Comentários ao livro: A mente corporea - Varela, parte IV em diante - p 143 - 267


Poraires- Postado em 30 abril 2015

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                               PARTE IV: PASSOS PARA UM CAMINHO DO MEIO

CAPITULO 7 A ANSIEDADE CARTESIANA

A noção da mente como um mecanismo processodor que responde seletivamente a padrões predeterminados no ambiente representa a redução da experiência e a cognição humana. 

A mente como representação é utilizada frequentemente porém é desprovido de compromisso epistemológico ou ontológico forte. Quando desenvolvemos estes compromisso essa ideia se transforma. A precepção visual, por exemplo, “é considerada um resultado do mapeamento dos padrões físicos de energia que estimulam a retina em representações da cena visual, utilizada então para fazer inferências e para produzir um julgamento perceptivo”. Observa-se que é um processo ativo de formação de hipótese e não de representação de um mundo predeterminado.

Lentamente as ciências cognitivas se afastam da concepção de mente como um mecanismo de input-output de processamento de informações. O papel do ambiente, por sua vez, tornou-se o background e  não o centro das novas formulações. A mente passou a ser indicada como uma rede autônoma de relações com papel centram no desenvolvimento cognitivo. 

Hoje, sabe-se que “os cérebros utilizam processos que modificam a si mesmo - e isto quer dizer que não podemos separar esses processos dos produtos que eles produzem. O que é notável nesta passagem é a ausência total da noção de representação.”

Essa nova perspectiva alavanca a mudança nas ciências cognitivas. Neste cenário, os sistemas cognitivos não são analisados como input (informações e output (comportamento), e sim a partir de seu fechamento operacional, composta por processos que voltam-se sobre si mesmos para formar redes autônomas.

Dessa forma, a ideia de mundo predeterminado é questionado. Ainda que essa concepção nos proporciono uma segurança em uma base fixa de conhecimento que evita o caos, ela é falsa. Ao perceber isso, o niilismo ou anarquia tornam-se uma alternativa, tão falsa quanto a concepção de um alicerce externo é a de um alicerce interno. A mente que vaga entre estes polos opostos à procura de fundação vive a ansiedade cartesiana.

As noções dicotômicas sujeito e objeto, sujeito e natureza já estão na história da humanidade há séculos, por isso dizem: quem quer que digam sobre algo diz sobre si mesmo. Com isso, apesar de acreditarmos que representamos um mundo predeterminado, nós desconhecemos o mundo, a não ser pela nossa representação.  Essa busca por certezas e controle evidencia um quadro de ansiedade cartesiana que “requer não só que acreditemos em um self que sabemos que não pode ser encontrado, mas também que acreditemos em um mundo ao qual não temos acesso [...] frente à sua incapacidade de encontrar qualquer fundação última, a mente apegada recua e adere a ausência de um alicerce tratando todo o resto como ilusão.”

Observa-se que a filosofia ocidental debruçou-se em questões para encontrar o caminho de um alicerce e não sobre a noção e a busca por ele. Entretanto a ausência de fundações é a condição para o mundo ricamente estruturado e interdependente da experiência cotidiana.

“Assim, a ausência de fundação é revelada na cognição como “senso comum”, ou seja, saber como negociar nosso caminho em um mundo que não é fixo e predeterminado, mas que é continuamente moldado pelos tipos de ações nas quais nos engajamos. A maior habilidade da cognição viva, entretanto, consiste em ser capaz de colocar, dentro de amplos limites, as questões relevantes que precisam ser abordadas a cada momento.”

 

CAPITULO 8 ATUAÇÃO: COGNIÇÃO INCORPORADA

A cognitiva representacionista funciona limitadamente em domínios de tarefa simplificados, onde é relativamente fácil especificar todos os estados possíveis. Entretanto, essa abordagem tem sido menos eficiente em domínios de tarefas menos circunscritos ou mais indefinidos.

Embora pareça ser evidente, o significado de uma nova abordagem cognitivista apenas recentemente começado a ser compreendida. A partir da década de 1970, a concepção de que mesmo a ação cognitiva mais simples requer uma quantidade aparentemente infinita de conhecimentos passou a ser aceita.

“De fato, se desejamos recuperar o senso comum, então devemos inverter a atitude representacionista e tratar o conhecimento dependente do contexto não como um artefato residual que pode ser progressivamente eliminado pela descoberta de regras mais sofisticadas, mas como, na verdade, a própria essência da cognição criativa.”

Ou seja, mente e o mundo se relacionam através da mútua especificação ou co-origem dependente. O conhecimento é resultado de uma interpretação continua emergente da nossa capacidade de compreender, que por sua vez está enraizada nas estruturas biológicas vividas e experenciadas em um domínio de ação e de cultura.  Para tal abordagem, é preciso abandonar a cognição como uma representação de um mundo predeterminado.

Neste sentido, a ideia da mente como uma rede autônoma com um sistema capaz de selecionar e atuar os domínios de significação tem sido desenvolvida pelas ciências cognitivas. As distinções selecionadas por Bittorino, nome dado a um sistema autônomo e acoplado estruturalmente, forma argumentos que contrapõem a ideia de que o mundo já existe e é recuperado por representação. Em outras palavras, é possível dizer que um sistema autônomo produz significação a partir de um background.

Os autores utilizam o estudo das cores para exemplificar uma significação perceptiva e cognitiva imediata na experiência humana. Com base nisto, eles afirmam que as cores não podem ser explicadas como um mundo independente de nossas capacidades perceptivas.

“Essa descrição ressalta as configurações emergentes no nível da retina e, desta forma, é apenas parcial. Existem estruturas em todos as níveis das vias ópticas que participam da percepção das cores. Assim, o que está envolvido na nossa percepção de cores é uma grande e distribuída rede neuronal. É claro que as cores não são percebidas isoladamente de outros atributos como forma, tamanho, textura, movimento e orientação.”

Ou seja, as cores fazem parte de um mundo percebido ou experiencial que é produto de nossa história ou acoplamento estrutural.  Assim, a concepção de que a percepção das cores estava restrita ao processamento de informações para recuperar o reflexo da superfície é uma proposta simplista. A cor tem diversos atributos como formas e volumes, ela é por uma forma de experiência constituída por meio de padrões emergentes de atividade neuronal.

Nossa experiência é também cognitiva resultado da organização das diversas combinações de matriz/saturação/brilho distribuídas em categorias de cores que também dependem de processos perceptivos e cognitivos.

Essa discussão sobre as cores sugere um caminho do meio entre dois extremos, as cores dependem das nossas capacidades perceptivas e cognitivas e também do mundo cultural e biológico. Essa é uma discussão que remete as ideias do realismo (mundo externo predeterminado) e do idealismo (internamente predeterminado).

A ideia central é apresentar a concepção de a ação corpórea. A ação se refere aos processos sensoriais e motores - a percepção e a ação – ligados à cognição vivida. Corpórea indica os tipos de experiência decorrentes de se ter um corpo com várias capacidades sensório-motoras embutidas em um contexto biológico, psicológico e cultural.

“Assim, a preocupação geral de uma abordagem atuacionista da percepção não é determinar como um mundo independente do observador pode ser recuperado; é, ao contrário, determinar os princípios comuns ou ligações regradas entre os sistemas sensorial e motor que explicam como a ação pode ser perceptivamente orientada em um mundo dependente do observador.”

A categorização é uma das atividades cognitivas mais fundamentais que todos os organismos realizam, cada experiência é transformada no conjunto de categorias aprendidas e significativas as quais os humanos e outros organismos respondem. A cognição e o ambiente atuam no nível básico da categorização: “o objeto aparece para o observador proporcionando certos tipos de interações – e o observador utiliza os objetos com seu corpo e mente da forma proporcionada”. Essas interações são validadas da vida da comunidade na qual o humano e o objeto estão localizados.

No livro Body In The Mind Mark Johnson propôs outro processo de categorização básico em que os humanos apresentam estruturas cognitivas muito gerais chamadas de esquemas de imagens cenestésicas que podem ser projetados metaforicamente para estruturar diversas áreas cognitivas. Lakoff e Johnson também apresentaram uma abordagem experiencialista da cognição em que a estrutura da experiência física e social e a capacidade de projetar imaginativamente a experiência corporal e inter-racial são fontes para as estruturas conceituais.  De acordo com ambas, as tarefas perceptivas e cognitivas envolvem alguma meio de adaptação ao mundo.

Neste contexto, a experiência precoce também tem papel na definição do mundo individual. Conforme os autores “as possibilidades de reincorporação pessoal completa, inerente a abordagem atenta aberta do experiência que vimos descrevendo, pode oferecer a fórmula e as ferramentas necessárias para a implementação de uma psicanalise existencial incorporada”.

 

CAPITULO 9: A CONSTRUÇÃO DO CAMINHO EVOLUTIVO E A DERIVA NATURAL

Em vários aspectos, o cognitivismo está para as ciências cognitivas assim como o neo-darwinismo está para a teoria evolutiva moderna. No neodarwinismo, o ritmo e o tempo da evolução são medidos pelas mudanças na adaptação dos genes. Neste contexto a adaptação pode ser considerada um tipo de padrão ou construção referente à alguma situação física.  

Mas existem vários pontos controversos mas basicamente todos convergem para a mesma limitação fundamental da interpretação dessas abordagens. Desta forma, os estudos da pleiotropia, do desenvolvimento, e do acaso da deriva genética aleatória confundem a lógica básica do programa adaptacionista.

Estudos genéticos que apresentaram o genoma como uma rede interelacionada mediada por uma série de elementos e equilíbrios pontuados contribuem para a compreensão da evolução num sentido de organismos e as sociedades como totalidades integradas, em vez de tomá-los como um conjunto de traços

Outro aspecto colocado de lado na abordagem clássica é o desenvolvimento, que estabelece uma ligação importante entre nascimento e vida adulta, finalmente oi considerado pelos evolucionistas. Porém, essas teorias se opõem a seleção natural ao invés de se preocupar na compreensão da evolução. Contudo, a teoria evolutiva terá que em algum momento articular as unidades de seleção diversas e suas relações.

Conforme os autores as questões evolutivas e cognitivas convergem da seguinte forma:

- A evolução é com frequência invocada como uma explicação das peculiaridades da cognição que nós ou outros animais temos no presente. Esta ideia faz referência ao valor adaptativo do conhecimento, e geralmente é estruturada em termos neo-darwinistas clássicos.

- A evolução é com frequência utilizada como uma fonte de conceitos e metáforas na construção de teorias cognitivas. Esta tendência é claramente visível na proposta das chamadas teorias seletivas da função cerebral e aprendizado.

Conforme os autores abandonar a seleção natural como explicação principal não será uma tarefa fácil. Isso começara com a mudança de uma lógica prescritivista - o que não é permitido é proibido - para uma lógica proscritivista -  o que não é proibido é permitido. Esta segunda logica propicia uma diversas estruturas biológicas em todos os níveis.

A abordagem alternativa para substituir a abordagem adaptacionista, apresentada pelos autores de evolução por deriva natural pode ser enunciada em quatro pontos básicos:

1.           A unidade de evolução (em qualquer novel) a uma rede capaz de um rico repertório de configurações auto organizadoras.

2.           Em acoplamento estrutural com um meio, essas configurações geram uma seleção, um processo de continuada busca de condições satisfatórias que desencadeia (mas não específica) uma mudança na forma das trajetórias viáveis.

3.           A trajetória específica (não-única) ou modo de mudança da unidade de seleção e o resultado imbricado (não-único) de níveis múltiplos de subredes de repertórios auto organizados selecionados.

4.           A oposição entre fatores causais internos e externos é substituída por uma relação de complicação, uma vez que o organismo e o meio se especificam mutuamente.

Ainda conforme os autores, esta visão de evolução depende da aplicabilidade conjunta de três condições:

1ª - A riqueza das capacidades auto organizadoras nas redes biológicas;

2ª - Uma forma de acoplamento estrutural permitindo a satisfação de trajetórias viáveis;

3ª - A modularidade de subredes de processos independentes que interagem uns com os outros por um processo de pequenos e paulatinos ajustes.

A noção de acoplamento com um ambiente, em outras palavras, a concepção de que os seres vivos e o ambiente estão relacionados um com o outro por meio de especificação mútua ou codeterminação, é um ponto central nessa mudança de abordagens. A mudança evolutiva agrega tanto as características herdadas (biológicas e com base genética) quanto as adquiridas (mediadas pelo ambiente). Observa-se que, conforme os autores “uma vez que essas ideias requerem uma mudança em nossas abordagens científicas, elas estão, é claro, sujeitas a resistência”.

Em suma, os autores afirmam que a cognição é a ação incorporada, e que o mundo que conhecemos não é atuado por meio de nossa história de acoplamento estrutural. Visão na qual embora o mundo possa ser predeterminado, ele é visto por diferentes perspectivas, “o que constitui o mundo de um dado organismo é atuado pela história de acoplamento estrutural do organismo.” Aonde o acoplamento ocorrem através da evolução como deriva natural.

“Como podemos ver agora, situar a cognição como ação incorporada dentro do contexto da evolução como deriva natural oferece uma visão das capacidades cognitivas como inextricavelmente ligadas a histórias que são vividas, algo bem parecido com os caminhos que existem apenas na medida em que são abertos com o caminhar. Consequentemente, a cognição não é mais vista como resolução de problemas com base em representações - ao contrário, a cognição em seu sentido mais amplo consiste na atuação ou na produção de um mundo por uma história viável de acoplamento estrutural.”

Neste sentido, a abordagem atuacionista se refere a cognição como uma história de acoplamento estrutural que produz um mundo, que funciona meio de uma rede consistindo de níveis múltiplos de subregiões sensório-motoras interconectadas. O sistema cognitivo está funcionando adequadamente quando ele passa a ser parte de um mundo continuado existente (como os jovens de todas as espécies fazem) ou molda um novo mundo (como ocorre na história da evolução).

Neste sentido estão sendo desenvolvidas pesquisas como a de Rodney Brooks sobre Inteligência artificial em que estimula-se um processo semelhante à evolução na perspectiva da deriva natural no campo de execução de tarefas. Destaca-se que a nessa nova abordagem a inteligência “deixa de ser a capacidade de resolver um problema e passa a ser a capacidade de entrar em um mundo de significados.” Contudo, as pesquisas em psicologia cognitiva, linguística, neurociências, inteligência artificial, teoria evolutiva e imunologia parecem incorporar cada vez mais elementos da orientação atuacionista.

 

CAPITULO 10 O CAMINHO DO MEIO

Por mais difícil que seja, as experiências humanas estão se transformando orientadas pela evidencia de que o mundo em que vivemos é destituído de fundação. Para algumas tradições orientais esse fenômeno não é novidade.

Segundo os Mahayanistas, apesar das primeiras tradições atacarem o sentido de self, elas não desafiaram a confiança em um mundo existente de forma independente ou nas relações transitórias da mente com esse mundo. Em contrapartida, um seguimento budista denominado Nagarjuna propõe claramente existência independente de todos os três termos - o sujeito, a relação e o objeto e que os três juntos formam um momento de consciência verdadeiramente existente, que e a realidade última.

 “Mas se somamos uma coisa inexistente a outra coisa inexistente, como podemos dizer que isso constitui algo verdadeiramente existente [...] Neste ponto, devemos estar tornados pelo terrível sentimento de que, de fato, essas coisas não existem.” Nagarjuna não diz se as coisas existem ou não, apenas aponta para a co-dependência das causas e seus efeitos, as coisas e seus atributos, e a própria mente do sujeito inquiridor e os objetos da mente, livres de qualquer fundação. Ao evitar os extremos, entre objetivismo e subjetivismo,  Madhyamika é chamado o caminho do meio.

Abhidharma descreve o praticante que experiencia sua mente, seus objetos a suas relações como tendo origem co-dependente, sendo destituídos de qualquer existência real, independente ou permanente. Essa descrição funciona como uma recomendação e uma ajuda para a contemplação. O vazio é torna-se uma descoberta chocante feita através da atenção/consciência.

Chegamos ao ponto em que a própria ciência tornou-se relativa. A ciência torna-se possível dentro da relatividade deste mundo originado de forma co-dependente. Conceitos como incorporação ou acoplamento estrutural são conceitos, e como tal são sempre históricos.

Entretanto, as abordagens ocidentais contemporâneas insistem em proteger o self, observa-se isso no uso do conceito de interpretação, que questiona os objetos independentes da mente mas não ela própria ou até mesmo ausência de fundação dos próprios conceitos e interpretações; ao contrário, eles a tomam como o fundamento sobre o qual se baseiam. “Na tradição Madhyamika, por outro lado, da mesma forma que no budismo como um todo, a sugestão da ausência de ego é uma grande benção - ela abre o mundo vivido como um caminho, como um local de realização.”

 

CAPITULO 11 CONSTRUINDO O CAMINHO NO CAMINHAR

            O tema do livro trata tanto das ciências cognitivas e como da experiência humana. A ausência de fundação, tem por si dimensões éticas contextuais. A comunicação entre as ciências cognitivas e a experiência humana é apresentada como num círculo ininterrupto na mente de um cientista reflexivo:

Experiência do cientista cognitivo, um ser humano que pode conceber uma mente operando sem um self - Isso passa a ser incorporado em uma teoria científica – Descoberta da ausência do self na experiência - haja um esforço constante em manter um self, não há efetivamente um self na experiência - observação das causas e efeitos de nosso apego ao ego – desapego natural do ego – aumento das percepções, das relações e da atividade da mente – desenvolvimento da consciência atenta: insights sobre a co-dependência da ausência de fundações últimas de nossa mente e de seu objeto, o mundo – absorção da metáfora incorporada, sem o apoio da fundação e a cognição como atuação, orientada pelo acoplamento estrutural ao longo de uma história de deriva natural – transformações cientificas e sociais como o aumento da  comunicação entre ciência e experiência.

A “Grande Dúvida” do budismo zen aponta para a inconstância da própria existência, e assim marca uma transformação existencial da experiência humana, rumo à direção ao que é “O Campo do Nada”. Onde o Nada se refere a ausência de fundação em relação à polaridade subjetivo/objetivo.

Nas ciências sociais o objetivismo propagou uma postura neutra questionada ao longo de sua história, por isso falar sozinho para alimentar o ego está fora de questão. A ética balizada pela tradição da atenção/consciência ou a ciência cognitiva da atuação contribui para a compreensão do interesse individual na medida que o self se dirige ao outro na mesma maneira que se dirige a si próprio. A atenção/consciência do estudante o desperta para seu apego ao ego para que possam em seguida se livrar de alguns padrões habituais ao ponto em que o aluno relaxa mais ainda na consciência, surge uma sensação de acolhimento e inclusão.

A Mahayana começa pelo cultivo da compaixão por todos os seres sensíveis, a compreensão da ausência de fundações (sunyata) não pode ocorrer sem a incorporação da compaixão natural e incondicional. “A percepção consciente do sentido de relacionamento e o desenvolvimento de um sentido mais imparcial de cordialidade são encorajados na tradição da atenção/consciência por práticas contemplativas diversas, como a geração de carinho e bondade”. Quando a mente se despega e não controla ela acorda para a sabedoria com a qual nascemos e para o fluxo das energias compassivas despretensiosas.

Na busca pelo o caminho do meio entre os extremos do ascetismo e da indulgência, essa atitude desapegada do ego e compassiva deve ser desenvolvida e incorporada por meio de uma auto disciplina “os indivíduos devem pessoalmente descobrir e admitir seu próprio sentido de ego para ir além dele.” 

Juliana Clementi

A Mente Corpórea
Será que já nascemos com um destino predeterminado? Será que o mundo em que vivemos já possui um caminho traçado?
Essa é a principal questão abordada no livro, e que está sendo constestada porm uitos pesquisadores.
De muitas maneiras, achamos que nossa linha da vida já tem uma direção. Imaginamos como seremos daqui alguns anos com muita facilidade. A questão que surge é: devemos imaginar como seremos ou nossa mente promove uma imagem de como queremos ser daqui alguns anos?
A insatisfação com este realismo cognitivo aprofunda-se no sentido que nossa evolução se baseou sempre em sentidos representativos, e não processuais. Ou melhor dizendo, nossos processos denotaram de representações feitas por nós mesmos, e não por algo já pré-determinado.
Daí surge a noção da importância da linguagem e comunicação entre organismos atuantes em sistemas vivos. Cada ser promove sua evolução e blinda-se do que acha que trará algum malefício. Esta característica, oriunda diretamente da cognição, denota que um sistema age com base em representações internas.
Tornado as aborgadens cognitivas mais naturalistas, abondando a ideia de representatividade, alguns paradigmas podem ser superados, como por exemplo, a subjetividade. A cognição em si é a representação. Nossos atos são baseados em mecanismos treinados pelos nossos cérebros. Nossos sistemas toma decisões baseados em experiência e intuição, e quando não entendemos isto sofremos, por exemplo, com ansiedade, criando a ilusão de um mundo perfeito, não desapegando de formas retrógadas de pensamento e comportamentos.
O livro propõe a ideia da mente como uma rede emergente e autônoma. Por isso não devemos fugir do  mundo real e mergulhar no nosso mundo, pois o mundo em que vivemos não é nosso. Estamos somente presentes aqui. Cabe a nós transformar nossa experiência em liberdade condicionante.

Jean C R Pereira
48-91190043

Administrador   &

Fichamento, A mente corpórea: Ciências cognitivas e Experiência Humana

 

Por Ranieri Aguiar

Passos para um caminho do meio

 

Um número crescente de pesquisadores em todas as áreas das ciências
cognitivas tem expressado sua insatisfação com os diversos tipos de
realismo cognitivo. Essa insatisfação tem origens mais profundas que a busca de alternativas para o processamento de símbolos ou mesmo para teorias
mistas como a da “sociedade da mente”: é uma insatisfação com a própria
noção de sistema representacional.

 Essa noção obscurece muitas dimensões
essenciais da cognição, não só na experiência humana, mas também na tentativa de se explicar cientificamente a cognição. Essas dimensões incluem a
compreensão da percepção e da linguagem, bem como o escudo da evolução e da própria vida.

Na discussão sobre o cognitivismo distinguimos entre dois sentidos de representação, que precisamos agora recordar. De um lado, há a
noção relativamente incontroversa de representação como construto: a cognição consiste sempre em construir ou representar o mundo de determinada
forma. Do outro lado, há a noção ainda mais forte de que esse padrão de
cognição deve ser explicado pela hipótese de que um sistema age com base
em representações internas. Considerando-se que essas duas ideias parecem
levar a mesma coisa, precisamos aperfeiçoar um pouco nossa distinção.

À primeira vista, as ciências cognitivas contemporâneas parecem
uma alternativa a esse impasse filosófico tradicional. Em grande parte devido às ciências cognitivas, a discussão filosófica deixou de se preocupar com
as representações a priori (representações que deveriam oferecer alguma
base não contingente para nosso conhecimento do mundo) e passou a se
preocupar com as representações a posteriori (representações cujos conteúdo
 são, em última análise, derivados de interações causais com o ambiente).
            Essa concepção naturalizada de representação não abre espaço para as questões céticas que motivam a epistemologia tradicional. Na verdade, mudar
nossas preocupações para as relações organismo-ambiente e abandonar a
tarefa da epistemologia a priori tradicional, em favor de projetos naturalizados da psicologia e das ciências cognitivas4. Assumindo essa postura naturalista, as ciências cognitivas evitam as antinomias que espreitam o realismo
transcendental ou metafisico, sem adotar o solipsismo ou subjetivismo que
constantemente ameaçam o idealismo.

Gostaríamos de salientar que, quando começamos a levar seriamente em consideração essa concepção de mente, precisamos colocar em
dúvida a ideia de que o mundo é predeterminado, e de que a cognição é
representação. Nas ciências cognitivas, isso significa que devemos questionar a ideia de que as informações existem já prontas no mundo, e que são
obtidas por um sistema cognitivo, como vivamente pressupõe a noção cognitivista de um informívoro.

Ranieri Aguiar

Ranieri Roberth Silva de Aguiar

Fichamento, A mente corpórea: Ciências cognitivas e Experiência Humana

 

Por Ranieri Aguiar

Passos para um caminho do meio

 

Um número crescente de pesquisadores em todas as áreas das ciências
cognitivas tem expressado sua insatisfação com os diversos tipos de
realismo cognitivo. Essa insatisfação tem origens mais profundas que a busca de alternativas para o processamento de símbolos ou mesmo para teorias
mistas como a da “sociedade da mente”: é uma insatisfação com a própria
noção de sistema representacional.

 Essa noção obscurece muitas dimensões
essenciais da cognição, não só na experiência humana, mas também na tentativa de se explicar cientificamente a cognição. Essas dimensões incluem a
compreensão da percepção e da linguagem, bem como o escudo da evolução e da própria vida.

Na discussão sobre o cognitivismo distinguimos entre dois sentidos de representação, que precisamos agora recordar. De um lado, há a
noção relativamente incontroversa de representação como construto: a cognição consiste sempre em construir ou representar o mundo de determinada
forma. Do outro lado, há a noção ainda mais forte de que esse padrão de
cognição deve ser explicado pela hipótese de que um sistema age com base
em representações internas. Considerando-se que essas duas ideias parecem
levar a mesma coisa, precisamos aperfeiçoar um pouco nossa distinção.

À primeira vista, as ciências cognitivas contemporâneas parecem
uma alternativa a esse impasse filosófico tradicional. Em grande parte devido às ciências cognitivas, a discussão filosófica deixou de se preocupar com
as representações a priori (representações que deveriam oferecer alguma
base não contingente para nosso conhecimento do mundo) e passou a se
preocupar com as representações a posteriori (representações cujos conteúdo
 são, em última análise, derivados de interações causais com o ambiente).
            Essa concepção naturalizada de representação não abre espaço para as questões céticas que motivam a epistemologia tradicional. Na verdade, mudar
nossas preocupações para as relações organismo-ambiente e abandonar a
tarefa da epistemologia a priori tradicional, em favor de projetos naturalizados da psicologia e das ciências cognitivas4. Assumindo essa postura naturalista, as ciências cognitivas evitam as antinomias que espreitam o realismo
transcendental ou metafisico, sem adotar o solipsismo ou subjetivismo que
constantemente ameaçam o idealismo.

Gostaríamos de salientar que, quando começamos a levar seriamente em consideração essa concepção de mente, precisamos colocar em
dúvida a ideia de que o mundo é predeterminado, e de que a cognição é
representação. Nas ciências cognitivas, isso significa que devemos questionar a ideia de que as informações existem já prontas no mundo, e que são
obtidas por um sistema cognitivo, como vivamente pressupõe a noção cognitivista de um informívoro.

Ranieri Aguiar

Ranieri Roberth Silva de Aguiar

O Entre-Deux de Madhyamika

VARELA, Francisco; THOMPSON, Evan; ROSCH, Eleanor. A mente Corpórea: ciência cognitiva e experiência humana.  Instituto Piaget. ISBN 972-771-267-3

A mente é tudo. O que você pensa, você se torna. Citação de Buda.

O livro me fez pensar numa canção de autoria de Chico César  e Arnaldo Black, que ilustra “o caminho do meio”, da teoria do Madhyamika, da tradição budista, descrita na parte IV. Veja-se a interpretação magistral de Tetê Espíndola.

 

Umbigo – Chico César e Arnaldo Black

Vou até o fim

Todo ser é um

E não há nenhum mal

Em ser ambíguo

Novelo de lã

Leva pelo fio

E não há desvio até

O umbigo

Todos nós um só

Todos nós os mesmos

Todos nós um nó

Todos nós a esmo

Deixa de chorar

Vou pela maré

Assim que puder

Você vem comigo

Ver no que é que dá

Ver o que é que há

No olho do mundo

No bumbá do bumbo

No que faz brotar

No que faz colher

No que faz cantar

No que quer viver

Inspiração para o livro: período em que Varela lecionou no Naropa Institute. Recomendo visitar o sítio do Instituto: http://www.naropa.edu/. O instituto foi considerado uma das “top green schools” pela Princeton Review. A proposta, de acordo com as informações contidas na página do Instituto, é interessante e parece uma alternativa viável de humanização do espaço científico e acadêmico. 

Diálogo ciências cognitivas e tradição budista. Continuidade dos escritos de Merlot Ponty

É esta possibilidade de transitar entre as ciências da mente (as ciências cognitivas) e a experiência humana que exploramos neste livro.

Fenomenologia – importância dos fenômenos da consciência. Contra o psicologismo e o historicismo.

Tradição budista: conceito de um cognitivo não unificado e não codificado: egoless ou selfless.

O self não é o epicentro do conhecimento:

É claro que esta compreensão não  é nova em nossa cultura ocidental. Muitos filósofos, psiquiatras e cientistas sociais desde Nietzsche desafiaram nossa concepção tradicional do self ou  sujeito como o epicentro do conhecimento, da cognição, da experiência e da  ação.

Trânsito entre as ciências cognitivas e a experiência humana. Diálogo entre ciência e experiência.

Assuntos científicos e técnicos devem ser inseparáveis das profunda preocupações  éticas humanas que exigem uma compreensão da dignidade da vida humana.

 

O PONTO DE PARTIDA

1 UMA CIRCULARIDADE FUNDAMENTAL: NA MENTE DO CIENTISTA REFLEXIVO - UMA CONDIÇÃO PRÉVIA

 

Cientista cognitivo de orientação fenomenológica

Então, ao refletirmos, nós nos encontramos em um círculo:

estamos em um mundo que parece que já existia antes da reflexão ter-se iniciado, mas esse mundo não é separado de nós.

Para o filosofo francês Maurice Merleau-Ponty, a identificação desse círculo abriu um espaço entre o self e o mundo, entre o interno e o externo. Esse espaço não era um abismo ou divisor: ele englobava a distinção entre self e mundo e, ainda, provia a continuidade entre eles. Sua abertura

revelou um caminho do meio, um entre-deux. (Lembra-me o espaço dos olhos entreabertos da meditação budista – espaço de conexão, importância das interações).

A ciência (e também a filosofia. no que diz respeito a esse assunto) escolheu ignorar o que poderia estar nesse entre-deux ou caminho do meio. Na verdade, Merleau-Ponty poderia ser considerado parcialmente responsável por isto pois, pelo menos no Fenomenologia da Percepção, ele descreveu a ciência como primariamente não-reflexiva; argumentou que ela ingenuamente pressupôs a mente e a consciência. De fato, esta é uma das posturas extremas que a ciência pode adotar.

 

O QUE SÃO AS CIÊNCIAS COGNITIVAS?

No seu sentido mais amplo, a expressão ciências cognitivas é utilizada para indicar que o estudo da mente é em si mesmo um projeto científico respeitável.

Curiosamente, um de seus polos mais importantes é ocupado pela inteligência artificial - logo, o modelo computacional da mente é um aspecto dominante em toda a área.

 

6. MENTES SEM SELF

AS SOCIEDADES DA MENTE

Acabamos de ver, com certo detalhamento, que os cérebros são sistemas altamente cooperativos. No entanto, eles não são redes uniformemente estruturadas, pois consistem de muitas redes que são, estas mesmas, conectadas de formas diversas.

Como já esboçamos no caso do sistema visual, o sistema como um todo se assemelha a um mosaico de sub-redes reunidas por um processo complexo de composição, e não a um sistema fruto de um planejamento enxuto e unificado. Esse tipo de arquitetura sugere que, em vez de procurarmos por modelos unificados globais para todos os comportamentos de rede, deveríamos estudar várias redes cujas habilidades estão restritas a atividades cognitivas específicas, e então buscar formas de conectá-las.

Modelo da arquitetura cognitiva abstraído de detalhes neurológicos.

A tarefa, então, é organizar os agentes que operam nesses domínios específicos em sistemas eficazes maiores ou “agências”, e essas agências, por sua vez, em sistemas de nível mais alto. Desta forma, a mente surge como um tipo de sociedade

 

A mente não é uma entidade homogênea unificada

Quanto mais distribuídas estiverem as operações, mais

difícil será ter muitas delas ativas ao mesmo tempo, sem que uma interfira

na outra. Esses problemas não aparecem, entretanto, se existirem mecanismos

para manter as diversas agências isoladas umas das outras. Estas agências

ainda interagiriam, mas por meio de conexões mais limitadas como as

típicas do processamento simbólico sequencial.

 

 

duas disciplinas que examinam a experiência

sob perspectiva que não a das ciências cognitivas: a psicanálise, que

discutiremos brevemente, e a tradição de meditação da atenção/consciência,

que discutiremos mais extensivamente.

 

A SOCIEDADE DE RELAÇÕES OBJETAIS

Na teoria das relações objetais, como no trabalho de Melanie Klein,por exemplo, o processo de desenvolvimento mental básico é a internalização de uma ampla variedade de pessoas sob vários aspectos.

Horowitz reúne a teoria das relações objetais e as ciências cognitivas, descrevendo relações objetais internalizadas como esquemas interpessoais10. Esses esquemas e subesquemas agem de forma bastante semelhante aos agentes de Minsky.

A convergência entre a psicanálise, sob a forma da teoria das relações objetais, e o conceito de mente como uma sociedade, na inteligência artificial, é impressionante.

A psicanálise não é apenas teoria, mas é também uma prática. Os pacientes que se tratam com terapeutas de relações objetais aprendem a explorar suas mentes, seu comportamento e emoções em termos de relações objetais - eles passam a ver suas reações em termos de agentes internalizados.

Nós nos perguntamos se isto os leva a questionar seu sentido básico deself como um todo.

 

Em termos mais gerais, fica claro que a análise das relações objetais, como outras tradições contemplativas, descobriu a contradição entre a falta de um self que a análise descobre e nosso sentido continuado de self.

Uma discussão mais completa sobre essa fascinante ponte entre a psicanálise e as ciências cognitivas modernas - e eventualmente com a tradição da meditação - está, entretanto, fora do escopo deste livro.

 

O SURGIMENTO CO-DEPENDENTE

Se não temos self, como há coerência em nossa vida?

 

PASSOS PARA UM CAMINHO DO MEIO

7 A ANSIEDADE CARTESIANA

UM SENTIMENTO DE INSATISFAÇÃO

 

Reconduzindo os caminhos da ciência

Qual é de fato a base cientí-fica da ideia de que a mente é um tipo de mecanismo processador de infor-mações que responde seletivamente a padrões predeterminados do ambien-te? Por que assumimos que as ciências cognitivas não podem questionar essas noções de representação e processamento de informações, não apenas em termos filosóficos, mas também na sua pesquisa cotidiana

Sentidos da representação

Comecemos examinando o sentido relativamente fraco e incon-troverso de representação. Esse sentido é puramente semântico: ele se refe-re a qualquer coisa que possa ser interpretada como sendo a respeito de alguma outra. Esse é o sentido de representação como construção, conside-rando-se que nada é sobre nenhuma outra coisa sem de algum modo cons-truí-la. Um mapa - por exemplo, um mapa de alguma área geográfica - re-presenta certas características do terreno e então constrói aquele terreno como sendo de determinada forma.  Concebida como a recuperação ou a reconstrução de características ambientais extrínsecas e independentes.

Realismo cognitivo: Essa oposição é baseada na noção tradicional de representação como um “véu de ideias” que fica entre nós e o mundo.

Jerry Fodor, um dos mais proeminentes líderes e um dos representantes mais eloquentes do cognitivismo, chega a dizer que o único aspecto no qual o cognitivismo constitui um grande avanço sobre o representacionismo dos séculos XVIII e XIX é o seu uso do computador como um modelo da mente. Essa mudança de postura não expressa uma mera preferência filosófica; ela reflete a necessidade de compreendermos os sistemas cognitivos não com base nas relações entre informações (input) e comportamento (output), mas a partir de seu fechamento operacional.

Gostaríamos de salientar que, quando começamos a levar seria-mente em consideração essa concepção de mente, precisamos colocar em dúvida a ideia de que o mundo é predeterminado, e de que a cognição é representação. Nas ciências cognitivas, isso significa que devemos questio-nar a ideia de que as informações existem já prontas no mundo, e que são obtidas por um sistema cognitivo, como vivamente pressupõe a noção cog-nitivista de um informívoro.

A ANSIEDADE CARTESIANA: ou temos uma base fixa e estável para o conhecimento, um ponto onde o conhecimento se inicia, se baseia e se apoia, ou não podemos escapar de um certo tipo de escuridão, caos e confusão.

Mas além dessa pequena ilha(da verdade) existe um vasto e tem-pestuoso oceano de escuridão e confusão, terra natal da ilusão.

Esse sentimento de ansiedade surge a partir do forte desejo de um alicerce absoluto. Quando esse desejo não pode ser satisfeito, a outra única possibilidade parece ser o niilismo ou a anarquia.

Assim, quando hoje a ansiedade surge, parecemos incapazes de evitar o niilismo, pois não apren-demos a nos desapegar das formas de pensamento, comportamento e expe-riência que nos levaram a desejar uma fundação. (Nesse ponto, o papel da arte e de outros tipos de linguagem criativa é fundamental para atingir um nível de consciência mais sutil).

Na verdade o mundo é mais como um background - um cenário e uma área para toda a nossa experiência, mas que não pode ser encontrado separadamente de nos-sa estrutura, comportamento e cognição. Por essa razão, o que dizemos sobre o mundo fala tanto a respeito de nós mesmos quanto a respeito do mundo.

Entretanto, parecemos condenados por nos-sa constituição a tratar essas representações como se elas fossem o mundo, pois nossa experiência diária é sentida como se fosse a de um mundo de-terminado e imediato.

No final, o envolvimento de Minsky com a ansiedade cartesiana requer não só que acreditemos em um self que sabemos que não pode ser encontrado, mas também que acreditemos em um mundo ao qual não temos acesso. E, novamente, a lógica dessa desagra-dável situação leva inevitavelmente ao niilismo.

Em outras palavras, nossa ganância por um alicerce, seja ele interno ou externo, é a origem profunda de frustração e ansiedade.

Essa compreensão encontra-se no âmago da teoria e da prática do Madhyamika, ou escola do “caminho do meio” da tradição budista.

 

Fenomenologicamente, poderíamos fazer uma observação mais ou menos semelhante dizendo que a ausência de fundações é a própria condi-ção para o mundo ricamente estruturado e interdependente da experiência humana.

 

Existem então dois pontos fundamentais nos quais a análise filo-sófica de Madhyamika é diretamente relevante para nossas questões. Primei-ro, ela explicitamente reconhece que a -busca de uma fundação última - o que hoje poderíamos chamar de projeto de fundacionalismo - não é limitada a noção do sujeito e sua base no que chamamos de ego-self; ela também inclui nossa crença em um mundo predeterminado e já pronto. Essa noção, compreendida na Índia há muitos séculos e elaborada em ambientes cultu-rais diversos do Tibete, China, Japão e sudeste da Ásia passou a ser valori-zada na filosofia ocidental apenas nos últimos cem anos, aproximadamente. De fato, a maior parte da filosofia ocidental esteve preocupada com a ques-tão relativa ao lugar onde encontrar um alicerce definitivo, e não com um questionamento da própria noção de um alicerce definitivo, nem com o tornar-se atento para esse verdadeiro impulso de apegar-se a uma fundação.

 

A maior habilidade da cognição viva, entretanto, consiste em ser capaz de colocar, dentro de amplos limites, as questões relevantes que precisam ser abordadas a cada momento.      

 

 8 ATUAÇÃO: COGNIÇÃO INCORPORADA:   RECUPERANDO O SENSO COMUM

 

De fato, se desejamos recuperar o senso comum, então devemos in-verter a atitude representacionista e tratar o conhecimento dependente do contexto não como um artefato residual que pode ser progressivamente eliminado pela descoberta de regras mais sofisticadas, mas como, na verda-de, a própria essência da cognição criativa.

Mark Johnson: O insight central dessa orientação não-objetivista é a ideia de que o conhecimento é resultado de uma interpretação continua que emerge de nossas capacidades de compreensão. Essas capacidades estão enraizadas nas estruturas de nossa incorporação biológica, mas são vividas e experienciadas em um domínio de ação consensual e de história cultural.

Aquele que conhece e aquilo que é conhecido - a mente e o mundo - se relacionam através da mú-tua especificação ou coorigem dependente.

A AUTO-ORGANIZAÇÃO REVISITADA

Ideia de mente como uma rede emergente e autônoma. Autômatos celulares Bittorio - uma grelha infinita e regular de células. Esses sistemas autônomos contrastam nitidamente com sistemas cujo acoplamento com o ambiente é especificado por meio de relações de input/output. O computador digital é o exemplo mais conhecido desse ultimo tipo de sistema.

As Cores como Estudo de Caso: as cores tem uma significação perceptiva e cognitiva imediata na experiência humana.

Como a aparência das cores é gerada: canais cromáticos e acromáticos, únicos e binários.Matiz, saturação e brilho.

Caso de acromatopsia cerebral adquirida. Como resultado, ele achava a comida nojenta e as relações sexuais impossí-veis de manter. Não podia mais imaginar as cores visualmente, nem podia sonhar a cores.

Cor como categoria experiencial – penso nas cores de Degas ou Van Gogh...

As cores que ve-mos devem estar localizadas não em um mundo dado previamente, mas em um mundo percebido e produzido em nosso acoplamento estrutural.

 

ASPECTOS LINGUÍSTICOS DAS CORES

 

As 11 categorias básicas de cores são universais perceptivos humanos. Há exemplos que mostram que a categorização das cores como um todo depende de uma hierarquia imbricada de processos perceptivos e cognitivos, alguns específicos da espécie e outros da cultura.

Contrariamente a visão objetivista, as categorias de cores são experienciais; contrariamente a visão subjetivista, as categorias de cores pertencem ao nosso mundo bio1ógico e cultural compartilhado. Assim, as cores, como um estudo de caso, possibilitam-nos observar o fato óbvio de que a galinha e o ovo, o mundo e a pessoa que o percebe, especificam-se mutuamente.

O organismo não pode ser adequadamente comparado a um teclado sobre o qual tocariam os estímulos exteriores, e no qual delineariam sua forma própria pela simples razão de que o organismo contribui para constituí-la.... – Merleau Ponty. 188

 

Na visão atuacionista, embora a mente e o mundo surjam juntos na atuação, sua maneira de surgir em qualquer situação particular não é arbitrário.

 

Psicanálise heideggeriana: Um tema como inferioridade e dominação, geralmente apenas uma dimensão dentre as muitas utilizadas por um indivíduo para definir seumundo, torna-se fixado, por meio de uma experiência precoce, de forma a tornar-se a única maneira pela qual a pessoa pode experienciar-se a si mes-ma no mundo.

 

Convidamos o leitor a refletir sobre a forma que uma psicanálise reincorporante deveria assumir. Tema muito interessante.

A cognição não é simplesmente uma questão de representação, mas depende de nossas capacidades incorporadas para a ação.

Evolução e cognição: exemplo do terno de João: De fato, a pr6pria decisão de comprar um temo não é especificada de fora como um problema, mas a constituida pela situação global de sua vida.

Concepção pós-darwinista do processo evolutivo: a enorme diversidade constantemente gerada em todos os níveis nos processos genético e evolutivo tanto molda quanto e moldada pelo acoplamento com o ambiente.

 

LIÇÕES DA EVOLUÇÃO COMO DERIVA NATURAL: Não são apenas histórias de adaptação, mas histórias de deriva natural. Processo de co-evolução. Os morcegos enxergam no escuro e as abelhas veem os raios ultravioleta das flores.

 

DEFININDO A ABORDAGEM ATUACIONISTA

Como podemos ver agora, situar a cognição como ação incorporada dentro do contexto da evolução como deriva natural oferece uma visão das capacidades cognitivas como inextricavelmente ligadas a histórias que são vividas, algo bem parecido com os caminhos que existem apenas na medida em que são abertos com o caminhar.(Heidegger – Ser e Tempo). Intencionalidade.

 

Pergunta 1: O que é a cognição?

Resposta: Atuação: uma história de acoplamento estrutural que produz um mundo.

Pergunta 2:Como funciona?

Resposta: Por meio de uma rede consistindo de níveis múltiplos de sub-redes sensório-motoras interconectadas. .

Pergunta 3: Como sei quando um sistema cognitivo está funcionando adequadamente?

Resposta: Quando ele passa a ser parte de um mundo continuado existente (como os jovens de todas as espécies fazem) ou molda um novo mundo (como ocorre na história da evolução).

 

V - MUNDOS SEM FUNDAÇÃO

10. O CAMINHO DO MEIO

EVOCAÇÕES DA AUSÊNCIA DE FUNDAÇÃO

 

Quando tentamos encontrar a fundação objetiva que ainda acreditávamos estar presente, encontramos um mundo atuado por nossa história de acoplamento estrutural.

O ponto principal desta filosofia (MADYAMIKA) é a vacuidade dos fenômenos (sânsc. dharma-shunyata). Segundo Nagarjuna, o vazio (sânsc. shunya) é a ausência de uma essência, de uma existência inerente (sânsc. svabhava). A ausência de uma essência não significa que os fenômenos não existam, e sim que eles são destituídos de "existência própria", de uma "natureza própria", e que eles "existem" apenas em dependência de causas, partes e condições (originação dependente ou pratitya samutpada). O nirvana (incondicionado) e o samsara (condicionado) seriam igualmente vazios.

As coisas são geradas co-dependentemente, são completamente sem fundação. O mundo e o self mudam a cada momento.

Mas o que tudo isso significa pro mundo cotidiano?

Duas verdades: verdade da convenção mundana e suprema verdade.

 

P. 246:  Dimensoes éticas da ausência de fundação. Raízes da doença: noção de que independente de qualquer contribuição feita pela linguagem ou pela mente.

A verdade última não pode ser ensinada separadamente das práticas do dia-a-dia. Sem compreender a verdade última a liberdade (nirvana) não e alcançada.

Esses dois extremos, o absolutismo e o niilismo, nos afastam do mundo vivido. No caso do absolutismo tentamos fugir da experiência real invocando fundações para dar a nossas vidas um sentido de justificativa e objetivo. No caso do niilismo, fracassando nessa busca, negamos a possibilidade de trabalhar com nossa experiência cotidiana de uma maneira libertadora e transformadora.

A mente corpórea - Varela et al.

Parte IV - Passos para uma vida intermediária

 

VII - A ansiedade cartesiana

Com a retomada do livro, após conceituar e introduzir importantes conceitos iniciais (tais como a circularidade da reflexão e a experiência humana), obtidos por meio da atenção/consciencialização, e apresentar as disciplinas que formam o cognitivismo (cognitivismo, emergência e enação) os autores passam a apresentar  as razões para a insatisfação perante o pensamento cartesiano e o seu determinismo e o representacionismo exacerbado, gerando com isso um isolamento entre a mente e o mundo, com isso tentando eliminar a noção de espelho da natureza, termo cunhado por Porty.

A visão de representação passa a ser detalhada e separada em duas correntes: a representação construção (fraca e amplamente aceita onde o mundo passa a ser representado de uma certa forma) e a representação pura (forte e controversa, partindo de um mundo pré-estabelecido que acarreta em compromissos com a epistomologia e a ontologia). O representacionismo foi um termo apresentado inicialmente por Descartes e Locke e tendo Fodor como um expoente máximo desta visão e do cognitivismo. Para Minsky, por sua vez, o processo da mente leva de um estado para outro isoladas dos próprios estados, processos que transformam a si próprios, fabricando assim uma noção de si mesmo. Kant foi outro filósofo a tentar ampliar o pensamento para algo mais transcendental, porém, de forma pessimista afirma que talvez o homem nunca saiba como explorar tal natureza.

 

VIII Atuação: cognição corporalizada

Numa visão alternativa passa a ser considerada a cognição uma resolução de problemas, por meio de elementos, propriedades e relações entre elementos discretos e de tarefas. A hermenêutica filosófica, baseadas nas obras de Heidegger e Gadamer, interpretação da ciência da cognição por meio da atuação e da produção de significado a partir de um findo de conhecimento, inseparável da nossa linguagem e da nossa história, em suma, da nossa corporalidade.

A auto-organização passa a ser revista na sequência, apresentando o exemplo dos Bittorios, que por meio de acoplamento estrutural e de perturbações controladas passam a apresentar chaves de input-output que apresentam características emergentes e autônomas. A cor é outra exemplo apresentado em detalhes pelos autores, sendo apresentados os conceitos sobre esta propriedade, origem e características principais são apresentadas, sendo ao final da análise apresentada a ligação entre a cor e a cognição, uma vez que este aprendizado é uma ação corporalizada de cognição.

A posição da galinha e a posição do ovo oferece uma metáfora para a visão de pensamento baseada no exterior como deterministicamente estabelecido para a primeira, sendo na segunda adotada uma postura de que o cognitivismo projeta o seu próprio mundo, sendo este uma reflexão das leis internas do sistema.

O desejo pela sobrevivência faz a evolução e a seleção nautral faz com que as mudanças mais adaptadas possam ser repassadas para a gerações seguintes, garantindo assim a continuidade da espécie.

 

IX Elaboração de trajetórias evolucionárias e tendência natural

A visão de representação forte é noção central em grande parte da ciência cognitiva, tendo a adaptação como elemento central de grande parte da biologia evolucionária. O neodarwinismo está para a teoria evolucionária moderna como cognittivismo está para a ciência congnitivista. A herança do darwinismo pode ser destacada em: evolução como modificação gradual, material hereditário sofre diversificação e mecanismo central de modificação (seleção natural). O neodarwinismo surge nos anos 30 com a adição de novos ramos da ciência. A ligação e a pleitropia são importantes para esta renovação da teoria clássica de Darwin. O desenvolvimento e a tendência genética aleatória associados aos dois fatores anteriores acabam por gerar uma reformulação contemplando mais aspectos acarretam na evolução da cognição.

A ecologia, também denominada uma ciência nova, entra em congruência com o desenvolvimento da cognição, amplificando assim os efeitos desta evolução, gerando com isso uma tendência natural de evolução. A abordagem de atuação passa a ser estuda sob a óptica da ciência cognitiva, caracterizando assim a tendência de evolução em campos diversos como a Inteligência Artificial. Tal técnica computacional prevê a criação de sistemas autonômos e testá-lo no mundo real. Outra técnica destacada é a computação subsimbólica, apresentada por Smolensky.

 

Parte V - Mundos sem fundamentos

X A via intermediária

A folosofia ocidental avança até certo ponto, ficando preso ao realismo metafísico. Para evitar uma inércia cabe à ciência e à filosofia para alternativas que tenham foco em tradições como a Madhyamika, baseadas na atenção/consciencialização budistas. A escola Nagarjurana é fortemente baseada no budismo mahayana e varjayana que possui como pilares a refutação e a definição do ego-self e do ego dos fenômenos (dahrma). Ensinamentos da doutrina de Buda é composto pela verdade da convenção mundial (samvrti) e a verdade suprema (paramartha). O Zen adota uma postura mais contemplativa.

O pensamento contemporâneo apresenta uma ausência de fundamento, exarcebadas pela crítica e negativismo de Nietzsche e Heidegger. Não há meio alternativo, um caminho do meio, entre o objetivismo e o subjetivismo, sendo este último apresentado pelo interpretacionismo.

A ciência cognitiva de atuação representa um enorme potencial transformador, uma vez que apregoa o viver com ausência em um mundo sem fundações, vivido no dia-a-dia, entretanto esta se caracteriza apenas na teoria.

 

XI Estabelecendo uma via ao caminhar

Encerrando o ciclo proposto pelos autores o livro fecha com uma retomada do conteúdo apresentado no restante da obra, destacando o niilismo e a necessidade de um pensamento planetário associados ao objetivismo. A dicotomia entre o subjetivismo e o objetivismo é denominada campo de consciência por Nishitani Keiji.

A ética e a transformação humana têm papel preponderante nas ciências sociais e na geração de um mundo com mais compaixão e mais voltado para o planetário, formando uma rede interligada entre todos os seres.

 

Robson Junqueira da Rosa

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA E GESTÃO DO CONHECIMENTO

DISCIPLINA COMPLEXIDADE, CONHECIMENTO E SOCIEDADES EM REDE

Prof. Ayres Rover, Dr.

Tutora Mariana Mezzaroba

Aluna Ivana M. Fossari

Livro: A MENTE CORPÓREA - CIÊNCIAS COGNITIVAS E EXPERIÊNCIA

HUMANA

 FRANCISCO J. VARELA; EVAN THOMPSON; ELEANOR ROSCH.

7 A ANSIEDADE CARTESIANA

UM SENTIMENTO DE INSATISFAÇÃO

As ciencias cognitivas questionam a cientificidade da idéia de que a mente é um tipo de mecanismo processador de informações que responde seletivamente a padrões predeterminados do ambiente sob a égide dos termos filosóficos e na pesquisa cotidiana. As ideias que envolvem a representação e o processamento de informações mudam consideravelmente, como nos estudos das redes conexionistas, da auto-organização e das propriedades emergentes.

Na abordagem do cognitivismo o realismo é explícito e defendido, já na abordagem da emergência o realismo com frequência torna-se simplesmente tácito e inquestionado, o que reresenta um dos maiores perigos enfrentados pelas ciências cognitivas por tratar-se de uma postura não reflexiva.

Uma reflexão  sobre as raízes científicas e filosóficas da própria ideia de representação traz não apenas  noções de computação e processamento de informações correntes nas ciências cognitivas, mas na tendência filosófica geral de ver a mente como um reflexo da natureza.

A REPRESENTAÇÃO REVISITADA

A representação para o cognitivismo possui dois sentidos , como um construto no sentido de construção, ou,  pela hipótese de que um sistema age com base nas suas representações internas.

No sentido puramente semântico a representação se refere a qualquer coisa que possa ser interpretada a respeito de alguma outra, ou seja como uma construção. O autor usa o exemplo de um  mapa de alguma área geográfica que  representa certas características do terreno e então constrói aquele terreno como sendo de determinada forma.

Neste sentido a  representação é fraca, porque não necessita de qualquer compromisso epistemológico ou ontológico forte,  é perfeitamente aceitável falar de um mapa que representa um terreno sem pensar de que maneira os mapas adquirem seu significado.

Na perspectiva  ontológica e epistemológica  assumimos que o mundo é predeterminado, possui características especificas antes de qualquer atividade cognitiva. Para explicar a relação entre essa atividade cognitiva e um mundo predeterminado, hipotetizamos a existência de representações mentais no interior do sistema cognitivo. Temos então uma teoria consolidada que diz: (1) o mundo é predeterminado; (2)nossa cognição é sobre esse mundo, e (3) o modo pelo qual conhecemos esse mundo predeterminado é representando suas característicase então agindo com base nessas representações.

Na versão cognitivista um  mapa é um sistema de representações inatamente  especificado - algumas vezes chamado de “linguagem do pensamento” e a  ontogenia se encarrega de ensinar como utilizá-lo.

A representação é um processo complexo, concebida como a recuperação ou a reconstrução de características ambientais extrínsecas e independentes. Numa  pesquisa sobre a visão, por exemplo, fala-se de “recuperar a forma a partir do sombreamento” ou “cor a partir da luminosidade”,  características estas que são consideradas propriedades extrínsecas do ambiente que oferecem as informações necessárias para a recuperação de propriedades “mais altas” da cena visual, como forma e cor.

A ideia de mente como um mecanismo de input-output  processando as informações vem sendo substituída lentamente pela ideia de mente como uma rede emergente e autônoma de relações.

Até  algum tempo era possível  avaliar as máquinas e os processos pela forma como eles transformavam materiais brutos em produtos finais, mas hoje não faz sentido a metáfora do corpo como máquina em que o  cérebro fosse responsável por fabricar os pensamentos da mesma forma como as fábricas produzem carros. Hoje sabemos que diferentemente das máquinas, os cérebros utilizam processos que modificam a si mesmo, produzem memórias que modificam nossa forma de pensar.

Uma importante e ampla mudança está começando a ocorrer nas ciências cognitivas em decorrência de sua própria pesquisa, essa mudança afasta a ideia do mundo independente e extrínseco e se aproxima da ideia de um mundo inseparável da estrutura desses processos de auto modificação.

A ANSIEDADE CARTESIANA

 A ansiedade surge a partir do dilema: ou temos uma base fixa e estável para o conhecimento, um ponto onde o conhecimento se inicia, se baseia e se apoia, ou não podemos escapar de um certo tipo de escuridão, caos e confusão. Ou existe uma base ou fundação absoluta ou tudo vai por água abaixo.

O desejo de um alicerce absoluto produz essa ansiedade. Ao tratar a mente e o mundo como polos opostos – o subjetivo e o objetivo-,  a ansiedade cartesiana oscila indefinidamente entre os dois na busca de uma fundação.

Quando partimos em busca de outros modos de pensar, a ansiedade cartesiana aparece perseguindo todos os nossos passos. Além disso, nossa situação atual é também única, pois nos tornamos cada vez mais céticos em relação a possibilidade de conhecer qualquer fundação última.

PASSOS PARA UM CAMINHO DO MEIO

O nosso apego a um mundo interno é a essência do ego-self e fonte de continua frustração, que surge a partir do apego a um mundo interno. A busca incessante  por um alicerce, seja ele interno ou externo, é a origem profunda de frustração e ansiedade.

A Madhyamika, ou escola do “caminho do meio” da tradição budista  compreende essa tendencia para o controle como a raiz dos dois extremos, do “absolutismo” e do “niilismo”. Primeiro, a mente apegada nos leva a busca de um alicerce absoluto o que quer que seja, interno ou externo, que em função de seu “próprio ser” possa ser o apoio e a fundação de todo o reto. Então, frente à sua incapacidade de encontrar qualquer fundação última, a mente apegada recua e adere a ausência de um alicerce tratando todo o resto como ilusão.

A tendência habitual é continuar a tratar a cognição como uma resolução de problemas no domínio de alguma tarefa predeterminada. A maior habilidade da cognição viva, entretanto, consiste em ser capaz de colocar, dentro de amplos limites, as questões relevantes que precisam ser abordadas a cada momento. Essas questões e preocupações não são predeterminadas, mas são atuadas a partir de um background de ação, onde o que conta como relevante é contextualmente determinado por nosso senso comum.

8. ATUAÇÃO: COGNIÇÃO INCORPORADA

RECUPERANDO O SENSO COMUM

Os diferentes tipos de realismo cognitivo : cognitivismo, emergência e sociedades da mente supõem  o mundo como divisível em regiões discretas de elementos e tarefas. A cognição consiste na resolução de problemas que deve, para ser bem-sucedida, respeitar os elementos, as propriedades e as relações dessas regiões predeterminadas. Um  exemplo como o jogo de xadrez, em que os espaços e movimentos são bem definidos, tornam possível que se jogue pelo computador. Já outras tarefas são menos possíveis como na situação de um robô “dirigindo” na cidade, a quantidade de dados e caracteristicas indefinéis dificulta em muito a ação.

Na década de 1970,  ficou claro para muitos que trabalham com as ciências cognitivas que mesmo a ação cognitiva mais simples requer uma quantidade aparentemente infinita de conhecimentos que precisa ser dado passo a passo para o computador. A esperança cognitivista inicial de criar um solucionador geral de problemas deu lugar aos programas que funcionariam em domínios locais de conhecimento, nos quais problemas de pequena escala poderiam ser solucionados, e o programador poderia colocar na máquina tanto conhecimento de background quanto fosse necessário.

Diante da constatação de que o  nosso mundo vivido não tem fronteiras predefinidas, parece irreal esperarmos captar a compreensão do senso comum sob a forma de uma representação. Para recuperar o senso comum, devemos inverter a atitude representacionista e tratar o conhecimento dependente do contexto não como um artefato residual que pode ser progressivamente eliminado pela descoberta de regras mais sofisticadas, mas como, na verdade, a própria essência da cognição criativa.

A AUTO-ORGANIZAÇÃO REVISITADA

As ciências cognitivas lentamente se afastaram da ideia de mente como um aparato de input-output que processa informações e caminharam em direção a ideia de mente como uma rede emergente e autônoma.

Nosso exemplo é baseado no autômato celular simples que introduzimos para exemplificar como os sistemas exibem propriedades emergentes quando dotados de arquiteturas em rede. Na abordagem anterior, esses autômatos celulares eram entidades completamente disjuntas, e com isso seus estados emergentes não eram restringidos por uma história de acoplamento com um mundo adequado. Enriquecendo nossa abordagem para incluir essa dimensão do acoplamento estrutural, podemos começar a avaliar a capacidade de um sistema complexo para atuar um mundo.

Pelo exemplo dado do Bittorio ( celulares simples) e suas conexões, é possível reconhecer a emergência de um tipo mínimo de significação apenas com a forma simples de autonomia (fechamento) e acoplamento dado ao Bittorio. A partir do exemplo pode-se imaginar quão ricas e complexas variedades de significação podem ser produzidas por células vivas ou redes celulares complexas, como o cérebro e o sistema imune. Embora muito mais complexos e intrincados, esses sistemas, todavia, compartilham com o Bittorio as propriedades de ser autônomo (ter fechamento operacional) e ser acoplado estruturalmente.

As interações que ocorrem num sistema vivo  diferem daquelas  cujo acoplamento com o ambiente é especificado por meio de relações de input/output como no caso do computador digital em que o significado de uma dada sequência do teclado é sempre estabelecido pelo programador. Somente em algumas situações bem específicas pode-se especificar a operação de uma célula ou de um organismo por meio de relações de input/output. No geral as interações que ocorrem para um sistema vivo não são  prescritas de fora, mas resultam da organização e da história do próprio sistema, como no caso das doenças auto-imunes, das intolerâncias.

AS CORES COMO UM ESTUDO DE CASO

O estudo das cores oferece um microcosmo das ciências cognitivas, pois disciplinas  como :  neurociências, psicologia, inteligência artificial, linguística e filosofia - trouxeram importantes contribuições para nossa compreensão das cores.  E,  as cores tem uma significação perceptiva e cognitiva imediata na experiência humana. Por essas duas razões, as cores oferecem um domínio  paradigmático no qual nossas preocupações geminadas, com a ciência e a experiência humana naturalmente se interseccionam.

A APARÊNCIA DAS CORES

Existem duas características importantes na estrutura da aparência das cores. Primeiro, todas as cores que vemos podem ser descritas como alguma combinação de seis cores básicas: vermelho, verde, amarelo, azul, preto e branco. Segundo, a aparência das cores varia em três dimensões - o matiz, a saturação e o brilho.

Para cada matiz único existe outro matiz único com o qual ele não pode coexistir para formar um matiz binário. Assim, o vermelho não pode coexistir com o verde, e o amarelo não pode coexistir com o azul. O vermelho e o verde são , portanto, conhecidos como matizes oponentes, da mesma forma que o azul e o amarelo.

Matiz diz respeito a quantidade  das cores primárias (vermelho, verde, amarelo e azul ) estão presentes numa cor secundária,  são os quatro matizes fundamentais ou psicologicamente únicos, que combinam para formar matizes complexos ou psicologicamente binários. O branco e o preto, assim como as tonalidades intermediarias de cinza, são cores, mas não possuem matizes, são conhecidas como cores acromáticas. e seu matiz. As cores saturadas tem um maior grau de matiz e as não saturadas são mais próximas do cinza. O brilho é a dimensão final da aparência da cor e variam de ofuscantes até foscas.

A teoria do processo oponente estuda a organização das matizes em pares mutuamente exclusivos ou oponentes e a estrutura da aparência das cores.

“Na retina existem três mosaicos diferentes, mas entremesclados, de células cone, cujas curvas de absorção de fotopigmentos sobrepostos tem seu pico em torno de 560, 530 e 440 nanômetros, respectivamente. Esses três mosaicos de cones constituem os chamados receptores de onda Longa (L), onda media (M) e onda curta (C). Os processos excitatórios e inibitórios nas células pós-receptoras possibilitam que os sinais desses receptores sejam comparados por acréscimo e/ou subtração”.

AS CORES COMO UM ATRIBUTO PERCEBIDO

As cores estão espacialmente localizadas, a luz refletida em determinada área pode correlacionar uma cor. Assim, se alguma área parece mais branca que outra, deve ser porque mais luz é refletida daquela área. Ou se uma determinada área parece verde, deve ser porque a área reflete predominantemente luz de ondas médias. Se não conseguimos ver a área como verde nessa situação, então nossa percepção deve estar equivocada, e o que vemos deve ser uma ilusão.

Mas, ao observarmos mais de perto é possível perceber que simplesmente não existe uma relação direta entre o fluxo de luz de vários comprimentos de onda e as cores que vemos nas diferentes áreas. Quando a área é vista como parte de uma cena complexa, a luz que reflete localmente não é suficiente para predizer sua cor percebida. Assim, simplesmente não há correspondência direta entre a cor percebida e a luz localmente refletida.  Essa independência é manifestada em dois fenômenos complementares: primeiro a  constância aproximada das cores; e, segundo o contraste simultâneo das cores ou indução cromática. 

 As cores estão “lá fora” e “aqui dentro” e dependem de nossas capacidades perceptivas e cognitivas assim como mundo biológico e cultural a nossa volta . Na visão objetivista, as categorias de cores são experienciais; e, na visão subjetivista, as categorias de cores pertencem ao nosso mundo bio1ógico e cultural compartilhado.

A expressão ação corpórea utilizada pelo autor quer chamar a atenção para dois pontos: primeiro, que a cognição depende dos tipos de experiência decorrentes de se ter um corpo com várias capacidades sensório-motoras, e segundo, que essas capacidades sensório-motoras individuais estão elas mesmas, embutidas em um contexto biológico, psicológico e cultural mais abrangente.

As estruturas cognitivas surgem de padrões recorrentes de atividade sensório-motora , que Piaget nominou de  reações circulares ao observar o desenvolvimento sensório motor de um recém nascido, e a construção do seu mundo dentro do mundo.

O RECUO PARA A SELEÇÃO NATURAL

As operações neurais cooperativas subjacentes a nossa percepção das cores resultaram da longa evolução biológica do grupo primata. São operações que determinam parcialmente as categorias de cores básicas comuns a todos os seres humanos.

9. A CONSTRUÇÃO DO CAMINHO EVOLUTIVO E A DERIVA NATURAL

ADAPTACIONISMO: UMA IDEIA EM TRANSIÇÃO

A noção de adaptação é central em grande parte da biologia da evolução recente. Entretanto, nos últimos anos surgiram muitas críticas ao chamado programa adaptacionista.

 A herança do neo-darwinismo a partir do próprio Darwin resumida em três questões básicas: (1) A evolução ocorre como uma modificação gradual dos organismos por descendência; ou seja, existe reprodução com hereditariedade; (2) Esse material hereditário constantemente passa por uma diversificação (mudança, recombinação); (3) Existe um mecanismo central para explicar como essas modificações ocorrem: o mecanismo da seleção natural. Este mecanismo opera pela seleção dos padrões (fenótipos), que lidam com o ambiente em que os organismos de fato se encontram de forma mais eficiente.

“A evolução como deriva natural é a contrapartida biológica da cognição como ação incorporada e, consequentemente, oferece também um contexto teórico mais abrangente para o estudo da cognição como um fenômeno biológico”.

PAREAMENTO E PLEIOTROPIA

Os genes estão claramente unidos, de modo que na verdade não é possível nem mesmo por meio da mais engenhosa transação - tratar um organismo como um mero conjunto de características ou traços, fato conhecido pelos biólogos como pareamento e pleiotropia.

Os efeitos pleiotropicos não são propriedades extravagantes de alguns poucos traços excepcionalmente complexos.  O genoma é uma rede altamente entremeada de efeitos reciprocos multiplos, mediados por repressores e desrepressores. exons a introns, genes saltatbrios, e mesmo proteinas estruturais. Os genes estão pareados e envolvidos em praticamente todas as vias metabólicas para o funcionamento organico do corpo, de forma a determinar que uma pessoa será sinistra ou dextra ou ainda desenvolverá a doença celíaca.

Alterações na continuidade do pareamento dos genes vão refletir no fenótipo. A degradação evolutiva traz a idéia de que a evolução ocorre pelo acúmulo paulatino de mudanças pontuais selecionadas.

DESENVOLVIMENTO

O processo do desenvolvimento estabelece a ligação entre o nascimento e a vida adulta. Na medida que o esquema embriológico e redes genéticas tomam-se mais familiares, as abordagens explicativas mais poderosas irão cada vez mais apelar para propriedades intrínsecas de auto-organizacao dessas redes, os fatores intrínsecos da evolução. Importante estar atento para não cairmos na tendencia “facil” de se opor à selecao natural, tomada como algo externo, as restrições ao desenvolvimento, tomadas como algo interno, pois essa dicotomia interno/externo não são de modo algum proveitosa, quando o que se quer é compreerder a evolução.

DERIVA GENÉTICA AO ACASO

A interrupcao do acaso, hoje em dia é amplamente reconhecido que existe um grau significativo de deriva genética aleatoria dentre as composições genéticas das populações de animais. Se um gene for selecionado de forma ativa, ele trará consigo - em uma especie de “efeito carona” - quaisquer outros que estiverem suficientemente proximos dele. Considerando-se que a posição dos cromossomos dificilmente esta ligada a efeitos epigeneticos, esses efeitos de proximidade são uma fonte consideravel de imprevisibilidade.

PARA ALÉM DO MELHOR EM EVOLUÇÃO E COGNIÇÃO

Em relação às questões  evolutivas e cognitivas , a  questão central permanece sendo que os processos evolutivos podem ser compreendidos pela ideia representacionista de que existe uma correspondência entre organismo e ambiente, proporcionada por restrições otimizadas da sobrevivencia e da reprodução.

O autor estabelece uma analogia com uma pessoa que vai comprar uma roupa,  pode  encomendar sob medida, numa concepção de mundo totalmente simbólico e represen-tacionista,a roupa será de acordo com as especificações exatas de suas medidas. Existe, no entanto, uma outra possibilidade  numa alternativa selecionista, que não exige tanto do ambiente, a pessoa  vai a uma  loja de departamentos e escolhe uma roupa que lhe sirva bem, não é sua medida exata mas está de acordo com seu tamanho e seu gosto. Percebe-se que ocorreram alguns critérorios ótimos de ajuste. A analogia admite, no entanto, um refinamento maior. A pessoa  não pode comprar uma roupa nova isola- damente dos demais acontecimentos de sua vida, sua roupa nova ao afetar sua aparencia, afeta também a relação com as outras pessoas da sua convivencia, envolve os fatores que estimularam a decisão de comprar a roupa não  especificada de fora como um problema, mas é constituida pela situação global de sua vida.

EVOLUÇÃO: ECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO EM CONGRUÊNCIA

0 organismo e o ambience não são na realidade determinados separadamente. O ambiente não é uma estrutura imposta aos seres vivos  do lado de fora, é uma criação desses seres. O ambiente não é um processo autônomo, mas um reflexo da biologia da especie.

Genes e o  ambiente são necessários para todas as características, herdadas ou adquiridas ,  mas não existe distinção inteligível entre as características herdadas  e adquiridas.  O que é necessario para a mudança evolutiva não são as características genéticamente codificadas em oposição às adquiridas, mas sistemas de desenvolvimento em funcionamento: genomas ecologicamente encaixados.

DEFININDO A ABORDAGEM ATUACIONISTA

Situar a cognição como ação incorporada dentro do contexto da evolução como deriva natural oferece uma visão das capacidades cognitivas como inextricavelmente ligadas à histórias que são vividas.  Consequentemente, a cognição não é mais vista como resolução de problemas com base em representações - ao contrario, a cognição em seu sentido mais amplo consiste na atuação ou na produção de um mundo por uma história viavel de acoplamento estrutural.

Um sistema cognitivo esta funcionando adequadamente quando ele passa a ser parte de um mundo continuado existente (como os jovens de todas as especies fazem) ou molda um novo mundo (como ocorre na história da evolucao).  A inovação mais significativa e que desde que as representacoes não desempenham mais um papel central, o papel do ambiente como fonte de informação rcflui para o background. Ele agora entra em explicações apenas nas ocasiões em que o sistema sofre colapsos ou passa por eventos que não podem ser satisfeitos por suas estruturas. Desse modo, a inteligencia deixa de ser a capacidade de resolver um problema a passa a ser a capacidade de entrar em um mundo de significados.

10 . O CAMINHO DO MEIO

EVOCAÇÕES DA AUSÊNCIA DE FUNDAÇÃO

Os mundos atuados por diversas histórias de acoplamento estrutural são acessíveis a invéstigação ao científica detalhada apesar de não terem uma fundação ou substrato fixo e permanente sendo assim, em última análise, destituidos de fundação. Devemos agora encarar diretamente essa ausência de fundação da qual tivemos multiplas evocacoes. Se nosso mundo não tem fundação, como devemos compreender nossa experiência cotidiana nele?

De fato, a problemática da ausência de fundação é o ponto focal da tradição Madhyamika, Budista,  que busca a conciencia pela meditação. A Madhyamika é chamado o caminho do meio. Ele evita os extremos do objetivismo e do subjetivismo, do absolutismo e do niilismo.

11. CONSTRUINDO O CAMINHO NO CAMINHAR

CIÊNCIA E EXPERIÊNCIA EM CIRCULACAO

A medida que as percepções, as relações e a atividade da mente se expandem e transformam-se em uma consciência atenta, podemos comecar a ter insights sobre a co-dependencia da ausência de fundações ultimas de nossa mente e de seu objeto, o mundo.

O mecanismo criado da  metáfora incorporada da ausência de fundação,  e , o da cognição como atuação, com sua imagem de acoplamento estrutural ao longo de uma história de deriva natural. Idealmente, esta imagem pode tanto influenciar a sociedade científica quanto a sociedade em geral, afrouxando ao mesmo tempo o poder do objetivismo e do subjetivismo, e encorajando a continuidade da comunicação entre ciência e experiência, experiência e ciência.

ÉTICA E TRANSFORMAÇÃO HUMANA

A VISÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

A preocupacao do cientista social é como conseguir adequar interesses particulares com os interesses da coletividade.

A tradição da atenção/consciência ou a ciência cognitiva da atuação pode contribuir para a compreensão desse retrato do interesse através de uma abordagem atenta e aberta da experiência mostra que a cada momento esse chamado self somente ocorre em relação ao outro. Se quero elogios, amor, fama on poder tent que haver um outro (mesmo que apenas irnaginario) para me elogiar, amar, conhecer. e se submeter a mim.

A ética da tradição da atenção/ consciência, e na verdade, a própria tradição da atenção/consciência são tao importantes para o mundo moderno. há uma descoberta profunda da ausência de fundação em nossa cultura - na ciência, nas humanidades, na sociedade e em determinadas incertezas do cotidiano das pessoas.

[Nesta parte do livro, apresenta-se a ideia de que não existem fundações sólidas, ou seja, o mundo não é uma "coisa" que é percebida pelo sujeito.

Os autores indicam que há duas correntes extremadas de compreensão da cognição que se originaram disso:

- o subjetivismo, que consiste na crítica absoluta ao conehcimento do mundo como objeto, mas que cai no problema de conceber um "sujeito" conhecedor isolado; critica a existência absoluta do objeto, mas não a do sujeito;

- o niilismo, que consiste em negar a existência, tanto do sujeito, quanto do objeto, mas em um sentido negativo, ainda buscando por uma explicação substituta ao objetivismo.

Os autores vêem como saída o reconhecimento de uma ausência de fundações (caminho do meio), em que nem o sujeito nem o objeto são a chave para uma realidade "absoluta". Seria a ideia de que a realidade é relacional, e não se pode tomá-la como uma constante que independe do sujeito ou do objeto.

Ela seria criada justamente nessa interação, em que tudo o que conhece entra em contato com o que é conhecido, e assim é incorporado pelo conhecimento.

Reconhecer essa ausência de fundações, segundo os autores, é um caminho que já estaria sendo trilhado pela sociedade oriental, em culturas budistas. Essa teoria levaria a reconhecer uma relacionalidade que resulta em um sentimento ético em relação ao mundo.

Segue fichamento:]

 

Qual é de fato a base científica da ideia de que a mente é um tipo de mecanismo processador de informações que responde seletivamente a padrões predeterminados do ambiente? Por que assumimos que as ciências cognitivas não podem questionar essas noções de representação e processamento de informações, não apenas em termos filosóficos, mas também na sua pesquisa cotidiana?

 

No cognitivismo, o realismo é pelo menos explícito e defendido; na abordagem da emergência, entretanto, com frequência torna-se simplesmente tácito e inquestionado. Essa postura não reflexiva é um dos maiores perigos enfrentados pelas ciências cognitivas - ela limita a gama de teorias e ideias possíveis, e impede perspectivas futuras mais amplas para a área.

 

Temos então uma teoria consolidada que diz: (1) o mundo é predeterminado; (2) nossa cognição é sobre esse mundo - mesmo se apenas parcialmente, e (3) o modo pelo qual conhecemos esse mundo predeterminado é representando suas características e então agindo com base nessas representações.

 

Nas mãos do realismo cognitivo, a noção de representação passa por uma mudança. O poder dessa mudança é que ela parece oferecer uma alternativa fora da oposição clássica entre realismo e idealismo.

 

Mas não faz sentido falarmos de cérebros como se eles fabricassem pensamentos da mesma forma como as fábricas produzem carros. A diferença é que os cérebros utilizam processos que modificam a si mesmo - e isto quer dizer que não podemos separar esses processos dos produtos que eles produzem. Em particular, os cérebros produzem memórias, que modificam a forma como iremos subsequentemente pensar.

 

Em um sistema operacionalmente fechado, os resultados de seus processos são os próprios processos.

 

Na verdade, é justo dizer que na década de 1970, depois de duas décadas de um progresso humilhantemente lento, ficou claro para muitos que trabalham com as ciências cognitivas que mesmo a ação cognitiva mais simples requer uma quantidade aparentemente infinita de conhecimentos, que simplesmente admitimos (é tão óbvio quanto invisível), mas que precisa ser dado passo a passo para o computador. A esperança cognitivista inicial de criar um solucionador geral de problemas teve que ser abandonada em favor de programas que funcionariam em domínios locais de conhecimento, nos quais problemas de pequena escala poderiam ser solucionados, e o programador poderia colocar na máquina tanto conhecimento de background quanto fosse necessário.

 

De fato, se desejamos recuperar o senso comum, então devemos inverter a atitude representacionista e tratar o conhecimento dependente do contexto não como um artefato residual que pode ser progressivamente eliminado pela descoberta de regras mais sofisticadas, mas como, na verdade, a própria essência da cognição criativa.

 

O termo hermenêutica originalmente se referia a disciplina que tratava da interpretação de textos antigos, mas foi ampliado para denotar todo o fenômeno da interpretação, compreendido como a atuação ou a produção de significado a partir de um background de compreensão. Em geral, mesmo quando os filósofos continentais contestaram explicitamente diversas suposições subjacentes a hermenêutica, eles continuaram discutindo detalhadamente como o conhecimento depende de estarmos em um mundo inseparável de nossos corpos, nossa linguagem e nossa história social - em resumo, de nossa incorporação.

 

O desafio que as ciências cognitivas colocaram para as discussões continentais, então, é estabelecer a ligação entre o estudo da experiência humana como culturalmente incorporada e o estudo da cognição humana em neurociências, linguística e psicologia cognitiva. Inversamente, o desafio colocado para as ciências cognitivas é questionar uma das pressuposições mais enraizadas de nossa herança científica, que é a noção de que o mundo é independente daquele que conhece.

 

Se somos forçados a admitir que a cognição não pode ser adequadamente entendida sem o senso comum, e que esse não é outra coisa senão nossa história corporal e social, então a inevitável conclusão é de que aquele que conhece e aquilo que é conhecido - a mente e o mundo - se relacionam através da mútua especificação ou coorigem dependente.

 

Esses sistemas autônomos contrastam nitidamente com sistemas cujo acoplamento com o ambiente é especificado por meio de relações de input/output. O computador digital é o exemplo mais conhecido desse último tipo de sistema. Aqui, o significado de uma dada sequência do teclado é sempre estabelecido pelo programador. Entretanto, sistemas vivos estão longe de pertencerem a essa categoria. Sob circunstâncias muito restritas, podemos falar como se pudéssemos especificar a operação de uma célula ou de um organismo por meio de relações de input/output. Entretanto, geralmente o significado dessa ou daquela interação para um sistema vivo não é prescrito de fora, mas é o resultado da organização e da história do próprio sistema. Vamos agora examinar alguns exemplos vivos.

 

Para facilitar a exposição, nossa discussão sobre as cores se dará em diversos estágios. Discutiremos primeiro como as próprias cores aparecem - o que poderia ser chamado de estrutura da aparência das cores. Discutiremos depois as cores como atributos percebidos das coisas no mundo. Finalmente, iremos considerar as cores como uma categoria experiencial. Gostaríamos de enfatizar que esses estágios não são encontrados separadamente na experiência: ela é moldada simultaneamente pelos três.

 

Nunca experienciamos uma cor que seja a combinação de vermelho e verde, ou amarelo e azul, porque os canais cromáticos não podem sinalizar simultaneamente “vermelho” e “verde”, ou “amarelo” e “azul”. A teoria do processo oponente também explica porque alguns matizes são
únicos e outros são binários. Matizes únicos resultam de um sinal de um canal cromático, enquanto o outro canal cromático é neutro ou balanceado. Por exemplo, o verde único resulta quando o canal vermelho-verde sinaliza “verde” e o canal amarelo-azul é neutro, de forma que ele não sinaliza nem “amarelo” nem “azul”.

 

Se de fato medirmos a luz refletida pelo mundo a nossa volta, descobriremos que simplesmente não existe uma relação direta entre o fluxo de luz de vários comprimentos de onda e as cores que vemos nas diferentes áreas. Suponhamos, por exemplo, que percebemos uma área como sendo verde. As áreas que parecem verdes tipicamente refletem uma alta porcentagem de luz de ondas médias e uma baixa porcentagem de luz de ondas longas e curtas.

 

quando a área é vista como parte de uma cena complexa, a luz que reflete localmente não é suficiente para predizer sua cor percebida

 

Como mencionamos quando discutimos a teoria do processo oponente, a luz que alcança o olho perturba três mosaicos diferentes, mas entre mesclados de cones que constituem três superfícies retinianas: os receptores C, M e L. Essas três superfícies retinianas não são de forma alguma idênticas ou homogêneas. Por exemplo, o receptor L tem, uma densidade de cones aproximadamente cinco vezes mais alta:que a do receptor C, e levemente menor que a do receptor M. Além disso, devido a conectividade interna da retina, as diferenças locais de atividade na superfície dos três receptores dependem do que acontece no resto da retina. Dessa maneira, valores
internos relativos são gerados.

 

Diferentemente da teoria tradicional de conjuntos, a teoria dos conjuntos fuzzy opera com conjuntos que admitem graus de pertinência. O grau de pertinência em um conjunto é especificado por uma função que atribui a cada membro do conjunto um valor entre 0 e 1. Assim, para as cores, as cores focais tem grau de pertinência 1 nas suas respectivas categorias, enquanto as cores não focais tem graus de pertinência entre 0 e 1. No modelo de Kay e McDaniel, as respostas neuronais vermelho-verde, amarelo-azul e preto-branco determinam diretamente as categorias básicas vermelho, verde, amarelo, azul, preto e branco. Laranja, roxo, marrom e rosa, entretanto, são “computados” ou “gerados” por operações cognitivas nessas respostas neuronais. Essas operações cognitivas correspondem a operação de interseção de um conjunto fuzzy.

 

Nossa intenção é desviar inteiramente dessa geografia lógica do interno versus externo, abordando a cognição não como recuperação ou projeção, mas como ação corpórea.

 

Vamos explicar o que queremos dizer pela expressão ação corpórea. Usando o termo corpórea queremos chamar a atenção para dois pontos: primeiro, que a cognição depende dos tipos de experiência decorrentes de se ter um corpo com várias capacidades sensório-motoras, e segundo, que essas capacidades sensório-motoras individuais estão elas mesmas, embutidas em um contexto biológico, psicológico e cultural mais abrangente3. Utilizando o termo ação queremos enfatizar novamente que os processos sensoriais e motores - a percepção e a ação - são fundamentalmente inseparáveis na cognição vivida. De fato, os dois não estão apenas ligados contingencialmente nos indivíduos: eles também evoluíram juntos.

 

Piaget delineou um programa que chamou de epistemologia genética: ele assumiu a tarefa de explicar o desenvolvimento da criança desde um organismo biológico imaturo, no nascimento, até um ser com raciocínio abstrato, na vida adulta. A criança começa apenas com seu sistema sensório-motor, e Piaget queria compreender como a inteligência sensório-motora evolui até a criança conceber um mundo externo com objetos permanentes localizados no espaço e no tempo, e até a concepção de si mesma tanto como um objeto dentre outros objetos quanto como uma mente interna.

 

Quando as pessoas ouvem falar dessa evidência de tetracromia, elas respondem perguntando “Qual são as outras cores que esses animais enxergam?” Essa pergunta é compreensível, mas ingênua, se entendida como sugerindo que os tetracromatas simplesmente são melhores em ver cores do que nós. Devemos lembrar, entretanto, que um espaço de quatro dimensões de cores é fundamentalmente diferente do tridimensional: estritamente falando, os espaços de dual cores são incomensuráveis, pois não existe um modo de mapear os tipos de distinções disponíveis em quatro dimensões com os tipos de distinções disponíveis em três dimensões sem deixar resíduos.

 

As regularidades ambientais são o resultado de uma história conjunta, uma congruência que se desenrola a partir de uma longa história de co-determinação. Nas palavras de Lewontin “o organismo é tanto o sujeito quanto o objeto da evolução”.

 

O que tudo isto significa não é que genes e ambiente são necessários para todas as características, herdadas ou adquiridas (a posição esclarecida corrente), mas que não existe distinção inteligível entre características herdadas (biológicas e com base genética) e adquiridas (mediadas pelo ambiente)... Uma vez eliminada a distinção entre herdado e adquirido, não apenas como extremos, mas mesmo corno um continuum, não se pode dizer que a evolução depende dessa distinção. O que e necessário para a mudança evolutiva não são as características geneticamente codificadas em oposição as adquiridas, mas sistemas de desenvolvimento em funcionamento: genomas ecologicamente encaixados.

 

Nossos sistemas nervosos centrais não estão adaptados a quaisquer leis absolutas da natureza, mas a leis da natureza que operam dentro de um quadro criado por nossa própria atividade sensorial.

 

Enquanto Gibson afirma que a percepção é detecção direta, afirmamos que é atuação sensório-motora. Assim, as estratégias de pesquisa resultantes são também fundamentalmente diferentes: os gibsonianos tratam a percepção em termos amplamente ópticos (embora ecológicos), e desta forma procuram construir a teoria da percepção quase inteiramente a partir do ambiente. Nossa abordagem, entretanto, ocorre pela especificação dos padrões sens6rio-motores que possibilitam que a ação seja perceptivamente orientada, e assim construímos a teoria da percepção a partir do acoplamento estrutural do animal.

 

Uma decomposição alternativa distingue entre sistemas periféricos, como a visão, e sistemas centrais. Ao contrário, o fatiamento fundamental de um sistema inteligente encontra-se na direção ortogonal, dividindo-o em subsistemas de produção de atividade. Cada sistema de produção de atividade ou comportamento individualmente conecta sensibilidade e ação. Referimo-nos a um sistema de produção de atividade como uma camada. Uma atividade é um padrão de interfaces com o mundo. Outro nome para nossas atividades pode ser habilidade, enfatizando que cada atividade pode, pelo menos post facto, ser vista como perseguindo algum objetivo.

[ideia de camadas como sistemas que se interconectam sem um nó central, em que cada camada se conecta à próxima]

 

A própria condição de um “sujeito que vê”, a própria ideia de um sujeito “ver” não pode ser separada das “coisas que ele vê”. E vice-versa, como pode o que está sendo visto ser separado do sujeito que vê?

 

A questão de Nagarjuna não é nem dizer que as coisas não existem de forma absoluta nem dizer que elas existem. Elas são geradas co-dependentemente, são completamente sem fundação.

 

Nosso exemplo final é particularmente significativo, na medida em que tem origem no cerne das próprias ciências cognitivas. O que um cognitivista moderno faz se sua experiência o leva a abordar o entre-deux - o fato de que a experiência vivida do mundo está entre o que pensamos ser o mundo e o que pensamos ser a mente? Ele foge para a teoria - o meio cientifico de hoje não lhe dá outra opção.

 

Uma das formas mais sedutoras de subjetivismo no pensamento contemporâneo é o uso do conceito de interpretação, seja pelos pragmatistas ou pelos hermenêuticos. A seu favor, o interpretacionismo proporciona uma crítica penetrante do objetivismo que vale a pena perseguir detalhadamente. Para ser objetivo, o interpretacionista diz, precisaríamos ter algum conjunto de objetos independentes da mente, a serem designados pela linguagem ou conhecidos pela ciência. Mas podemos encontrar esses objetos?

 

Apesar dessa crítica direta ao objetivismo, o argumento nunca a feito no sentido contrário. Objetos inpendentes da mente são questionados, mas mentes independentes de objetos nunca o são. Na realidade é mais óbvio e psicologicamente mais fácil atacar a independência dos objetos que a da mente. Os interpretacionistas - pragmatistas ou não - tampouco questionam a ausência de fundação dos próprios conceitos e interpretações; ao contrário, eles a tomam como o fundamento sobre o qual se baseiam. E isso está muito distante de um entre-deux e do Madhyamika.

 

Como Merleau-Ponty, enfatizamos que uma apreciação adequada desse sentido duplo de incorporação oferece um caminho do meio ou um entre-deux entre os extremos do absolutismo e do niilismo. Ambos os extremos podem ser encontrados nas ciências cognitivas contemporâneas.

 

Uma parábola contada no artigo de Hardin “The Tragedy of the Commons”, assombra a pesquisa social relacionada a preocupações éticas. A parábola descreve uma situação na qual Alguns pastores pastoreiam seus rebanhos em uma pastagem coletiva. Cada pastor sabe que lhe é interessante aumentar o tamanho de seu rebanho pois, enquanto cada animal adicional lhe traz benefícios, o custo de sua alimentação e o dano causado a pastagem e dividido por todos os pastores. Como resultado, cada um dos pastores racionalmente aumenta o tamanho de seu rebanho até que as pastagens coletivas sejam destruídas, e, com elas, todos os rebanhos que nelas se alimentam. A preocupação do cientista social e como conseguir que um grupo de pastores com interesses individuais racionalmente coopere na manutenção das pastagens comuns esgotáveis.

 

A abordagem atenta e aberta da experiência mostra que a cada momento esse chamado self somente ocorre em relação ao outro.

 

Se o pensamento planetário requer que incorporemos a compreensão da falta de fundações em uma cultura científica, a construção planetária requer a incorporação da preocupação com o outro com quem nós atuamos um mundo. A tradição da atenção/consciência oferece um caminho pelo qual isso pode ser realmente feito.

 

E a ansiedade por um feedback - a resposta do outro - que provoca tensão e inibição em nossa ação. Quando a ação é efetivada sem a mentalidade empresarial econômica, então pode haver relaxamento. Isto é chamado de “generosidade suprema” (ou transcendental).”

 

Os resultados do caminho do aprendizado atento e aberto são profundamente transformadores. Ao invés de ser incorporado - mais precisamente reincorporado momento a momento - a partir do esforço, do hábito e do sentido de self, o objetivo é tornar-se incorporado a partir da compaixão pelo mundo.

 

Considerar a ausência de fundação como negativa, como uma perda, leva a um sentido de alienação, de desespero, de “perda do coração” e niilismo. A cura geralmente adotada em nossa cultura consiste em encontrar um novo fundamento, ou retornar para velhos alicerces. A tradição da atenção|consciência indica o caminho para uma resolução radicalmente diferente. No budismo, temos um estudo de caso mostrando que quando a ausência de fundação é abraçada e seguida até suas últimas consequências, o produto é um sentido incondicional de bondade intrínseca que se manifesta no mundo como compaixão espontânea.

Lahis Pasquali Kurtz

Mestra em Direito