Brasil@povo.com: a luta contra a desigualdade na Sociedade da Informação


PorAntonio Marcos ...- Postado em 08 maio 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA – UFSC

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO – CPGD - DOUTORADO

Aluno: Antônio Gavazzoni

 Resenha

 

Obra: SORJ, Bernardo. Brasil@povo.com: a luta contra a desigualdade na Sociedade da Informação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Brasília, DF: Unesco, 2003.

 

 

 

I - O que é um telefone?Civilização capitalista e consumo.

 

De início o telefone celular conferia ao usuário um status social. Representava um símbolo importante. A partir dos anos noventa, com a privatização da telefonia, houve uma grande expansão na produção de telefones celulares. Apesar da desconfiança de início, os telefones celulares foram importantes para vários segmentos, fomentando os serviços, especialmente no âmbito informal. O problema ainda era a questão do custo, que era alto, para acesso ao aparelho e para realizar as ligações. A barreira da falta de distribuição adequada da renda no Brasil se impunha.

 

A concepção sociológica das últimas décadas tende a descrever o fenômeno do consumo ligado diretamente à estratificação social, ao poder simbólico na arena mercadológica. Este representa um dos aspectos dos produtos na sociedade de consumo. Há um aspecto fundamental a ser levado em consideração: a maioria dos produtos de consumo concentra em si conhecimento científico-tecnológico, sendo que o acesso a eles é condição de integração na vida civilizada e de qualidade de vida. Os bens de consumo servem para facilitar a vida das pessoas, e não correspondem ao que é descrito pela lavagem cerebral na propaganda de massa. Mas isso não quer dizer que não tragam consigo problemas, a exemplo: problemas ambientais, o lixo, perda da intimidade das pessoas, etc.

 

As ciências sociais analisam de modo equivocado as relações entre o consumo e a sociedade. O problema é de ótica. O consumo não pode ser visto como fenômeno autônomo. É parte constitutiva do sistema de produção. Erro típico inicialmente cometido por Marx, quando, nesta senda, reduziu o trabalho à mercadoria. A visão economicista da relação consumo-sociedade é, de mesmo modo, simplificadora e reducionista.

 

II – Os caminhos da desigualdade social

 

Deve-se considerar que o capitalismo contemporâneo é estruturado por dois princípios basilares: o da liberdade e iniciativa individuais, que permite com que as pessoas acessem aos produtos de mercado de acordo com suas posses e opções pessoais, e o princípio da valorização da igualdade, que exige um certo nível de intervenção no sistema distributivo visando manter um acesso mínimo a todos de produtos que se julguem fundamentais. Tais princípios se relacionam de maneira contraditória e conflitiva no atual modelo consumista.

 

De modo geral, os bens de consumo podem ser divididos em dois tipos: bens de consumo individuais e bens de consumo coletivos. No segundo caso, por tratar-se de bens ligados ao exercício da cidadania, exige-se intervenção pública, evitando-se a prevalência da lógica distributiva de mercado. Mais recentemente tem se debatido sobre um novo conceito de bens de consumo coletivo, chamados bens comuns globais. Estes representam a contraparte e a complementação da visão que promove a liberação dos mercados e a circulação global das mercadorias.

 

Podem-se elencar quatro tipos de bens de consumo coletivo. O primeiro é constituído por serviços públicos ligados às instituições básicas do governo e cujo acesso é totalmente dissociado de seu pagamento. O segundo constituído por serviços públicos coletivos indivisíveis e monopólicos, geralmente de responsabilidade do poder local. O terceiro é formado por bens e serviços coletivos, naturalmente não-monopólicos, constituídos por setores cujo acesso nas sociedades modernas passou a ser considerado condição de cidadania. O quarto núcleo de bens de consumo coletivo está constituído por bens e serviços ligados a redes e ou recursos naturais, que ocupam espaço finito, que garante a seus detentores uma posição monopólica ou oligopólica em relação a produtos e serviços cujo acesso é considerado essencial ou de interesse público.

 

Importante destacar que a introdução de novos produtos de consumo que atingem a qualidade de vida acarreta mudança do patamar civilizatório que define os bens mínimos necessários para a vida em sociedade. Em outras palavras, as inovações tecnológicas relevantes nos produtos de consumo engendram mudanças na percepção de inclusão e exclusão social em função da possibilidade de acesso.

 

Um exemplo é o fenômeno da telemática. Além de interativa, é pró-ativa. Permite ao usuário a apreensão de conhecimentos e informações que serão utilizados conforme sua capacidade intelectiva. O problema para a maior difusão deste fenômeno nas classes menos afortunadas da sociedade é que se exige, de regra, um custo mensal fixo para acesso dos produtos decorrentes deste segmento tecnológico.

 

O maior acesso a esse tipo de tecnologia tem conseqüência direta na redução da desigualdade social. Esta não pode ser analisada e concebida apenas a partir da questão da renda individual. Este é apenas um dos fatores. As múltiplas desigualdades devem ser pensadas na perspectiva sistêmica, levando-se em consideração todos os possíveis fatores que estabelecem diferenças entre os indivíduos em sociedade.

 

III – O que é Sociedade da Informação?Pirâmides e Redes

 

A definição conceitual é difícil. O conceito usual a ser utilizado é o seguinte: Sociedade da Informação refere-se ao conjunto de impactos e conseqüências sociais da novas tecnologias da informação e da comunicação (telemática). No entanto não está estritamente correto. Alguns entendem ser mais conveniente utilizar a expressão “Sociedade do Conhecimento”. Do ponto de vista sociológico há preferência pelo termo “Sociedades Capitalistas de Consumo de Bens Tecnológicos”.

 

Relevante destacar que a telemática, com destaque a internet, possui grande importância no contexto contemporâneo por permitir a convergência de duas atividades centrais da vida social, quais sejam a manipulação de conhecimento e a comunicação. Aumentou em muito a capacidade de armazenamento de informações, reduziu o tempo e a distância para a comunicação e permitiu uma maior interação entre os seres humanos.

 

A internet surge como fenômeno tecnológico em um momento em que o capitalismo passava por uma profunda transformação do sistema produtivo e social. A internet, frize-se, não é condição suficiente para tais transformações. Alguns autores pecam por uma visão distorcida que defende um determinismo tecnológico que sobrevaloriza o papel da telemática em sociedade. A história de surgimento e evolução da internet bem demonstra sua posição dentro do contexto de desenvolvimento tecnológico capitalista da sociedade contemporânea.

 

A telemática impacta o conhecimento e a cultura de várias maneiras. O primeiro seria a unificação da percepção espaço e tempo, especialmente nas relações com os fluxos de informação. O segundo, cercado por discussões, é referente à realidade virtual, definida como conjunto de imagens e sensações produzidas por meios eletrônicos. O terceiro impacto da internet, talvez o de maior profundidade, é o da transformação do universo humano, em virtude da integração crescente entre pessoas e máquinas. Há de se reconhecer que a produção crescente de informação e conhecimento e sua disponibilização imediata pela internet aumenta enormemente a produtividade social, facilita  muito a localização de informação e o processamento de dados.

 

Muito embora a internet permeie as relações sociais, não significa que seja capaz de modificar tais relações. Ela se personifica em novos atores que atuam na arena virtual. Um bom exemplo seriam os hackers. Mas temos outros atores, tais como os usuários das redes sociais, que utilizam a internet para se comunicarem, para estabelecerem um novo tipo de convivência, para fortalecerem laços afetivos, etc.

 

A internet é manejada, nestas relações, das mais variadas formas, entre elas: através do e-mail, que praticamente fez desaparecer o correio tradicional, que revolucionou o sistema de fluxo de mensagens entre as pessoas; o e-pesquisa, que facilitou em muito a localização de dados e informações sobre quaisquer assuntos, tendo por base a maior concentração de conhecimento de todos os tempos; e-ciência e e-tecnologia, através dos quais se fortaleceu sobremaneira o funcionamento em redes e o caráter  internacional da intereção; e-produção, que facilitou o aumento produtivo das empresas, com maior facilidade para acompanhamento de estoques, controle de qualidade, comunicação com clientes distantes, etc; e-trabalho, que otimizou a produção e o trabalho, acarretando economia em custos e facilitando enormemente a prestação de serviços; e-educação, através do fortalecimento entre tecnologia e educação (apesar de a questão ser polêmica), com a abundância na oferta de informações nas redes virtuais; e-cultura, com o enorme acervo cultural que a digitalização de dados tem engendrado para a sociedade, e por encurtar as distâncias entre os vários países e distintas culturas; e-governança, sendo que a internet se constitui em ferramenta fundamental para o melhor controle das contas públicas, transparência dos atos públicos de governo, e maior acesso dos cidadãos as questões de Estado; e-saúde, com os avanços da telemedicina, monitoramento e controle de epidemias, reorganização de sistemas de saúde, etc; e-crime (e-terrorismo, e-guerra), que sofisticou as práticas criminosas e a capacidade do Estado de reprimi-lo, bem como desenvolveu e também sofisticou a relação de conflito entre diferentes povos.

 

 

Questão que também está diretamente ligada ao manejo da internet trata sobre propriedade intelectual. Existem discussões importantes a respeito dos direitos autorais e sobre criações no âmbito das redes virtuais. Há um conflito de interesses entre aqueles que desejam que todas as informações sejam de domínio público gratuito, e aqueles que desejam obter lucro de suas criações no espaço cibernético. O ideal é que se encontre um ponto de equilíbrio, de modo a fazer prevalecer a internet como um bem público, assegurando o retorno a empresas que façam investimentos nesse segmento.

 

A internet acabou por transformar a visão tradicional sobre organização social, marcada pela metáfora da pirâmide. Ou seja, a sociedade era vista como uma estrutura hierarquizada, tendo a concentração de riqueza como pressuposta de diferenciação nas relações humanas. O impacto da internet é bidirecional e se propaga em rede, em sentido horizontalizado. Redes e pirâmides ainda se chocam, pois se de um lado a sociedade civil se fortalece com a telemática, ampliando suas potencialidades, por outro o Estado também se impõe no uso da tecnologia para controle e intervenção. A dicotomia liberdade-controle ainda persevera em sociedade, só que agora se dá numa relação mais complexa.

 

IV – As dimensões da exclusão digital

 

Preocupação central da obra é analisar o impacto da exclusão digital na desigualdade social, e nas oportunidades e qualidade de vida. A exclusão digital possui forte correlação com as outras formas de desigualdade social, e em geral, as taxas mais altas de exclusão digital encontram-se nos setores de menor renda.

 

Vários estudos internacionais procuraram desenvolver indicadores para classificar a posição relativa dos países em termos de desenvolvimento telemático, através do conceito de e-readiness. Este conceito permite avaliar a situação relativa dos países dentro do sistema internacional quanto a penetração das tecnologias da comunicação, que seria um fator importante na determinação da competitividade nacional.

 

Se a desigual distribuição de acesso aos meios de comunicação em escala internacional parece reproduzir o quadro geral de desigualdade entre os países, quando consideradas somente as tecnologias de ponta, a desigualdade entre os países é maior que a desigualdade medida por critérios de renda per capita. Questão não menos importante e que está diretamente ligada a exclusão digital é sobre o uso da telemática para gerar crescimento econômico, o chamado e-desenvolvimento.

 

A exclusão digital representa uma dimensão da desigualdade social, eis que mede a distância relativa do acesso a produtos, serviços e benefícios das novas tecnologias da informação e da comunicação entre diferentes segmentos da população. E nesta senda, de se reconhecer a função da telemática como instrumento de luta contra a pobreza e a exclusão.

 

A exclusão digital depende de cinco fatores que determinam a maior ou menor universalização dos sistemas telemáticos: 1) a existência de infra-estruturas físicas de transmissão; 2) a disponibilidade de equipamento e conexão de acesso; 3) treinamento no uso dos instrumentos do computador e da internet; 4) capacitação intelectual e inserção social do usuário, produto da profissão, do nível educacional e intelectual e de sua rede social, que determina o aproveitamento efetivo da informação e das necessidades de comunicação pela internet; 5) a produção e uso de conteúdos específicos adequados às necessidades dos diversos segmentos da população.

 

A distinção entre os diferentes níveis de acesso e uso é fundamental para desenvolver metodologias de avaliação, acompanhamento e atuação na luta contra a exclusão digital. Pode-se abordar os diferentes níveis de acesso nos seguintes termos:

 

a) infra-estruturas de acesso: são constituídas pelos sistemas de transmissão, que podem ocorrer via telefone, satélites, rádio e com o uso de fiações telefônica, elétrica e de televisão a cabo. A universalização destas estruturas já é avançada nos países desenvolvidos, mas não nos periféricos; b) equipamento de acesso individual: o mais usual é um computador com modem e uma linha ligada a um provedor de serviços. Em áreas rurais ou periféricas há grandes dificuldades de acesso a equipamentos e conexões a internet, o que dificulta muito sua exclusão. As dificuldades financeiras de parcela da população ainda é um problema grave para a universalização no acesso. Para romper com o problema é comum: promoção de computadores, constituição de telecentros, etc.

 

Estes fatores convergem nos usos possíveis das ferramentas da telemática. Tais usos dependem da capacidade de apropriação e desenvolvimento criativo de cada usuário e dos segmentos sociais e instituições na produção de novos conteúdos e aplicações práticas que representem respostas inovadoras aos problemas econômicos, sociais, políticos e culturais.

 

No que concerne aos impactos dos serviços digitais, pode-se perceber que: a) referente à comunicação, o uso da Internet impacta mais, no sentido de potencialidade, nos usuários de classes mais altas, eis que os membros deste segmento têm amplo acesso; b) referente à e-educação, o ensino a distância já era realidade antes mesmo da chegada da Internet, mas com ela o acesso se expandiu muito (e a universidades tiveram papel fundamental), facilitando o contato dos usuários com novas informações (para que o acesso seja pleno às famílias de baixa renda, as escolas precisam adquirir mais computadores); referente à e-cultura, destacam-se as bibliotecas virtuais; referente à e-saúde, importante os impactos da telemedicina, cujos custos ainda são altos e não prioritários para os sistemas de saúde dos países em desenvolvimento; tocante ao e-governo, o destaque é a eficiência administrativa, a diminuição da burocracia, aumento da capacidade de controle da gestão, transparência, etc; referente aos conteúdos sociais, estes possuem impacto decisivo na desigualdade social, a medida que a falta de conteúdos específicos pode limitar a efetividade da internet entre os setores de baixa renda.

 

 

V – As Telecomunicações no Brasil: Serviços públicos e desigualdade social

 

As privatizações do sistema telefônico resultaram na constituição de várias empresas concorrentes, a maioria controlada por empresas estrangeiras de telecomunicações ou com forte participação nelas. Em pouco tempo, as privatizações conseguiram aumentar dramaticamente a oferta de telefones fixos e celulares, eliminando o mercado paralelo.

 

Embora o telefone celular se adapte melhor às necessidades da vida moderna, o telefone fixo continua a ter importância estratégica para a universalização de serviços de comunicação, pois possivelmente ele será o principal vetor da próxima convergência entre Internet e televisão.

 

No Brasil a internet chegou através do sistema científico. Em 1989, é criada a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), que realizou as primeiras conexões entre centros de pesquisa brasileiros e estadunidenses. Desde então, a expansão e desenvolvimento da internet se deram rapidamente. As diversas avaliações sobre e-readness colocam o Brasil no pelotão intermediário do sistema internacional.

 

Em determinados setores do e-desenvolvimento, o Brasil, no contexto latinoamericano, ocupa lugar de destaque. O país possui um dos sistemas de automação bancária mais avançada do mundo e tem exportado know how nesta área.

 

Quando se reflete sobre os impactos, limites das possibilidades de expansão da internet, a principal variável a ser levada em consideração é o nível de alfabetização. Temos uma situação historicamente dramática neste segmento, o que sempre afetou sobremaneira as possibilidades de acesso.

 

Apesar do crescimento exponencial no número de pessoas com acesso à internet no Brasil, a porcentagem de usuários que utilizam banda larga, no início de 2003, era em torno de 5% do total. Trata-se de uma porcentagem preocupante, pois, como indicamos anteriormente, a exclusão digital é um fenômeno dinâmico e os conteúdos disponíveis na internet tendem a se dirigir aos usuários de banda larga. A internet, importante registrar, acompanha e em certos casos aprofunda o padrão nacional de desigualdade, por ser um fenômeno particularmente concentrado nas grandes metrópoles do país e nas regiões mais desenvolvidas.

 

Um importante meio de expansão do acesso se dá pelas escolas, atingindo os estudantes brasileiros. No entanto, pelos investimentos limitados, baixo rendimento de parte dos alunos, falta de reconhecimento da importância da tecnologia, a universalização ao acesso ainda não é uma realidade.

 

No segmento governamental, a internet avançou muito a partir do Governo Fernando Henrique Cardoso. A e-governança ocupou papel estratégico nas novas estratégias de administração e gestão encetadas por aquele governo. Os meios eletrônicos de comunicação e informática contribuíram para o aumento no controle de gastos públicos, eficiência na prestação dos serviços públicos, transparência na gestão, etc.

 

Infelizmente, quando passa-se a analisar a realidade dos Estados brasileiro encontramos uma disseminação desigual da internet. As diferenças regionais, econômicas, culturais, educacionais, se apresentam como fator decisivo na limitação homogênea do acesso.

 

VI – Favelas, Consumo e Violência

 

Muito embora o Brasil ainda sofra com a pobreza, desigualdade social e com o limitado acesso aos bens de consumo coletivo, em particular, com a ausência de proteção policial-a população ainda está integrada aos valores e expectativas da sociedade global. Sem dúvidas, a violência, enquanto produto das expectativas igualitárias e de inclusão social, é a principal geradora de exclusão, pois desencadeia  a estigmatização do conjunto dos moradores das favelas.

 

A favela é uma categoria social que originada em uma realidade histórica e contextos precisos, com o passar do tempo perdem seus contornos e sentido original, adquirem múltiplas conotações e se associam aos mais diversos pré-conceitos. Nós últimos anos, as favelas têm recebido mais e mais investimentos públicos, especialmente no que toca a saneamento, rede elétrica, telecomunicações, etc. Além do crescente processo de legalização das irregulares ocupações.

 

Tocante aos bens de consumo individuais, os moradores das favelas estão razoavelmente incluídos, eis que gradativamente aqueles têm conseguido acesso a eletrodomésticos, produtos tecnológicos de uso cotidiano, celulares, etc. Mas no que diz respeito a bens de consumo coletivo, o quadro não é favorável.

 

Fatores como o tráfico de drogas, a violência, as milícias, criam uma realidade paralela no âmbito das favelas. Crianças recrutadas a atuarem no mundo do crime dificultam em muito a inclusão digital, eis que são afastadas das escolas, do acesso a informação. De se mencionar ainda que o tráfico de drogas limita, de regra, o acesso do aparato estatal aquelas regiões. Este é um desafio a ser enfrentado pelas autoridades públicas.

 

VII – Viva Rio: a inclusão digital na luta pela segurança humana

 

O Movimento Viva Rio foi criado concomitantemente à Campanha contra a Fome, desencadeada em 1992. Os objetivos eram convergentes: criação de um espaço de colaboração de todos os estratos da sociedade para confrontar os problemas criados pela desigualdade social.

 

As campanhas do Viva Rio, especialmente diante de fatos contundentes de violência do Rio de Janeiro, objetivam de regra criar um grande movimento contra a violência, reunindo os poderes federal, estadual e municipal e a sociedade civil, além de toda a estrutura de segurança pública.

 

Essas iniciativas acarretam uma maior integração com a comunidade e lideranças nas favelas que, de início via com desconfiança o movimento. Tais lideranças colaboram com o movimento, mas condicionam e exigem que se dediquem a estratégias que melhorem a imagem dos morros e favelas.

 

Este movimento carioca desenvolve suas atividades em parceria com instituições locais, constituindo o nó central de uma grande rede. Estes parceiros oferecem infra-estrutura, pessoal e conhecimento das condições locais, e o Viva Rio oferece a elaboração de projetos, capacitação técnica e profissional, material didático, etc.

 

VIII – A dignidade pela auto-imagem

 

O Viva Rio estava pautado no objetivo central de produzir informação para os meios de comunicação a fim de divulgar notícias das favelas que mostrassem sua realidade social, sua riqueza humana e cultural e o esforço da maioria dos moradores de desenvolver uma vida digna, em vez de se concentrar apenas na violência. Desenvolveu-se então o vivafavela.com, com a doação de 1,3 milhões de dólares do portal Globo.com, pensado como principal veículo de interação e divulgação dos projetos e ações do movimento.

 

O portal Viva Favela oferece serviços, informações, divertimento e oportunidades de emprego e comércio, além de e-mail gratuito, chats e notícias on-line. O site ainda conta com a revista eletrônica, a Comunidade Viva, produzida pelos correspondentes comunitários, constituído por jovens que produzem reportagens e fotos cujo tema é a favela e a própria comunidade.

 

As seções de serviços, como a de empregos, são os links mais visitados pelos internautas dessas comunidades. O portal oferece informação sobre serviços públicos de saúde, cuidados médicos, campanhas de imunização, emergências, tratamento de doenças infantis, hospitais e clínicas, horários de ônibus locais.

 

Um bom exemplo de projeto que tem alcance além-fronteiras é o Nordeste Aqui, criado com o objetivo de suprir a falta de informações relativas à vida social e cultural da diáspora nordestina. Funciona como uma espécie de agência de notícias atualizadas de todos os estados nordestinos, sob a forma de notas, reportagens, entrevistas, receitas da culinária típica, músicas, agenda de eventos, seminários, histórias de vida, e ponto de encontro.

 

IX – e-espaços de comunicação

 

Surge então a idéia de criar a Estado do Futuro, pela necessidade de construir um espaço com acesso à internet nas comunidades de baixa renda que permitisse a efetiva integração entre o vivafavela.com e a população local. O empreendimento foi um êxito  e ganhou manchetes do mundo inteiro, sendo inclusive premiado.

 

A Estação Futuro é um espaço com 25 computadores com acesso a internet de banda larga, serviço de impressão e fax. A previsão era que até 2003 chegassem a 12 Estações do Futuro, que conta com o apoio do BID e da comunidade européia. O projeto revolucionou as comunidades, ampliando o acesso à internet. Em 2002 já haviam sido formados aproximadamente sete mil alunos em seus cursos.

 

Mesmo com a chegada da TV, o rádio ainda é veiculo central de comunicação. O baixo custo dos aparelhos de rádio ajudam a sua disseminação. As rádios comunitárias se expandiram e hoje são mais de 15.000 em todo o país. O Viva Rio também investiu em um projeto de rádio comunitário para ampliar a interação nas comunidades. Empreendimento de grande repercussão.

 

O poder público também vem formando parcerias com as rádios comunitárias na tentativa de combater o crime organizado na cidade. Os batalhões passaram a fazer coberturas de acordo com as denuncias dos ouvintes da própria região. Em alguns municípios, o índice de violência diminuiu após a parceria entre polícia militar e rádios comunitárias.

 

X – e-educação e e-formação

 

O analfabetismo definitivamente não é o maior problema das novas gerações das grandes cidades brasileiras. O que mais preocupa é o abandono precoce da escola. Pensando nisso o Viva Rio desenvolveu o programa Telecurso Comunidade, baseado no Telecurso 2000, um sistema de educação a distância criado no Brasil pela Fundação Roberto Marinho.

 

As aulas são ministradas em salas instaladas nas próprias comunidades, em parceria com instituições locais. Os alunos recebem ainda aulas de cidadania, sexualidade e orientação de como entrar no mercado de trabalho. Mais de 60 mil alunos já foram beneficiados por este projeto.

 

O projeto é amplo e se conecta com outros. Como por exemplo, o projeto de auxiliar jovens de baixa renda a terem acesso ao vestibular. Com o fornecimento de bolsas de estúdio e apoio pedagógico, vários jovens já foram auxiliados a chegarem as universidades.

 

O Viva Rio é parceiro do projeto de Bibliotecas Virtuais do Programa Sociedade de Informação do Ministério de Ciência e Tecnologia. O objetivo é estimular o hábito pela leitura e aquisição de conhecimento, incentivando, assim a prática da cidadania e a complementação da formação escolar e profissional.

 

A Biblioteca do Futuro disponibiliza acesso público a computadores disponíveis para pesquisa a internet, apoio de profissionais e metodologia especial para portadores de deficiência e grande acervo de obras que podem ser utilizadas pelas unidades escolares da comunidade.

 

Destaque ao trabalho feito também no âmbito das Universidades. Um consórcio de universidades públicas do Rio de Janeiro desenvolveu um programa de ensino superior a distância orientado para os municípios do interior do Estado.

 

Outras iniciativas são ainda tomadas quanto à educação musical, a aproximação ao cinema, educação pelo esporte, cultural e etc. Os resultados obtidos são fantásticos, especialmente quando se pensa na integração entre os jovens e seu desenvolvimento intelectual.

 

XI – e-trabalho e e-negócios

 

Em aspectos econômicos, o Viva Rio lançou o Viva Cred, um programa que disponibilizou linhas de financiamento a empreendedores e pequenos empresários instalados nas favelas e bairros pobres. Trabalham na órbita do minicrédito, permitindo com que pessoas que eram excluídas do sistema financeiro, tenham acesso a recursos para investir em negócios próprios.

 

Não menos importante é o portal de empregos, que é dos links mais acessados pelas comunidades. Excelentes resultados foram obtidos. Muitos trabalhadores desempregados conseguiram oportunidades de trabalho através da intermediação feita pelo programa entre os interessados e as oportunidades de empregos.

 

Um dos objetivos primordiais nestes programas também está voltado para incentivar os jovens e adultos a empreenderem, a iniciarem seu próprio negócio. Além de recursos, como já foi dito, é feito um trabalho voltado para a orientação na gestão do negócio, contando com o apoio de várias entidades deste segmento.

 

XII – e-cidadania

 

Preocupado com a garantia de direitos e exercício da cidadania nas comunidades pobres, o Viva Rio também desenvolveu o projeto Balcão de Direitos, objetivando oferecer orientação e proteção jurídica àqueles que não teriam recursos para contratar advogados ou pagar os custos de um processo.

 

O escopo é o de promover a democratização de direitos, a partir da difusão da informação e da produção de alternativas mais justas para a resolução de conflitos, visando o exercício pleno da cidadania, contribuindo assim para uma sociedade solidária e plural.

 

De se registrar que este programa não se propõe apenas em oferecer assessoramento jurídico, mas sim auxiliam as comunidades a desenvolverem a capacidade dos habitantes das comunidades de encontrar soluções para seus problemas através da prática de conciliação e de resolução de conflitos ligados aos problemas do dia a dia.

 

Campanhas também são desenvolvidas para o desarmamento das comunidades. Este é um grande desafio, especialmente por conta da força e abrangência do tráfico de drogas nas comunidades pobres. O comércio de armas aliados as drogas recruta jovens e crianças para o crime, e representam fonte importante de recursos naquelas comunidades.

 

O papel do Estado nestas campanhas é fundamental. Especialmente o da Polícia. Por isso o Viva Rio também lançou com parcerias o Curso de Aprimoramento da Prática Policial Cidadã. O objetivo é transformar a relação entre polícia e comunidade. É o de aproximar estes dois segmentos para que se integrem de forma harmoniosa e articulada, de maneira a dificultar o trabalho dos criminosos do tráfico de drogas.

 

XIII – Inovação Social, ONG´s, empresas e Estado

 

As ONG´s assumem um papel fundamental nesta nova relação que se pretende estabelecer entre o Estado e a sociedade civil. Especialmente levando-se em consideração o burocratismo e rigidez estatal. Mas a capacidade inovadora das ONG´s só tem relevância à medida que as experiências que elas desenvolvem se transformam em políticas públicas, e ou à medida que conseguem atrair a atenção das empresas para o potencial das comunidades carentes como mercado de consumo e mão de obra.

 

Para que isso seja possível, a lógica da ação das ONG´s deve ir além de projeto artesanais, cujos particularismos, lógica de funcionamento, financiamento e gerenciamento, não possibilitam sua replicabilidade, transformando a maioria das ações das ONG´s num cemitério de projetos bem-intencionados.

 

A importância das ações do Viva Rio é que seus projetos tem um formato definido, com estrutura de gerenciamento e sistema de avaliação que possibilita sua reprodução em maior escala, projetos que podem ser assumidos pelo Estado e transformados em políticas públicas. Há pois, a necessidade de um esforço de formação dos quadros das ONG´s que permitam superar o amadorismo e pensar projetos sociais que podem se concretizar em verdadeiras políticas públicas.

 

Assim sendo, a luta contra as desigualdades sociais e contra a exclusão digital passa por iniciativas articuladas entre sociedade civil, Estado e empresas voltadas para pontos estratégicos tais como: a luta contra a violência urbana; a valorização de culturas locais que correm o risco de perderem suas identidades étnicas e lingüísticas; a viabilização de financiamento para o trabalho das ONG´s, mantendo-se projetos sociais importantes; relação com a imprensa, pensando-se na forma adequada de divulgar as idéias e políticas públicas.

 

De modo articulado, e procurando superar os vários problemas que são encontrados para o almejado solucionamento de problemas nas comunidades carentes, a sociedade civil, o Estado e o setor empresarial podem avançar muito, tornando boas idéias em grandes projetos e serem concretizados. Deste modo, os resultados poderão ser efetivos.