as normas regulamentares destinadas à satisfação de exigências básicas relativas à estrutura, segurança, capacitação, responsabilidade, necessárias para a expedição de autorizações e licenças para a implementação de atividades relacionadas com OGM e derivados (como a implantação de uma industria ou de um laboratório), no exercício de um poder de polícia administrativa.

Como já afirmamos, o inciso XVI simplesmente qualifica como "resoluções" os atos normativos expedidos pela Comissão para a regulamentação das matérias de sua competência, e o inciso XXIII, de forma rigorosa, nem sequer poderia ser qualificado propriamente como delegação de uma competência normativa, mas mais propriamente como atributivo de uma legitimidade normativa, cabendo à Comissão a prerrogativa de apresentar proposta para o seu regimento interno – ressalvado contudo que a competência para edita-lo validamente, com o conteúdo que entender mais apropriado, é do ministro titular da pasta de Ciência e Tecnologia.

Como frisa de forma oportuna o professor Paulo Affonso Leme Machado, "as normas de responsabilidade penal não podem ser objeto de deliberação da CTNBio, pois só por lei pode a matéria ser tratada (art. 5º. XXXIX, da CF). Também não podem ser objeto de deliberação de órgãos do Poder Executivo os direitos individuais, pois os mesmos são indelegáveis (art. 68, § 1º, II, da CF)." [17]

E por fim, é preciso deixar claro que a CTNBio não possui monopólio normativo sobre a questão, exercendo com exclusividade tais atribuições apenas no âmbito da União, por decorrência expressa do princípio federativo e do texto da Constituição, que em seu art. 23, incisos II, VI e VII, prevê a competência comum da União e dos Estados-membros para legislarem sobre saúde, meio ambiente, florestas, fauna e flora – tema aliás, flagrantemente desrespeitado em diversas passagens pela Lei 11.105/05, e que constitui evidente inconstitucionalidade à qual nos referiremos mais a frente em tópico específico.

"O art. 23 da Constituição dispõe sobre a competência material comum da União, dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios. Essa competência diz respeito à prestação de serviços referentes àquelas matérias, à tomada de providências para a sua realização [...] Já no tocante ao meio ambiente natural, encontramos a competência comum para protege-lo e para combater a poluição em todas as suas formas (VI), assim como para preservar as florestas, a fauna e a flora(VII). [18]

4.3 Avaliação de risco e nível de biossegurança e expedição de Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB)

A matéria encontra-se disposta nos incisos III, IV, XI, XIII, XIV, e § 6º do art. 14, da Lei 11.105/05. Reveste-se de um conjunto articulado de atividades relacionadas à: formulação de critérios para avaliação e monitoramento de riscos (III); análise da avaliação de atividades e projetos caso a caso (IV); classificação de OGM segundo classe de risco (XIV); definição do nível de segurança aplicável ao OGM e seus usos, bem como, os procedimentos e medidas de segurança a serem observados na sua utilização (XIII); a emissão do Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB); os casos em que o CQB pode ser dispensável (§ 6º). Todos os procedimentos acima descritos deverão ser praticados de conformidade com o que estabelecer seu regulamento.

A lei atribui à CTNBio a competência para estabelecer, através de resolução, critérios de avaliação e de monitoramento de risco relativo a OGM e derivados. Trata-se de critérios gerais, por meio dos quais seja possível avaliar e monitorar tanto um OGM especificamente considerado, quanto atividades em andamento e projetos que requeiram autorização para instalação e funcionamento.

Uma vez definidos os critérios de avaliação de risco e de monitoramento, com estabelecimento de procedimentos específicos para cada classe de risco (como requer o inciso XIX), se for o caso, deve-se proceder à análise, sempre caso-a-caso, conforme previsão expressa da lei. Trata-se, portanto, de um conjunto de atividades que, dependendo da situação, deverão ser realizadas de forma seqüencial.

O Protocolo de Cartagena, em seu art. 15, 1, define um conjunto de elementos que devem ser seguidos para que se possa analisar "informações e outras evidências cientificas a fim de identificar e avaliar os possíveis efeitos adversos dos organismos vivos modificados à conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando também em conta os riscos para a saúde humana".

Em seguida, a norma de direito internacional ambiental acima referida, faz remissão ao seu anexo II, n. 8 e 9.

No item 8, preconiza que "para alcançar seu objetivo, a avaliação de risco compreende, conforme o caso, os seguintes passos: a) uma identificação de qualquer característica genotípica ou fenotípica nova associada ao organismo vivo modificado que possa ter efeitos adversos na diversidade biológica, no provável meio receptor, levando também em conta os riscos para a saúde humana; b) uma avaliação da probabilidade desses efeitos adversos se concretizarem, levando em conta o nível e tipo de exposição do provável meio receptor ao organismo vivo modificado; c) uma avaliação das conseqüências caso esses efeitos adversos de fato ocorram; d) uma estimativa do risco geral apresentado pelo organismo vivo modificado com base na avaliação da probabilidade e das conseqüências dos efeitos adversos identificados se estes ocorrerem; e) uma recomendação sobre se os riscos são aceitáveis ou manejáveis ou não, inclusive, quando necessário, a identificação de estratégias para manejar esses riscos; f) quando houver certeza a respeito do nível de risco, essa incerteza poderá ser tratada solicitando-se maiores informações sobre aspectos preocupantes específicos ou pela implementação de estratégias apropriadas de manejo de risco e/ou monitoramento do organismo vivo modificado no meio receptor.

Logo após (Anexo II, n. 9), o Protocolo de Cartagena aponta uma série de aspectos que devem ser levados em consideração quando do procedimento de avaliação de risco. Segundo o seu texto: "Dependendo do caso, a avaliação de risco leva em consideração os detalhes científicos e técnicos relevantes sobre as características dos seguintes elementos: a) organismo receptor e organismos parentais. As características biológicas do organismo receptor ou dos organismos parentais, inclusive informações sobre a situação taxonômica, nome vulgar, origem, centros de origem e centros de diversidade genética, se conhecidos, e uma descrição de onde os organismos podem persistir ou proliferar; b) organismo ou organismos doadores. Situação taxonômica, nome vulgar, fonte e as características biológicas relevantes dos organismos doadores; c) vetor. Características do vetor, inclusive, se houver, sua fonte ou origem e área de distribuição de seus hospedeiros; d) inserção ou inserções e/ou características genéticas do ácido nucléico inserido e da função que específica, e/ou as características da modificação introduzida; e) organismo vivo modificado. Identidade do organismo vivo modificado, e as diferenças entre as características biológicas do organismo vivo modificado e daquelas do organismo receptor ou dos organismos parentais; f) detecção e identificação do organismo vivo modificado. Métodos sugeridos para a detecção e identificação e sua especificidade, sensibilidade e confiabilidade; g) informações sobre o uso previsto. As informações sobre o uso previsto do organismo vivo modificado, inclusive usos novos ou modificados comparados ao organismo receptor ou organismos parentais; h) meio receptor. Informações sobre a localização, características geográficas, climáticas e ecológicas, inclusive informações relevantes sobre a diversidade biológica e centros de origem do provável meio receptor".

Já o inciso XI do art. 14 da Lei 11.105/05 trata da emissão, pela CTNBio, do Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB), necessário para o desenvolvimento de atividades com OGM e derivados em laboratório, instituição ou empresa. Cabe ainda à Comissão enviar cópias do processo para os órgãos de registro e fiscalização definidos no art. 16 da Lei 11.105/05.

A emissão do CQB constitui de fato uma autorização prévia para funcionamento, especificamente dirigido para laboratórios, instituições ou empresas envolvidas com engenharia genética. Implica, pois, na satisfação pelo requerente, de uma série de medidas e procedimentos de segurança, previamente estabelecidos em resoluções emitidas pela Comissão, a quem caberá observar a plena e efetiva satisfação dos mesmos. Deve-se ter presente, segundo a observação de Paulo Affonso Leme Machado, "inclusive a situação econômica e financeira da instituição ou empresa, diante da necessidade de reparar danos". [19]

Em matéria de tutela do meio ambiente, esta questão relativa à responsabilidade civil em razão da produção de um dano ou degradação ambiental, deve ser considerada com o máximo de rigor, e, em caso de ocorrência, a responsabilidade do autor do dano é objetiva, já que no caso de OGM, o potencial de degradação é imanente à própria atividade, devendo todo aquele que pleitear sua intervenção nesse setor, demonstrar capacidade financeira para arcar com possíveis encargos decorrentes da necessidade de se recuperar o meio ambiente em caso de acidente.

"1. A discussão sobre os malefícios ou benefícios da liberação do plantio e comercialização dos transgênicos se protrai no tempo. Mas, a falta de estudos conclusivos não ilidirá a responsabilidade civil pelos danos efetivamente causados. 2. O princípio da precaução cuida das questões ambientais com o enfoque do futuro, portanto, é princípio norteador de todas as normas do direito ambiental e deveria ser adotado no caso dos organismos geneticamente modificados, especialmente os transgêncios. 3. Considerando a possível liberação do plantio e comercialização dos transgênicos, como já ocorreu via Medidas Provisórias, no caso da soja transgênica das safras 2003 e 2004, é importante verificar qual a teoria adotada para a reparação dos danos efetivamente causados. 4. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 14, § único e a Constituição Federal adotaram a responsabilidade objetiva como forma de reparação do dano ao meio ambiente. 5. É possível haver tanto dano ambiental genérico quanto dano ao particular e ambos dever ser ressarcidos. 6. O dano ambiental a ser reparado pode ser patrimonial, moral ou ambos, de acordo com o caso concreto. 7. O causador de dano ou prejuízo resultante de sua atividade de risco deve ser responsabilizado independentemente da aferição do aspecto subjetivo, ou seja, da culpa. Provado o fato e o nexo causal, surge a obrigação de indenizar. A defesa se restringe às alegação de que não houve dano ou à negação do ato. 8. Quanto ao nexo causal, nenhuma das teorias existentes pode ser usada como um molde perfeito quando se trata de dano ao meio ambiente. Há necessidade de atenuação do nexo causal. 9. O exercício de uma atividade de risco afasta a possibilidade de alegação de qualquer excludente de responsabilidade. 10. Havendo mais de um causador do dano ao meio ambiente, todos serão solidariamente responsáveis, subsistindo o dever de indenizar tanto na ocorrência de causas quanto nas concausas". [20]

Por fim, temos que ressaltar o dispositivo previsto no § 6º do art. 14, segundo o qual, "As pessoas físicas ou jurídicas envolvidas em qualquer das fases do processo de produção agrícola, comercialização ou transporte de produto geneticamente modificado, que tenham obtido a liberação para uso comercial, estão dispensadas de apresentação do CQB e constituição de CIBio, salvo decisão em contrário da CTNBio".

Trata-se de uma exceção expressamente dirigida aos agentes do chamado agronegócio. Parte-se da suposição de que, se o OGM já obteve liberação para uso comercial, já tendo sido submetido a uma série de controles e verificações, estariam o produtor que dele se utiliza ou o produz e aquele que o transporta e/ou comercializa, isentos de maiores riscos. Estes agentes seriam admitidos como objeto de controle apenas em circunstâncias especiais, ao que parece pelo texto da lei, seriam mesmo hipotéticas – razão pela qual, apenas excepcionalmente poderia vir a CTNBio a exigi-lo dos agentes em questão.

Ora, tal premissa nos parece absolutamente infundada. Primeiro porque os OGM utilizados na agricultura tendem a compor um universo vasto, cujas características e conseqüências de sua interação com as especificidades do meio ambiente em que será transportado, liberado ou descartado são extraordinariamente diversas. Depois, havendo certamente uma significativa variação em suas respectivas classes de risco, cada OGM deve ser submetido a um processo específico de avaliação e de monitoramento. Só após se poderia expedir regulamentação por meio da qual se liberaria, ou não, o agente dos encargos representados pela posse do CQB e pela constituição de Comissão Interna de Biossegurança (CIBio).

Nestes termos, nos parece que tal dispensa a priori, concedida de forma genérica, fere frontalmente o "princípio da precaução" - de sede constitucional (art. 225, caput), reconhecido pelo Brasil em tratados internacionais de que é parte, e pela própria Lei 11.105/05, em seu art. 1º, caputin fine.

No último ponto desse trabalho, quando abordarmos em bloco as inconstitucionalidades identificadas nesse título (inclusive sobre aspectos do inciso IV que a pouco nos referimos), voltaremos a comentar esse dispositivo.

4.4. Competência para Expedir Decisões Técnicas, Fundamentação das Decisões tomadas pela CTNBio e Publicidade dos seus Atos

O inciso XII do art. 14 da Lei 11.105/05 confere à CTNBio competência para "emitir decisão técnica, caso a caso, sobre biossegurança de OGM e seus derivados, no âmbito das atividades de pesquisa e de uso comercial de OGM e seus derivados, inclusive a classificação quanto ao grau de risco e nível de biossegurança exigido, bem como, medidas de segurança exigidas e restrições de uso".

A lei conferiu à CTNBio a competência para emitir decisão técnica sobre aspectos relativos à biossegurança envolvendo OGM e derivados, quando relacionados a atividades de pesquisa ou no caso de liberação para uso comercial.

A legitimidade da Comissão para o exercício de tal atividade decorreria exatamente da notória competência e representatividade científica e política dos seus membros e da sua capacidade – graças à sua constituição colegiada e multidisciplinar – para avaliar com precisão e retidão todos os aspectos relacionados à complexidade da questão ambiental.

A lei, expressamente, exige novamente aqui, um procedimento específico caso a caso. Ou seja, uma vez definidos os critérios gerais de avaliação e monitoramento do OGM e derivados (III), e procedida a análise da avaliação de risco caso a caso (IV), deve a CTNBio emitir uma decisão (por meio de parecer) técnica na qual, fundamentada exclusivamente nos elementos de natureza científica que lastreiam os critérios e procedimentos por ela própria previamente estabelecidos, autorizar ou não pesquisa ou liberação para uso comercial de OGM e derivados, estabelecendo no mesmo ato, a classificação quanto ao grau de risco e o nível de segurança exigido para um adequado monitoramento do organismo, atividade ou projeto - bem como, fixar as medidas de segurança exigidas e eventuais restrições ao uso do OGM e derivados.

No exercício dessas atribuições, ao expedir os respectivos pareceres contendo sua decisão técnica, a CTNBio deverá, necessariamente, fundamentar suas decisões, estando a legalidade e a regularidade do objeto por ela estabelecido vinculado a tal fundamentação, podendo a mesma, ser objeto de questionamento, tanto no âmbito administrativo (CNBS), quanto jurisdicional (inciso XXXV, do art. 5º da CF/88).

A necessidade de fundamentação decorre da natureza jurídica de ato administrativo dos pareceres técnicos por ela emitidos, e nesse sentido, estão compreendidos no bojo do caput do art. 2º da Lei 9784/99, que expressamente determina: "A Administração pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência".

Neste mesmo contexto fático e jurídico, encontram-se as disposições previstas no § 4º do art. 14 da Lei 11.105/05, que prevê que "a decisão técnica da CTNBio deverá conter resumo de sua fundamentação técnica, explicitar as medidas de segurança e restrições ao uso do OGM e seus derivados e considerar as particularidades das diferentes regiões do país, com o objetivo de orientar e subsidiar os órgãos e entidades de registro e de fiscalização, referidos no art. 16 desta lei, no exercício de suas atribuições".

Ora, nos parece claramente que a disposição prevendo a apresentação de um simples resumo fere preceitos de legalidade e de constitucionalidade, vinculados a princípios tais como ampla defesa, publicidade e precaução.

O parecer contendo a decisão técnica da CTNBio acerca de requerimento para o desenvolvimento de pesquisa ou liberação comercial de OGM e derivado deverá conter necessariamente a integra da decisão devidamente fundamentada.

"A decisão técnica é também um ato administrativo, e obriga a apresentar a sua motivação ou fundamentação. Assim evitam-se precipitações e negligências no desenrolar da atividade administrativa e reduz-se o risco da prática de arbitrariedades. A exigência de motivação intersubjetiva é das mais destacadas na transição para o Direito Administrativo dialógico, em oposição ao autocrático. A fundamentação deve ter clareza, suficiência e congruência. O uso de expressões vagas ou demasiado genéricas que servem para tudo não passa de mera fraseologia indicadora de uma obscura fundamentação. Completamente destituída de sentido lógico a afirmação de que ‘a decisão técnica da CTNBio deverá conter resumo de sua fundamentação tecnica’ (art. 14, § 4º), pois não há razão para que a fundamentação técnica deixe de constar em sua integralidade. Os membros da CTNBio e seus assessores hão de ter presente os fins da lei, expressos no seu art. 1º, que consistem na proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal (arts. 1º , III, 5º , 196 e 225, todos da CF), observando o princípio da precaução e estimulando o avanço científico na área da Biossegurança e da Biotecnologia". [21]

Quanto ao aspecto relativo à publicidade dos atos da CTNBio, encontra-se tal assunto discriminado no bojo do inciso XIX, do art. 14, da Lei 11.105/05, nos seguintes termos: "Divulgar no Diário Oficial da União, previamente à análise, os extratos dos pleitos e posteriormente, dos pareceres dos processos que lhe forem submetidos, bem como dar ampla publicidade no Sistema de Informações em Biossegurança – SIB, à sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades, excluídas as informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim consideradas pela CTNBio".

Esta disposição contida na lei, de fato, dá conseqüência à previsão constitucionalmente estabelecida no art. 37, caput, e no art. 5º, XXXVIII da CF/88.

De qualquer forma, pelo exposto em seu dispositivo, a lei prevê dois momentos distintos nos quais se dará ampla divulgação dos atos junto ao Diário Oficial da União: a) previamente à análise, quando deverá ser publicado para conhecimento da sociedade um extrato (resumo) dos pleitos, contendo todos os elementos necessários para a correta identificação da espécie (se pesquisa, atividade ou projeto), bem como as características especificas do OGM ou derivado submetido à avaliação da Comissão; b) subseqüentemente à decisão, extrato dos pareceres (e decisões técnicas) relativos aos processos que lhes forem submetidos.

Neste plano, a publicação no Diário Oficial de apenas um extrato – e não da integra dos documentos -, parece justificável em respeito a um princípio de economia que deve orientar os atos administrativos - como o é a publicação no Diário Oficial. No entanto, neste caso, os pareceres deveriam ser emitidos com a integra da fundamentação e permanecerem à disposição de qualquer interessado.

O inciso XIX faz ainda referência à necessidade de dar-se ampla publicidade a todos os atos da CTNBio, tais como, sua agenda, processos em trâmite, relatórios anuais, atas das reuniões e demais informações sobre suas atividades. Trata-se, portanto, de rol meramente ilustrativo, junto ao Sistema de Informações em Biossegurança (SIB).

Este órgão encontra-se previsto no Capítulo VI, art. 19, §§ 1º e 2º da Lei 11.105/05, também situado no âmbito do MCT e destinado à gestão das informações decorrentes das atividades que envolvam OGM e derivados.

Trata-se de uma iniciativa extremamente salutar, no sentido de se disponibilizar, não só para os órgãos de registro e fiscalização que deverão alimentá-lo, informações referentes ao conjunto das atividades que envolvam OGM no contexto dos diversos ministérios – para que cada um deles possa formar uma visão de conjunto das mesmas no país.

Inclui-se no rol de possíveis interessados, os movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil envolvidos com a defesa do meio ambiente, pesquisadores, bem como à população em geral.

Em sua parte final, o dispositivo estabelecido no inciso XIX admite a possibilidade de serem excluídas informações sigilosas, de interesse comercial, apontadas pelo proponente e assim consideradas pela CTNBio.

Trata-se de uma possibilidade que a boa lógica recomenda em razão da complexidade das pesquisas envolvendo OGM, do seu custo extraordinário e, portanto, da natureza eminentemente comercial de muitas das informações veiculadas pelos projetos submetidos à apreciação da Comissão.

No entanto, tratando-se de hipótese excepcional, deve a mesma ser analisada com o máximo de cuidado e parcimônia, sendo nesses casos, absolutamente indispensável que, caso concorde com a solicitação de sigilo, manifeste-se a CTNBio através do seu parecer, explicitando o porquê de sua aceitação, fundamentando de forma rigorosamente técnica a sua decisão.

Do contrário, "esse ato da Comissão poderá ser apreciado em ação judicial, na qual o Poder Judiciário examinará a motivação exposta para determinar a não transparência do julgamento". [22]

4.5. CTNBio, Tutela do Meio Ambiente e a Natureza Jurídica do seu Parecer Técnico

A nova Lei de biossegurança representou, inequivocamente, um esvaziamento das prerrogativas do Ministério do Meio Ambiente, transferindo-as para a CTNBio que teve a sua competência e atribuições em termos de tutela ambiental extraordinariamente dilatadas. Tal intenção, em nosso entendimento, flagrantemente inconstitucional (como iremos expor mais adiante), fica patente pelo texto do inciso XX do art. 14, combinado com o § 3º do art. 16.

O texto do inciso XX estabelece que cabe à CTNBio "identificar atividades e produtos decorrentes do uso de OGM e seus derivados potencialmente causadores de degradação do meio ambiente ou que possam causar riscos à saúde humana".

Neste plano, parece ter ocorrido uma clara invasão de um ministério (afinal de contas a CTNBio não é um órgão do MCT?) nas atribuições dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.

Ademais, questiona-se a capacidade técnica da Comissão para definir (em última instância segundo o § 3º do art. 16) sobre os casos em que a atividade é "potencial" ou "efetivamente" causadora de degradação ambiental, decidindo-se, inclusive, acerca da necessidade do licenciamento ambiental.

Ora, se por um lado, a composição multidisciplinar da Comissão é indiscutivelmente conveniente para a formulação de critérios de avaliação de risco e para a definição de níveis de biossegurança, e até mesmo, para efetuar a devida classificação do OGM e derivados em razão de sua classe de risco, muito diferente é a sua habilitação para decidir sobre questões que exigem alta especialização e um grande corpo técnico qualificado, especificamente para o desempenho de atividades dotadas de grande peculiaridade.

Por exemplo, definir expressamente se um determinado OGM é ou não potencialmente causador de degradação ao meio ambiente ou à saúde, e se, em razão disso, deve ser ou não realizado o licenciamento ambiental.

E, o que é pior, fazer isso sozinha e vincular à sua decisão todas as demais instâncias administrativas que compõe a federação brasileira.

"Ao analisar a composição da CTNBio vê-se que, dos 12 especialistas – de notório saber cientifico e técnico – que a compõe, somente 3 são da área do meio ambiente. O Ministério do Meio Ambiente terá um representante e indicará um especialista oriundo da sociedade civil. Cinco conselheiros num conselho de 27 membros. Não é preciso muito esforço mental para diagnosticar que a CTNBio não está preparada tecnicamente para decidir sobre a necessidade ou não do licenciamento ambiental. Por melhores que sejam os conselheiros das outras áreas do conhecimento, não se pode esconder – nem dos brasileiros, nem dos que importarem nossos produtos – o fato de que a análise público-ambiental dos produtos transgênicos passou a carecer da necessária profundidade e amplitude cientifica possibilitadas por um órgão dedicado somente ao meio ambiente" [23]

Não obstante o fato de diversos dispositivos da Lei 11.105/05 serem repetitivos e redundantes, sobrepondo prescrições que já haviam sido estabelecidas em outras passagens do texto, chegando até mesmo a contradições expressas (como a verificada entre o § 3º do art. 16, que define a CTNBio como última e definitiva instância deliberativa em casos que envolvam atividades potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, e o disposto no inciso III, do art. 8º, que permite ao CNBS avocar e decidir, em última e definitiva instância sobre atividades que envolvam o uso comercial de OGM e derivados), criando uma certa confusão para a sua correta leitura e interpretação, o desejo do legislador restou claro: centralizar na CTNBio todos os aspectos decisórios relativos à autorização e liberação de processos e produtos relacionados a OGM e derivados em detrimento de toda a rede de instituições governamentais responsáveis pelos diversos aspectos e dimensões envolvidas na questão.

No centro de toda a questão, continua a natureza jurídica do parecer técnico emitido pela CTNBio, se seria ou não vinculante em todas as circunstâncias, e se este se sobreporia aos órgãos de registro e fiscalização estaduais.

O legislador, ao que tudo indica, tentou resolver a questão a "canetada", introduzindo a natureza vinculante no texto da lei, ao arrepio de toda a discussão que se trava no país desde 1995, sobre a constitucionalidade de tal intenção – não obstante, inclusive, haja manifestações explicitas e fundamentadas do Poder Judiciário em sentido contrário.

De qualquer maneira, por se tratar de um dos elementos pertencentes ao Capítulo III nos quais, em nossa opinião, ocorre manifesta inconstitucionalidade, deixaremos a questão para ser tratada em bloco logo a seguir.

4.6. Composição e Requisitos Subjetivos para Indicação dos Membros da CTNBio

O art. 11, caput, da Lei 11.105/05, estabelece que "a CTNBio será composta de membros titulares e suplentes, designados pelo Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia, e será constituída por 27 (vinte e sete) cidadãos brasileiros de reconhecida competência técnica, de notória atuação e saber cientifico, com grau acadêmico de Doutor e com destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente".

É preciso deixar claro que, na medida em que o caput do artigo estabelece que a Comissão será composta por titulares e suplentes; e o § 1º do art. 13, por sua vez, prescreve que no âmbito das subcomissões setoriais, permanentes e extraordinárias, participarão tanto os membros titulares quanto os suplentes, cabendo a todos a distribuição de processos para análise, podemos concluir que a Comissão é, de fato, composta por 54 membros, sendo o número de 27 relativos aos ditos titulares - referencial apenas para a definição do quorum de instalação e votação, que discutiremos a seguir.

Uma vez estabelecido o número dos seus componentes, o art. 11, define uma série de requisitos, de natureza subjetiva, pois dizem respeito a atributos dos indivíduos indicados para o Conselho. Dentre estes, além da nacionalidade brasileira (pelo texto da lei não precisam ser brasileiros natos), requer-se, de saída, "reconhecida competência técnica".

Sem dúvida, delimitar exatamente o que o legislador quis definir pela locução empregada, não é tarefa fácil. Todavia, nos parece que no caso, "competência técnica" se distingue de uma competência puramente "teórica", "abstrata".

A competência técnica seria aquela reconhecida a alguém que não apenas possui conhecimentos, mas demonstra capacidade para fazer com que este intervenha materialmente na realidade, alterando-a em função de diretrizes e estratégias formuladas a priori, encontrando a melhor maneira para adequar meios a fins.

Nos parece que nesse caso, competência técnica é sinônima de competência tecnológica, no sentido de alguém familiarizado com procedimentos por meio dos quais se aplica o conhecimento à realidade, em sua materialidade, com vistas a se atingir um determinado objetivo.

Quanto ao requisito "notória atuação", nos parece estar ligado ao currículo do indicado, à sua participação em projetos e atividades reconhecidas por sua significação cientifica, enfim, à sua experiência profissional efetiva.

O "saber científico", nos parece definido basicamente em função da intervenção teórico acadêmica do indicado, por sua produtividade universitária, pelo número e pela repercussão dos artigos, livros, conferências, congressos e colóquios de que usualmente participa, pela recorrência com que suas idéias e conceitos são citados nas publicações de outros autores.

Neste sentido, a exigência do grau de Doutor seria o único requisito objetivamente avaliado, e que no contexto das exigências estabelecidas, se coloca muito mais como um mero "pré-requisito" – se nem ao menos tiver o grau de Doutor não dá sequer para ser considerado.

Por fim, exige-se destacada atividade profissional (que de resto se confunde com o quesito notória atuação), nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente.

Ou seja, os indicados devem necessariamente comprovar significativa atividade profissional nas áreas indicadas, pelo que se demonstra o desejo de se constituir uma Comissão de alto nível, composta por profissionais de indiscutível qualificação e larga experiência profissional nas competências diretamente relacionadas à temática dos OGM e seus derivados.

Quanto ao meio a partir do qual deverão ser indicados os componentes da CTNBio, distribuem-se basicamente em três categorias: 1) representantes das sociedades científicas (§ 1º do art. 11); 2) representantes das diversas áreas governamentais (ministérios) envolvidos (inciso II e alíneas do art. 11); 3) representantes da sociedade civil (§ 2º do art. 11).

Quanto à distribuição dos membros em razão do meio a partir do qual são indicados, tem-se a seguinte distribuição: I – 12 especialistas de notório saber cientifico e técnico, em efetivo exercício profissional, sendo 3 da área de saúde humana, 3 da área de saúde animal, 3 da área vegetal, e 3 da área ambiental; II – um representante de cada um dos seguintes Ministérios, indicados pelos respectivos titulares: a) da Ciência e Tecnologia; b) da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; c) da Saúde; d) do Meio Ambiente e do desenvolvimento agrário; e) do Desenvolvimento, Industria e Comércio Exterior; f) da Defesa; g) das Relações Exteriores; e h) da Secretária de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República; III – um especialista em defesa do consumidor, indicado pelo Ministério da Justiça; IV – um especialista na área de saúde, indicado pelo Ministro da Saúde; V – um especialista em meio ambiente, indicado pelo Ministro do Meio Ambiente; VI – um especialista em biotecnologia, indicado pelo Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; VII – um especialista em agricultura familiar, indicado pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário; VIII – um especialista em saúde do trabalhador, indicado pelo Ministro do Trabalho e Emprego.

4.7. Representações Governamentais, das Comunidades Científicas, e da Sociedade Civil

Os conselheiros indicados para compor os quadros da CTNBio serão recrutados com base em um campo de representação "política" tripartite, compostos por governo, comunidade científica e sociedade civil. O princípio nos parece correto e apropriado.

Nenhuma das três representações pode ser tomada como constituinte de um campo homogêneo de interesses, mas como territórios a partir dos quais o objeto que justifica a existência da Comissão (biossegurança relativa a OGM e derivados) pode ser percebido em diferentes dimensões, características e conseqüências.

No interior destes três territórios, existe todo tipo de identidade política e ideológica, sócio-cultural e econômica, unidos pela prática científico-acadêmica, e muito provavelmente por alguma prática política institucional ou militante.

O mais importante seria que, ao invés de ficar-se fingindo neutralidade e ação pautada na mais pura objetividade cientifica, o regulamento da lei, a quem caberá o detalhamento do processo de indicação e escolha das listas tríplices, indicasse, e houvesse vontade política no governo, para que os nomeados de fato representassem proporcionalmente os campos mais gerais de opinião e entendimento em cada uma das três dimensões.

Enfim, que pela importância do tema, por sua repercussão político emocional na sociedade, e pelos extraordinários interesses econômicos a ele ligados, não se esvazie a legitimidade da Comissão, ou pior ainda, passe ela a ser vista com desconfiança ou como mera procuradora de interesses corporativistas e anti-sociais.

O inciso II do art. 11, em nove alíneas, mais os incisos de III a VIII do mesmo dispositivo legal, indicam o campo de representação governamental.

Fala-se em representantes dos ministérios e em especialistas indicados por determinados ministros. Mas, como foi visto, todos devem ser cientistas (Doutores), portanto, todos devem ser especialistas, e o que se teve na montagem dessa grade de indicações foi, obviamente, uma arquitetura política, por meio da qual se buscou acomodar ali várias representações de interesses – o que per si, como afirmamos, não é necessariamente negativo.

O mais importante é ter-se claro que o governo pode montar seu tabuleiro neste jogo indicando 15 das 27 peças. O que não quer dizer que foi constituído para dar maioria ao governo, porque a representação governamental vai ser a expressão da multiplicidade das suas alianças e de suas estratégias – assim como nas outras representações.

O § 1º. do art. 11 estabelece que "os especialistas de que trata o inciso I do caput deste artigo serão escolhidos a partir de lista tríplice, elaborada com a participação das sociedades científicas, conforme disposto em regulamento".

Caberá ao regulamento não apenas definir como serão compostas as listas tríplices, mas também definir critérios a partir do quais se dará a escolha da entidade ou entidades que participarão do processo de indicação para a formação da lista.

Se for um critério muito aberto, admitindo-se, por exemplo, que qualquer entidade com existência formal, em um determinado lapso de tempo, possa indicar uma lista ou um nome, poderá se criar uma extraordinária discricionariedade por parte de quem reunirá os nomes indicados em uma lista final. Isto ocorrerá mesmo eu se concentre tal escolha nas mãos do Ministro da Ciência e Tecnologia, que exercerá sua discricionariedade sobre um universo muito amplo de indicações – facilmente manipulável.

Talvez o ideal fosse conceder esta faculdade a entidades indiscutivelmente reconhecidas pela comunidade (como a SBPC), e estabelecer que caberia a cada uma delas (supondo-se que tal delegação fosse conferida a três entidades de classe distintas, por exemplo) escolher um nome para a lista, a partir de uma consulta direta aos seus associados.

Um pouco mais difícil talvez seja o processo de escolha dos representantes da sociedade civil. O próprio termo traz em si uma grande ambigüidade. Afinal, o que vem a ser a sociedade civil?

De uma maneira geral podemos defini-la como composta por um conjunto de coletividades organizadas em torno de um plexo de valores e/ou interesses.

Materializa-se formal e juridicamente por meio de sindicatos, organizações não-governamentais (ONGs), movimentos sociais, associações, cooperativas, clubes, congregações religiosas, etc.

No caso em questão, parece razoável exigir-se pertinência temática em relação às entidades interessadas em participar do processo de indicação, devido à especificidade das questões a serem discutidas, lembrando que aqui também o indicado tem que ser um cientista.

4.8. A Estrutura de Funcionamento da CTNBio

O art. 12 da Lei 11.105/05 estabelece que o funcionamento da CTNBio será definido pelo regulamento da lei.

No entanto, já adianta algumas linhas gerais. Em seu parágrafo 1º estabelece que a CTNBio terá uma Secretaria Executiva e que caberá ao Ministério da Ciência e Tecnologia prestar-lhe apoio técnico e administrativo. Ou seja, do ponto de vista material, a estrutura da Comissão deve ser fornecida pelo MCT.

De conformidade com o § 3º, cada membro efetivo terá um suplente que participará dos trabalhos na ausência do titular.

Como já apontamos em momento anterior, a participação de que se trata aqui seria aquela referente ao Plenário da Comissão, com competência deliberativa, visto que, a CTNBio é composta também por subcomissões.

Segundo o caput do art. 13, a CTNBio "constituirá subcomissões setoriais permanentes na área de saúde humana, na área animal, na área vegetal, e na área ambiental, e poderá constituir subcomissões extraordinárias para análise prévia dos temas a serem submetidos ao plenário da Comissão".

O § 1º, como já adiantamos, estabelece que, tanto os membros titulares quanto os suplentes, participarão das subcomissões setoriais e, que caberá a todos a distribuição dos processos para análise.

O § 2º, transfere para o regulamento da lei a definição do funcionamento e a coordenação dos trabalhos nas subcomissões setoriais e extraordinárias.

Cada membro da CTNBio será indicado para um mandato de dois anos, renovável por mais dois períodos consecutivos (§4º). Isto quer dizer que um determinado conselheiro pode permanecer na Comissão por seis anos ininterruptos.

O presidente da CTNBio será designado pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, dentre os seus componentes, e terá mandato de dois anos, podendo ser reconduzido por uma única vez (§5º).

Não conseguimos entender porque, no âmbito de uma Comissão constituída por pessoas de notável formação, tenha que ser o seu presidente escolhido pelo Ministro da Ciência e Tecnologia – que provavelmente já será o responsável pela escolha dos representantes apresentados pelas comunidades científicas e pela sociedade civil em listas tríplices.

Trata-se de um dispositivo cuja conseqüência prática mais evidente é a de reduzir a autonomia e a independência da própria Comissão – jogando sobre ela uma indesejável sombra de desconfiança.

As reuniões plenárias (deliberativas) da Comissão poderão ser instaladas com a presença de 14 (catorze) de seus membros (sejam eles titulares ou suplentes), desde que, entre estes, estejam incluídos, pelo menos, um representante de cada uma das áreas referidas no inciso I do caput deste artigo (saúde humana, área animal, área vegetal, meio ambiente).

Percebe-se nesse ponto, uma preocupação em garantir-se no âmbito formal, um mínimo de representatividade. No entanto, na prática, pode servir como elemento de dissimulação para legitimar uma condução tendenciosa da Comissão – a garantia de uma presença mínima de algumas posições na Comissão (uma espécie de "cota") pode estar simplesmente a legitimar um "rolo compressor" de interesses que lhe são opostos.

De conformidade com o § 9º do art. 11, é facultado aos órgãos e entidades integrantes da administração pública federal, solicitar a sua participação nas reuniões da CTNBio, para tratar de assuntos de seu especial interesse, sem direito a voto.

Também sem direito a voto, e apenas em caráter excepcional, poderão (a juízo da própria Comissão) ser convidados para participar das reuniões, representantes da comunidade cientifica e do setor público, bem como, entidades da sociedade civil (§ 10º).

Ou seja, de uma maneira geral, o legislador considerou que a representação da sociedade e da comunidade científica já está por demais assegurada no interior da própria Comissão, de forma que, a participação de mais representantes desse setor (e também dos órgãos e agências governamentais), deveria ser analisada apenas em circunstâncias específicas, como exceção, e não como regra. [24]

Trata-se de um ponto criticável da norma aprovada, por restringir de forma injustificada a representação das diversas correntes de opinião presentes na sociedade, afastando o princípio democrático pautado no pluralismo de idéias e concepções, muitas das quais, podem não ter encontrado condições para se fazerem apreciadas, ou, podem ter sido propositadamente afastadas das discussões, por intervenções político-gevernamentais.

"O fechamento passou a ser a normalidade das reuniões da CTNBio – quando deveria ser o contrário, porque se trata de reuniões de um órgão público colegiado que deve ser transparente. Não sendo membro da CTNBio, só poderá entrar quem for convidado. Foi infeliz a redação do texto, pois, ainda que se possa atribuir confidencialidade à reunião, a publicidade deve ser o normal, e não o excepcional. Esse o mandamento da Constituição Federal ao dizer que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá ao princípio da publicidade (art. 37). Onde não entra o sol da transparência acabam dominando a penumbra da incompetência e a obscuridade das decisões contra a sanidade humana e do meio ambiente". [25]

Com relação aos impedimentos dos membros da Comissão, encontram-se eles previstos no § 6º do art. 11, segundo o qual, os membros da CTNBio deverão pautar a sua atuação pela observância estrita dos conceitos ético-profissionais, sendo vedado, participarem do julgamento de questões com as quais tenham algum envolvimento de ordem profissional ou pessoal, sob pena de perda do mandato – na forma do regulamento.

A observação estrita dos conceitos ético-profissionais, capaz de gerar impedimento do membro da Comissão quando da discussão e deliberação acerca de um determinado interesse deve ser avaliado sob dois aspectos.

Um primeiro que poderia ser chamado de objetivo, diz respeito ao envolvimento do membro da CTNBio com a instituição requerente, ou com uma outra, que com ela participe do processo em apreciação na condição de parceira ou sub-contratada, como empregado, consultor, ou qualquer outro vínculo jurídico-profissional.

Um segundo aspecto, que poderíamos denominar por subjetivo, diz respeito às relações pessoais que o conselheiro possa ter com proprietários, diretores, acionistas, ou qualquer outra pessoa que tenha interesse político ou econômico na matéria que seja objeto de deliberação.

A participação de Conselheiro incurso nessa situação, poderia conduzir não apenas à sua destituição, como prediz o dispositivo da lei ora em comento, mas deve implicar na nulificação do ato.

"A participação do membro da CTNBio em discussão e votação de questão na qual estava impedido, causa a nulidade da discussão e/ou votação, devendo ser repetido o ato viciado. A ocorrência da nulidade não está expressamente prevista, mas é decorrência dos princípios da impessoalidade e da moralidade, previstos pelo art. 37, caput, da CF [...] Não nulificar a discussão ou a votação seria possibilitar que alguém agisse de forma viciosa e, depois, se aproveitasse de sua própria torpeza". [26]

O art. 15 da Lei 11.105/05, estabelece que a CTNBio poderá realizar audiências públicas, garantida participação da sociedade civil, na forma do regulamento.

Trata-se de dispositivo de discutível constitucionalidade, já que as audiências públicas representam a forma, por excelência, de manifestação do princípio democrático no campo da biossegurança em todo o planeta.

É medida insubstituível de transparência das políticas públicas, permitindo a fiscalização direta dos organismos encarregados pela ordem jurídica de velar pelos interesses indisponíveis da sociedade pelos próprios interessados.

Ademais, trata-se de uma demonstração salutar de humildade dos órgãos técnicos de governo, abrir-se para o diálogo e sustentar os seus pontos de vista perante aqueles que vão sofrer mais diretamente as conseqüências das escolhas, que serão realizadas pelos conselheiros em nome da comunidade.

O parágrafo único do dispositivo estabelece que, em casos de liberação comercial, a audiência pública poderá ser requerida por partes interessadas, incluindo-se entre estas organizações da sociedade civil que comprovem interesse relacionado à matéria na forma do regulamento.

Temos aqui uma situação específica, na qual, em caso de liberação comercial de OGM, entidade da sociedade que seja capaz de demonstrar "pertinência temática" com o assunto em apreciação pela Comissão, poderá requerer a realização da audiência pública, que nos termos do regulamento, decidirá discricionariamente sobre a conveniência de realizá-la.

Não nos parece que, em respeito aos princípios democrático e da publicidade, pudesse a lei subordinar a realização de audiências públicas a uma decisão discricionária da CTNBio, limitando, prática e materialmente, a publicidade dos processos a ela submetidos e os elementos que conduziram às suas escolhas.

"Se, pelo princípio da publicidade, qualquer pessoa tem o direito de conhecer os atos praticados pela CTNBio e, se participação pública significa o direito de intervir em procedimento de tomada de decisão, como se chegar à absurda conclusão de que houve publicidade e participação pública em decisão tomada com base em documentos não publicados, em reuniões fechadas ao público e com absoluta desconsideração das intervenções da sociedade?" [27].

Independentemente da forma como o regulamento da lei venha a tratar essa questão, e ainda que ele mantenha o perfil restritivo, já delineado pelo corpo da lei, ainda assim, ao indeferir o requerimento de solicitação de audiência pública, a CTNBio estará obrigada a fundamentá-lo, e aí então, com base nele, poderão as referidas entidades questionar junto ao Poder Judiciário, até mesmo mediante simples mandado de segurança (já que o direito ao meio ambiente equilibrado para as presentes e futuras gerações, escudado pelos princípios da publicidade e da precaução são líquidos e certos, diante de ameaça de degradação ao meio ambiente em razão de OGM e derivados), sobre a razoabilidade, proporcionalidade e adequação de tal decisão, solicitando liminarmente a suspensão do processo até que se decida sobre a necessidade e a conveniência da realização de audiência pública.

4.9. Quorum para instalação das reuniões e para deliberação do colegiado

De conformidade com art. 11, § 7º, a reunião da CTNBio poderá ser instalada com a presença de 14 (catorze) de seus membros – no total, 27 titulares e igual número de suplentes, como já mencionado – incluído, como também já tivemos a oportunidade de apontar, pelo menos um representante de cada uma das áreas referidas no inciso I do caput desse mesmo artigo.

Todavia, no que diz respeito ao quorum de deliberação, sua definição foi marcada por um caminho bem tortuoso, cheio de idas e vindas, característico da postura ambígua e contraditória manifesta pelo Executivo e pelo Legislativo nessa matéria.

Inicialmente, o Projeto de Lei aprovado pelo Congresso Nacional, dispôs no § 8º, do art. 11, da Lei 11.105/05, que, verificada a ocorrência do quorum de instalação (presença de catorze membros, entre titulares e suplentes), as deliberações poderiam ser tomadas com o voto favorável da maioria dos presentes à reunião. Ou seja, metade mais um do quorum de instalação, correspondendo a oito votos.

No entanto, os setores contrários a uma ampla regulamentação e comercialização dos OGM’s, já bastante insatisfeitos com os termos em que a lei acabou sendo editada, no seu entender, favorecendo amplamente a indústria de biotecnologia, se revoltaram com a possibilidade de questões tão sensíveis serem aprovadas apenas com o voto de oito membros de um colegiado que, em seu total, incluindo titulares e suplentes, possui cinqüenta e quatro representantes. Pressionado, o Presidente da República resolveu vetar o dispositivo em questão.

Com o veto presidencial, a matéria permaneceu em aberto, não podendo a Comissão se reunir enquanto esta regra não fosse estabelecida.

Nesse contexto, marcado por uma ofensiva dos setores anti-transgênicos, o Chefe do Poder Executivo acabou regulando a matéria por Portaria.

Por meio dessa, com o objetivo de apaziguar os setores até então descontentes com a forma como o governo encaminhou a questão – sobretudo o Ministério do Meio Ambiente -, tratou o Executivo de instituir um quorum deliberativo de 2/3, de um total de 27 membros que compõe o Colegiado Pleno.

Dessa forma, o quorum mínimo para aprovação de qualquer deliberação envolvendo pesquisa, comercialização e descarte de OGM’s passou a exigir o voto favorável de pelo menos 18 Conselheiros.

É bom que se ressalte que, nesse aspecto específico, concordava a maioria dos doutrinadores da matéria. Sobretudo, diante da possibilidade de que posicionamentos minoritários, mesmo em sede de CTNBio, acabassem por ser sacramentados como se majoritários fossem. Viu aí a doutrina uma vulneração inaceitável do princípio do Estado Democrático de Direito.

"O modo como fora redigido o § 8º do art. 11 enfraquecia o princípio de uma autentica participação democrática em um Estado de direito. O poder deliberativo deveria acontecer somente com um mínimo de 2/3, isto é, com 18 membros presentes. O Regulamento a ser elaborado não deve propiciar que posicionamentos minoritários passem a ser majoritários, abusando-se de ausências ocasionais" [28].

Todavia, essa conduta do Executivo, longe de pacificar a questão, logo jogaria mais combustível na fogueira. Isso porque, em pouco tempo percebeu-se que, não obstante os setores pró-transgênicos fossem visivelmente majoritários no âmbito da Comissão, não conseguiam, até pelo caráter fluído e instável dos membros desse Colegiado, reunir a maioria necessária para aprovar os seus pleitos.

Já os setores contrários à ampla disseminação dos transgênicos, mesmo francamente minoritários dentro da Comissão, conseguiam bloquear todos os pleitos contrários aos seus pontos de vista – simplesmente negando-lhes o quorum necessário para a aprovação ou obstruindo as reuniões, por meio de expedientes regimentais (administrativos) e/ou judiciais.

Com o passar do tempo, à pressão dos segmentos econômicos diretamente interessados na rápida liberalização de organismos geneticamente modificados, somou-se boa parte da grande imprensa – de alguma forma também interessada em uma questão que afeta decisões publicitárias de grandes corporações com fortes repercussões econômicas em seu próprio setor. Passou-se então a se difundir que, da maneira como estava, a própria existência da CTNBio devia ser questionada, uma vez que, não conseguia deliberar sobre nada...

Os segmentos contrários ao lobby pró-transgênicos contra-argumentavam afirmando que, de fato, a CTNBio vinha tendo uma produtividade notável, sobretudo, no âmbito daquelas questões que lhe seriam mais afetas, como a definição de parâmetros técnicos e normativos para pesquisa biotecnológica, com vistas a se garantir a segurança alimentar e ambiental da sociedade.

Em sua opinião, só ocorreria uma relativa lentidão na análise daqueles casos em que, por envolver a produção e/ou comercialização de OGM’s, dado o elevado risco que implicam e, em respeito ao princípio da precaução que deve orientar todas as condutas nessa matéria, o licenciamento não poderia ser "automático" ou "acelerado" por contingências de natureza privada e estritamente econômica.

No entanto, com o acirramento da pressão do lobby pró-transgênicos, o Governo Federal e sua bancada no Congresso não tardaram a ceder. E o fizeram quando da tramitação da MP 327/06.

Por meio dessa Medida Provisória, o Poder Público passou a autorizar, dentre outras coisas, o plantio de organismos geneticamente modificados em áreas próximas às unidades de conservação como áreas de proteção ambiental (APA’s) e nas zonas de amortecimento (faixa de proteção) de parques nacionais.

O relator encarregado da matéria no Congresso, Deputado Paulo Pimenta (PT/RS), no parecer em que recomenda a conversão da MP em lei, acolheu sugestão da Deputada Kátia Abreu (PFL/TO), uma das coordenadoras da bancada ruralista no Congresso - no sentido de se reduzir o quorum de deliberação da CTNBio para decidir sobre a comercialização de transgênicos e seus derivados.

Por meio dessa proposta, incorporada pelo relator e, afinal aprovada pelo Plenário, o número de votos necessários para a liberação referente à venda de OGM’s caiu de 18 (2/3 do Colegiado Pleno) para 14 (maioria absoluta).

Uma vez convertida, a matéria tratada inicialmente pela MP 327/06, somado aos aspectos referentes à mudança no quorum de deliberação da CTNBio, passaram a constar da Lei 11.460/07 – que por sua vez regulou o quorum de deliberação no âmbito da Lei 11.105/05 introduzindo-lhe o § 8º – A, que passou a dispor que "as decisões da CTNBio serão tomadas com votos favoráveis da maioria absoluta de seus membros."

5. INCONSTITUCIONALIDADES OBSERVADAS NO ÂMBITO DA LEI 11.105/05

Ao final de nossa análise, chegamos à conclusão de que o art. 10, caput, e parágrafo único; bem como, o art. 14, incisos IV, VIII, e XX, e ainda, os parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, todos do Capítulo III, da Lei 11.105/05, são inconstitucionais, por violarem de forma expressa o art. 23, inciso VI da CF/88.

Desrespeitam a competência comum ali instituída em favor da União, dos Estados e do Distrito Federal, e dos Municípios, para protegerem o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, na medida em que concedem à CTNBio, a prerrogativa para decidir, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como, sobre a necessidade do licenciamento ambiental e a conseqüente realização de EPIA/RIMA, audiências públicas, e de outras providências cabíveis para a plena e efetiva proteção da comunidade.

Ainda, em nossa opinião, os mesmos dispositivos acima indicados, violam o art. 225, caput e inciso IV, da CF/88, ao delegarem à CTNBio a competência para deliberar se o OGM é potencialmente causador de significativo impacto ambiental, nos termos em que, passaremos a apresentar.

5.1 Afronta ao Princípio Federativo

Os dispositivos do Capítulo III, da Lei 11.105/05, acima assinalados, afrontam a competência comum dos entes federados para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.

Como se sabe, o Estado federal foi uma criação do constitucionalismo norte-americano, preocupado em instituir uma instância central, capaz de dar unidade e sentido ao plexo de interesses que permeava o conjunto das antigas colônias. Como se sabe, mesmo sob a autoridade da Coroa inglesa, as colônias experimentaram uma situação de grande autonomia, e, não obstante o fracasso inicial do modelo Confederativo, não estavam dispostas a abrir mão da maioria de suas prerrogativas políticas, em prol de um poder autocrático e centralizador que poderia resultar da União.

Chegou-se então a um modelo semelhante àquele proposto para o equilíbrio dos próprios poderes estatais (ou "competências", já que o poder é uno e indivisível, expresso pela soberania popular), e que se tornou conhecido pela expressão "freios e contra-pesos".

Ou seja, o federalismo implica fundamentalmente em uma técnica de distribuição do poder político em face de um critério territorial, pautado no reconhecimento da autonomia, singularidade e equiparação de todos os Estados que em seu conjunto contribuem para a formação da vontade da União. Isto se dá por meio de um espaço de representação legislativa específico - o Senado Federal -, e pela técnica de distribuição de competências instituída pelo constituinte originário.

Enfim, a existência de um órgão específico de representação legislativa dos Estados, e a distribuição constitucional de competências são as características essenciais do Estado federativo, cujo valor político-constitucional é tão elevado, que o nosso constituinte originário fez questão de instituí-lo como cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I, da CF/88).

Aliás, a Constituição brasileira foi um pouco além, instituindo uma condição especial também aos Municípios, dando-lhes uma posição de destaque em nosso federalismo, como se percebe da leitura do art. 1º da CF/88, quando se diz: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos...".

Tal condição peculiar foi reafirmada no art. 23 (com referência explícita à proteção ambiental e combate à poluição), que trata da distribuição espacial de competências, por meio da chamada "competência comum", ao instituir-se que: "É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas".

Por meio desse dispositivo, claro está a atribuição de um verdadeiro "poder-dever", e não simplesmente uma recomendação ou uma faculdade.

Ao instituir competências em comum, quis o constituinte originário proteger um determinado conjunto de bens jurídicos de forma especial, exigindo que todas as instâncias político-administrativas estatais coordenassem seus esforços no sentido de atingir-se, da melhor forma possível, com o máximo de segurança, os objetivos ali estabelecidos.

Nesses termos, resta-nos claro a impossibilidade jurídico-constitucional de uma norma infra-constitucional condicionar ou limitar as competências instituídas em favor dos entes federados pela Constituição Federal.

Trata-se, na realidade, de um atributo concedido pelo poder constituinte originário em caráter irrevogável (protegido por cláusula pétrea por ser elemento estruturante do próprio Estado federal – I, § 4º, 60), e irrenunciável, até mesmo pelo poder constituinte decorrente ou por seu legislador ordinário - como de resto, já se manifestou a respeito, o próprio Supremo Tribunal Federal, em matéria envolvendo organismos geneticamente modificados. [29]

Neste sentido, a contrário senso, ressalta a toda evidência que, na medida em que diversos dispositivos da Lei 11.105/05 submetem a competência constitucional de Estados e Municípios à decisão prévia e vinculante da CTNBio, são flagrantemente inconstitucionais.

5.2. Prerrogativas do Estado Federal e Licenciamento Ambiental

Parece-nos que o objetivo do constituinte, ao estabelecer um sistema de competências em comum às diversas entidades que compõem a federação brasileira, foi o de estimular o surgimento e o desenvolvimento de um sistema de coordenação de esforços entre essas diversas instâncias, atribuindo-se, inclusive a Estados e Municípios, uma responsabilidade material administrativa mais incisiva, por estarem estes mais próximos do bem jurídico em favor do qual foi instituída proteção especial, concedendo aos órgãos da União uma função meramente supletiva.

Aliás, corroborando com este entendimento, não podemos nos esquecer que a chamada ordem jurídico-ambiental brasileira tem sido caracterizada por seu dinamismo e permanente aperfeiçoamento.

Começou a desenvolver suas características mais importantes ainda no âmbito da Carta Constitucional de 1967-69, ao editar-se a Lei 6938/81, tão avançada e adequada às nossas preocupações ambientais, que foi plenamente recepcionada pela CF/88.

O núcleo fundamental da Lei 6938/81 pode ser fixado em torno da instituição de uma Política Nacional de Meio Ambiente que teria por objetivo a preservação, a melhoria e a recuperação das condições ambientais plenamente adequadas à manutenção da vida, buscando assegurar as condições necessárias ao nosso desenvolvimento econômico, aos interesses de segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.

Dada a recepção da lei pela CF/88, tais princípios se conjugam com aqueles predispostos no art. 225 da Lei fundamental, que impõe a manutenção do equilíbrio ecológico e a proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas de nossa biodiversidade e o controle das atividades, potencial e efetivamente, poluidoras – dentre as quais se incluem, de maneira insofismável, a pesquisa, manipulação, produção, comercialização, transporte, liberação e descarte de OGM e derivados.

Neste sentido, nos parece evidente a opção do legislador ordinário de 1981, reafirmada pelo constituinte originário de 1988, pela instituição de um sistema nacional de meio ambiente, responsável pela coordenação das iniciativas dos diversos entes federados, em regime de cooperação, por meio dos seus órgãos e entidades, na realização de metas, princípios e valores ambientais, agora chancelados com status constitucional qualificado – visto que, a defesa do meio ambiente concretiza uma nova dimensão jurídica de natureza "intergeracional", na medida em que, o meio ambiente, deve ser defendido e preservado "para as presentes e futuras gerações".

Foi este o sentimento que, ainda no âmbito da Lei 6938/81, determinou a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).

Em seu interior, fica claro o respeito às prerrogativas estaduais no que tange à função de fiscalização e controle das atividades, efetiva ou potencialmente, causadoras de degradação ambiental, cabendo aos órgãos estaduais competentes integrantes do SISNAMA, a importantíssima função de atuar no âmbito do licenciamento ambiental, cabendo ao órgão federal competente (IBAMA), atuação meramente supletiva – e ainda assim sem prejuízo de outras licenças exigíveis. [30]

Dessa forma, é absolutamente inconstitucional a previsão do § 2º do art. 16 da Lei 11.105/05 – que produz repercussões jurídicas diretamente sobre os dispositivos do seu capítulo III, nos artigos, parágrafos e incisos acima apontados – condicionando a realização de licenciamento ambiental por parte dos órgãos estaduais à prévia classificação, pela CTNBio, do OGM ou derivado como potencialmente capaz de provocar degradação ambiental. Este foi, por exemplo, o entendimento expresso pelo Procurador Geral da República ao interpor a ADI, n. 3526/05, contra diversos dispositivos da Lei 11.105/05:

"Por essas razões se extrai uma visão sistêmica de tais matérias ligadas por nexo causal a órgãos e entidades públicas vinculados à União, Estados e Municípios, em regime de cooperação permanente. Não é por outro motivo que há o Sistema Único de Saúde, o Sistema Nacional de Meio Ambiente, o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, o Sistema Nacional de Trânsito, entre tantos outros. Trata-se de estruturar os meios que possibilitem a mais completa cooperação dos integrantes da Federação na execução das políticas públicas. Com vistas a cooperação dos entes federados a Lei n. 6.938/81 dispõe que os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA [...] Pode-se afirmar que aos órgãos do SISNAMA atribui-se a responsabilidade pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, tendo em vista ter sido ele criado com o fim de operacionalizar, de dar efetividade e eficiência à proteção ambiental. Assim, face às disposições constitucionais, não cabe aos Municípios e aos Estados pedir autorização à União para exercerem o poder de polícia administrativa, para organizarem seus serviços administativo-ambientais ou para aplicarem os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, entre os quais se inclui o licenciamento ambiental. A atuação obrigatória de todos os entes federados para a proteção ambiental decorre diretamente da Constituição Federal [...] Se a todos os entes da Federação é exigida a proteção do meio ambiente, é inconstitucional o impedimento criado na lei de biossegurança para que os Estados e Municípios deliberem sobre a necessidade de licenciamento ambiental de produtos ou sementes oriundas de organismos geneticamente modificados. Afinal, todos os membros da federação têm o dever constitucional de zelar pelo meio ambiente e, por conseguinte, de avaliar os impactos ambientais de qualquer atividade potencialmente causadora de significativo impacto ambiental". [31]

Na mesma linha de raciocínio (competência comum para exercer funções de polícia administrativa em matéria ambiental) se coloca o art. 225 da CF/88, quando exige do Poder Público o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

A menos que se queira entender por "Poder Público" exclusivamente os órgãos da União – hipótese implausível – não há como se deixar de conectar o dispositivo previsto no caput do art. 225 com o art. 23, ambos da CF/88.

Ademais, temos que reconhecer que, não obstante o caráter inovador e vanguardista da Lei 6938/81, para as circunstâncias políticas em que foi instituída (ditadura militar) e para a consciência social predominante em seu tempo (na medida em que as preocupações ambientais suscitadas pelo modelo industrial degradante a pouco tinham se iniciado nos países centrais, sendo na época, uma preocupação distante para o grosso das sociedades situadas na "periferia" do sistema capitalista), a CF/88 não apenas a recepcionou, mas teve a expressa intenção de ir muito além dela. Tanto que optou pela ampla constitucionalização dessa matéria, até então tratada sistematicamente apenas em nível infra-constitucional.

É por isso que, em nossa opinião, toda razão assiste ao Procurador Geral da República quando afirma que, em matéria de licenciamento ambiental, "competências constitucionais, outorgadas aos entes federados, não podem ser alteradas ou restringidas por norma infraconstitucional. Desta feita, estão eivados de inconstitucionalidade os incisos IV, VIII, XX e § 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, e 6º, do art. 14; o § 1º, inciso III e §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, do art. 16, art. 37, todos da Lei n. 11.105/05, que condicionam o exercício das competências constitucionais ambientais dos Estados e dos Municípios à decisão da Comissão Técnica de Biossegurança – CTNBio". [32]

Talvez mais sério ainda sejam os efeitos provocados por essa disposição da nova Lei de biossurança que, na prática, retira a competência do Sistema Nacional de Meio Ambiente para avaliar o impacto ambiental decorrente da liberação e descarte de OGM e derivados no meio ambiente - na medida em que, atribuí exclusivamente à CTNBio, a prerrogativa para decidir sobre a necessidade ou desnecessidade de se proceder o respectivo licenciamento ambiental.

Insinua-se, pois, um sério desequilíbrio no processo de tomada de decisões com relação aos OGMs, resultando no afastamento das precauções necessárias para avaliar-se, em nome de toda a sociedade, as conseqüências produzidas pela introdução de novas tecnologias fundadas na manipulação de material geneticamente modificado, no âmbito dos complexos e instáveis ecossistemas existentes em nosso país.

Acaba-se, dessa forma, por fragmentar-se o processo de licenciamento ambiental, atribuindo a competência para se decidir acerca de sua necessidade, a um órgão (CTNBio) que sequer compõe o SISNAMA, colocando na berlinda o instrumento do licenciamento ambiental - o mais importante dispositivo de biossegurança introduzido pelo Lei 6938/81.

Concluímos então que a nova Lei de biossegurança quis suspender a eficácia da lei que instituiu a política nacional de meio ambiente, com o intuito de esvaziar a competência normativa atribuída ao CONAMA - condicionando o futuro licenciamento de OGM e derivados, a juízo prévio vinculativo emitido pela CTNBio.

A realização do licenciamento deixa então de ser exigida em razão da atividade desenvolvida pelo requerente, sujeitando-se agora, a um juízo discricionário e opinativo (visto não possuir a Comissão os elementos técnicos e humanos para proceder tal avaliação de forma cientificamente exaustiva como já tivemos oportunidade de expor neste trabalho) de uma Comissão do Ministério da Ciência e Tecnologia que, em princípio, deveria possuir papel meramente normatizador e consultivo – papéis que de maneira nenhuma lhe atribuiriam o poder para decidir sobre a conveniência de se proceder o respectivo licenciamento ambiental.

Afastou-se a incidência do importantíssimo art. 10, da Lei 6938/81. Termos em que, novamente recorremos às sábias palavras do Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles, para quem "não há dúvida de que os OGMs podem causar significativo impacto no meio ambiente pela simples razão de que toda semente geneticamente modificada é, em princípio e por natureza, potencialmente causador de significativo impacto ambiental. E exatamente por essa razão que o Congresso Nacional está aprovando uma lei de gerenciamento dos riscos associados a manipulação genética. Portanto, a sua exclusão do processo de licenciamento ambiental é um precedente perigoso para a manutenção do equilíbrio ecológico e dos princípios que norteiam o desenvolvimento sustentável, como o princípio da precaução e o da obrigatoriedade da exigência do Estudo Prévio de Impacto Ambiental como condição para a liberação de OGM no meio ambiente". [33]

5.3. Da Inobservância do Princípio da Precaução em Razão da Dispensa do Estudo Prévio de Impacto Ambiental

Não há possibilidade de afastarmos, em sede de liberação e descarte de OGM e derivados, a existência de um alto grau de incerteza científica com relação aos seus possíveis (e negativos) reflexos no meio ambiente - e para a saúde humana de uma maneira geral.

Por isso nos parece imprescindível para a autorização e liberação de atividades envolvendo OGM, a sua subsunção ao "princípio da precaução", verdadeira viga mestra do moderno Direito Internacional do Meio Ambiente, com reconhecimento pátrio em nível constitucional e ordinário – de conformidade com o próprio art. 1º caput, da Lei 11.105/05.

"O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir dessa premissa, deve-se também considerar os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade". [34]

Em âmbito internacional, tal princípio foi instituído pela Declaração do Rio, quando da Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e Desenvolvimento – Rio/92, que o elegeu como um princípio fundamental de direito ambiental internacional. [35]

Em razão do princípio da precaução, deduz-se que o ônus da prova em matéria ambiental dava ser, em determinados casos, em razão da atividade que se deseja empreender, necessariamente invertido.

Afinal de contas, não poderia ser diferente, visto que, caso a atividade venha posteriormente a causar efetivamente alguma forma de degradação ambiental, seria impossível retornar-se ao status quo ante. Ou seja, seria tarde demais para se impedir ou prevenir as suas perversas – e muitas vezes irreparáveis - conseqüências. [36]

Exatamente por isso, o Protocolo de Cartagena, que entrou em vigor em 11.09.2003, tendo o Brasil ratificado a convenção em 22.02.2004, prescreve em seu art. 11, n. 8, que "a ausência de certeza científica devida à insuficiência das informações e dos conhecimentos científicos relevantes sobre a dimensão dos efeitos adversos potenciais de um organismo vivo modificado na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica na parte importadora, levando também em conta os riscos para a saúde humana, não impedirá esta parte, a fim de evitar ou minimizar esses efeitos adversos potenciais, de tomar uma decisão, conforme o caso, sobre a importação do organismo vivo modificado destinado ao uso direto como alimento humano ou animal ou ao beneficiamento".

O Protocolo de Cartagena foi especialmente focado nas questões sobre biossegurança, relativas ao movimento trans-fronteiriço de qualquer organismo vivo modificado, resultante da biotecnologia moderna, que possa ter efeitos adversos na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica.

Em função disso, procurou estabelecer procedimentos apropriados para o resguardo de todas as partes envolvidas no comércio internacional que contenha tais substâncias.

"Em linhas gerais, o Protocolo expressa a preocupação de se evitar a perda da diversidade biológica, bem como os riscos para a saúde humana, que potencialmente podem ser causados com a utilização das novas tecnologias biológicas, principalmente em países em desenvolvimento, que possuem capacidade reduzida de controlar a natureza e a magnitude dos riscos conhecidos e potenciais derivados dos organismos geneticamente modificados. Ao disciplinar a questão da biossegurança, o Protocolo enfrenta a árdua tarefa de equilibrar e disciplinar duas áreas imiscíveis: os poderosos interesses econômicos das corporações por detrás da biotecnologia e os interesses da conservação da diversidade biológica e da proteção da saúde humana e ambiental".[37]

Com base no conjunto dessas disposições percebemos que, a incerteza cientifica, sob o pálio do princípio da precaução, deve ser colocada ao lado da conservação do meio ambiente, tornando-se assim, indispensável, nas atividades potencialmente sujeitas a riscos, a elaboração do estudo prévio de impacto ambiental.

Esta é a dicção constitucional, que exige a realização de estudo prévio de impacto ambiental como condição para instalação de atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente.

Ora, a própria Lei 11.105/05, ao definir em seu art. 27, a liberação ou descarte de OGM no meio ambiente, em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização, sujeitando os infratores a pena de reclusão de 01 a 04 anos, já tratou de admitir o conjunto da atividade como capaz de produzir "significativo impacto ambiental".

Por outro lado, muitos dos apologetas dos interesses das grandes corporações transnacionais de biotecnologia costumam se escudar exatamente por detrás do caráter fluido e indeterminado do conceito de "significativo impacto", para tergiversar sobre a obrigatoriedade de se respeitar o princípio da precaução e os procedimentos a ele inseparavelmente associados – como a realização de estudos prévios de impacto ambiental.

Alegam os críticos do caráter obrigatório do EPIA/RIMA que, por ser fluído e indeterminado este conceito, se poderia delegar para a autoridade administrativa decidir em que momento e sob quais circunstâncias ele se faria presente, não havendo, portanto, nenhuma irregularidade em delegar tal função para a CTNBio.

Neste ponto, nos colocamos ao lado da PGR, para quem "não se pode esquecer que a exigência de EIA para atividades que possam causar ‘significativo impacto ambiental’ possui alcance constitucional e, embora a expressão ‘significativo’ traduza um conceito fluido ou indeterminado, isso não quer dizer que a administração possa inventar conceito próprio ou desbordar da finalidade prevista no art. 225, inciso IV, da Constituição Federal. Este, aliás, é o ponto central da discussão sobre o controle judicial dos atos administrativos que demanda, invariavelmente indagar sobre a extensão da discricionariedade e o limite dos conceitos indeterminados utilizados pela lei para a sua correta execução. Ora, se toda planta geneticamente modificada, em princípio, pode expressar características não desejadas pela alteração artificialmente feita em seu genoma, isso implica dizer que ela será sempre potencialmente causadora de significativo impacto ambiental. Têm-se aqui uma zona de certeza positiva, logo inconteste, quanto a ser qualquer OGM potencialmente causador de modificações negativas no ambiente, sendo inconstitucional a delegação, dada intencionalmente pela lei, à um órgão do segundo escalão da administração para que possa dizer, em última instância, o que o OGM não é ou, pior, que tenha poderes discricionários para dizer o que todo OGM é pela sua natureza". [38]

Outro ponto no qual tentam se agarrar os defensores do caráter vinculante atribuído ao parecer da CTNBio e à faculdade a ela conferida pela Lei de biossegurança para dispensar a realização de estudos prévios de impacto ambiental repousa na expressão, "na forma da lei", presente no texto do referido inciso IV, do § 1º, do art. 225 da CF/88.

Argumentam que o legislador constitucional teria criado aqui uma reserva legal específica, por meio da qual caberia ao legislador ordinário decidir, por seu prudente arbítrio, em que situações poderia a lei exigir, ou dispensar, a realização da respectiva avaliação.

Todavia, tal argumentação não procede em hipótese alguma. O próprio STF já decidiu em outra oportunidade, quando do julgamento da ADI n. 1.086-7/SC, que a expressão "na forma da lei" diz respeito à forma pela qual se produzirá o respectivo estudo prévio de impacto ambiental, e de forma alguma, diz respeito às situações em que a exigência seria possível, visto que, tal exigência está expressa no texto da CF/88 sem qualquer exceção. Tal entendimento foi também emitido por outros órgãos da Justiça Federal, quando do julgamento de matéria relativa a OGM e derivados. [39]

Há que se observar ainda que, ao permitir-se que a CTNBio decida sobre a conveniência e oportunidade de promover audiências públicas (art. 15, caput e, parágrafo único da Lei 11.105/05), afastou-se uma das dimensões elementares da democracia em um Estado de Direito como o nosso (art. 1º, caput, da CF): a intervenção direta da população na formação da vontade política do Estado por meio de instrumentos que caracterizam a chamada "democracia participativa".

Segundo Fonteles, "o mecanismo de integração comunitária em determinadas decisões do Estado constitui expressão genuína da democracia participativa, propiciando o reflexo da pluralidade social junto ao Poder Político. Pode-se afirmar, pois, que o princípio da participação é elementar ao próprio Estado Social de Direito, constituindo importante mecanismo de legitimação da atuação estatal. No tocante ao procedimento de licenciamento ambiental de atividades potencialmente degradantes, a participação comunitária, corolário da democracia participativa, encontra-se devidamente prevista em audiências públicas, como decorrência direta do disposto no art. 225, caput, da CF. Ora, ao suprimir o procedimento de licenciamento ambiental em eventos transgêncios, o § 2º, do art. 16 da Lei 11.105/05 frustra a própria participação comunitária, subtraindo importante faceta do princípio democrático (democracia participativa), imanente à idéia de Estado de Direito". [40]

Em nossa opinião, a realização de audiências públicas se torna especialmente importante em razão da própria natureza de delegação legislativa conferida por normas jurídicas como a Lei 11.105/05, que transfere para órgãos técnicos de segundo escalão, sem nenhuma legitimidade popular, o poder de decidir-se sobre aspectos cruciais para o presente e futuro da comunidade.

Sem expedientes como as audiências públicas, este tipo de "lei atributiva", gira, inevitavelmente, em torno de um déficit de legitimidade tão significativo que raia a esfera do autoritarismo.

Sem a obrigatoriedade de audiências públicas, nos parece que o poder normativo – independentemente do caráter vinculante dos pareceres técnicos da Comissão, que para nós, serão sempre e inevitavelmente inconstitucionais –, atribuído pela Lei 11.105/05 à CTNBio, constitui exemplo flagrante de "excesso de delegação" legislativa.

"Cremos que a previsão normativa de realização de audiência pública por solicitação da sociedade é primordial para o atendimento do princípio democrático em decisões de órgãos administrativos que possam afetar interesses gerais, já que resgata o "déficit democrático"surgido com a atribuição, pelo poder legislativo, de competências normativas a órgãos administrativos, delineadas apenas por parâmetros relacionados, no mais das vezes, a conceitos jurídicos indeterminados. São as "leis quadro"ou standarts, conforme as denomina a doutrina. A tomada de decisão de afetação de interesses gerais por órgãos administrativos – que carecem de representatividade, ainda que possuam em sua estrutura representantes da sociedade -, sobretudo em se tratando do destino de um bem de uso coletivo do povo, deve sempre ser precedida de audiência pública". [41]

Sendo assim, para nós, resta claro que a Lei 11.105/05, ao autorizar a CTNBio a dispensar o EPIA/RIMA com base em seu entendimento discricionário acerca da potencialidade causadora de significativo impacto ambiental, dispensando o regular processo de licenciamento ambiental e a realização de audiências públicas, incidiu em flagrante desrespeito ao inciso IV, do § 1º, do art. 225 da CF/88.

6. CONCLUSÃO

I – A biotecnologia corresponde a uma das três dimensões fundamentais (juntamente com a informática e a robótica-automação) da verdadeira "revolução tecno-científica" que tem marcado contemporaneamente a transição de uma sociedade industrial para uma sociedade pós-industrial. Enquanto o "industrialismo" consistiu na apropriação da natureza na forma de matéria-prima, por uma divisão fabril do trabalho na qual o "paradigma da produtividade" se expressava por um critério "quantitativo" (produzir-se mais, no menor tempo de trabalho possível, aumentando-se a taxa de "mais-valia"); no "informacionalismo" o paradigma da produtividade se expressa "qualitativamente", por meio do uso intensivo do conhecimento na produção de novos produtos e materiais, gerando-se uma verdadeira esquizofrenia da inovação, na qual, uma determinada empresa só poderá manter sua posição no mercado, se "sucatear" hoje o produto que lançou ontem, antecipando-se à concorrência, no contexto daquilo que Shumpeter havia denominado por "destruição criativa";

II – O Brasil é um dos maiores mercados globais para a venda de produtos biotecnológicos, introduzidos por indústrias pertencentes ao chamado complexo agroindustrial, e dentre as quais, se destaca a multinacional de origem norte-americana Monsanto. Tais corporações têm se utilizado de todo o seu poder financeiro e político para pressionar os Poderes Públicos – sobretudo os Poderes Executivo e Legislativo – para que estes elaborem uma legislação e políticas administrativas nas quais os elementos econômicos referentes à celeridade na avaliação e liberação de mercadorias baseadas em OGM e seus derivados (que por sua própria natureza são potencialmente causadores de degradação ao meio ambiente) possam se dar no menor tempo possível, com um mínimo de publicidade, e que sejam todos os atos administrativos referentes aos procedimentos centralizados em uma única instância administrativa – a CTNBio – em detrimento dos imperativos de segurança e precaução que orientaram toda a política nacional de meio ambiente desde a edição da Lei 6.938/81 e da CF/88 - que constitucionalizou a tutela do meio ambiente em face dos interesses das presentes e futuras gerações;

 

III - Esta orientação pró-biotecnologia já havia se manifestado no Decreto 1.754/95 (sobretudo em torno do caráter vinculante atribuído aos pareceres técnicos da CTNBio para toda a Administração Pública), o que acabou gerando uma série de litígios entre organizações não-governamentais e Ministério Público Federal contra a própria CTNBio e a Monsanto, com relação ao processo de liberação da soja round up ready na segunda metade da década de 90. No ano de 2003, por pressão dos produtores de soja do Rio Grande do Sul e de seus representantes no Executivo e no Legislativo, iniciou-se uma discussão em torno de uma nova Lei de biossegurança, que acabou culminando na edição da Lei 11.105/05 – que retomou e aprofundou as aberrações constitucionais já existentes no antigo Decreto 1.754/95;

IV – No âmbito da nova Lei de biossegurança, percebem-se inúmeras inconstitucionalidades no bojo do capítulo III, que institui a CTNBio, atribuindo-lhe suas competências, sua composição, estrutura organizativa e dinâmica de funcionamento. No caso em questão, tem-se o art. 10, caput e parágrafo único; e o art. 14, incisos IV, VIII, XX, e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, e 6º, da referida lei, todos atentatórios aos arts. 23, caput, e inciso VI; e 225, caput, § 1º, e inciso IV, da CF/88, por violarem os princípios federativo, da precaução, democrático, e da publicidade;

V - Tais desvios materializam-se na tentativa de se impedir a intervenção dos órgãos de registro e fiscalização no âmbito estadual e municipal em razão do parecer técnico vinculativo emitido pela CTNBio; pelo poder atribuído a esta mesma Comissão de, a seu exclusivo arbítrio, dispensar a exigência de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA/RIMA); pela possibilidade de se afastar o processo de licenciamento ambiental ou de circunscrevê-lo aos estritos limites estabelecidos pela CTNBio no seu parecer – o que implica no esvaziamento e fragmentação do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA; na restrição do princípio da publicidade, ao permitir que as decisões técnicas fundamentadas sejam emitidas apenas com base em um extrato (resumo) de sua motivação; e, por fim, na violação ao princípio democrático característico de nosso Estado de Direito (art. 1º, caput, da CF/88) na medida em que a Lei 11.105/05 torna facultativa para a CTNBio a convocação ou não de audiências públicas.


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Notas

  1. Veiga Rios, Aurélio Virgílio. A Natureza Jurídica do Parecer Conclusivo da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). In Desafios do Direito Ambiental no Século XXI – estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. Shimada Kishi, Sandra A. e outros (Org.). São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 402-403.
  2. Empresa que figurou como ré na a ação civil pública ajuizada pelo IDEC perante a 6ª. Vara da Seção Judiciária de Brasília (processo 1998-34-000027681-8), contra a liberação da comercialização da soja round up ready, sem a realização de estudo prévio de impacto ambiental e ignorando o respeito ao princípio democrático em razão da inobservância da realização de audiências públicas, julgada procedente pelo Juiz Federal, Dr. Antônio de Souza Prudente, e confirmada por unanimidade pela 2ª. Turma do TRF-1ª. Região (Ap. cível 2000-01-0014661-1-DF).
  3. O complexo agro-industrial é um conceito utilizado para demonstrar a ação articulada de um seleto grupo de grandes empresas (quase todas transnacionais) instaladas a montante e a jusante da produção agropecuária. Compõe-se por uma relação de "cerco" entre as chamadas "empresas para a agricultura" - fornecedoras de maquinas, implementos, produtos veterinários, material geneticamente transformado, insumos, defensivos químicos, fertilizantes, etc; e as "empresas da agricultura" - responsáveis pelo processamento e/ou comercialização da produção agropecuária. Como se tratam de grandes grupos multinacionais, que atuam em regime articulado de oligopólio - sem serem atingidos por qualquer forma de concorrência - impõe os seus preços nas duas pontas da atividade produtora agrícola. Assim, o produtor "modernizado" toda a vez que vai comprar é obrigado a fazê-lo pelo preço que lhe impõe; toda vez que vai vender, também é obrigado a fazê-lo pelo preço que lhe oferecem - já que não tem condições de oferecer resistências em um mercado oligopolizado por grandes multinacionais.
  4. Castells, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
  5. "Embora a biotecnologia possa remontar a tabuletas de anotações babilônicas de 6000 aC. Sobre fermentação, e a revolução em microbiologia tenha ocorrido em 1953 com a descoberta científica da estrutura básica da vida, a hélice dupla de DNA, por Francis Crick e James Watson na Universidade de Cambridge, foi somente no início da década de 1970 que a combinação genética e a recombinação do DNA, base tecnológica de engenharia genética, possibilitaram a aplicação de conhecimentos cumulativos. Stanley Cohen, da Universidade de Stanford, e Hebert Boyer da Universidade da Califórnia, em São Francisco, são considerados os descobridores do método de clonagem genética em 1973, apesar de seu trabalho ter sido baseado na pesquisa de Paul Berg, de Stanford, ganhador do Prêmio Nobel. Em 1975, pesquisadores de Harvard isolaram o primeiro gene de mamíferos, a partir da hemoglobina do coelho, e, em 1977, o primeiro gene humano foi clonado. Daí para frente, houve uma corrida para a abertura de empresas comerciais, no geral subsidiárias de grandes universidades e centros hospitalares de pesquisa, concentrando-se no norte da Califórnia, Nova Inglaterra, Maryland, Virgínia, Carolina do Norte, e San Diego [...] Logo depois veio a agroindústria e os microorganismos, alguns dos quais alterados geneticamente, foram recebendo uma série de funções, que incluíram limpar a poluição muitas vezes causada pelas mesmas empresas e órgãos que vendiam os superorganismos. Porém dificuldades científicas, éticas e de segurança, retardaram a louvada revolução biotecnológica durante a década de 1980 [...] Todas as indicações apontam para uma explosão de aplicações na virada do milênio, que desencadeará um debate fundamental na fronteira, atualmente obscura, entre a natureza e a sociedade". Castells, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2005, pp. 92-96.
  6. Lisboa, Marijane. Transgênicos no Brasil: o descarte da opinião pública. In Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Derani, Cristiane (Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 56-57.
  7. Op. cit., p. 61.
  8. Lisboa, Marijane. Transgênicos no Brasil: o descarte da opinião pública. In Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Derani, Cristiane (Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 62.
  9. Lisboa, Marijane. Transgênicos no Brasil: o descarte da opinião pública. In Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Derani, Cristiane (Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 70.
  10. "O interesse político dos novos líderes que assumiram o governo em fins da década de 1980 e início da década de 1990 favorecia a opção da globalização. Por interesse político quero dizer ser eleito para o governo e permanecer nele [...] Cardoso foi inesperadamente eleito presidente do Brasil em 1994, com base no bem-sucedido plano real, de estabilização monetária, que implementara quando Ministro da Fazenda, destruindo a inflação pela primeira vez na história do país. Para manter a inflação sob controle, ele teve de integrar o Brasil na economia global, facilitando a concorrência com as empresas brasileiras. Essa meta, por sua vez, exigia estabilização financeira. Houve acontecimentos similares no México, com Salinas e Zedilho, reformadores econômicos dentro do PRI; com Menem na Argentina, invertendo o nacionalismo tradicional de seu partido peronista; com Fujimori no Peru, que surgiu do nada; com o novo governo democrático do Chile; e muito antes, com Rajiv Gandhi na Índia, com Deng Xiao Ping e, mais tarde, Jiang Zemim e Zhu-Rongji na China, e com Felipe Gonzalez na Espanha [...] A guinada irônica da história política é que os reformadores que implantaram a globalização, no mundo inteiro, provinham da esquerda em sua maioria, rompendo com o passado de defensores do controle governamental da economia. Seria um erro considerar isso uma prova de oportunismo político. Pelo contrário, foi realismo acerca dos novos acontecimentos econômicos e tecnológicos, e a percepção da maneira mais rápida de tirar as economias de sua estagnação relativa. Depois de escolhida a opção pela liberalização/globalização da economia, os líderes políticos foram obrigados a procurar o pessoal apropriado para administrar essas políticas econômicas pós-keynesianas, sempre bem distantes das orientações tradicionais pró-governo das políticas de esquerda [...] Há uma quarta camada de explicação acerca da atração fatal dos governos pela globalização econômica: os interesses particulares de pessoas em cargos com poder de decisão... Esses interesses pessoais assumem, primordialmente, a forma de riqueza pessoal cada vez maior, obtida por meio de dois canais principais. O primeiro consiste nas compensações financeiras, e nos compromissos lucrativos assumidos ao deixar o cargo governamental, conquistados em conseqüência da rede de contatos que criaram e/ou em agradecimentos por decisões que ajudaram em transações comerciais. O segundo canal é, de maneira mais flagrante, a corrupção em suas diversas formas: subornos, aproveitar-se de informações internas em transações financeiras e aquisições de imóveis, participação em negócios de risco em troca de favores políticos, etc. [...] favorecem as políticas pró-globalização porque abre um mundo novo de oportunidades. Em muitos países em desenvolvimento é, de fato, o único jogo existente, já que o acesso ao país é o principal bem controlado pelas elites políticas, o que lhes permite participar das redes globais da riqueza." Castells, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2005, pp. 185-186-187.
  11. Canotilho, J. J. Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 177-178.
  12. Op. cit. p. 182.
  13. Lassalle, Ferdinand. O Que é uma Constituição? Belo Horizonte: Editora Líder, 2002.
  14. Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio A. Fabris Editor, 1991.
  15. Lisboa, Marijane. Transgênicos no Brasil: o descarte da opinião pública. In Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Derani, Cristiane (Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 71-72.
  16. Leme Machado, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 975.
  17. Op. cit. p. 976.
  18. Silva, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 77.
  19. Leme Machado, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 981.
  20. Iglecias Lemos, Patrícia Faga. A Responsabilidade Civil objetiva por danos causados ao meio ambiente causados por organismos geneticamente modificados. In Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Derani, Cristiane (Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 153-154.
  21. Leme Machado, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 979.
  22. Op. cit. p. 981.
  23. Op. cit. p. 980.
  24. "Nem se diga que a CTNBio já é representada pela sociedade, o que dispensaria a realização de audiência pública. A participação institucionalizada da sociedade em órgãos administrativos com poderes normativos é comum em nosso direito, mas em hipótese alguma substitui a audiência pública. Citando-se como exemplos apenas os casos similares à CTNBio, em que a sociedade participa institucionalmente do órgão tanto para a propositura de políticas públicas como para a elaboração de normas técnicas, há o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Agência Nacional de Saúde – ANS, o Conselho Nacional de Educação, e o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA". Serra, Sílvia Helena. Caso soja Roud up ready: a violação do princípio democrático e do princípio da publicidade pela CTNBio. In Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Derani, Cristiane (Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 167.
  25. Leme Machado, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 986.
  26. Op. cit. p. 988-999.
  27. Serra, Sílvia Helena. Caso soja Roud up ready: a violação do princípio democrático e do princípio da publicidade pela CTNBio. In Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Derani, Cristiane (Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 164.
  28. Leme Machado, Paulo Affonso. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 988.
  29. ALIMENTOS TRANSGÊNICOS. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO ESTADO MEMBRO. LEI ESTADUAL QUE MANDA OBSERVAR LEGISLAÇÃO FEDERAL. 1. Entendimento vencido do Relator de que o diploma legal impugnado não afasta a competência concorrente do Estado-membro para legislar sobre produtos transgênicos, inclusive, ao estabelecer, malgrado superfetação, acerca da obrigatoriedade da observância da legislação federal. 2. Prevalência do voto da maioria que entendeu ser a norma atentatória à autonomia do Estado quando submete, indevidamente, à competência da União, matéria de que pode dispor. ADI 2303 MC / RS – RIO GRANDE DO SUL – Julgamento: 23/11/2000 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno – Publicação: DJ DATA-05 12-2003 PP-00018 EMENT VOL-02135-05 PP-00918.
  30. Lei 6.938/81, art. 10: "A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro de meio ambiente e Recursos Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis".
  31. ADI n. 3526/05, p. 09-10.
  32. Op. cit. p. 11.
  33. OP. cit. p. 14.
  34. Derani, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 167.
  35. Princípio n. 15: "com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados devem aplicar amplamente o princípio da precaução, conforme as suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá ser utilizada para postergar-se a adoção de medidas eficazes para prevenir a degradação ambiental".
  36. "Os organismos geneticamente modificados, especialmente os alimentos transgênicos, surgiram mostrando-se benéficos ao meio ambiente, pois, por exemplo, seria possível utilizar menor quantidade de herbicidas. Mas, aos poucos os riscos foram se mostrando. Por exemplo, o aumento dos casos de alergia, verificando-se a ocorrência em razão de um sistema de adaptação da planta alterada, procurando se defender do meio, através da produção de proteínas tóxicas ao homem. Fala-se ainda no risco de superpragas, no surgimento de bactérias resistente a antibióticos [...] O jornal britânico The Guardian divulgou uma pesquisa inglesa que afirma que está ocorrendo perda de biodiversidade causada pelas plantações de transgênicos. Trata-se de pesquisa inglesa, publicada pela Sociedade Real Britânica, apontando que duas entre três plantações de transgênicos se mostram mais danosas ao meio ambiente, destruindo plantas e animais ao seu redor, do que o cultivo com sementes convencionais. Trata-se de estudo desenvolvido em plantações de canola e beterraba". Iglecias Lemos, Patrícia Faga. A Responsabilidade Civil objetiva por danos causados ao meio ambiente causados por organismos geneticamente modificados. In Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Derani, Cristiane (Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 137-138.
  37. Amorim, João Alberto Alves. O Protocolo de Cartagena e a bio (in) segurança brasileira. In Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Derani, Cristiane (Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 108.
  38. ADI n. 3526/05, p. 13-14.
  39. Apelação Cível n. 2000.01.00.014661-1/DF, TRF da 1ª. Região, 2ª. Turma, Data de Julgamento: 08/08/2002.
  40. Op. cit. p. 27.
  41. Serra, Silvia Helena. Caso soja round up ready: a violação do princípio democrático e do princípio da publicidade pela CTNBio. In Transgênicos no Brasil e Biossegurança. Derani, Cristiane (Org.). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2005, p. 169-170.