A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo


Porbarbara_montibeller- Postado em 17 abril 2012

Autores: 
CARVALHO, Gabriel Freitas Maciel Garcia de

A aplicabilidade da multa por litigância de má-fé aos advogados atuantes no processo

Sumário: 1 Introdução. 2 A litigância de má-fé. 3 O dever do Estado de garantir a lealdade no
processo. 4 Litigância de má-fé e a atuação do procurador. 5 Conclusão.

1 Introdução

Este trabalho pretende, por meio do estudo do instituto da litigância de má-fé e dos
pressupostos e consequências da aplicação de suas sanções de acordo com a abrangência que
se lhe confere, analisar a possibilidade e a necessidade da aplicação da multa por má-fé
processual aos advogados. Objetiva-se ampliar a eficácia do instituto, de acordo com os fins a que
se propõe, e, consequentemente, conferir maior efetividade ao direito material, fim e razão de
existência do processo.
Parte-se da verificação das razões de ser do repúdio às práticas de deslealdade processual e
das sanções que buscam coibir a atuação ímproba, com o fim de diagnosticar o potencial grau de
sua eficácia de acordo com o âmbito de aplicabilidade que é hoje reconhecido pela doutrina e pela
jurisprudência às sanções previstas no art. 18 do Código de Processo Civil (CPC) e em outros
dispositivos esparsos.
Posteriormente, faz–se necessário o estudo do processo como instrumento de atuação da
jurisdição e, assim, da lealdade processual como questão de ordem pública a ser tutelada pelo
Estado, de modo a garantir que a solução definitiva dos conflitos que lhe são submetidos seja
aquela que melhor efetive o ordenamento jurídico que o sustenta, o que o legitima como tal.
Por fim, propõe-se o aprofundamento na realidade processual, pela identificação de hipóteses
de condutas de má-fé imputáveis exclusivamente aos advogados atuantes no processo, o que
permitirá verificar a eficácia da abrangência limitada das sanções previstas no CPC, de acordo com
o fim estatal de promover a justiça e preservar a legitimidade do monopólio da jurisdição.
A partir de considerações doutrinárias e do cotejo com casos já reconhecidos pela
jurisprudência como justificadores da sanção aos advogados, propor-se-á a extensão da
interpretação atualmente conferida ao instituto, para que passe a responsabilizar os reais agentes
da deslealdade, como forma de majorar o grau de realização dos seus objetivos.
Como lembra Stoco (2002),
ressuscitar a confiança dos operadores do direito, uns nos outros, como sonhou
Giuseppe Bettiol, e incutir-lhes um comportamento ético será a única saída para
solucionar a crise do processo e convertê-lo em instrumento e meio para a
solução dos conflitos de forma rápida, eficiente, garantidora e absolutamente
satisfatória (STOCO, 2002, p. 45).
Dentre os que se dedicaram de modo mais aprofundado à questão e, em particular, trataram
da (im)possibilidade de responsabilização de advogados dentro do próprio processo, destaca-se
Stoco (2002), cujo posicionamento é no sentido de que “o procurador das partes em juízo
(defensor ou advogado) não responde pessoalmente por má-fé processual” (STOCO, 2002, p. 92).
Em sentido contrário, há autores que defendem a necessidade de alteração legislativa para que se
possa avançar na aplicação das penalidades, como por exemplo, Leão (1986).
Observa-se que o tratamento dado pela doutrina é bastante conservador e legalista, evitando,
na maioria das vezes, a crítica, que pode ensejar um aprofundamento da discussão.

2 A litigância de má-fé

A exigência de que a lide se desenvolva baseada na ética e na verdade é princípio
consagrado no direito processual, ainda quando não se encontra positivado, já que se trata de
ordem mais elevada do que o próprio direito positivo.
A má-fé processual nasce da atuação maliciosa do litigante em juízo, em ofensa ao dever de
lealdade, atualmente positivado no art. 14 do CPC. Referido dispositivo legal estabelece
parâmetros de conduta processual dirigidos a “todos aqueles que de qualquer forma participam do
processo” e orientados pela verdade e pela boa-fé, com vistas ao desenvolvimento processual
imune a obstáculos e empecilhos criados maliciosamente.
Nalini (1997) ensina que
[...] a lealdade é o nome da boa-fé. É a transparência e a sinceridade. Não se
exterioriza apenas no princípio da lealdade processual, mas na lealdade com o
dever de realizar o justo, com a pacificação social, com a harmonização (NALINI,
1997, p. 16).
O dever de lealdade no processo é classificado por Ochoa Monzó (1997) como pertencente à
categoria das obrigações processuais, tratando-se, no seu entender, de uma regra de conduta
humana, de comportamento leal, não malicioso nem temerário.
As obrigações ou deveres processuais diferenciam-se dos ônus na medida em que estes
representam a oportunidade de praticar determinado ato com o propósito de evitar um resultado
desfavorável, enquanto aquelas “podem ser definidas como as prestações de dar, fazer ou não
fazer impostas às partes ou a terceiros dentro do processo cuja inobservância acarreta uma
sanção jurídica” (OCHOA MONZÓ, 1997, p. 35). Como se vê, ao contrário do que ocorre com
relação aos ônus, a idéia de sanção é ínsita à de obrigação processual, pois se trata de
mecanismo que garante a observância das normas. Segundo Costa (2005), “a obrigação
processual existe, então, juridicamente, enquanto o seu [des]cumprimento for sancionado ou
através da pena, ou por execução forçada” (COSTA, 2005, p. 192).
Os arts. 17 e 18 do CPC estatuem, respectivamente, hipóteses configuradoras de má-fé
processual e sanções aplicáveis quando da ocorrência de qualquer delas. Como se observa do rol
de condutas tipificadas (art. 17 do CPC), exige-se das pessoas em juízo que as manifestações
perante ele tenham conteúdo lícito, ético e de boa-fé. Como lembra Stoco (2002), “não se permite
que sob o manto da lisura e da legalidade, a manifestação traga a intenção do propósito de
locupletar-se, beneficiar-se ou de dificultar, retardar e prejudicar” (STOCO, 2002, p. 87).
O art. 18 do CPC dispõe sobre as sanções aplicáveis ao litigante de má-fé, prevendo a
possibilidade de aplicação de multa e de condenação ao pagamento de indenização à parte
contrária pelos prejuízos que tenha sofrido em razão da atuação ímproba.
A teleologia do instituto se funda na necessidade de orientar a conduta das partes no sentido
de se chegar à solução mais próxima possível da justiça do caso concreto. As sanções previstas
na lei têm a função precípua de resguardar a dignidade do Poder Judiciário como agente do
monopólio estatal da jurisdição. Paralelamente, possuem função pedagógica, no sentido de incutir
nas partes o valor da lealdade processual, servindo assim à prevenção da deslealdade e à
recomposição resultante da mesma deslealdade. Tais finalidades devem orientar o processo
interpretativo e de aplicação das sanções, sendo de suma importância na tese que se exporá mais
adiante.
A função preventiva da sanção se expressa por meio da repressão à conduta maliciosa. Tanto
a imposição de multa, de até 1% sobre o valor da causa, como a condenação ao pagamento de
indenização cumprem o dever de impor à parte um resultado negativo originado em sua conduta,
demonstrando o repúdio do direito à transgressão do dever de lealdade.
Previne-se a ocorrência de futuras violações da boa-fé no curso do processo, e também de
outros processos, pela certeza, incutida na mente do litigante, de que sua conduta será identificada
e punida. Tal função se equipara à chamada coercitiva, pois obriga à obediência da norma pela
perspectiva de uma consequência danosa, conforme lembra Ochoa Monzó (1997, p. 43). Daí a
necessidade da ampla aplicação, pelos tribunais, do instituto da litigância de má-fé, já que somente
a certeza da punição torna efetiva a cominação da sanção, prevenindo-se o dano processual. Mais
do que isso, é necessário que os tribunais passem a otimizar as funções da sanção, tornando-a
eficaz pela sua aplicação de modo adequado, como se demonstrará.
Já a função de recomposição se efetiva exclusivamente por meio da condenação à reparação
dos prejuízos, em valor equivalente a até 20% sobre o valor da causa. Objetiva-se reparar os
danos sofridos pela parte contrária em razão da conduta de má-fé, retornando sua situação
patrimonial àquela anterior ao dano processual. Daí a necessidade de que sejam apurados os
prejuízos sofridos, não podendo o magistrado arbitrariamente fixar um valor genérico como
indenização.
Aquele que age contra os deveres de lealdade e boa-fé no processo torna-se o chamado
improbus litigatur, ou litigante de má-fé, momento a partir do qual se sujeita às sanções previstas
na lei. Para Nery Júnior e Nery (1999), “má-fé é a intenção malévola de prejudicar, equiparada à
culpa grave e ao erro grosseiro” (NERY JÚNIOR; NERY, 1999, p. 422). O litigante de má-fé,
segundo os autores (1999), “se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que,
sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo
procrastinando o feito” (NERY JÚNIOR; NERY, 1999, p. 422).
Armelin (1985) esclarece a posição da doutrina sobre a caracterização do litigante de má-fé:
A violação do dever de lealdade e probidade constitui um ilícito processual e,
destarte, extranegocial, considerando-se o caráter e natureza pública do processo
e dos deveres dele emergentes. Todavia, na aplicação dessa sanção há de se
levar em conta o elemento subjetivo para colorir a conduta ilícita da parte
(ARMELIN, 1985, p. 228).
O conceito, adotado, com poucas variações, pela maior parte da doutrina, compõe-se, assim,
de duas frações essenciais, que são a conduta típica (procedimentos maliciosos) e a culpabilidade
(dolo ou culpa). Tal elemento subjetivo é reconhecido amplamente pela doutrina como condição
para a imposição da sanção, já que o ordenamento jurídico brasileiro adotou a chamada teoria
subjetiva, sendo necessária a verificação da “intencionalidade”, do “objetivo ilegal”, do “modo
temerário” (STOCO, 2002, p. 93). Segundo Stoco (2002), é necessário, na caracterização do
litigante de má-fé, “que se faça juízo de valor para verificar se o agente, ademais da conduta
antijurídica, ingressou no campo da culpabilidade” (STOCO, 2002, p. 90).
A doutrina e a jurisprudência restringem o conceito de litigante de má-fé, excluindo de sua
abrangência as pessoas que participam do processo em qualquer condição que não a de parte ou
interveniente. Stoco (2002), por todos, é expresso ao afirmar que “o procurador das partes em
juízo (defensor ou advogado) não responde pessoalmente por má-fé processual” (STOCO, 2002,
p. 92), e cita, nesse sentido, a “doutrina mais expressiva”, mencionando o magistério de Baptista
da Silva (2000) e Alvim (1975).
Segundo Dinamarco (2009),
infringindo deveres de lealdade no processo, caracterizados como litigância de
má-fé na lei processual, o advogado responde pessoalmente perante a parte
contrária - desde que tenha agido com dolo ou culpa (EA, arts. 32 e 34, inciso VI;
CPC, arts. 14-18) (DINAMARCO, 2009, p. 716).
O art. 16 do CPC, não obstante tratar especificamente da indenização por perdas e danos em
razão de má-fé processual, não da multa, serve como parâmetro para a doutrina e a jurisprudência
entreverem a limitação da aplicação de ambas as sanções previstas em lei somente às partes e
aos eventuais intervenientes no processo.
O próprio termo litigante de má-fé serve à limitação que geralmente se vê na aplicação das
sanções do instituto, pois litigante é aquele que vai a juízo defender sua pretensão, ou seja, a parte
que se encontra em litígio com outra. Segundo Oliveira (2000):
Os artigos 16 e 17 restringem a litigância de má-fé às partes e intervenientes, não
ao advogado, ao procurador das partes. [...]
Para o processo não há alteração, seja na conduta do advogado ou da parte, o
mau comportamento será sempre imputado à parte e sobre ela recairão as
condenações.
Condenada por litigância de má-fé, deve a parte, em se tratando de ato do
advogado, acionar-lhe regressivamente, nos termos do artigo 14, § 4º, do Código
de Defesa do Consumidor (OLIVEIRA, 2000, p. 71).
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é, quase unanimemente, neste sentido:

[...] Os danos eventualmente causados pela conduta do advogado deverão ser
aferidos em ação própria para esta finalidade, sendo vedado ao magistrado, nos
próprios autos do processo em que fora praticada a alegada conduta de má-fé ou
temerária, condenar o patrono da parte nas penas a que se refere o art. 18, do
Código de Processo Civil [...] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos
EDcl no Ag 918228/RS. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino. Diário da Justiça
Eletrônico, Brasília, 22 set. 2010).
Como se vê, seja a parte pessoalmente culpada pela conduta desleal no curso do processo
ou não, responderá ela, no entender da doutrina e da jurisprudência majoritárias, sujeitando-se às
sanções legais. Caso seja o advogado o real culpado pela conduta de má-fé processual, somente
restará à parte ajuizar ação autônoma, pleiteando a reparação perante seu procurador. No dizer de
Leão (1986), “a parte prejudicada, em ação regressiva, poderá reaver, do seu procurador, o gasto
que teve” (LEÃO, 1986, p. 41).
Tal solução, entretanto, deve ser observada sob um ponto de vista crítico, não se podendo
aceitar ingenuamente que o escopo do instituto da litigância de má-fé, ou seja, a efetividade do
direito discutido no processo, pela prevenção de práticas maliciosas, será alcançado apenas
indiretamente, pela ação voluntária de particulares que, buscando fim diverso, o de recomposição
patrimonial, façam recair sobre os agentes reais da má-fé a responsabilidade sobre sua conduta.
Mais: é por meio da interpretação sistemática e teleológica do instituto, ou seja, de sua
visualização sob a natureza publicística do processo e do dever do Estado de levar a cabo com
efetividade a função jurisdicional, que se poderá averiguar o grau de eficácia de sua aplicação e
buscar formas de torná-lo mais efetivo.

3 O dever do estado de garantir a lealdade no processo

Estatuídas as bases sobre as quais se assentam, hoje, as abordagens doutrinárias e
jurisprudenciais sobre o dever de lealdade processual e a litigância de má-fé, cumpre verificar se
os limites vislumbrados atualmente se coadunam com a moderna concepção de processo, por
meio da análise do papel do Estado no seu direcionamento e na busca da efetividade e da justiça.
O processo, conforme a concepção de Calamandrei (1945), adotada pela grande maioria dos
doutrinadores, é a “serie de actos coordinados y regulados por el Derecho Procesal, a través de los
cuales se verifica el ejercicio de la jurisdicción” (CALAMANDREI, 1945, p. 287). Theodoro Júnior
(2003) ressalta se tratar o processo de “um método ou sistema de atuação” da jurisdição, sendo
esta definida por Cintra, Grinover e Dinamarco (2006) como o “encargo que tem o Estado de
promover a pacificação de conflitos interindividuais mediante a realização do direito justo”
(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2006, p. 145).
Também Marinoni e Arenhart (2006), para quem o processo é o “instrumento pelo qual o
Estado exerce a jurisdição” (MARINONI; ARENHART, 2006, p. 70), confirmam a ideia de que o
processo é o meio pelo qual o Estado faz valer seu poder de decidir imperativamente e de impor
suas decisões, ou seja, de exercer o monopólio da jurisdição.
Tal concepção evidencia o caráter público do processo (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO,
2006, p. 296), que ganhou força com a consolidação do Estado, no decorrer do século XIX, e se
firmou a partir da superação dos postulados liberais pelo modelo social de Estado.
Segundo Ochoa Monzó (1997), a repercussão dos postulados sociais alcança o mundo
jurídico e mostra que o processo não se compromete apenas com os interesses particulares, mas
também com o interesse público do Estado. O compromisso do Estado social com valores de
igualdade, liberdade e realização da justiça alterou o papel do juiz, antes distante - como forma de
preservar sua imparcialidade -, o que também resultou na alteração da própria sistemática do
processo, com a afirmação de uma nova categoria, a das obrigações processuais, referidas no
item anterior.
Dentre tais obrigações, encontra-se o dever de lealdade processual, estabelecido, no direito
brasileiro, pelo art. 14 do CPC, que se destina às partes e a todos aqueles que de qualquer forma
participam do processo. Segundo Milhomens (1961):
O Estado, que promete a prestação jurisdicional, dá o instrumento, mas exige que
se lhe dê precípua destinação. Pratiquem-se de boa-fé todos os atos processuais.
Ajam as partes lealmente; colaborem todos com o órgão estatal, honestamente,
sem abusos. Da relação processual surgem poderes e deveres. Para o juiz e para
as partes entre si, e deveres de uma parte para com outra parte (MILHOMENS,
1961, p. 33-34).
Como afirmam Cintra, Grinover e Dinamarco (2006), diante de suas finalidades de pacificação
geral na sociedade e de atuação do direito, o processo deve se revestir de uma dignidade que
corresponda aos seus fins, o que é garantido pelo princípio da lealdade processual. Ou seja, a
dignidade do processo é condição sem a qual não pode o Estado se legitimar como agente
exclusivo da pacificação social e de defesa do direito. Para Stoco (2002), que relaciona a má-fé
processual ao abuso de direito, deve-se considerar “o processo como instituto de ordem pública,
cujas normas e regras são cogentes, impositivas e não ficam no poder dispositivo das partes”
(STOCO, 2002, p. 76).
Assim, ganha relevo a ideia de que tal princípio não visa somente à proteção e à segurança
das partes em juízo, mas também, e principalmente, à viabilização da atuação mais correta
possível da jurisdição, ou seja, a garantia do Estado de que o direito posto, e que lhe sustenta,
será efetivado.
Por isso é que Costa (2005) considera o juiz como sujeito passivo do dolo processual, já que
“a declaração do juiz pode sofrer a influência maléfica do mesmo” (COSTA, 2005, p. 68). Juiz, na
concepção do autor, que representa, no processo, o Estado, sendo, portanto, este, o sujeito
passivo da conduta desleal.
E, se é verdade que “a moderna processualística busca a legitimidade do seu sistema na
utilidade que o processo e o exercício da jurisdição possam oferecer à nação e às suas
instituições” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2006, p. 146), deve-se reconhecer
forçosamente que tanto mais útil será o processo, e, portanto, mais legítimo o sistema, quanto mais
confiável, por se fundar na atuação leal em juízo, for o provimento jurisdicional construído em
contraditório.
Segundo Costa (2005), “do momento em que o conceito público de processo superou o
conceito contratual, a obrigação de boa-fé da parte, com respeito ao juiz, descende do vínculo de
sujeição que liga o cidadão ao Estado, e que é a base do sistema de composição coativa dos
conflitos” (COSTA, 2005, p. 196). Assim, todo e qualquer cidadão atuante no processo, por manter
o mesmo vínculo com o Estado, tem a obrigação de agir de boa-fé, sujeitando-se - já que à
obrigação é ínsita a sanção - às penalidades previstas em lei.
O reconhecimento, pela Corte Constitucional brasileira, de que o Poder Judiciário deve repelir
sumariamente a conduta de má-fé, propugnando que não seja ela tolerada, demonstra de modo
inconteste a assunção, pelo Estado, do dever de preservar a ética do processo, o que não pode se
dar de modo unicamente formal, mas pela busca incessante da forma mais efetiva de realizá-la
(STF, Agravo de Instrumento nº 567171 AgR-ED-EDv-ED/SE, Relator o Ministro Celso de Mello).
A atual preocupação com a efetividade do processo e com a efetiva realização dos fins
sociais do direito se liga intimamente com o dever do Estado de atuar de modo rígido com o
objetivo de garantir que a marcha processual se desenvolverá em observância à ética e à
probidade, pois só assim será possível a construção de um provimento jurisdicional apto a pacificar
o conflito e, consequentemente, realimentar a legitimidade do direito e de si próprio. Nesse sentido,
importante lição de Grinover (2000):
Mais do que nunca, o processo deve ser informado por princípios éticos. A
relação jurídica processual, estabelecida entre as partes e o juiz, rege-se por
normas jurídicas e por normas de conduta. De há muito, o processo deixou de ser
visto como instrumento meramente técnico, para assumir a dimensão de
instrumento ético voltado a pacificar com justiça. [...] É por isso que os Códigos
Processuais adotam normas que visam a inibir e a sancionar o abuso do
processo, impondo uma conduta irrepreensível às partes e a seus procuradores.
(GRINOVER, 2000, p. 63).
De outro modo, se o processo é o instrumento por meio do qual o Estado faz valer o
ordenamento jurídico posto e se somente um processo comprometido com a realização da justiça
atende aos fins a que se destina, é forçoso reconhecer que somente é legítimo o exercício da
jurisdição e somente se pode efetivar o ordenamento jurídico caso o Estado desempenhe
peremptoriamente seu dever de garantir um espaço ético de discussão propício à construção da
justiça do caso.

Neste sentido, evidencia-se a possibilidade de o juiz, de ofício, aplicar as penas ao litigante de
má-fé, possibilidade esta que, acompanhando a evolução da concepção de processo trazida pelo
modelo social de estado, somente foi introduzida no direito brasileiro em 1994, por meio da Lei nº
8.952, de 13.12.1994, que alterou a redação do art. 18 do CPC. Segundo Nery Júnior e Nery
(1999):
A Lei 8.952/94 já deixara expresso o dever de o juiz condenar, de ofício, o
litigante de má-fé, como já exposto na 1ª edição destes comentários. [...] O
destinatário primeiro da norma é o juiz ou tribunal, de sorte que lhe é imposto um
comando de condenar o litigante de má-fé a pagar multa e a indenizar os danos
processuais que causou à parte contrária. Isto porque o interesse público indica
ao magistrado que deve prevenir e reprimir os abusos cometidos pelos litigantes,
por prática de atos que sejam contrários à dignidade da justiça (NERY JÚNIOR;
NERY, 1999, p. 427).
Ora, se não é mais necessário o requerimento da parte contrária para que haja a repressão
da conduta maliciosa, é evidente o reconhecimento pela lei de que não é a ofensa ao direito de
outrem que justifica a punição, mas sim a ofensa à ordem jurídica como um todo e à sociedade em
geral. Assim, como “a atitude ímproba é mais ultrajante à justiça como entidade do que à parte
contrária” (STOCO, 2002, p. 100), cabe ao Estado atuar da forma mais efetiva possível, não para
remediar o dano sofrido pelo outro litigante, mas para assegurar àquele que desobedeceu ao dever
de lealdade que sua conduta não será tolerada e que futuros desvios serão também coibidos.
Na busca dessa efetividade faz-se necessário transcender os limites que geralmente se veem
à autoridade do juiz para aplicar as sanções por litigância de má-fé a quem quer que tenha agido
em desconformidade com o dever de lealdade, restando averiguar a posição dos representantes
diretos das partes em juízo nesse contexto.

4 Litigância de má-fé e a atuação do procurador

O reconhecimento de que o Estado tem o dever de prevenir a deslealdade no processo é
questão fundamental à interpretação da lei com vistas à definição do âmbito subjetivo de
abrangência das sanções por litigância de má-fé, já que somente será efetiva a sanção e somente
se alcançará seu objetivo de prevenção, caso sejam punidos aqueles que pessoalmente
empreenderam a conduta desleal.
Neste sentido, deve-se verificar se o atual tratamento conferido pela doutrina e pela
jurisprudência ao instituto possibilita o pleno alcance dos seus fins, ou se, ao contrário, é
necessária interpretação mais ampla do que aquela realizada pelo saber vigente, que torne
efetivas as penas cominadas e que promova de modo mais adequado a lealdade processual.
A conduta desleal praticada no processo tem como fim último o benefício do litigante ímprobo
em prejuízo da parte contrária. Para que se atinja tal desiderato, pode ser que a própria parte,
pessoalmente, aja com culpa, seja ao decidir ajuizar ação que desde logo sabe infundada, seja por
meio de declarações falsas prestadas no curso do processo - ao seu procurador, que as transmitirá
em juízo, ou diretamente, em audiência -, seja ainda criando obstáculo ao cumprimento de ordem
judicial.
Entretanto, pode ser que conjuntamente com a parte, ou mesmo de modo individual, atue seu
procurador, com o objetivo de vencer a causa que se propôs defender, beneficiando seu cliente, ou
mesmo com o objetivo particular de obter, ao final, honorários sucumbenciais. Em tais hipóteses,
coliga-se o patrono com a parte patrocinada para lesar a outra, em benefício próprio.
Há ainda situações em que a atuação de má-fé, ainda que beneficie exclusivamente a parte, é
empreendida unicamente pelo advogado, não influindo a parte de nenhum modo na prática da
conduta desleal. Tais situações se evidenciam principalmente no caso de questões processuais e
técnicas a que somente o causídico tem acesso, como, por exemplo, as alegações de fatos
processuais contrárias ao que consta dos próprios autos ou a interposição de recursos e embargos
de declaração com alegações meramente processuais sabidamente infundadas.
Como se sabe, são os advogados quem orienta as partes, estimulando-as a agir em
determinado sentido ou as dissuadindo de praticar determinado ato. Notadamente em uma
sociedade de baixa cultura jurídica, o papel do procurador ganha particular relevância tanto na
forma quanto no conteúdo da participação das pessoas em juízo.

Como conclui Leão (1986), “o causídico é, muitas vezes, o agente provocador da declaração
do dolo processual. No seu elenco [do art. 14], há a previsão do abuso processual para casos cuja
prática requer conhecimento técnico-especializado e, consequentemente, só os procuradores
estão qualificados para tanto” (LEÃO, 1986, p. 41). Ora, nesses casos somente os advogados
agem com culpa, na medida em que seu cliente geralmente desconhece a técnica processual ou
nem sequer sabe do andamento do processo.
Apesar de geralmente o julgador não fazer distinção entre a atuação da parte e a de seu
procurador, há diversos casos, como o do agravo regimental interposto em face da decisão
monocrática proferida pelo relator no Recurso Especial 1167320/RS, julgado pelo STJ, em que,
não obstante o reconhecimento de que foi o advogado quem infringiu as normas de lealdade
processual, condena-se a parte, pessoalmente, ao pagamento da multa por litigância de má-fé. Tal
situação não se mostra contraditória somente dentro da ótica defendida neste trabalho, mas
mesmo sob o prisma do saber vigente, já que, segundo a atual concepção conservadora, somente
deve ser apurada a responsabilidade do causídico em ação própria.
Dado o baixo conhecimento jurídico da sociedade em geral, as pessoas não podem exercer
controle efetivo sobre a atuação de seus representantes em juízo, situação que se agrava pelo
distanciamento existente entre a linguagem do Direito e a linguagem da sociedade. Esse fato
impede até mesmo que a parte, condenada em juízo por deslealdade processual, identifique que o
resultado desfavorável se deveu à atuação do profissional por ela escolhido, o que inviabiliza, na
prática, a sua responsabilização em ação própria. Segundo Stoco (2002), “quase sempre a parte
sequer tem conhecimento da atuação do seu representante judicial e o modo com que está se
conduzindo” (STOCO, 2002, p. 113).
Como resultado, identifica-se a baixa efetividade das sanções aplicadas em razão de má-fé
processual, já que quando são, de fato, impostas, recaem sobre a própria parte. Prejudica-se,
deste modo, tanto a função punitiva, já que não se pune o real culpado, causando injustiça de fato,
como a função preventiva, já que na grande maioria das vezes são as partes litigantes eventuais,
que vão a juízo em situações excepcionais e, por isso mesmo, o “aprendizado” por elas adquirido
não gera as consequências pretendidas.
Ora, se desde logo já se pode saber que somente o advogado poderia urdir o ato malicioso,
dada a sua natureza processual e técnica, não se pode permitir, dentro da atual concepção de
processo, voltada que é para a efetividade e para a realização da justiça, que a punição recaia
sobre quem não praticou, nem poderia, a conduta maliciosa. Do contrário, restaria malferido um
dos requisitos unanimemente reconhecidos pela doutrina para a aplicação da sanção, que é a
culpabilidade.
A culpabilidade em grande parte dos casos de má-fé processual recai sobre o advogado, não
se podendo afirmar que a parte, desconhecedora da técnica processual, tenha tido a intenção de
praticar a conduta contrária à boa-fé. Assim, não pode ser punida a parte quando seja inequívoca a
culpabilidade de seu representante.
Acresça-se o fato de que a limitada interpretação do âmbito de aplicabilidade da multa
constitui fator de enfraquecimento do dever de lealdade, não somente porque a sanção deixa de
atuar sobre o agente real da malícia, mas porque ela deixa, também, de ser aplicada, já que os
tribunais parecem reconhecer a injustiça de se punir a parte em razão da conduta de seus
procuradores e por isso não aplicam as penas do art. 18 do CPC.
Já advertia Pontes de Miranda (1979) que “no espírito de juízes estava, quase sempre, a
suspeita de que mais responsáveis eram os advogados, suscitadores das demandas, do que as
partes mesmas, e condenar a essas, e não aqueles, orçaria por injustiça social” (PONTES DE
MIRANDA, 1979, p. 392). Tal situação foi reconhecida também por Oliveira (2000), para quem “os
tribunais têm sido omissos quanto à aplicação das sanções dos arts. 16 e 18 do CPC” (OLIVEIRA,
2000, p. 45). Segundo a autora (2000), são duas as principais razões da omissão:
[1] As partes não costumam requerer a condenação e os magistrados resistem
em até mesmo declarar ex officio o litigante, em situação de má-fé. Negam
também a condenação em perdas e danos. A tolerância das partes talvez seja
por conveniência (para que também não sofram imputação) ou mesmo por puro
descrédito no deferimento da pretensão e sua posterior execução.
[2] Os juízes também resistem em aplicar a sanção porque é a parte a sua
destinatária, e nunca o seu procurador, ainda que muitas vezes este tenha sido o
causador do ato processual abusivo. A ação regressiva é de difícil prática.
(OLIVEIRA, 2000, p. 45).

É importante remarcar que o art. 18 do CPC, diferentemente do art. 16 - que dispõe
exclusivamente sobre o dever de indenizar, conforme Alvim (1996) -, não faz qualquer menção à
qualidade das pessoas sujeitas à sanção nele estabelecida, reportando-se somente à expressão
“litigante de má-fé”, cuja definição se encontra no art. 17, que também não limita a amplitude
subjetiva. Mais: o § 1° do art. 18 do CPC prevê expressamente a condenação proporcional ou
solidária daqueles que se coligaram na conduta desleal, não fazendo distinção entre partes ou
demais partícipes do processo. Assim, tanto os procuradores quanto qualquer outra pessoa
coligada (peritos, serventuários, curadores, etc.) devem se sujeitar à sanção.
Não obstante a constatação da inefetividade das sanções por litigância de má-fé em razão da
interpretação restritiva que se lhe dão, persistem os tribunais na resistência a uma visão mais
ampla, compreensiva dos modernos anseios da jurisdição, muitas vezes amparados em
concepções conservadoras e que compactuam, por omissão, com as condutas desleais.
Os obstáculos geralmente entrevistos pela doutrina e pela jurisprudência à aplicabilidade da
multa por litigância de má-fé a advogados se fundam apenas em interpretações limitadas de
dispositivos legais, interpretações estas conservadoras e que, como se demonstrou, não resistem
a uma análise teleológica do instituto.
Costuma-se afirmar que o art. 16 do CPC é categórico ao limitar a autor, réu ou interveniente
o conceito de litigante de má-fé. De fato, referido dispositivo exclui de seus destinatários pessoas
outras que não as partes, parecendo não deixar margem à recondução do instituto à sua ratio
legis.
Entretanto, referida regra, interpretada com base nos postulados da efetividade do processo e
da realização da justiça, não constitui óbice intransponível à evolução do instituto. Ao contrário,
reforça afirmação aqui já referida no sentido de que quando se tratar de reparação de danos
causados por má-fé processual está-se na seara do direito privado, limitando-se a
responsabilidade às regras ordinárias do Direito Civil, de modo que respondem somente as partes.
Isso porque a redação da norma se refere expressamente à responsabilidade por “perdas e
danos”, ou seja, fica excluída da limitação imposta pela lei a hipótese de condenação ao
pagamento de multa, sanção esta, diferentemente da indenização, destinada à repressão da
conduta maliciosa e a desestimular a sua reiteração em outras ocasiões. Como reforço à ideia,
observa-se que a expressão litigante de má-fé, utilizada pelo art. 18, foi expressamente definida
pelo art. 17, não pelo art. 16 do CPC. Assim, quando não se tratar de perdas e danos não se pode
utilizar o art. 16 do CPC para excluir a responsabilidade do causídico pela atuação desleal no
processo.
Outro óbice geralmente levantado pela doutrina se encontra na regra do art. 32, parágrafo
único, da Lei n° 8.906, de 04.07.1994 (Estatuto da Advocacia): “em caso de lide temerária, o
advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para
lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria” (BRASIL, 1994). Assim, a
necessidade de que a responsabilidade do advogado seja apurada em ação própria é apontada
como o grande trunfo da advocacia, incluído em sua lei corporativa, para tornar inefetiva a regra
prevista no caput do dispositivo, segundo a qual o advogado é responsável pelos atos que, no
exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Entretanto, também esta hipótese não parece ter força suficiente para resistir à premente
necessidade de que o processo seja imbuído de lealdade e efetividade, para que alcance a
promoção da justiça e a pacificação social.
A leitura atenta da norma revela que se destina ela à hipótese em que um terceiro, estranho à
relação cliente-advogado, seja prejudicado pela atuação coligada de ambos, normalmente a parte
contrária ao cliente. Assim, a referida norma não pode servir à limitação da aplicação da multa por
litigância de má-fé diretamente ao advogado, já que dela não se pode inferir a exigência de que o
cliente, condenado no processo, tenha que mover ação própria para reaver do profissional os
prejuízos que teve por sua conduta desleal, o que seria até mesmo antieconômico.
Ressalte-se também que a norma contida no Estatuto da Advocacia, como é evidente, não
trata da fonte originária da responsabilização dos advogados. Do contrário, poder-se-ia
absurdamente afirmar que antes dela estavam os advogados isentos de responsabilidade por sua
atuação culposa ou dolosa, o que não é verdade.
A fonte primeira da responsabilidade do advogado, ou de qualquer outro profissional que
cause prejuízo agindo com dolo ou culpa, é o Código Civil, segundo o qual aquele que, por ato
ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (art. 927). Como o próprio
Código define o ato ilícito como o que decorra de ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, e viole direito ou cause dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (art. 186), é
forçoso se reconhecer que a responsabilidade dos advogados já existia antes de sua previsão em
lei específica.
A disposição contida no Estatuto da Advocacia, como se percebe, trata de responsabilidade
civil, ou seja, da hipótese em que a premissa é “lesar a parte contrária”. Não se poderia, com base
nesta norma, impedir o Estado, como sujeito passivo do ato desleal no processo, aplicar as
sanções que visam a resguardar a legitimidade de sua atuação jurisdicional, ainda quando não
haja efetiva lesão à parte contrária.
De outro modo, não pode o Estado ser obrigado a mover ação própria contra os advogados
para vê-los punidos por sua conduta atentatória à dignidade da Justiça, notadamente diante da
clara imposição de padrões de conduta pelo art. 14 do CPC, que se destina às partes e a todos
aqueles que de qualquer forma participam do processo.
Também uma análise amparada pelos princípios da efetividade e da economia processual
indicará as vantagens de se punir o real litigante de má-fé nos próprios autos em que ocorreu a
conduta desleal, já que se estará diante do mesmo juízo que presidiu a causa e identificou a
malícia evitando-se, ainda, as desvantagens da instauração de outro processo.
Nem sequer o parágrafo único do art. 14 do CPC, que excepciona “os advogados, que se
sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB” (BRASIL, 1973), pode ser tomado como
impedimento peremptório à aplicação da pena por litigância de má-fé aos advogados, já que a
previsão nele contida é expressa no sentido de que se limita à “violação do disposto no inciso V
deste artigo” (BRASIL, 1973), não abrangendo, por conseguinte, a multa prevista no art. 18, caput,
do CPC. Ademais, a respeito da referida ressalva, e lamentando a sua inclusão na lei por meio de
emenda bastante casuísta, afirma Stoco (2002):
[...] o advogado não se sujeita exclusivamente aos estatutos da OAB. Essa
sujeição exclusiva não ocorre no plano processual, civil e penal, senão apenas no
âmbito administrativo-disciplinar, perante o Conselho de Ética de sua entidade de
classe (STOCO, 2002, p. 102).
A sujeição exclusiva dos advogados ao seu órgão de classe, como forma de subtraí-los ao
controle da lealdade processual exercido pelo juiz, não se coaduna com o dever do Estado de
manter um ambiente democrático e confiável de construção do provimento jurisdicional. Se o
Estado deve zelar para que o processo se desenvolva sob bases éticas, o controle sobre a
atividade do advogado não pode ser legado exclusivamente ao órgão classista, corporativista por
natureza.
Ademais, são distintos os escopos do controle exercido pelo diretor do processo e aquele
exercido pelo órgão de classe. No primeiro caso, objetiva-se preservar a legitimidade da jurisdição
e a justiça da decisão, enquanto no segundo intenciona-se preservar a ética no exercício da
profissão, como forma de defesa da própria classe.
Assim, partindo-se de uma interpretação sistemática das normas processuais e materiais,
inexiste impedimento a que todos os partícipes do processo, sem exceção, possam ser
sancionados no caso de descumprimento do dever de lealdade, independentemente do controle
externo exercido por instituições de classe a que pertençam.
Não se pode concordar com a conclusão fatalista de Leão (1986) para quem “não há norma
processual a respeito da forma de punir o advogado que agir de má-fé” (LEÃO, 1986, p. 42). Ao
contrário, o intérprete da lei deve se orientar por considerações mais adequadas aos fins sociais do
Direito - art. 5° da Lei n° 4.657, de 4.9.1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). O
próprio autor (1986) faz a crítica:
Parece-nos altamente injusto que, o advogado sendo o responsável pelo ilícito,
venha o cliente a arcar com os prejuízos. É ilusório se imaginar que a parte tem à
disposição a ação regressiva. Nunca ouvimos falar que isso tivesse acontecido,
ainda que o multicitado Estatuto diga que constitui infração disciplinar o advogado
‘prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio’ (art. 103, XV)
(LEÃO, 1986, p. 43).
Acrescenta o autor que “é preciso punir o advogado sem ética, sem lei, ao invés da tolerância
e, quiçá, do elogio às suas ‘habilidades’” (LEÃO, 1986, p. 43). Nesse sentido, há já decisões, mais
consentâneas aos modernos anseios do Processo Civil, que reconhecem, no próprio processo em

que ocorreu o ato desleal, a responsabilidade dos advogados nele atuantes. Cita-se, como
exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), relatado pelo
Desembargador e doutrinador Rui Portanova, cujo voto foi acompanhado unanimemente:
[...] Ademais, todos têm o dever de agir em juízo com lealdade e boa-fé, inclusive
os advogados. Além disso, o advogado, mais do que simplesmente defender os
interesses do seu cliente a qualquer custo, desempenha função essencial à
Justiça (artigo 133 da Constituição da República). [...]
No caso, é tão grande a enxurrada de ações e recursos intentados pelo apelante,
e todos baseados em alegações comprovadamente falsas e inverídicas, em
pretensões totalmente infundadas e meramente procrastinatórias, que se mostra
de rigor concluir pela responsabilidade solidária do advogado, na conduta
processual de má-fé aqui neste processo [...] (Rio Grande do Sul. TJRS. Ap nº
70037053329, Rel. Des. Rui Portanova. Diário da Justiça, Porto Alegre, 25 nov.
2010).
Também o STJ já admitiu:
Litigância de má-fé dos advogados da empresa autora, que se omitiram em
apontar a ocorrência do erro na primeira oportunidade em que se manifestaram
nos autos após o julgamento, vindo a fazê-lo somente após o julgamento de
diversos recursos, quando a decisão que iria prevalecer seria desfavorável à sua
cliente. Imposição, aos advogados subscritores dos recursos, de multa de 1% do
valor atualizado da causa, além de indenização ao recorrido de 5% do valor
atualizado da causa. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EDcl nos EDcl no
AgRg no REsp 494021/SC. Rel.ª Min.ª Eliana Calmon. Diário da Justiça, Brasília,
13 set. 2004.)
A hipótese retratada neste julgamento se assemelha àquela em que a conduta desleal se
origina do contato do advogado com os autos do processo, carecendo a parte de conhecimento
técnico - no caso, sobre nulidade ocorrida anteriormente - para que se possa decidir praticar o ato
malicioso - a omissão voluntária e oportunista com o propósito de locupletar-se.
No mesmo sentido do julgamento citado, em outro acórdão relatado pela e. Ministra Eliana
Calmon, no julgamento do REsp 986443/RJ, a conduta maliciosa consistiu na adulteração de guia
de recolhimento do preparo recursal, prática esta sobre a qual a parte, pessoalmente, não tinha
qualquer influência, decorrendo de má-fé exclusiva do advogado
A percepção que começa a ser delineada pela jurisprudência evidencia a possibilidade, com
base no art. 18 do CPC, da responsabilização dos advogados nos casos em que a má-fé
processual for engendrada por ele de modo exclusivo ou em conluio com a parte que representa,
já que o Estado tem o dever de agir contra aqueles que atentam contra a Jurisdição, não podendo
relegar a terceiros tal função.

5 Conclusão
A análise do instituto da litigância de má-fé e de seu âmbito subjetivo de incidência limitado
pela interpretação conservadora atualmente vigente permitiu vislumbrar o baixo grau de efetividade
das sanções previstas em lei contra a conduta desleal no processo.
Como se viu, a eficácia da sanção deve ser buscada por meio da interpretação sistemática e
teleológica do instituto, ou seja, de sua visualização sob a natureza publicística do processo e do
dever do Estado pós-liberal de desempenhar com efetividade a função jurisdicional.
A partir do desenvolvimento da concepção de obrigação processual, à qual é ínsita a ideia de
sanção, como mecanismo que garante a observância das normas, chegou-se à conclusão de que
todas as pessoas envolvidas no processo se sujeitam ao controle do Estado, que deve agir com
rigor na preservação da ética no processo.
1 De fato, melhor seria que o legislador pusesse fim à discussão introduzindo no CPC norma expressa sobre a
aplicabilidade das sanções por litigância de má-fé aos procuradores das partes, como viabilizava a proposta da Comissão
de Juristas (STOCO, 2002, p.112) para a alteração do art. 14 do CPC. O Anteprojeto do Novo CPC não traz qualquer
avanço nesse sentido. Tal positivação, todavia, como se demonstrou, não é indispensável à realização dos fins pretendidos
pelo modelo de processo brasileiro.

Tal orientação se desempenha como forma de resguardar a dignidade do Poder Judiciário
como agente do monopólio estatal da jurisdição, exercendo função pedagógica, ao incutir nas
partes o valor da lealdade processual.
Assim, não pode o Estado relegar a terceiros, sejam eles a própria parte ou o órgão de
classe, a atuação corretiva contra aqueles que se utilizam de função essencial à Justiça para
promover o locupletamento próprio ou alheio à custa do dever de lealdade processual. A conclusão
se assenta no reconhecimento de que não é a ofensa ao direito de outrem que justifica a punição,
mas, sim, à ordem jurídica como um todo e à sociedade em geral.
Destarte, a atuação mais correta possível da jurisdição, ou seja, a efetivação do direito posto
pelo Estado, e que o sustenta, responde aos modernos anseios do direito processual, para o qual
tanto mais útil será o processo - e mais legítimo o sistema - quanto mais confiável for. Isso
depende de que o Estado desempenhe peremptoriamente seu dever de garantir um espaço ético
de discussão propício à construção da justiça no caso concreto.
Neste sentido, como se demonstrou, a boa utilização das ferramentas processuais, como a
efetiva aplicação da multa por litigância de má-fé, possibilita ao magistrado, no contexto do
processo, promover a conscientização dos atores processuais, especialmente dos advogados,
contribuindo para o aprimoramento da distribuição da justiça, seja em seu aspecto qualitativo, seja
no que diz respeito à tempestividade da resposta jurisdicional.
Conclui-se, assim, que o ordenamento jurídico vigente possibilita a aplicação direta, no curso
do processo, da multa por litigância de má-fé ao advogado que tenha agido com culpa na violação
da obrigação processual de nele atuar com lealdade.
Diante da constatação de que não são as reformas legislativas do procedimento e a alteração
da sistemática processual que promoverão a tão almejada efetividade do Direito, mas, sim, a
alteração da mentalidade dos atores sociais e processuais, afirma-se que a evolução do instituto
da litigância de má-fé poderá contribuir para o alcance de uma Justiça adequada e que resolva o
conflito a tempo de minorar os impactos da violação do direito.
Certamente que tal situação está condicionada ao desenvolvimento cultural do país, aos
investimentos em educação e ao aprimoramento das formas de seleção e formação de
magistrados, serventuários, advogados e “operadores do direito” em geral. Somente com o fim da
cultura do litígio, com a valorização da resolução extrajudicial dos litígios, por meio da mediação, e
com a construção de uma sociedade mais dialógica e democrática se poderá alcançar uma justiça
que seja plena.

Referências

ALVIM, Thereza. A responsabilidade por prejuízos causados no processo (consideradas as
alterações trazidas pela nova redação dada ao art. 18 do CPC pela Lei 8.952/94). In: Teixeira,
Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1996, p.
555-565.
ARMELIN, Donaldo. Perdas e danos. Responsabilidade objetiva pelo ajuizamento de cautelar
inominada e por litigância de má-fé. Forma mais adequada de liquidação. Indenização fixada pelos
índices da ORTN. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 39, p. 222-237, jul.-
set. 1985.
ARRUDA ALVIM, José Manoel. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975.
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed. Porto
Alegre: Lejur, 1986.
CALAMANDREI, Piero. Estudios sobre el processo civil. Buenos Aires: Editorial Bibliográfica, 1945.
COSTA, Stefano. O dolo processual em matéria civil e penal. Tradução de Laercio Laurelli. 2. ed.
São Paulo: PaulistanaJur, 2005.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2009, v. 1.
12
GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 7. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2008.
LEÃO, Adroaldo. O litigante de má-fé. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
MILHOMENS, Jônatas. Da presunção de boa-fé no processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1961.
NALINI, José Renato. A ética nas profissões jurídicas. Lex - Jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, Ano 19, n. 225, p. 5-23, set. 1997.
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 4.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
OCHOA MONZÓ, Virtudes. La localización de bienes en el embargo. Barcelona: J. M. Bosch
Editor, 1997.
OLIVEIRA, Ana Lúcia Iucker Meirelles de. Litigância de má-fé. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 2. ed.
rev. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 1979. Tomo I.
STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 40. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, v. 1.