Breves considerações sobre a Teoria Marxista do Direito Internacional


PorJeison- Postado em 25 março 2013

Autores: 
NASCIMENTO, Marina Georgia de Oliveira e.

 

RESUMO: É facilmente perceptível o aumento da importância dada ao Direito Internacional no cenário corrente. Apesar de opiniões contrárias, que alegam tratar-se de um ramo em crise, o fato é que, hoje, os Estados têm se preocupado em justificar suas ações no âmbito internacional tendo em vista as premissas do Direito Internacional, com o intuito de conferir-lhes legitimidade. Exatamente em razão disso, é necessário abordar o Direito Internacional de modo a que seu caráter emancipatório seja elevado, dando voz às classes e grupos subalternos na produção da norma internacional. Os ideais marxistas podem fornecer importantes subsídios ao alcance desse objetivo.

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. O Conceito de Paradigma.2. A Ideia de uma História Alternativa: do Paradigma Dominante do Direito Internacional à Emergência da Crítica Marxista. 3. O Paradigma Dominante do Direito Internacional. 4. As características da Escola Marxista do Direito Internacional. 5. Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.

 

PALAVRAS-CHAVE: Paradigma; marxismo; teoria crítica; Direito Internacional; caráter emancipatório; classes subalternas; grupos subalternos.


 

1. INTRODUÇÃO. O Conceito de Paradigma

 

O Direito Internacional passa, hoje, por um período de transformação. Como se verá, não se defende, aqui, que se trata de ramo em crise; ao contrário, tem se observado, continuamente, um movimento dos Estados no sentido de buscar a legitimidade de suas ações a partir da subsunção destas aos ditames do Direito Internacional. Por outro lado, é razoável entender que estamos, atualmente, diante de uma situação de transição paradigmática no Direito e, como não poderia deixar de ser, também no Direito Internacional. Mas, cabe aqui perguntar: o que é paradigma?

 

Menelick de Carvalho Neto (1998, p. 236-237) nos informa que a definição do que seja paradigma pode ser depreendida da obra filosófica de Thomas Kuhn. Vejamos o raciocínio do autor:

 

O conceito de paradigma, como já tivemos a ocasião de afirmar, vem da filosofia da ciência de Thomas Kuhn. Tal noção apresenta um duplo aspecto. Por um lado, possibilita explicar o desenvolvimento científico como um processo que se verifica mediante rupturas, pela tematização e pela explicitação de aspectos centrais dos grandes esquemas gerais de pré-compreensões e visões de mundo, consubstanciados no pano de fundo naturalizado de silêncio assentado na gramática das práticas sociais, que a um só tempo tornam possível a linguagem, a comunicação, e limitam ou condicionam o nosso agir e a nossa percepção de nós mesmos e do mundo.

 

O conceito de paradigma, portanto, tem íntima relação com a visão de mundo de uma dada sociedade e, por isso, acaba informando a interpretação do Direito que vige e se aplica sob sua égide. Lastreando-se em tal definição, empreender-se-á uma tentativa de designar os principais traços do paradigma dominante do Direito Internacional e de buscar delineamentos para uma história alternativa que inspire a construção do paradigma emergente. É na construção do novo paradigma do Direito Internacional que é possível a utilização dos ideais marxistas para conferir a ele viés emancipatório.

 

2. A IDEIA DE UMA HISTÓRIA ALTERNATIVA: DO PARADIGMA DOMINANTE DO DIREITO INTERNACIONAL À EMERGÊNCIA DA CRÍTICA MARXISTA

 

A introdução de um pensamento crítico alternativo não é tarefa fácil. A essa constatação chegou Boaventura de Sousa Santos, para quem a grande dificuldade das ciências sociais repousa justamente na produção de uma teoria crítica. De fato, para o autor português:

 

Em resumo, as dificuldades em construir hoje uma teoria crítica podem formular-se do seguinte modo. As promessas da modernidade, por não terem sido cumpridas, transformaram-se em problemas para os quais parece não haver solução. Entretanto, as condições que produziram a crise da teoria crítica moderna não se converteram ainda nas condições de superação da crise. Daí a complexidade da nossa situação transicional, que pode resumir-se assim: enfrentamos problemas modernos para os quais não há soluções modernas[1].

 

Para B.S. Chimni, o Direito Internacional, hodiernamente, tem exercido um papel sem precedentes na criação e cristalização de desigualdades no sistema internacional, não mais se limitando a questões atinentes à guerra e à paz ou à diplomacia; hoje, continua o doutrinador, trata-se de ramo do direito capaz de influenciar o modo por meio do qual o espaço sideral e os oceanos serão utilizados, regulando, ainda, aspectos centrais da vida nacional nas esferas cultural, econômica e social[2]. Em outros termos, o Direito Internacional tem aumentado seu espectro de influência no sistema internacional, razão pela qual é difícil defender o posicionamento segundo o qual se trata de ramo em crise. Ainda assim, é importante observá-lo sob um viés crítico, analisando-se o seu caráter emancipatório. Acredita-se que a crítica marxista pode fornecer importantes subsídios para a presente análise.

 

Como ensina Brad Roth, a crítica marxista reside na ideia de que, numa sociedade dividida em classes, as instituições liberais não conseguem estender a todos os setores sociais os valores nos quais se baseiam, além de se inclinarem a reafirmar e reforçar a dinâmica estrutural da economia e da sociedade, mantendo as classes subordinadas nessas condições. Segundo o autor, a teoria liberal normaliza as injustiças associadas à manutenção e operação da ordem preponderante, enquanto identifica como excepcionais as respostas ocasionadas pelas contradições dessa mesma ordem[3]. Nesse contexto, é de extrema importância a tentativa de enumerar as principais características da crítica marxista do Direito Internacional, delineando, antes, os aspectos centrais do paradigma dominante.

 

3. O PARADIGMA DOMINANTE DO DIREITO INTERNACIONAL

 

O paradigma dominante do Direito Internacional baseia-se numa epistemologia de direito que dita a fragmentação das ciências sociais em relação à criação, implementação e interpretação do Direito Internacional, emprestando a essa área uma metodologia (o positivismo) que indica as práticas que devem ou não ser consideradas em sua vivência. Nesse sentido entende Chimni, que afirma ainda que a metodologia positivista exclui uma série de práticas sociais e políticas, considerando-as fora do Direito Internacional[4].

 

Chimni destaca que o paradigma dominante do Direito Internacional descreve a história do ramo como uma narrativa de progresso, de modo que os erros cometidos por ele no passado demonstram-se como mecanismo de bem comum, havendo, também, a crença de que todo aumento na regulação jurídica internacional constitui-se, necessariamente, como um passo em direção ao estabelecimento de uma ordem mundial mais justa[5].

 

Complementando, o mesmo autor preconiza o entendimento segundo o qual o Direito Internacional configura-se em um sistema de regras que pode ser objetivamente conhecido, interpretado e aplicado; por isso, disputas referentes à interpretação de uma dada norma internacional nunca são vistas (equivocadamente, diga-se) sob a ótica do poder[6].

 

Para Chimni, os defensores do paradigma dominante, mediante a negação da aplicação de uma visão crítica do Direito Internacional, não reconhecem a existência de obstáculos estruturais no sistema internacional que limitam o alcance do bem comum por meio do ramo jurídico em estudo, apesar de reconhecer que fatores como poder e interesse influenciam sobremodo o sistema internacional, esquecendo-se, nessa mesma linha, que há profundas estruturas que cristalizam a subordinação dos Estados e povos subalternos[7].

 

Assim, é imprescindível uma análise crítica do Direito Internacional para fins de fortalecer o que Chimni denominou, em sua obra, de classes subalternas, sugerindo que os ideais marxistas, apesar dos custos humanitários decorrentes de sua tradução para o mundo real, são capazes de oferecer os critérios necessários para se destacar o caráter emancipatório do Direito Internacional. Nesse ponto, estamos com Boaventura de Sousa Santos, para quem o marxismo é considerado como a teoria social que mais explora o potencial emancipatório da modernidade[8].

 

4. AS CARACTERÍSTICAS DA ESCOLA MARXISTA DO DIREITO INTERNACIONAL

 

De início, cumpre-nos destacar que o marxismo, na esteira do que preconiza Anthony Carty, oferece não uma Teoria do Direito Internacional, mas uma explicação atualizada acerca dos motivos pelos quais este campo do saber tem sofrido violações sistêmicas e estruturais[9]. Aqui, é importante salientar que a ideia de uma crise do Direito Internacional possui um paradoxo, identificado por Marti Koskeniemmi, tendo em vista a sua crescente invocação para explicação e justificativa das mais variadas situações vivenciadas no sistema internacional[10].

 

Segundo Brad Roth, o marxismo retém sua relevância atual não para que seja utilizado como um substituto das teorias liberais de direitos humanos, mas como uma fonte de crítica que desafia tais teorias com espeque nas ideias de liberdade e dignidade sobre as quais se sustentam, atuando como parâmetro para identificação de harmonia entre a promoção das políticas internacionais e os valores citados[11].

 

Chimni cita três características principais que demonstram o crescimento da utilização do Direito Internacional nas duas últimas décadas: (a) a visão segundo a qual o referido ramo jurídico consiste como mecanismo por meio do qual o domínio da propriedade privada estende-se pela economia mundial; (b) a constatação segundo a qual o Direito Internacional cumpre função de resguardar os direitos do capital transnacional, com a prescrição, por exemplo, de padrões globais uniformes; e (c) a capacidade do Direito Internacional de garantir a observância desses padrões globais uniformes, conferindo às instituições internacionais os meios necessários para executá-los[12].

 

A partir de tais constatações, observa-se a necessidade de traçar as principais características da Escola Marxista Crítica do Direito Internacional. Aqui, conforme as lições de Chimni, devem-se ressaltar quatro aspectos importantes que constituem o centro da abordagem marxista.  Em primeiro lugar, a aplicação do Direito Internacional é intimamente ligada à Teoria Marxista das Relações Internacionais, cuja essência, em última análise, determina-se pelo modo por que os Estados estão internamente organizados. Além disso, é fundamental notar que a política externa de um Estado relaciona-se com a sua política interna, sendo articulada e executada na matriz de uma dada formação socioeconômica, alicerçada em um modo de produção definido e dominante. Chimni ainda acrescenta que a crítica marxista do Direito Internacional também rejeita o conceito de interesse nacional, alegando que o Estado, na seara internacional, não busca realizá-lo, mas sim o interesse de determinados grupos e classes. Por último, finaliza Chimni, a abordagem marxista de que ora se fala entende o sistema internacional contemporâneo como detentor de uma identidade distintiva, criada pelo caráter supranacional do capitalismo, que, por sua vez, baseia-se no mercado mundial e na divisão do trabalho que, juntos, constituem a economia mundial[13].

 

A crítica marxista do Direito Internacional, portanto, não crê na utilização do conceito de interesse nacional, excluindo, por isso, a possibilidade de que interesses particulares de grupos ou classes informem o seu conteúdo[14].

 

A teoria marxista do Direito Internacional ainda se preocupa em legitimar a ordem internacional mediante a inserção da democracia deliberativa no processo de produção da norma internacional, permitindo que a noção de compromisso ético informe a criação do Direito Internacional, em oposição àquele compromisso informado pelo poder, ajudando na promoção dos interesses das classes subalternas[15].

 

A corrente, por fim, reconhece a existência de opiniões dissidentes, que se incomodam com a tendência de universalizar os discursos europeu e norte-americano como o discurso legítimo do Direito Internacional, buscando evitar a captura deste pelos interesses egoísticos dos países e classes dominantes.

 

5. CONCLUSÃO

 

A partir do esboço das principais características da Escola Marxista do Direito Internacional, é possível concluir que elas podem oferecer importantes subsídios para uma visão crítica do sistema internacional e do ordenamento jurídico que o rege. É imprescindível, desta forma, reconhecer, com Boaventura de Sousa Santos, que a modernidade político-jurídica requer a identificação de seu desenvolvimento com a evolução do modo de produção capitalista. Deste modo, a aplicação da teoria marxista à análise do Direito Internacional pode ajudar à compreensão das relações de poder na seara internacional, evidenciando-se, assim, o caráter emancipatório deste ramo jurídico.

 

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CARTY, Anthony. Marxism and International Law: Perspectives for the American (Twenty-First) Century? Leiden Journal of International Law, 2004, Vol. 17.

 

CARVALHO NETO, Menelick de. A Hermenêutica Constitucional sob o Paradigma do Estado Democrático de Direito. In: Notícia do Direito Brasileiro, Nova Série, n. 6 (jul/dez 1998). Brasília: Editora UnB, p. 235-250.

 

CHIMNI, B.S. Marxism and International Law: a Contemporary Analysis. Economic and Political Weekly (Feb, 6, 1999).

 

______.An Outline of a Marxist Course on Public International Law. Leiden Journal of International Law, 2004a, Vol. 17.

 

______. International Institutions Today: An Imperial Global State in the Making. European Journal of International Law, 2004b, Vol. 15, n. 1.

 

KOSKENIEMMI, Marti. What Should International Lawyers Learn From Karl Marx? Leiden Journal of International Law, 2004, Vol. 17.

 

ROTH, Brad R. Retrieving Marx for the Human Rights Project. Leiden Journal of International Law, 2004, Vol.17.

 

SANTOS, Boaventura de. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2001.

 

Notas:

[1] SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2001, p. 29.

[2] CHIMNI, B.S. Marxism and International Law: a Contemporary Analysis. Economic and Political Weekly (Feb, 6, 1999), p. 1. 

[3] ROTH, Brad R. Retrieving Marx for the Human Rights Project. Leiden Journal of International Law, 2004, Vol.17, p. 66.

[4] CHIMNI, B.S. An Outline of a Marxist Course on Public International Law. Leiden Journal of International Law, 2004a, Vol. 17, p. 2. 

[5] Idem, ibidem.

[6]Idem, ibidem.

[7]Idem, ibidem.

[8] SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2001, p. 56. 

[9] CARTY, Anthony. Marxism and International Law: Perspectives for the American (Twenty-First) Century? Leiden Journal of International Law, 2004, Vol. 17, p. 247.

[10] KOSKENIEMMI, Marti. What Should International Lawyers Learn From Karl Marx? Leiden Journal of International Law, 2004, Vol. 17, p. 245.

[11] ROTH, Brad R. Retrieving Marx for the Human Rights Project. Leiden Journal of International Law, 2004, Vol.17, p. 66.

[12] CHIMNI, B.S. Marxism and International Law: a Contemporary Analysis. Economic and Political Weekly (Feb, 6, 1999), p. 2.

[13] CHIMNI, B.S. Marxism and International Law: a Contemporary Analysis. Economic and Political Weekly (Feb, 6, 1999), p. 3.

[14] CHIMNI, B.S. An Outline of a Marxist Course on Public International Law. Leiden Journal of International Law, 2004a, Vol. 17, p. 3-4.

[15] CHIMNI, B.S. An Outline of a Marxist Course on Public International Law. Leiden Journal of International Law, 2004a, Vol. 17, p. 4.

 

 

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