A Autonomia do Direito Tributário


Pormathiasfoletto- Postado em 19 abril 2013

Autores: 
MATOS, Maria Lúcia Bastos Saraiva

 

 

As disciplinas jurídicas, cedendo à pressão das vicissitudes contemporâneas, atualmente se dividem e subdividem em número crescente de ramos do direito, e assim se constituem disciplinas autônomas e distintas. Esta marcha de busca de especializações é útil se ordenadas e ligadas aos princípios gerais do direito e desde que se cuide para que em seu afã, não promova a quebra da unidade substancial do direito. Na realidade as especialidades formam o uno universo jure.

Resta claro que qualquer estudo de ramos jurídicos preconiza o estudo do Direito como um corpo unitário e parte-se do conceito deste, para se chegar então à disciplina intentada. O Direito Tributário, por exemplo, não pode, embora didaticamente autônomo, ignorar os demais ramos jurídicos, nem o direito como um todo.

O Direito em si é um elemento inseparável da sociedade humana, já que o homem é um ser comprovadamente gregário, viver em conjunto para ele é necessidade, e esta convivência para atingir seus fins requer, fundamentalmente, cooperação, defesa e assistência recíproca. Urge para tanto a criação de um código de regras e condutas para que estes seres possam conviver em harmonia, Tais regras são impulsionadas por diversas forças criadoras como: a moral, a religião e as convenções sociais e o próprio Direito. Não se concebe, portanto, sociedade humana sem direito e o mesmo se uma sociedade que lhe faça uso e dê azo.

O Direito então se manifesta por seu conjunto de normas, constituídas por regras criadas pelo homem, prevendo hipóteses e as conseqüências às mesmas. Assim, uma vez concretizado o pressuposto fato hipotético a conseqüência jurídica virá infalível, já que o Direito se presta a dizer o dever ser social. A norma jurídica escrita representa a expressão máxima da existência do Direito, oposto por um poder estatal, tido como válido para a sociedade como um todo e mesmo por grupos menores como agremiações ou entre pares em acordo de livre vontade. Uma vez concretizada a hipótese legal, a incidência da norma é incondicional enquanto dogmática e vigente, sendo certo que por advir de uma sociedade em mutação, este mesmo Direito pode ser alterado pelo seu caráter dinâmico, variando de sociedade para sociedade e de estado para estado, em sua dimensão temporal e até revogado, desde que pelos mesmos caminhos competentes para assim equacionar a vida social e coletiva, mantendo os indivíduos no espírito de reciprocidade de direitos e obrigações. Não existindo portanto um direito universal único.

São características do direito, de modo geral a bilateralidade, a atributividade e a coercibilidade. Bilateral e atributivo quando atribui a dois sujeitos certo comportamento e certas exigibilidades. Coercível, pois as normas jurídicas são munidas de proteção e coerção estatal a fim de garantir seu cumprimento. Assim, se a lei não é cumprida, impõe-se a aplicação de conseqüências, a fim de pressionar seu cumprimento ou na aplicação de uma sanção para que se cumpra. Desta forma o titular de um direito tem sempre a possibilidade de invocar a proteção do Poder Público. A coercibilidade distingue a norma jurídica dos preceitos morais ou religiosos.

Como visto até aqui, a ordem jurídica, somente pode ser entendida no seu todo, ainda que partindo de uma avaliação unitária de um ramo. Sabemos também que a dita autonomia não pode excluir ou ignorar os demais ramos, também autônomos, divididos por razões didáticas em diversas disciplinas que devem ser entendidas de forma aberta, partindo da possibilidade do surgimento e desaparecimento de algumas delas e que as mesmas jamais poderão ser encaradas como um compartimento estanque ou isolado. O dogma da unidade da ordem jurídica impede a total independência de um dos ramos em relação aos demais e ao todo, pois nunca haverá regra jurídica independente do Direito em si, do todo unitário. Assim por ramo do direito entendemos todo ramo jurídico autônomo relativamente.

Constituem hoje ramos autônomos do direito: o Administrativo, Constitucional, Civil, Trabalhista, Penal e Tributário, todos com princípios, métodos e institutos próprios sem se afastar de seu sistema.

Aqui, porém nos aprofundaremos no estudo do ramo do Direito Tributário, indiscutivelmente autônomo, com um ramo do Direito pode ser, com certos princípios e métodos exclusivos, com forma própria e específica como: o princípio da estrita legalidade tributária, da anterioridade da lei tributária, da definição legal do fato gerador da obrigação tributária, a regra de que concessões particulares não podem se opostas à Fazenda Pública e etc.

O Direito Tributário também possui autonomia estrutural, pois possui certos institutos específicos como a consulta tributária e seus efeitos originais, a obrigação como objeto específico e a definição de situações fáticas que denotem capacidade contributiva.

Tais características do Direito Tributário fazem com o mesmo se apresente com independência para oferecer suas conclusões e defender sua finalidade específica, daí sua autonomia perante o direito e seus demais ramos. Também a Constituição de 1988 consagra a autonomia, pelo uso da expressão “Direito Tributário” em diversas passagens de seus textos, dedicando inclusive um capítulo ao Sistema Tributário Nacional onde prevê a criação de lei complementar para cuidar de matéria de legislação tributária. Também em leis ordinárias e complementares observa-se o uso e adoção desta nomenclatura como na Lei nº 5.172 de 1966, mais conhecida como Código Tributário Nacional, em normas estaduais e municipais que dispõe sobre matéria tributária e ainda a jurisprudência, que adota a nomenclatura “Direito Tributário” como título para a subdivisão do índice de suas súmulas, restando sem margem para erros de avaliação que este ramo do direito é tido como autônomo, como um ramo do direito pode ser, dentro deste mundo em realidade unitário.

Na constituição encontramos o fundamento do poder fiscal, a discriminação de rendas tributárias, com áreas e limitações de competência tributária, as garantias e os direitos individuais que as normas tributárias devem respeitar, bem como os princípios fundamentais do Direito Tributário como o da legalidade e da anterioridade por exemplo.

Além da carta magna, que é a base legal, a relação entre o Direito Tributário e outros ramos do direito é clara. Assim observamos em princípio a sua inter-relação com o Direito Internacional que se percebe através das convenções ou tratados firmados entre os diversos estados regulando a tributação, no sentido de evitar duplicidade tributação ou políticas fiscais.

Também o Direito Administrativo não pode deixar de ter relações com o Tributário, vez que se preocupa, assim como este, com a organização e a ação dos órgãos e agentes públicos em especial, neste caso, quando encarregados da fiscalização, arrecadação ou administração de tributos, tudo regulado por normas de Direito Administrativo. O próprio Código Tributário Nacional contém normas concernentes aos atos normativos, decisões dos órgãos singulares, coletivos, fiscalização tributária ou divida ativa.

Com o Direito Financeiro são da mesma forma estreitas as ligações, já que regula os recursos econômicos do Estado (orçamento público), principalmente no que se refere à receita tributária. Historicamente também, estudiosos, como o professor Rubens Gomes de Sousa, indicam que o Direito Tributário originou-se do Financeiro.

Quanto ao Direito Penal, percebemos aproximação através do regime repressivo e penalidades, constantes do Direito Tributário, a fim de impedir os casos de inobservância das normas e promover o cumprimento das obrigações tributárias. Compete também ao Direito Penal definir os crimes de ordem tributária, como é o caso do crime de sonegação fiscal.

Por fim, encontramos no Direito Civil e Processual Civil uma base suplementar ao Direito Tributário, visto que no primeiro encontramos institutos e regras que suprem lacunas jurídicas daquele, e no segundo, informações complementares procedimentais, tais como a forma de impugnação do lançamento fiscal e a ação de execução fiscal para cobrança de dívida ativa.

Tais interligações acontecem, pois muitas vezes o Direito Tributário tem necessidade de se socorrer de figuras alheias, pertencentes a outros ramos do direito, passando a utilizar-se de alguns princípios gerais do direito público e privado. Também conceitos e formas de outros ramos do direito como: aceitação dos institutos, conceitos ou formas como são disciplinados (conceito de pessoa jurídica, física, sujeito ativo e passivo da obrigação), sem alteração ou oferecendo alterações necessárias (anexar ao conceito de pessoa jurídica uma alteração, admitindo que seja, por exemplo, considerada como pessoa individual para a legislação do imposto de renda), amoldando-os a si para utilizá-los para seus próprios fins. Destaca-se, no entanto, que o Direito Tributário quando adota determinadas figuras não é livre, mas deve respeitar as figuras limitadoras da competência tributaria presentes na constituição. Assim preceitua o Art. 110 do Código Tributário Nacional transcrito abaixo:

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizado, expressa ou implicitamente, pela Constituição federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Direito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Este método supletivo é regido pelo art. 108 do código tributário, que descreve a ordem de utilização dos princípios gerais do direito público neste processo e objetiva afastar o recurso, pela autoridade, a métodos ou processos incompatíveis com o direito tributário.

Assim, com base no quanto visto, podem-se destacar três características gerais do Direito Tributário. Ele é um ramo do Direito Geral autônomo, constituído de um ordenamento de Direito Público, uma vez que as suas normas regulam as relações entre o Estado, como entidade titular de competência tributária e o particular, tendem ao interesse público, assegurando receitas que se destinam ao custeio das atividades estatais e porque suas normas, geralmente são imperativas, cogentes, não admitindo que a vontade do particular altere a sua relação. É um ordenamento de Direito Comum e obrigacional, se observado que suas normas regem relações patrimoniais de débitos e créditos tributários, com base na obrigação tributária, com um Estado credor e um contribuinte devedor. Também em seu caráter obrigacional destacam-se determinadas características essenciais ao Direito Tributário: exige lei ordinária definindo as circunstâncias que a lei define como fonte geradora das obrigações, exige relações entre pessoas, no mínimo um sujeito ativo (credor) e um passivo (devedor) e por fim, adimplida a obrigação tributária a mesma se extingue.

BIBLIOGRAFIA

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FUHRER, Maxililiano Roberto Ernesto e FUHRER, Maxililiano Cláudio Américo. Resumo de Direito Tributário, Volume 8. 16ª edição, São Paulo, Ed. Catavento, 2004

LOUREIRO, Célio e LINS, Miguel. Teoria e Prática de Direito Tributário, Rio de Janeiro, Edição Forense, 1º edição, 1961

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MARTINS, Ives Gandra daSilva, Curso de Direito Tributário,volume 2. 5ª edição, São Paulo, CEJUP, 1997

 

Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3932/A-Autonomia-do-Direito-...