Atores e ideias na constituição do direito à memória e à verdade : análise da mudança política no Programa Nacional de Direitos Humanos


Porcarlos2017- Postado em 05 outubro 2017

Autores: 
Alessandra Guimarães Soares

Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo analisar o papel dos atores e ideias na mudança institucional que levou a inserção do direito à memória e verdade como política pública na terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), resultando na criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV) no ano de 2011. No Brasil o processo de constituição dessas políticas, apesar de datar da década de 1970 e ter perpassado diversos governos, ainda hoje permanece inacabado. Constituído de um longo processo de discussões políticas, esses embates, travados em diversas arenas e em contextos históricos distintos, tiveram sua institucionalização apenas no ano de 2009 com a edição do PNDH-3 e de algumas leis, sendo as principais: a que criou a Comissão Nacional da Verdade (Lei nº 12.528/2011), e a que deu nova redação a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), permitindo a abertura dos arquivos da ditadura e consequentemente possibilitando a execução dos trabalhos da CNV. A luta empreendida por mais de três décadas para construção do direito à memória, verdade e justiça (essa última dimensão nunca foi alcançada) foi permeada por avanços e retrocessos, tendo como agentes centrais desse processo duas forças antagônicas. Ao longo do período estudado nessa pesquisa (1970-2011), o embate entre essas duas forças contrárias ganhou diversos contornos e foi analisado à luz do modelo teórico do Advocacy Coalition Framework (ACF) desenvolvido por Paul Sabatier e Hank Jenkins-Smith (1993;1999). Para compreender como ocorreu a mudança institucional que permitiu a inserção do direito á memória e verdade como política pública foram analisadas as dinâmicas de atuação desses grupos em conflito a partir dos processos decisórios que conformaram as três versões do PNDH, as principais leis de aplicação nacional sobre esse tema e seus resultados. Com base nesses documentos foi possível mapear os atores (governamentais e não governamentais), suas crenças e os recursos comumente empregados por eles para influenciar o processo político. A análise foi feita a partir de dois lócus diferentes de atuação dos atores, que se contrapõem e se complementam. O primeiro denominado de "subsistema do Programa Nacional de Direitos Humanos" (SPNDH), nele foram analisadas as discussões sobre o direito à memória, verdade e justiça; o segundo, denominado de "subsistema de acesso à informação" (SAI), centrou-se especificamente nos debates sobre a abertura dos arquivos da ditadura militar. Nos dois subsistemas, verificou-se a atuação de duas coalizões, as quais foram denominadas de "coalizão verdade e justiça" (CVJ) e "coalizão anistia recíproca e parcial" (CARP). Como resultado, a pesquisa verificou que as crenças que conformaram essas coalizões mantiveram-se estáveis ao longo do tempo (segunda metade da década de 1970 a 2011), porém, dependendo do momento histórico e dos debates que sobressaem no cenário político nacional, as coalizões tendem a convergir suas lutas para apenas algumas delas, no intuito de empreender esforços para traduzi-las em políticas. No que concerne à mudança política, observa-se que, no SPNDH, as mudanças representativas (de grande porte) ocorrem somente no ano de 2008, mas estas são revertidas logo em seguida e, no SAI, elas ocorrem ao longo dos governos FHC e Lula, sendo que, as mudanças significativas (de grande porte) acontecem apenas no ano de 2011 influenciadas pelas alterações no subsistema do PNDH. Em relação às coalizões mapeadas nos subsistemas, fica nítida a atuação de uma delas nos bastidores da política (coalizão anistia recíproca e parcial) e a sua influência durante todo o processo decisório nos dois subsistemas.

Disponivel em https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/8156?show=full