Comentários acerca do projeto de lei que estabelece nova disciplina ao crime de embriaguez ao volante previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro


Porbarbara_montibeller- Postado em 13 março 2012

Autores: 
OLIVEIRA, Wagner Martins Carrasco de

RESUMO:

 

            O presente visa analisar o Projeto de Lei 48/2011, do Senado Federal, encaminhado à Câmara dos Deputados para votação (Projeto de Lei 2.788/11), o qual traz modificações ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, que define o crime de “Embriaguez ao Volante”, endurecendo o tratamento dado aos motoristas que forem surpreendidos em estado de embriaguez, levando em consideração as consequências provocadas, bem como, elencar outros meios probatórios da embriaguez, além de, traçar um sucinto panorama sobre as recentes modificações legislativas, no que tange à aplicação do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, principalmente no que concerne a sua última modificação, por meio da intitulada “Lei Seca”, ocorrida com o advento da Lei 11.705/2008, que pela sua ineficácia e dificuldade probatória quanto à alcoolemia do condutor do veículo automotor, foi objeto de calorosas discussões e repercussão geral.

 

ABSTRACT

 

This aims to examine the Bill 48/2011, the Senate, sent to the Chamber of Deputies to vote (Bill 2.788/11), which brings modifications to Article 306 of the Brazilian Traffic Code, which defines the crime of "drunk driving", spent hardening treatment to motorists who are caught in a state of embriguez, taking into account the consequences caused, as well as other means to list evidence of the state of drunkenness, and, drawing a succinct overview of recent changes laws, regarding the application of Article 306 of the Brazilian Traffic Code, particularly with respect to its last modification, through titled "Prohibition", which occurred with the advent of Law 11.705/2008, which by its inefficiency and difficulty evidence about the state of drunkenness of the driver of a motor vehicle was the subject of heated discussions and general repercussion.

 

1-    O ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO COM SUA REDAÇÃO ORIGINAL

 

A Lei 9503/98, em sua redação original, ipsis literis, tipificava a conduta de condução de veículo automotor em via pública da seguinte forma:

 

Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:

 

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

 

            É possível verificar que o dispositivo incriminava a conduta daquele que trafegava conduzindo veículo automotor em via pública após ingestão de bebida alcoólica ou substâncias que produzam efeitos análogos, sem fixar uma concentração objetiva necessária da presença destas substâncias na corrente sanguínea do infrator.

 

            Outra peculiaridade contida neste dispositivo prende-se ao fato do legislador ter exigido expressamente que houvesse a exposição de um dano potencial a incolumidade de outra pessoa, donde podemos concluir acerca da possibilidade de caracterizá-lo como um crime de dano concreto.

 

2-    O ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO COM SUA REDAÇÃO ALTERADA PELA LEI 9.503/98.

 

O Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/98) sofreu recente alteração no ano de 2008, através da Lei 11.705/2008, em que fundamentalmente trouxe significativas alterações ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, sobretudo, considerando típica a conduta daquele condutor de veículo automotor que trafegue embriagado ou sob influência de substâncias psicoativas, porém, estabelecendo um patamar de alcoolemia igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue para a subsunção do fato à norma, conforme pode-se inferir do próprio texto legal:

 

Art. 306.  Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

 

Referida alteração, à época, foi objeto de intensa divulgação pela imprensa nacional, que tratava do assunto como se o legislador tivesse resolvido o problema relativo à Embriaguez ao Volante, por meio do que intitularam “Lei Seca”.

 

Passados alguns anos, percebeu-se que a modificação citada, não era suficiente para dirimir a problemática envolvendo motoristas embriagados que seifam vidas e promovem barbáries no trânsito por força dos efeitos do álcool, principalmente, pela dificuldade que se teve em estabelecer a concentração de álcool por litro de sangue, a fim de considerar todas as elementares do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, haja vista, que após a divulgação da “Lei Seca” e suas discussões, o motorista se muniu de argumentos principiológicos que orientam o ordenamento jurídico, em especial, o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si (“nemo tenetur se detegere”) e passou a recusar-se a efetuar o teste com etilômetro e ao fornecimento de sangue, inviabilizando o estabelecimento da alcoolemia sanguínea.[1]

 

O artigo em testilha, vigente até o momento, tem como características o estabelecimento de um patamar objetivo de alcoolemia, e ainda, a ausência de previsão quanto à necessidade de produção de dano a outrem, diversamente do que dispunha a redação original do dispositivo em análise.

 

Assim, os meios probatórios ao estabelecimento de quantum de álcool por litro de sangue foram, num primeiro momento, restritos ao submetimento do motorista ao exame sanguíneo e ao teste de etilômetro (bafômetro), por força do previsto no parágrafo único do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.  Deste modo, este aspecto condicionava a tipificação do delito à vontade do motorista.

 

Posteriormente, a fim de robustecer os meios plausíveis de produção de provas, os laudos de exames clínicos elaborados pelos médicos legistas, do Instituto Médico Legal, em especial, no Estado de São Paulo, passaram a estabelecer, pautados em critérios técnicos, uma mensuração aos sinais apresentados pelo motorista, os quais, somados, são indicativos da alcoolemia do motorista acima ou abaixo do permitido legalmente em termos criminais, à luz do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro.

 

3-    O PROJETO DE LEI DO SENADO E A POSSÍVEL ALTERAÇÃO DO ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

 

Foi encaminhado à Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei do Senado, 48 de 2011, o qual visa trazer alterações ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro:

 

 “Art. 306. Conduzir veículo automotor sob influência de álcool ou de substância psicoativa que determine dependência:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º Se da conduta resultar lesão corporal:

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 2º Se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 3º Se da conduta resultar lesão corporal de natureza gravíssima:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 4º Se da conduta resultar morte:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 5º Aumenta-se a pena de um terço a metade se a condução se dá:

I – sem possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação ou, ainda, se suspenso ou cassado o direito de dirigir;

II – com Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação de categoria diferente da do veículo que esteja sendo conduzido;

III – nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas;

IV – transportando menor, idoso, gestante ou pessoa que tenha seu discernimento reduzido;

V – no exercício de profissão ou atividade, em veículo de transporte de passageiros ou cargas;

VI – em veículo que exija Carteira de Habilitação na categoria C, D ou E;

VII – em rodovias;

VIII – gerando perigo de dano.

§ 6º A caracterização do crime tipificado neste artigo poderá ser obtida:

I – mediante testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outros meios que, técnica ou cientificamente, permitam certificar o estado do condutor;

II – mediante prova testemunhal, imagens, vídeos ou a produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.” (NR)[2]

 

 

            Caso o projeto em tela seja aprovado pela Câmara dos Deputados e posteriormente sancionado pela presidente Dilma Roussef, o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, em seu caput, deixará de aplicar o critério objetivo de seis decigramas para considerar o amoldamento da conduta à norma legal, daquele que estiver em estado de embriaguez, neste sentido, trazendo similitude com o que a redação original do artigo em comento estabelecia.

 

            Mantém-se a posição legislativa atual, no diapasão de não ser necessária a produção de dano concreto a outrem em face da condução de veículo automotor, embriagado ou sob a influência de substância psicoativa.

 

            Pontuamos também que serão acrescentadas qualificadoras ao crime de “Embriguez ao Volante”, levando-se em conta o resultado provocado pela conduta, quer cause lesão corporal leve, grave ou gravíssima, ou ainda, morte.

 

            Ainda, a alteração legislativa inclui o § 5º ao artigo, estabelecendo causas de aumento de pena de um terço à metade em razão das circunstâncias elencados nos incisos I a VIII do referido parágrafo, quer sejam: a) em razão de ausência de habilitação ou permissão para dirigir ou com categoria diversa da exigida(I e II);  b) em razão do local em que está trafegando (III); c) em razão da característica das pessoas transportadas (IV e VII); d) em razão da atividade transporte de cargas ou pessoas ( V); e) em razão do tipo de veículo (VI); f) se gerar perigo de dano (VIII).

 

            Por derradeiro, o § 6º, incisos I e II do artigo 306 do Código de Trânsito, após ser sancionado, com o atual texto, elencará formas de demonstrar a embriaguez, quer sejam: testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outros meios, que técnica ou cientificamente, permitam certificar o estado do condutor, ou ainda, mediante prova testemunhal, imagens, vídeos ou a produção de quaisquer outras provas em direito admitidas.  Esta alteração é significativa e certamente trará discussões doutrinárias futuras, visto que, em face da alteração do caput do artigo em comento, não estabelecendo parâmetro de alcoolemia, e ainda, levando em conta os ditames processuais penais e a própria fórmula genérica usada pelo legislador (“outras provas admitidas em direito”), torna desnecessário elencar exemplificativamente os meios de prova.

 

4-      CONCLUSÃO

 

Os legisladores, ao que parece, viram-se obrigados a corrigirem a ineficácia da última alteração ao artigo em comento, propiciando uma subjetividade maior na análise do caso concreto e viabilizando a punição aos motoristas embriagados, com sanções mais elevadas que vão ao encontro do que hodiernamente vêm clamando a sociedade, tendo em vista que, a criminalização do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro vinha se mostrando desproporcional no sentido de dar uma resposta social.

 

Assim, resta-nos aguardar aprovação da Câmara dos Deputados e Sanção Presidencial, para à partir de então, analisarmos se o texto sancionado e a legislação que se imporá será apta a tutelar efetivamente os bens jurídicos que vêm sendo violados por força da conduta em testilha, bem como, poderemos detalhadamente analisar, em consonância com o que já dispomos na legislação, todos os aspectos jurídicos pertinentes ao tema.

 

REFERÊNCIAS:

 

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Legislação Penal Especial.  6ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza. Legislação Penal e Processual Penal Comentada.  2ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

http://www.senado.gov.br

http://www.camara.gov.br

 


 1- Ver: OLIVEIRA. Wagner Martins Carrasco. Aplicação do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro diante das alterações trazidas pela lei 11.705/08 (“Lei Seca”). Disponível em: http://jusvi.com/artigos/40421

 

 2- disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=99736&tp=1 / http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=5...